segunda-feira, 23 de agosto de 2021

GALERIA: Crânio de um sniper japonês decorado pela 1ª Divisão de Fuzileiros Navais

Crânio de um sniper japonês tomado na Batalha de Guadalcanal, 1942.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 23 de agosto de 2021.

Durante a Segunda Guerra Mundial, foi comum que militares dos Estados Unidos mutilassem militares japoneses mortos na campanha do Pacífico. A mutilação de soldados japoneses incluiu a retirada de partes do corpo como troféus e lembranças de guerra. Dentes e crânios eram os "troféus" mais comuns, embora outras partes do corpo também fossem coletadas.

O fenômeno da "obtenção de troféus" foi bastante difundido para que a discussão a seu respeito aparecesse com destaque em revistas e jornais. O próprio Franklin Roosevelt teria recebido um abridor de cartas feito do braço de um soldado japonês pelo representante dos EUA Francis E. Walter em 1944, o qual Roosevelt mais tarde ordenou que fosse devolvido, pedindo seu enterro adequado. A notícia também foi amplamente divulgada ao público japonês, onde os americanos foram retratados como "desajustados, primitivos, racistas e desumanos". Isso, agravado por uma foto anterior da revista LIFE de uma jovem com um crânio presenteado como troféu, que foi reimpresso na mídia japonesa e apresentado como um símbolo da barbárie americana, causando choque e indignação nacionais. 

"Lembra da caveira?"
Caveira com a foto do sargento fuzileiro naval John Shough.

O recorte da história e alguns dentes coletados com coroas metálicas.

Snipers sempre foram alvo de retaliações quando capturados, geralmente mortos a tiros na hora, ou torturados e mortos. Isso aconteceu em todas as frentes. Os snipers japoneses eram particularmente odiados por questões raciais e pela selvageria da guerra no Pacífico - por vezes descrita como "barbarismo medieval" - o que explica todo o trabalho em fazer desse sniper japonês em particular um troféu tão requintado. A coleta de pedaços humanos de forma generalizada, especialmente crânios e dentes, foi específica do Pacífico visando japoneses.

O recorte acompanhando o crânio japonês descreve a história:

O sargento de recrutamento fuzileiro naval John Shough, de Springfield, segura o crânio de um sniper japonês que foi morto em Guadalcanal 20 anos atrás durante a Segunda Guerra Mundial.

Antes que o sniper japonês fosse plotado amarrado no alto de uma árvore, ele matou um jovem fuzileiro naval que ganhara um nome e tanto durante a luta. Para vingar sua morte, outros fuzileiros navais de seu grupo decapitaram o sniper e em seu crânio pintaram o emblema da Primeira Divisão de Fuzileiros Navais e a bandeira americana.

Hoje, o Corpo de Fuzileiros Navais está tentando encontrar alguém que se lembre do fuzileiro naval não-identificado. Ele deseja conferir postumamente várias medalhas ao jovem fuzileiro naval.

O crânio japonês, devolvido a este país por um oficial fuzileiro naval após a batalha de Guadalcanal, passou por estações de recrutamento dos Fuzileiros Navais da Costa Oeste, para o Sudoeste, Montanhas Rochosas e agora para o Centro-Oeste. Até hoje, ninguém se lembra do nome do fuzileiro naval.

Foto da semana na revista LIFE em 22 de maio de 1944. A legenda original diz:
"A operária do Arizona escreve ao namorado da Marinha um bilhete de agradecimento pela caveira japa que ele lhe enviou".

Em 22 de maio de 1944, a revista LIFE publicou a foto de uma garota americana com uma caveira japonesa enviada a ela por seu namorado oficial da marinha. A legenda da imagem dizia: "Quando ele se despediu de Natalie Nickerson, 20, uma operária de guerra de Phoenix, Arizona, dois anos atrás, um grande e bonito tenente da Marinha prometeu a ela um japa. Na semana passada, Natalie recebeu um crânio humano autografado por seu tenente e 13 amigos, e escreveu: "Este é um bom japa - um morto apanhado na praia da Nova Guiné." Natalie, surpresa com o presente, chamou-o de Tojo; o apelido depreciativo do soldado japonês pelos americanos, por conta do general japonês Hideki Tojo. As cartas que a LIFE recebeu de seus leitores em resposta a esta foto foram "esmagadoramente condenatórias" e o Exército instruiu seu Bureau de Relações Públicas a informar aos editores americanos que "a publicação de tais histórias provavelmente encorajaria o inimigo a fazer represálias contra americanos mortos e prisioneiros-de-guerra". O oficial subalterno que enviou o crânio também foi encontrado e oficialmente repreendido, mas isso foi feito com relutância e a punição não foi severa. A imagem foi amplamente reproduzida no Japão como propaganda anti-americana.

A foto da LIFE também levou as forças armadas americanas a tomarem novas medidas contra a mutilação de cadáveres japoneses. Em um memorando datado de 13 de junho de 1944, o JAG do Exército afirmou que "tais políticas atrozes e brutais" além de serem repugnantes também eram violações das leis da guerra, e recomendou a distribuição a todos os comandantes de uma diretriz indicando que "os maus-tratos a inimigos mortos de guerra eram uma violação flagrante da Convenção de Genebra de 1929 sobre Doentes e Feridos, que estabelecia que: Após cada confronto, o ocupante do campo de batalha deve tomar medidas para procurar os feridos e mortos e protegê-los contra a pilhagem e os maus-tratos." Além disso, tais práticas violavam as regras não escritas dos costumes da guerra terrestre e podiam levar à pena de morte. O JAG da Marinha refletiu essa opinião uma semana depois, e também acrescentou que "a conduta atroz da qual alguns militares americanos eram culpados poderia levar a retaliação por parte dos japoneses, o que seria justificado pelo direito internacional".

Para a religião xintoísta, que atribui um valor emocional muito maior ao tratamento de restos mortais humanos, o choque e indignação contribuiu para uma preferência pela morte em vez da rendição e da ocupação.

"A ideia do crânio de um soldado japonês se transformar em um cinzeiro americano era tão horrível em Tóquio quanto a ideia de um prisioneiro americano usado para a prática de baioneta em Nova York."

Edwin P. Hoyt, Japan's War: The Great Pacific Conflict, 1987, pg. 358.

Cozimento de crânio:

Crânios valiam em torno de 35 dólares em dinheiro, uma soma considerável na época, ou eram trocados por outros itens com marinheiros e outros não-combatentes. Eles também eram enviados para civis nos Estados Unidos.

