sábado, 25 de janeiro de 2020

O impacto decisivo da inteligência militar francesa na ofensiva alemã de Marneschutz-Reims


Por David Retherford e Richard WillisStrategy Bridge, 29 de julho de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 06 de agosto de 2019.

15 de julho de 1918 viu o início da quinta e última ofensiva alemã da Primeira Guerra Mundial. Naquele dia, os alemães lançaram a fase de abertura da Segunda Batalha do Marne, com o codinome de Operação Marneschutz-Reims, mudando todo o ímpeto da guerra das Potências Centrais para a Entente. Um dos principais fatores que contribuíram para essa mudança foi a inteligência tática de combate. [1] Este artigo analisa o processo de análise e disseminação dessa inteligência. [2] A educação militar profissional (PME) ou os leitores especializados encontrarão essa batalha e a subsequente mudança de de ímpeto interessantes e leitores comuns serão igualmente envolvidos por uma narrativa orientada pela inteligência.[3]

[1] Heymont, Irving. Combat Intelligence in Modern Warfare. (Harrisburg: Military Service Division The Stackpole Company, 1960), pg 6.
[2] Heymont, Irving, pg 6.
[3] Neiberg, Michael. The Second Battle of the Marne. (Bloomington: Indiana University Press, 2008), pg 131.

Ludendorff em seus estudos no Quartel-General do Exército. (Arquivos Federais Alemães/Wikimedia)

Em meados de 1918, os alemães estavam procurando um golpe decisivo pelo qual a Entente seria forçada a buscar a paz. [4] O Primeiro Intendente-Geral Erich Ludendorff detalhou o ataque em 14 de junho: o Sétimo Exército atacaria a área do rio Marne (o elemento de defesa Marne) em torno de Mery, enquanto o Primeiro Exército atacaria a leste de Reims, com 10 de julho destinado a um ataque ao longo de uma frente de setenta e quatro milhas (113km). [5] O ataque foi planejado como uma distração, com o alvo principal em outro ataque mais ao norte, no Flandres, planejado para o início de agosto - Operação Hagen. O objetivo era atravessar o Marne e enganar os aliados a acreditarem que o alvo era Paris, para que os franceses e britânicos precipitassem suas reservas para proteger a capital francesa, causando pânico entre a população francesa.

[4] Neiberg, Michael, pg 77.
[5] United States. General Service Schools, and Conrad Hammons Lanza. The German Offensive of July 15, 1918 (Marne Source Book). Fort Leavenworth, Kan.: The General Service Schools Press, 1923, pg 11-12; Zabecki, (2004), pg 460.

Um mês de preparação proporcionou a oportunidade de completar planos meticulosos, mas também teve dois efeitos colaterais infelizes. Primeiro, o planejamento estendido permitiu que Ludendorff estendesse o escopo original em uma operação maior, exigindo significativamente mais mão-de-obra. Segundo, os eventos no terreno significavam que logo após os planos serem elaborados, eles tiveram de ser descartados e redesenhados. Embora parte integrante da guerra, era perceptível que muitas divisões foram ordenadas a se mover para novos locais, apenas para que essas ordens fossem mudadas e às vezes mudadas novamente - muitas vezes depois de terem começado o movimento - causando perturbação, atraso e frustração nas tropas envolvidas.

A inteligência militar desempenhou um papel fundamental no apoio ao planejamento da ofensiva e foi responsabilidade do Departamento Abteilung IIIb, reportando-se ao Oberste Heeresleitung, Comando Supremo do Exército alemão. A culpa pelo fracasso da ofensiva pode ser rastreada até falhas sistêmicas e operacionais evidentes dentro do Abteilung IIIb, enquanto a disciplina ruim do exército e o acaso também desempenharam um papel. Embora o Deuxième Bureau, a Inteligência Militar francesa, usasse as mesmas fontes e tipos de informações disponíveis a todos os beligerantes - interrogatórios de prisioneiros, reconhecimento aéreo, observação visual, documentos capturados e espionagem -, ele demonstrou uma capacidade superior de interpretar a inteligência resultante em comparação ao Abteilung IIIb.[6]

[6] Gauché, Capitaine (1924), ‘La recherche du renseignement avant la bataille du 15 juillet 1918,’ La Revue d’infanterie, dezembro, pg 831.