Em 1944, o poeta americano Winfield Townley Scott estava trabalhando como repórter em Rhode Island quando um marinheiro exibiu seu troféu de caveira na redação do jornal. Isso levou ao poema The U.S. sailor with the Japanese skull (O marinheiro americano com a caveira japonesa), que descreveu um método de preparação de crânios para a retirada de troféus, no qual a cabeça é esfolada, rebocada por uma rede atrás de um navio para limpá-la e poli-la, e no final esfregado com soda cáustica.

Vários relatos em primeira mão, incluindo os de soldados americanos, atestam a tomada de partes de corpos como "troféus" dos cadáveres de tropas imperiais japonesas no Teatro do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Os historiadores atribuíram o fenômeno a uma campanha de desumanização dos japoneses na mídia dos Estados Unidos, a vários clichés racistas latentes na sociedade americana, à depravação da guerra em circunstâncias desesperadoras, à crueldade desumana das forças imperiais japonesas, desejo de vingança ou qualquer combinação desses fatores.

A prática era tão difundida que "ação disciplinar severa" contra a retirada de lembranças de restos humanos foi ordenada pelo Comandante-em-Chefe da Frota do Pacífico já em setembro de 1942. Em outubro de 1943, o Alto Comando americano expressou preocupação com os recentes artigos de jornal cobrindo a mutilação de mortos por americanos. Os exemplos citados incluem um em que um soldado fez um colar de contas usando dentes japoneses e outro sobre um soldado com fotos mostrando os passos na preparação de um crânio, envolvendo cozinhar e raspar as cabeças japonesas. 

De acordo com o fuzileiro naval Donald Fall, o primeiro relato de soldados americanos usando orelhas de cadáveres japoneses ocorreu no segundo dia da Campanha de Guadalcanal em agosto de 1942 e ocorreu depois que fotos dos corpos mutilados de fuzileiros navais na Ilha Wake foram encontrados em pertences pessoais de engenheiros japoneses:

"No segundo dia de Guadalcanal, capturamos um grande bivaque japonês com todos os tipos de cerveja e suprimentos... Mas eles também encontraram muitas fotos de fuzileiros navais que foram cortados e mutilados na Ilha Wake. E logo em seguida estão fuzileiros navais andando por aí com orelhas japonesas presas em seus cintos com pinos de segurança. Eles emitiram uma ordem lembrando os fuzileiros navais de que a mutilação era uma ofensa de corte marcial... Você entra em um estado de espírito sórdido em combate. Você vê o que foi feito com você. Você encontraria um fuzileiro naval morto que os japoneses prenderam em uma booby-trap [armadilha explosiva]. Encontramos japoneses mortos com armadilhas explosivas. E eles mutilaram os mortos. Começamos a descer ao nível deles."

Ódio e desejo de vingança costumavam ser citados; no entanto, alguns dos fuzileiros navais americanos que estavam prestes a participar da Campanha de Guadalcanal já estavam, enquanto ainda a caminho, ansiosos para coletar dentes de ouro japoneses para colares e preservar as orelhas japonesas como souvenires.

Crânio decorado com a inscrição:
"Sniper japa morto, que peninha!"

O bilhete do museu diz:

Troféu de crânio japonês da Segunda Guerra Mundial decorado por um fuzileiro naval americano.
Não julgamos soldados de combate americanos. Eles tinham suas próprias razões para fazerem isto. Nós estamos exibindo estes artefatos únicos de modo que a História não se perca.
Este museu não censura a História!

Nos Estados Unidos, havia uma visão amplamente propagada de que os japoneses eram subumanos. Também houve raiva popular nos EUA com o ataque surpresa japonês a Pearl Harbor, ampliando os preconceitos raciais pré-guerra. A mídia americana ajudou a propagar essa visão dos japoneses, por exemplo, descrevendo-os como "pragas amarelas". Em um filme oficial da Marinha dos EUA, as tropas japonesas foram descritas como "ratos vivos que rosnam". A mistura de racismo americano subjacente, que foi adicionado à propaganda de guerra, ódio causado pela guerra de agressão japonesa e atrocidades japonesas (tantos as reais quanto as imaginárias), levou a um ódio geral pelos japoneses.

Segundo Niall Ferguson:

"Para o historiador que se especializou em história alemã, este é um dos aspectos mais preocupantes da Segunda Guerra Mundial: o fato de que as tropas aliadas frequentemente consideravam os japoneses da mesma forma que os alemães consideravam os russos - como Untermenschen."

Uma vez que os japoneses eram considerados animais, não é surpreendente que os restos mortais japoneses fossem tratados da mesma forma que os restos mortais de animais. Em 1984, os restos mortais de soldados japoneses foram repatriados das Ilhas Marianas. Aproximadamente 60% não tinham o crânio. Da mesma forma, foi relatado que muitos dos restos japoneses em Iwo Jima não têm seus crânios. É possível que a coleção de lembranças de restos mortais japoneses tenha continuado até o período do pós-guerra imediato.

Eugene Sledge, em seu livro With the Old Breed: At Peleliu and Okinawa (Com a Velha Raça: em Peleliu e Okinawa, 1981) relata alguns exemplos de companheiros fuzileiros navais extraindo dentes de ouro dos japoneses, incluindo um de um soldado inimigo que ainda estava vivo:

"Mas o japonês não estava morto. Ele estava gravemente ferido nas costas e não conseguia mover os braços; do contrário, ele teria resistido até o último suspiro. A boca do japonês brilhava com enormes dentes em forma de coroa de ouro, e seu captor os queria. Ele colocou a ponta de sua [faca] Ka-Bar na base de um dente e bateu no cabo com a palma da mão. Como o japonês estava chutando e se debatendo, a ponta da faca raspou no dente e afundou profundamente na boca da vítima. O fuzileiro naval o xingou e com um talho cortou suas bochechas de orelha a orelha. Ele colocou o pé no maxilar inferior do sofredor e tentou novamente. O sangue jorrou da boca do soldado. Ele fez um barulho gorgolejante e se debateu violentamente. Gritei: "Acabe com o sofrimento dele". Tudo que recebi como resposta foi um xingamento. Outro fuzileiro naval correu, colocou uma bala no cérebro do soldado inimigo e acabou com sua agonia. O caçador de tesouro resmungou e continuou retirando seus prêmios sem ser perturbado." (pg. 120)

Esta cena foi reproduzida, com mudanças de tom, na minissérie The Pacific:


Bibliografia recomendada:

Tower of Skulls:
A History of the Asia-Pacific War.
July 1937 - May 1942.
Richard B. Frank.