As quatro ofensivas anteriores seguiram um padrão similar de ataque. Os alemães usaram surpresa tática com três componentes principais: lugar, tempo e peso. [7] Com base nessa experiência, o Alto Comando francês acreditava que sabia o que esperar quando o ataque começou. Mas a chave seria obter informações sobre a localização exata e, tão importante quanto, a data do ataque. Entender a força e o tamanho da força de ataque também ajudaria a determinar os requisitos de qualquer resposta defensiva.

[7] Falls, Cyril. The Great War (New York: G.P. Putnam's Sons, 1959), pg 349.

Ao contrário dos alemães, que estavam obcecados em saber qual divisão da Entente em frente às posições alemãs, os franceses não estavam particularmente interessados nesse nível de detalhe. Os franceses se basearam em ofensivas anteriores de que a maioria das tropas de choque alemãs chegou à linha de frente no último minuto - precisamente antes do ataque -, tornando a identificação prévia das unidades na linha um exercício inútil. Era, portanto, importante que os franceses levassem a coleta de informações para áreas remotas usando reconhecimento aéreo distante para identificar movimentos mais gerais de tropas e suprimentos.

Apesar de ser expressamente proibido por Ludendorff, em 30 de junho um oficial pioneiro alemão nadou até a margem sul do Marne e foi devidamente capturado. [8] Esta foi a descoberta de inteligência que o Deuxième Bureau procurava. O interrogatório do oficial pioneiro revelou a localização exata da próxima ofensiva alemã e uma data aproximada no início de julho. Isso foi então confirmado por espiões franceses baseados em Madri - na Espanha neutra - como provavelmente no dia 4 de julho. No entanto, nenhum ataque ocorreu naquela data e o Deuxième Bureau ordenou ao Quarto Exército que redobrasse seus esforços e enviasse mais grupos incursores para capturar documentos e prisioneiros.

[8] Ludendorff, Eric (1919) A história do próprio Ludendorff, de agosto de 1914 a novembro de 1918; a Grande Guerra desde o cerco de Liège até a assinatura do armistício visto do grande quartel-general do Exército Alemão, pg 308.

Os franceses ordenaram que todas as divisões ao longo da frente de 50 quilômetros ocupada pelo Quarto Exército francês participassem de incursões para capturar soldados alemães, especialmente oficiais, com o objetivo de obter informações sobre o que sabiam sobre a planejada ofensiva alemã. Um estudo do Sexto Exército francês divulgado no dia 4 de julho indicou que um ataque estava agendado para o dia 9 entre Reims e Château-Thierry.[9] Isso incluía o conhecimento das florestas nas quais as tropas já estavam se reunindo e um aumento notável no tráfego de aeronaves e veículos na área. Treze prisioneiros capturados em 5 e 6 de julho na área a leste de Suippe apresentaram mais evidências de que um ataque era iminente.[10] Apesar de repassar livremente os detalhes do ataque às autoridades francesas, todos os prisioneiros forneceram uma história notavelmente consistente, o que despertou a suspeita do Deuxième Bureau. Mas a história também continha elementos de fato, os quais o Deuxième Bureau conseguiu reunir, indicando a localização geográfica do ataque como sendo Reims. Um dia depois, três prisioneiros franceses fugidos escaparam de volta para as linhas francesas - todos confirmaram um ataque alemão iminente. Pouco a pouco, o Deuxième Bureau eliminou as opções e reduziu a localização provável do ataque, melhorando as chances de interceptar o avanço.

[9] Marne Sourcebook, pg 383.
[10] Gauché, pg 813.

Prisioneiros alemães sendo guardados por tropas australianas, 23 de abril de 1918. (Museu Imperial de Guerra/Wikimedia)

Em 10 de julho, o Deuxième Bureau estava confiante o suficiente para publicar um relatório de inteligência afirmando que um ataque alemão de 28 divisões atravessaria o Marne por volta do dia 14 entre Jaulgonne-Vrigny, na direção de Epernay. Simultaneamente, haveria um ataque de 16 divisões na frente Suippe-Main de Massiges na direção de Châlons e um terceiro ataque na frente Pompelle-Suippe por 14 divisões.[11] Isto foi confirmado por novas capturas de prisioneiros, revelando que a ofensiva recebeu o codinome Friedensturm (a Ofensiva da Paz) e o ataque seria em uma frente de 150 quilômetros a oeste e leste de Reims, enquanto a cidade em si não seria atacada frontalmente.[12] Uma série de explosões violentas em depósitos de munição entre 7 e 11 de julho foi mais uma prova de que munição adicional havia sido trazida para perto da primeira linha e já estava em posição. Um grande número de Minenwerfers [morteiros] com copiosos suprimentos de munição nas proximidades foram localizados em K2 e K3, a segunda e terceira trincheiras de combate, juntamente com um número extremamente grande de metralhadoras logo ao norte do rio.[13] Um relatório de interrogatório datado de 12 de julho explicou que os soldados foram capturados com uma reserva de comida de três ou quatro dias. O que a princípio poderia parecer banal era, na verdade, uma forte indicação da data iminente do ataque. Além disso, 14 de julho foi o Dia da Bastilha, um feriado nacional francês, e isso foi considerado significativo por causa da chance de que a população francesa pudesse temporariamente baixar a guarda enquanto comemorava.

[11] Nota do 2e bureau/GQG n° 9056 », citado no SHD/GR e no 16 nº 917:« Relevé chronologique et analyse succincte des principaux ordres, instructions, directives et études concernant la recherche et le traitement des renseignements personnels au cours de la campagne », GQG/2e bureau, 17 de julho de 1919.
[12] Marne Sourcebook, pg 298. Gauché, pg 814.
[13] Gauché, pg 827.

Uma incursão executada por quatro oficiais e 170 homens do 366º RI francês sob o comando do tenente Balestie às 19:55 de 14 de julho capturou 27 prisioneiros das 73ª e 19ª Divisões de Reserva e dos 7º e 11º Batalhões de Minenwerfers.[14] Entre os documentos capturados, havia um mapa do sistema completo dos Minenwerfers, incluindo direções de disparos e objetivos. Mas foi um comportamento acidental de um prisioneiro alemão capturado que finalmente entregou o jogo. Um oficial e 19 homens da 19ª Divisão de Reserva alemã foram capturados no setor do Quarto Exército francês às 21:30 do dia 14 e insistiram em ter suas máscaras de gás urgentemente devolvidas a eles.[15] Suspeitoso, o guarda perguntou por que os alemães exigiam suas máscaras de gás. Percebendo que ele havia revelado involuntariamente que um ataque alemão era iminente e que envolveria gás, o prisioneiro admitiu que um ataque começaria com uma preparação de artilharia envolvendo grandes quantidades de gás à meia-noite por quatro horas, seguido de um assalto de infantaria protegido por um barragem rolante.[16] Esta peça final do quebra-cabeça foi urgentemente comunicada à cadeia de comando, dando aos franceses tempo suficiente para organizar seu próprio ataque de artilharia. Às 23:45 isto foi passado pelo XXXVIII Corpo francês para a 3ª Divisão norte-americana na linha de frente a leste de Château-Thierry.[17] Às 23:50, apenas dez minutos antes do início da planejada ofensiva alemã, a artilharia pré-arranjada abriu fogo sobre pontos de reunião conhecidos, amontoados de soldados prontos para subir as trincheiras e fogo de contra-bateria sobre posições da artilharia alemã, causando baixas generalizadas e explosões em vários depósitos de munição.