Leitura recomendada:



LIVRO: O Japão Rearmado, 6 de outubro de 2020.





domingo, 22 de agosto de 2021

A Vida com Bob: Um intervalo sórdido mas instrutivo na revista Soldier of Fortune

Tradução Filipe do A. MonteiroWarfare Blog, 20 de agosto de 2021.

Extrato da revista Playboy de março de 1984 contendo o artigo de Fred Reed, conhecido como "Fred on Everything", sobre como conheceu Robert K. Brown e sua experiência como escritor na revista Soldier of Fortune (Soldado da Fortuna).

Playboy, março de 1984.

Eu entrei no estranho vórtice mercenário da revista Soldier of Fortune quando o telefone tocou em 1980. A voz do outro lado era baixa e conspiratória, as cordas vocais soando como se tivessem sido destruídas por cascalho gargarejando. Algo nele sussurrava sobre lugares distantes e segredos obscuros maléficos demais para serem contados.

“Oi, Fred, seu puto. Eu preciso de um escritor. Seventeen-five e ataduras. Interessado?"

Edição americana de março de 1984.

Eu estava esbarrando em Bob Brown, o excêntrico coronel das Forças Especiais que fundou a SOF, desde os dias inebriantes da queda de Saigon. Entediado depois da Ásia, ele começou a revista em 1975 com cerca de US$ 10.000 como desculpa para ir para bush wars (guerras de mato). A primeira tiragem de 8.500 cópias parecia ter sido mimeografada em seu banheiro por gibões mal-treinados. As fotos estavam suficientemente expostas, a gramática era péssima o suficiente para dar uma impressão de autenticidade - uma impressão correta.

A primeira edição continha a famosa foto de um africano que tomou uma explodida de calibre 12 logo acima dos olhos - diga “Ahhhh”. O horror estourou. Em todo o país, todos os cachimbos do calliope moral começaram a buzinar e soprar e, exatamente como o velho fora-da-lei esperava, as vendas dispararam. Isso se tornaria um padrão. Brown tocou a imprensa como um piano.

"Hum. Deixe-me pensar sobre isso. ”

"OK. Tchau." *Click*

Eu não pensei muito. Eu mal ganhava a vida em Washington falando mal dos homenzinhos cinzentos que governam o mundo. A chance de ser baleado honestamente parecia desejável em comparação. A vida realmente não tinha valido muito desde Phnom Penh, e a Soldier of Fortune tinha uma reputação de renegado atraente. Que diabos; você só vive uma vez, e a maioria das pessoas nem mesmo faz isso. Minha esposa e eu colocamos a mala no conversível.

O Ten-Cel Robert K. Brown no Vietnã e em uma convenção de artes marciais nos EUA. 

Cruzando a Beltway e navegando através de Maryland até a Virgínia Ocidental, eu me perguntei no que estávamos nos metendo - não que isso realmente importasse, contanto que fosse de Washington. A SOF era o que pretendia ser? Era realmente o jornal profissional de aventureiros questionáveis com passaportes alterados, de homens com cicatrizes de propósitos prejudiciais que se encontraram nas vielas fedorentas de Taipei? De assassinos contratados que frequentavam bares em Bangkok, onde você podia pegar doenças venéreas desconhecidas desde o século XIII? Ou era um clube para soldados idosos tentando reviver sua juventude? Ou era, como um colega em Washington farejou, "um trapo de exploração voltado para o mercado em extinção de veteranos?"

Cruzamos o Kansas na antiga caranga véia Sixties, movido pelo café e sem dormir e entramos na República Popular de Boulder, uma linda cidade de gente da Costa Leste transplantados que tinham ido para o oeste para escapar dos males de Jersey e levado Jersey com eles. A Soldier of Fortune tinha seus escritórios em 5735 Arapaho, em um parque de armazéns amarelo-gema onde as pessoas faziam coisas como troféus de boliche. Eu esperava uma pilha de crânios, arame farpado, um ou dois campos minados e talvez alguns prisioneiros pregados à terra para secar. Em vez disso, encontrei uma porta com uma pequena placa: PARE! ANTES DE ENTRAR, PREENCHA UM CARTÃO DIZENDO PARA ONDE QUER O CORPO ENVIADO. CASO CONTRÁRIO, SERÁ USADO PARA FINS CIENTÍFICOS.

Deve ser aqui, eu pensei.

Dona Speir,
Miss Março de 1984.

Uma secretária desconfiada - e bonita - atendeu a campainha em shorts e tênis e me levou através dos escritórios improvisados de estilo guerreiro para encontrar Brown. As paredes estavam forradas com fotos de comandos, guerrilheiros e legionários estrangeiros suando sobre metralhadoras pesadas nas profundezas do Saara. Em um escritório, vi um sujeito baixo e envelhecido que se parecia com Ernest Hemingway. Acima dele estava a foto de um Ranger vietnamita cruzando um arrozal, segurando pelos cabelos uma cabeça humana decapitada.

Sim, pensei, é aqui.

Entrei no escritório de Bob, a Sala da Lua, e lá estava ele com chapéu de selva, shorts camuflados e tênis de corrida, pernas apoiadas na mesa e uma camiseta que dizia HAPPINESS IS A CONFIRMED KILL (Felicidade é um abate confirmado). O escritório havia sido alugado anteriormente por uma empresa aeroespacial menor, e as paredes eram cobertas por um mural da superfície da lua, uma cratera que formava um auréola improvável acima da cabeça de Bob. Um par de H&K 91 - fuzis malvados da Alemanha Ocidental - encostados na parede com mira noturna neles.

H&K HK91, o H&K G3 semi-automático.
Atualmente banido nos Estados Unidos.

Propaganda do HK91 na Soldier of Fortune.

“Fred! Como você está, porra? " ele berrou, sua única maneira de falar. Bob é surdo - ouvidos de artilharia - e parece imaginar que, uma vez que não consegue se ouvir, ninguém mais consegue. Na verdade, quando ele fala com sua voz normal, as pessoas em Los Angeles podem ouvi-lo. Ele também é tão distraído que tem sorte de se lembrar de quem ele é. (Isso traz à tona o instinto maternal nas mulheres. Como disse uma funcionária: “Nunca sei se devo saudá-lo ou arrotá-lo.”)

"Sente-se. Ouça, quero que me informe sobre algumas coisas em Washington.” Ele não falava, ele mais latia. “Isso é muito restrito, muito sensível, mas temos algumas coisas do Afeganistão que vão explodir... Washington... inteira.”

Robert K. Brown e um mujahideen fotografados por Phill Foley no Afeganistão.