[14] Révue Militaire Française (1923): Un coup de main historique exécuté par la 132e DI le 14 Juillet 1918.
[15] Lahaie, Olivier (2014) LES INTERROGATOIRES DE PRISONNIERS ALLEMANDS PAR LES SERVICES DE RENSEIGNEMENTS FRANÇAIS (1914-1918).
[16] Era 01:00h no horário alemão.
[17] Marne Sourcebook, pg 645.

Soldados alemães avançando passam por uma posição francesa conquistada, entre Loivre e Brimont, departamento do Marne, 1918. (Wikimedia)

O martelo alemão caiu à meia-noite de 15 de julho de 1918, com unidades conseguindo cruzar o Marne mais tarde naquela manhã. O ímpeto tinha estado com os alemães depois de cada ofensiva, mas desta vez os Aliados não só resistiram à barragem, mas, graças a um sistema de defesa em profundidade mais eficaz, foram capazes de quebrar o ataque e reduzir a sua eficácia. O ataque durou mais três dias, mas mesmo no dia 16 Ludendorff admitiu a derrota e emitiu ordens para suspender a ofensiva ao sul do rio e continuá-la apenas nas proximidades de Reims. De acordo com o historiador Jonathan Boff, “quando Marneschutz-Reims começou em 15 de julho, ela não ocorreu de forma alguma [de todo] com o planejado”.[18] Além disso, o historiador David Zabecki afirmou que um dos fracassos críticos da ofensiva alemã de 15 de julho foi a falta de surpresa.[19] A batalha é geralmente reconhecida como sendo o ponto de virada da guerra, sinalizando o fim da capacidade militar alemã de realizar operações ofensivas. Três dias depois, os aliados lançaram sua contra-ofensiva e, daquele dia até o armistício, o ímpeto passou das Potências Centrais para a Entente. O chanceler alemão, von Hertling disse mais tarde, “Nós esperávamos eventos graves em Paris para o final de julho. Isso foi no dia 15. No dia 18, até os mais otimistas entre nós entenderam que tudo estava perdido. A história do mundo foi esgotada em três dias.”[20]

[18] Boff, Jonathan. Haig’s Enemy. (Oxford: Oxford University Press, 2018), pg 231.
[19] Zabeki, David. The German 1918 Offensives. (New York: Routledge, 2006), pg 254, pg 271,pg 273.
[20] Von Hertling citado em Pershing John J, My experiences in the World War. Volume II 1931, pg 472.

Conclusão

Embora seja verdade que a inteligência de combate não disparou nenhuma granada de artilharia nem desmantelou nenhum ataque de infantaria, ela colocou informações oportunas e acionáveis nas mãos dos tomadores de decisão franceses. Mas não foi só porque o plano alemão falhou em ser levado a cabo adequadamente ou que os elementos do plano eram claramente fundamentalmente falhos. O fracasso teve tanto a ver com o fato do plano ter sido descoberto pelo Deuxième Bureau, permitindo a preempção da Entente, como teve com quaisquer limitações na execução alemã desse plano.

David Retherford é graduado pela University of Florida e possui mestrado pela Birmingham University. David está atualmente trabalhando em um segundo mestrado com foco em pesquisa sobre coleta de inteligência americana durante a Primeira Guerra Mundial.

Richard Willis é PhD em Estratégia e Mudança de Organização pela University of Newcastle e é graduado pela University of Aberdeen. Richard está atualmente trabalhando em uma monografia da AEF e BEF lutando com o Décimo Exército francês durante a Segunda Batalha do Marne.

Bibliografia recomendada:

Pyrrhic Victory:
French strategy and operations in the Great War.
Robert A. Doughty.

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