O "material para fora do Afeganistão" estava em sua mesa: instrumentação despedaçada de um helicóptero soviético Mi-24 abatido, se não me falha a memória, pelos homens de Hassan Galani e contrabandeado para fora do país através do Passo Khyber em Peshawar. Brown está sempre pegando troços terrivelmente importantes de lugares estranhos. Certa vez, um funcionário trouxe uma mina antipessoal soviética PFM-1 vazia - do tipo em forma de borboleta que deixam cair aos milhares nas trilhas perto da fronteira paquistanesa - embrulhando-a em um saco plástico e dizendo à alfândega que era um inalador de asma quebrado. De qualquer forma, parte do saque de hoje era uma caixa vermelha brilhante, esmagada pelos guerrilheiros ao arrancá-la dos destroços, com um interruptor de 13 posições rotulado de forma ameaçadora em russo.

“Provavelmente o computador central de controle de armas do Mi-24,” Bob rosnou. “As agências de inteligência vão pagar muito por isso. Derrotamos a Agência [CIA] neste caso. Hehhehheh.” *Splash*

Bob espirra água. Ele mastiga Skoal e cospe em um copo d'água - às vezes, inadvertidamente, em copos d'água de outras pessoas. Você mantém a mão sobre a sua xícara de café.

Por que, eu me perguntei, esse antro de caricaturas estava vendendo mais de 170.000 revistas por mês a três dólares o exemplar?

Fred (óculos, chapéu e uma camisa do Afeganistão) em uma festa da SOF.

Apesar do mito popular, não há mercenários hoje no sentido aceito da palavra: pequenos bandos de homens brancos contratados que tomam o controle de países atrasados e lutam em guerras reais, embora pequenas, por dinheiro. A razão é que qualquer nação, mesmo um país do mato consistindo apenas de um pedaço de selva e um coronel, tem um exército grande demais para ser controlado pelos mercenários. O pagamento é péssimo, com o mundo sendo cheio de ex-soldados entediados. O próprio Brown não é um mercenário, mas um Peter Pan anti-comunista e, por falar nisso, nunca matou ninguém (embora uma vez ele tenha atirado no pé de um vietcongue fugitivo).

É verdade que existem categorias obscuras de homens que podem ser chamados de mercenários, mas a palavra é difícil de definir. Os pistoleiros e pilotos de cocaína da América do Sul são mercenários? O são os americanos que se juntaram ao exército rodesiano e serviram com rodesianos nativos? Homens trabalhando sob contrato para a CIA?

Você encontra alguns homens como Eugene Hasenfus, recentemente abatido em viagens aéreas de carga na Nicarágua. Os pilotos são muito solicitados como mercenários porque, embora treinar soldados seja bastante fácil, mesmo para nações atrasadas, o treinamento de vôo é difícil de fornecer. Descobrir para quem esses homens realmente trabalham não é fácil: os empregadores tendem a ser corporações curiosas, possivelmente, mas não comprovadamente de propriedade de agências de inteligência.

Edição de outubro de 1987,
com destaque para os paraquedistas guatemaltecos.

Então, quem lê a SOF? Fuzileiros navais, Rangers e homens infelizes, a maioria operários, que estão cansados da falta de importância de suas vidas. O que a revista vende é um cheiro forte, um significado sombrio, uma visão da vida como uma selva onde o brutal se ergue contra o pôr do sol e o fraco perece. A SOF pode ser a única revista de uma mão cujos leitores seguram uma baioneta de estoque excedente na outra.

A revista entende isso e promove isso. As histórias são, em sua maioria, relatos em primeira pessoa de pequenas guerras sujas ou artigos sobre várias técnicas de assassinato, mas sempre com uma tendência de aprovação e escritas em um sussurro baixo e gutural como de velhos mercenários falando sobre negócios. Os anúncios classificados na parte de trás, por exemplo: “Ex-tenente fuzileiro naval busca emprego perigoso no exterior...” “Merc para aluguel. Qualquer coisa, em qualquer lugar...” “Suprimentos Pyro.” “Jovem procura aprendizagem sob o comando de mestre-espião...” “Acessórios para Uzi.” "Merc fará qualquer coisa, a curto prazo, com alto risco." “Armas laser, geradores de campo de dor invisíveis...” “Ex-comandante de pelotão, confiável, agressivo, destemido...” “Luneta de visão noturna.” “Lança química.” “Savant de aluguel, um especialista em armas e demolição. Preferência pela América Central.”

A maioria desses anúncios é bobagem. Um jornalista que uma vez tentou respondê-los descobriu que a maioria foi colocada por poseurs. Alguns são reais. Dan Gearhart, um aspirante a mercenário morto em Angola em 1976, conseguiu seu emprego por meio da Soldier of Fortune. No momento de escrita, a revista está sendo processada porque alguns mercenários colocaram anúncios (“Arma de aluguel”) e, aparentemente, foram contratados para matar um estudante de direito na Universidade do Arkansas.

Eles bizonharam o serviço, várias vezes. Quase todos os mercenários que obtêm publicidade provam ser palhaços. O comércio é notório por atrair neuróticos, cowboys e pessoas que pensam que são James Bond. Ser mercenário não é uma forma razoável de ganhar dinheiro. Você poderia ganhar melhor gerenciando um Burger Chef.

Capa de novembro de 1984 cobrindo as guerras centro-americanas.
O helicóptero Huey tem a insígnia da SOF pintada no nariz.

O intrigante é a glorificação da crueldade sem princípios, não do matar em si, mas do assassinato sórdido e anônimo. Os leitores não se imaginam como cavaleiros competindo por donzelas em uma luta justa, ou como homens da lei em Amarillo, enfrentando o bandido e dizendo: “Saque!”. Eles querem atirar na nuca do bandido com uma Beretta com silenciador. Brown havia descoberto o anti-cavalheirismo. Há muito disso por aí.

Ainda assim, embora a ideia fosse brilhante, a revista mal se sustenta. Apesar da capacidade comprovada de Brown para fazer o impossível, como por exemplo começar uma revista sobre mercenários, ele tem um talento ilimitado para a má gestão. A equipe fica em um estado de turbulência e rotatividade, maltrata seus redatores e os perde, e raramente leva os problemas para a gráfica, principalmente porque Bob não presta atenção. Ele não vai publicar a revista sozinho e não vai contratar um editor competente que o faça.

Embora possa parecer estranho em um homem que entra furtivamente no Afeganistão como a maioria das pessoas vai ao McDonald's, ele é muito inseguro para delegar autoridade, mas não está disposto a ficar por perto e exercê-la sozinho. Por exemplo, a certa altura, Bob insistiu em aprovar as fotos da capa, mas não insistiu em estar no país quando fosse a hora de aprovar. Normalmente, tudo parava enquanto mensagens frenéticas iam para o mato no Chade. O resultado fez o caos parecer obsessivamente organizado.

Repetidamente, Bob encontrava em um bar algum bêbado que queria escrever para a SOF. “Oh, sim, claro, parece ótimo. Envie para o editor. Ótima ideia.” Então ele se esqueceria de contar ao editor e iria para a Tailândia por um mês, quando descobrir-se-ia que o cara não sabia escrever, e Brown não conseguia se lembrar qual era a missão mesmo, e o editor não saberia o que diabos estava acontecendo. Qualquer aventureiro com uma boa conversa mole consegue enrolar Bob com passagens aéreas para lugares distantes e viver bem por meses às suas custas até que alguém finalmente descubra que a revista está sendo enrolada.

Bob realmente não lê a SOF. Ele uma vez me disse: “Ei, Fred, eu realmente gostei daquela história do avião de ataque Spectre que você fez. Poderíamos usar mais alguns assim.” A história havia sido publicada um ano antes.

O Diretor de Arte da SOF Craig Nunn posando com uma escopeta Remington 870 na Rodésia.

Bob perde compromissos. Ele não responde ao seu e-mail - o que não é surpreendente, porque ele não o lê. O correio requer decisões e ele não pode tomar decisões, preferindo adiá-las até que os problemas desapareçam. Às vezes eles não desaparecem. Se o escritório estivesse pegando fogo, Bob pensaria no incêndio por alguns dias antes de apagá-lo ("Sim", dizia ele naquela voz dura de mercenário, olhando para as chamas. "Não quero me precipitar. Vamos chutar isso pro lado em nossas cabeças por um tempo, ver o que sai.”)

Enquanto eu olhava para aquele rosto astuto pontilhado por feridas de estilhaços, marcado por muitas guerras, algumas das quais Bob já estive, comecei a reconhecer a horrível verdade. A SOF não é exatamente de araque - os membros da equipe realmente fazem as coisas que dizem que fazem - mas nada disso é exatamente real. A revista é um playground para aventureiros medíocres, e Brown estava se divertindo, só isso. Eu vim trabalhar no Parque Temático Paramilitar do Coronel Kangaroo: Aproxime-se, acerte o boneco de maionese Kewpie com uma faca de arremesso e ganhe um garrote oriental por matar aquelas sentinelas problemáticas. Algodão doce no estande seguinte - em cores de camuflagem, é claro - e... Essa foi a chave para entender a SOF - perceber que Bob não está no negócio de publicar uma revista. Ele está no negócio de ser Bob. Ele gosta de ser o editor mercenário internacional, gosta de interpretar Terry e os Piratas, e a revista é apenas uma justificativa. Tentar entender a SOF como jornalismo apenas leva à confusão.

Isso explica a estranha inutilidade da maioria das coisas que o homem faz. Por exemplo, veja a vez que ele e os rastejadores verdes entraram sorrateiramente no Laos para ver os brigandes anti-comunistas. Nas guerras no mato, eles são todos bandidos, então você escolhe quais bandidos serão seus bandidos. Foi uma viagem curta, mal cruzando a fronteira. Tudo o que saiu disso foram fotos da vila rebelde com uma enorme bandeira de cetim da SOF (MORTE AOS TIRANOS) flutuando sobre ela - a coisa mais boba que eu já vi. Eles realmente foram, mas realmente não importava.

Por outro lado, eles têm colhão pra fazê-lo.

Capa da edição de janeiro de 1982.

Matéria da edição de janeiro de 1982 sobre o Laos.

A bandeira diz "Death to Tyrants" (Morte aos Tiranos) e o guerrilheiro laociano tem um brevê da SOF.

O mistério é como alguém tão inepto quanto Bob pode sobreviver enquanto faz as coisas que ele faz. Nas Forças Especiais, ele era conhecido como Boo-Boo Brown (Dodói Brown) porque não conseguia beber água sem quebrar a perna, perder a carteira ou disparar alarmes do NORAD (North American Aerospace Defense Command / Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte). É difícil ser um comando surdo e sem memória. Certa vez, Bob deixou uma sacola cheia de dinheiro em um aeroporto de Bangkok - simplesmente esqueceu, como as pessoas normais esquecem um livro de bolso. Muitos que o conhecem pensam que ele realmente precisa de uma mãe, ou de um guardião, e o incidente sugeriu que ele pode ter um patrocinador cósmico invisível: o dinheiro ainda estava lá quando um companheiro de viagem voltou, o que é impossível em Bangkok.

Ele prospera em conspirações, mas a maioria delas não existe além dos limites do seu crânio. Certa vez, passei três horas em uma suíte de hotel enquanto ele e seus maníacos ambientais discutiam algumas informações menores, tão triviais que não consigo me lembrar, cuja revelação eles pensaram que impediria a reeleição de Jimmy Carter. Mas você não pode culpar Bob por não ter muita ideia de como o mundo real funciona. Ele nunca viveu lá.

Nem ele nem a SOF podem sequer começar a guardar um segredo, lamentável para um homem cujo hobby é conspirar. Eu o vi iniciar uma conspiração para derrubar uma agência de inteligência estrangeira assustadora, convidando 13 pessoas, incluindo vários estranhos, para falar sobre o assunto em seu escritório. Certa vez, a revista gravou algumas conversas telefônicas comigo, sem me dizer o que estava acontecendo. O editor então enviou as transcrições para a Tailândia, onde acabaram nas mãos de um amigo meu que estava conduzindo operações transfronteiriças no Laos - esta foi a tentativa de Bo Gritz de libertar alguns prisioneiros de guerra que acreditava estarem lá. Quando meu amigo voltou para os Estados Unidos, o FBI fez uma fotocópia das transcrições. Oh, ótimo. Bob é o Grande Comunicador, uma espécie de CBS de um homem só.

Se, como alguém disse, o homem inteligente se adapta ao mundo, mas o gênio adapta o mundo a si mesmo, Bob é um gênio, vivendo em um mundo que construiu de acordo com suas próprias especificações. Um mundo de fantasia, sim, mas Bob sabe onde começa a realidade e geralmente para antes de se meter em problemas. Ele é louco por escolha, quando lhe convém - o garoto de onze anos mais velho e bem-sucedido do mundo, com a mentalidade tribal de um garoto, profundamente leal aos seus amigos aventureiros, mas a mais ninguém, brincando na caixa de areia do Tio Bob, que por acaso é o mundo. Lembro-me dele deitado com a cabeça no colo de sua sábia e paciente namorada, Mary, quando alguém tocou no assunto dos trens ferroviários. “Eu sempre quis ser um engenheiro”, disse Bob, olhando para uma certa distância interior. “Talvez eu possa comprar um trem. Posso comprar um trem, Mary?”

“Você sempre quer ser tudo”, disse Mary. Ela o entende.

Mary fica com o velho rebelde (essa será a única quebra de confiança real que cometerei neste artigo, pela qual Bob provavelmente fará uma brigada de assassinos vir atrás de mim) porque ele é um cara legal. Certa vez, perguntei a um de seus melhores amigos, que são muito poucos, o quão cruel Bob realmente era.

“Bem, se você insultou seus ancestrais, derramou cerveja em sua cabeça e roubou a revista dele”, disse o cara pensativamente, “Bob pode dar um soco em você”.

Por alguns dias, meu trabalho era editar as histórias malucas de sempre para publicação, principalmente coisas de interesse humano. Havia um sobre como soldar lâminas de barbear na parte inferior do seu carro para que uma multidão que tentasse virá-lo tivesse seus dedos cortados, e outro explicando três maneiras úteis de fazer napalm com gasolina e meros flocos de sabão. A maioria dos funcionários - pessoas inteligentes e engraçadas - sabia que todo o negócio era uma loucura e se divertia. Alguns pensavam que era real.

Protesto do SDS.
Students for a Democratic Society (SDS).

A loucura de nível de trabalho era abundante. Por exemplo, olhando para as caixas vermelhas de extintores de incêndio, encontrei armas de choque calibre 12 carregadas com as travas de segurança destravadas. Parece que o SDS (Students for a Democratic Society / Estudantes por uma Sociedade Democrática) da Universidade do Colorado ameaçou invadir o escritório, uma ideia catastroficamente ruim. Você nunca deve invadir um covil de paranóicos armados quando não há porta dos fundos, especialmente quando os paranóicos têm o poder de fogo de um exército centro-americano.

Eu ouvi sobre a ameaça do SDS de Craig Nunn, o diretor de arte, um ex-sargento das Forças Especiais e lutador de rua de Chicago com afinidades iguais por Bach e por sangue. Para ouvir os Brandenburgo, Craig sempre usava fones de ouvido em um longo fio na sala de artes, de modo que parecia um piloto enlouquecido pilotando um cavalete. Falando sobre o ataque do SDS, ele disse com um anseio contido, a melancolia de um homem que não atirou em ninguém desde o almoço: "Acho que eles deveriam atacar se acreditarem nisso. Deus, tempos difíceis e sacos de cadáveres. Eu gostaria mais disso do que chiclete."

O ataque não aconteceu. Uma associação local de motociclistas, aliados da SOF, caminhou pelo campus em trajes de campanha - cicatrizes, dentes faltando, luvas com anzóis nas juntas dos dedos, Q.I.s arrastando-se baixo em torno de seus tornozelos como cuecas no mergulho. Eles anunciaram que se algum pervertido comunista incomodasse a SOF, que era uma revista virtuosa e patriótica, os motoqueiros quebrariam seus braços em 14 lugares antes de começarem a trabalhar nos detalhes. Uma observação em particular - “Querida, você tem olhos bonitos. Vou colocá-los no bolso” - dizem que direcionou o fervor revolucionário para outros canais.

Um dia eu estava sentado no escritório com Harry, um direitista grandalhão que se preocupava muito com os trilateralistas. Curiosamente, a maioria dos funcionários era liberal. Harry era um adereço. (Eu dividi a equipe em trabalhadores e adereços de palco, sendo os últimos aqueles que se contorciam, geralmente não conseguiam soletrar, e chegavam no meio da noite. Os trabalhadores, principalmente mulheres, colocavam a revista em circulação.) Uma parede de vidro separava o secretária do escritório de Harry, onde passou o dia rugindo e fumegando como um vulcão. Seu escritório estava abarrotado de armas, uma especificamente para se defender do SDS.

“Olhe para as balas”, disse ele. "Eu que fiz. Plástico verde."

"Oco. Cheio de óleo e chumbo grosso minúsculo. Elas matam, mas não penetram vidro. Se um idiota de esquerda entrar aqui e eu errar o alvo, não vou matar a secretária."

Harry sempre foi um cavalheiro.

Depois de muita negociação, conseguimos um especialista em língua russa através da universidade para traduzir o que estava escrito no computador vermelho de controle de armas. Ela era uma senhora alta e agitada, obviamente perturbada por estar no covil desses horríveis assassinos. Todos nós ficamos sentados em expectativa, aguardando um golpe de inteligência de alta ordem. Parecia um grande negócio. O helicóptero de ataque Mi-24 era um grande mistério no Ocidente. A tradutora pegou a caixa vermelha e leu, com ênfase solene:

"Em caso de incêndio, quebre o vidro."

Era um computador de controle de incêndio, mais ou menos. Pois é.

Insígnia do MACV-SOG.

Harry, o salvador de secretárias, era estranho, mas ele não estava sozinho. A equipe fervilhava de lulus de verdade. Lá estava Derek, um sujeito brilhante que usava uma roupa fantasmagórica no Nam (SOG, Grupo de Estudos e Observações, gente que morre nas ervas daninhas. Os que servem no grupo são chamados de Soggies). Derek conversou com São Miguel, o santo padroeiro dos guerreiros, e São Mike respondeu. Você estaria dirigindo junto com o cara e ele diria: "Murmúrio-murmúrio, São Miguel, murmúrio", com os olhos virados para o céu, e você diria: "Ah, er, bom dia, hein, Derek?" “Murmúrio... sim, é verdade, obrigado, somos abençoados, murmúrio-murmúrio, São Miguel...” O Vietnã é um lugar quente e ensolarado, e talvez não houvesse chapéus suficientes para todos.

Às nove da noite no Scottsdale Hilton Resort and Spa, sob os céus confusos do Arizona, a convenção anual da Soldier of Fortune fluiu em completa loucura latejante. Os habitantes locais ficaram chateados: você podia ver em seus olhos. Em toda a cidade, a polícia estava alerta, os pais, sem dúvida, sentados com fuzis .22 e o spaniel de família para proteger suas filhas. Afinal, a Soldier of Fortune cheirava a corpos mutilados em quartos de hotéis orientais. Era o jornal de negócios de homens cambaleantes com cicatrizes de faca em seus rostos e sotaque alemão fraco. Esperava-se dele coisas terríveis.

E a fama pegou. Mais ou menos.

No estacionamento, iluminado por faróis estrategicamente posicionados, várias centenas de congressistas em camuflados de selva se reuniram para assistir Dave Miller, um pequeno e feroz artista marcial, puxar uma caminhonete por uma linha amarrada a espigões nos seus bíceps. Os congressistas, em geral, eram a maior coleção de dingdongs sem remédio para perturbar esta terra cansada - idiotas, balconistas de mercearias com egos fracos, vários hamsters humanos vieram para parecerem mortais em botas de salto, lembrar guerras em que não estiveram e, por um fim de semana, serem do mesmo sangue com o sargento Rock e seus Merry Psychos (Psicóticos Felizes).

Na pista estava um grupo de hunos de cabeça raspada, anões marciais e assassinos menores - a equipe. Os hamsters assistiram, ansiosos. O maestro dessa sinfonia maluca foi John Donovan, um ex-major das Forças Especiais musculoso e peludo de 270 libras que, segundo os rumores, separou manualmente as gangues de motociclistas por hobby. Miller ficou parado com os braços erguidos para os espigões, que na verdade eram aros de bicicleta afiados. Ninguém perguntou por que ele faria isso. Teria sido uma pergunta difícil de responder. A multidão queria atos de desespero e coragem sórdida, não inteligência. Um cara oriental - é claro - esfregou os braços de Miller com álcool.

Índice da edição de fevereiro de 1982.

Naquela tarde, eu tinha ido com Dave buscar a parafernália necessária. Dave era o tipo de homenzinho que imaginava que se não pudesse ser grande, poderia ser mau e prosseguia com isso sistematicamente: o Exército, a Ranger School, a Pathfinder School, o Vietnã, uma dúzia de artes marciais com nomes como cereais matinais coreanos, luta com faca, todas as bugigangas. A SOF atrai egos grandes e cambaleantes. Dave e eu nos demos bem. Ele explicou que não era possível usar corda para puxar o caminhão porque ela esticava e, de alguma forma, rompia os músculos. Você precisava de tecido. Então, nós o mandamos para uma boutique de tecidos, onde o rapaz mais simpático, chocado, perguntou: "O que vocês precisam, cavalheiros?"

Psiquiatra, pensei.

Lá estávamos nós, com camuflados listras de tigre gastos e botas de selva, chapéu de selva, com facas de especialidades cruéis penduradas em nossos quadris, todos os tipos de distintivos comandos e bobagens paramilitares grudados em nós. Parecíamos coleções de selos.

"Gostaríamos de ver alguns tecidos."

Ele nos trouxe um lenço, ou como quer que você chame isso, de um material com flores de lavanda, ao que Dave me disse para segurar uma ponta e, desenrolando 6 metros, começou a puxar violentamente a outra ponta como um texugo frenético para ver se ela se esticava. O bom rapaz quase enlouqueceu.

De volta ao estacionamento, o oriental empurrou dois aros de bicicleta pela carne de Dave ("Oooooh! Ooooooh!" Gemeram os hamsters) e conectou o pano ao para-choque. Enquanto isso, uma reviravolta foi adicionada. O caminhão estava sobre pranchas como trilhos para que rolasse no estômago de um cara para mostrar o quão durão ele era.

Miller disse "Unngh! ... Unngh!" e puxou com toda força. O caminhão... sim... não... sim... rolou lentamente sobre o estômago do cara e parou ali. Miller tinha coragem, mas não tinha massa. O cara embaixo da caminhonete estava realmente infeliz. Ninguém disse nada sobre estacionar a maldita coisa nele. Ele gritou em um grito crescente, "Oaaghgettitoffgetitoffgetitoff!" e Miller tentou (“Ungh! Ungh!”) Nada.

Donovan, o Homem-Montanha, se aproximou, deu uma batidinha no portão traseiro e o caminhão disparou o cara como uma semente de melancia espremida.


Nem todo mundo leva essas coisas a sério. Na primeira convenção, em Columbia, Missouri, eu e o bando de impostores camuflados de costume tínhamos caminhado pelo centro da cidade uma noite em busca de um bar. Uma universitária, não muito impressionada, perguntou: "Por que você está vestindo essa coisas bobas?"

“É camuflagem”, eu disse, “para ficarmos invisíveis”.

“Oh,” ela disse. "Eu pensei que você fosse um vaso de planta."

Um dia fui trabalhar e vi alguém olhando para um pedaço peculiar de destroço. Mais coisas do lote de helicópteros usados do tio Daffy? Não. Era uma Nikon, quebrada de uma forma que não fazia sentido óbvio. Um pedaço de couro havia sido cravado no cilindro da lente e parado onde normalmente fica o espelho.

Brown foi para a Rodésia e deixou a bolsa da câmera em uma loja, o que não se faz em tempos de terrorismo. O lojista, razoavelmente, havia chamado o esquadrão anti-bombas. Esses senhores amarraram uma corda comprida à alça, puxaram a bolsa com cuidado para a rua, enrolaram-na com um cordel detonante - corda de TNT, mais ou menos - e explodiram a câmera de Bob. Ele agora possuía a única Nikon no mundo com o estojo do lado de dentro.

Por um tempo, Brown abraçou o sobrevivencialismo. Os sobreviventes são o povo que sonha em se enterrar em Utah com roupas contra radiação e metralhadoras, aguardando o holocausto nuclear. Eles não temem tanto uma guerra atômica quanto esperam por uma, para que possam Sobrevivê-la, tornando-os as únicas pessoas na terra com interesse na guerra nuclear. Existem colônias inteiras desses esquilos no Oeste, enchendo seus porões com feijões embalados em dióxido de carbono e se armando.

Revista Survive, edição de março de 1982.

Brown publicou brevemente uma revista chamada Survive, a qual não o fez. Ela afundou em parte por causa da administração amadora e em parte porque os sobreviventes são muito paranóicos para deixar seus endereços irem para uma lista de correio direto. A Survive morreu cedo, lembrada principalmente por sua foto de capa de uma vaca com máscara de gás.

De qualquer forma, Bob decidiu construir um abrigo de sobrevivência. Ele devidamente encontrou um terreno e iniciou um bunker fenomenalmente caro. Ele fez isso com seu sigilo patenteado, o que significava que todo mundo em Boulder estava falando sobre isso - exceto para Bob, porque as pessoas sabiam que ele queria que fosse segredo. Ele começou a escolher pessoas que iriam para lá e sobreviveriam enquanto todos os outros se derreteriam em bolhas de gordura e escorreriam pelas sarjetas. Ele se aproximou daqueles eleitos (eu não era um) e disse aproximadamente: "Vocês são salvos?" Então ele contou a eles sobre a Caixa de Bob. Alguém calculou que foram salvos seis vezes mais do que caberia no abrigo.

Infelizmente, parece que o chão foi mal derramado. A água vazou. E descobriu-se que a água era alcalina. Bob era o único sobrevivente na América cujo abrigo de sobrevivência continha quinze centímetros de água envenenada.

O Xoronel Kangaroo e seus loucos estavam uma vez brincando de guerra em El Salvador. (A guerra na América Central é ótima para a Soldier of Fortune, porque não há jet lag.) Certa noite, eles estavam bebendo com um dos batalhões salvadorenhos e as coisas estavam ficando confusas e íntimas. A SOF não era vista como imprensa estrangeira; era parte do esforço de guerra, então seus repórteres puderam ir a lugares que outros repórteres nunca viram. Então logo logo era amigo isso e amigo aquilo, com toda a intensa camaradagem de uma zona de guerra, e o capitão magro e marrom disse a alguém a quem chamarei de Bosworth: "Venha, amigo, eu lhe mostro algo muito querido."

Placa da Soldier of Fortune com o lema "Morte aos Tiranos" presenteada ao Tenente-Coronel Domingo Monterrosa, do Batalhão Atlacatl, no Museu Nacional de História no quartel de El Zapote, em El Salvador.

O capitão orgulhosamente abriu um longo gabinete azul, revelando fileiras e mais fileiras de crânios preservados. Parecia que o batalhão continha muitos índios que não haviam perdido seus costumes, guardando cabeças, por exemplo. O capitão sorriu como uma criança mostrando sua coleção de pedras. Bosworth ficou encantado: esse era o tipo de coisa que ele apreciava. Ora, os crânios até tinham pintado neles os nomes de seus antigos ocupantes. "Maravilhoso!" Bosworth disse, o calor o dominando.

"Você gosta?" disse o capitão. "Eu lhe dou!" Em seguida, ele entregou a Bosworth um par de belezas boquiabertas.

Então Bosworth voltou para a festa segurando Pancho e José nas mãos e anunciou que ele não se separaria dos crânios. Ele pretendia passar a vida com eles. Brown, que não é bobo, começou com uma expressão “Oh, merda”, prevendo problemas na vida após a morte. Alfândega, por exemplo. (“Estes? Oh, eu os encontrei. Não, ninguém estava neles.”) Como você leva crânios humanos para os EUA?

Finalmente, alguém teve uma ideia. Eles os enviaram a Bosworth com um bilhete: “Isso é o que acontece com você se voltar para o nosso país! Viva la revolución! Partido Comunista.”

Certa vez, fui a Powder Springs, Geórgia, para cobrir a escola de contraterrorismo da Cobray de Mitch WerBell para a revista. WerBell, que morreu em 1983, era uma lenda no ramo mercenário, um veterano de guerras obscuras na época em que realmente existiam mercenários, e ele se aposentou numa pequena mansão palaciana.

Mitch WerBell III no Vietnã do Sul promovendo sua marca de silenciadores, 1969.

A Cobray pretendia ensinar as artes mortíferas a profissionais (que, na verdade, já as conheceriam). Por vários milhares de dólares, o estudante recebia uma semana ou mais de treinamento nos arcanos do novo anti-cavalheirismo. Os instrutores - eu cheguei a conhecê-los - eram reais, mas os cursos não eram, o que não importava para os alunos. De manhã, eles tiveram Introdução às Armas Portáteis (“A bala sai deste pequeno orifício aqui. Aponte para outro lugar”). À tarde, eles tiveram Armas Portáteis Avançadas e Sniping. Assuntos como esses levam meses de estudo.

Então pousei e fui recebido por um ex-coronel FE e fui assistir às aulas. Entre os alunos estavam um podólogo de Miami, Deus nos ajude, sua esposa e dois adolescentes mal-criados.

Eu vi o que aconteceu. Muitos anos de serenidade e os pés de outras pessoas o haviam afetado. Ele, como os leitores, queria sentir o gosto do desespero sombrio e cheio de adrenais antes que a artrite se instalasse - seus quinze minutos com sinalizadores de morteiro tremeluzindo em nuvens baixas como a face de Deus e o clique nervoso de dispositivos de segurança saindo ao longo do arame, pokketa pokketa. Então, lá estava ele, US$ 12.000 mais pobre, com uma esposa tolerante e filhos entediados em jeans Calvin Klein, aprendendo patrulhamento noturno. As mulheres toleram muita coisa.

O Grão-Mestre de Shaolin do Norte Jason Lau e Mitchell WerBell III durante a passagem de Lau como instrutor de artes marciais para a SIONICS, o campo de treinamento contraterrorista privado de WerBell.

Quando cheguei lá, Footman e os Puff Puffs já tinham estudado Lidar com a Morte Corpo-a-Corpo. O instrutor, Marvin Tao, disse a Footman que ele estava em uma posição excepcionalmente boa de rabanete, ou alguma coisa que soasse oriental. Isso consistia em ficar de pé com os joelhos virados e dedos de pombo, virando as palmas das mãos para fora e dobrando-se para a frente. Marvin não podia estar falando sério. De qualquer forma, Footman ficou encantado, porque aqui estava algo que ele poderia fazer. Um genuíno Artista Marcial de Hong Kong disse isso. Então, toda vez que eu me virava, lá estava ele - curvado, dedos de pombo e grunhindo perigosamente.

Tudo o que esse ioiô precisa, pensei, é um barbante.

Três da manhã na convenção em Scottsdale. A maioria dos congressistas havia se entregado. Brown e alguns amigos sentaram-se perto do brilho azul da piscina, bebendo e contando histórias de guerra. “Lembra daquela prostituta com três polegares em Siem Riep?...” “Então Barrow subiu em um tanque em movimento em Pleiku e atirou em um cachorro com um AK. Caiu de cabeça, tentou ficar ganhar pensão por deficiência...” “O que aconteceu com Jag Morris? Ouvi dizer que ele foi atingido na cabeça ao norte de Au Phuc Dup...” Os aventureiros pelo menos têm histórias para contar.

Fumaça verde saía de uma janela e alguém se preparava para fazer rapel de outra. Eu disse: “Para o inferno com isso”, e me virei. Uma batida abafada significava que Brown estava disparando sua .45 debaixo d'água.

Um pouco depois, acordei. Derek estava me entregando um fuzil FN [FAL]. “Achei”, disse ele, e saiu andando, falando com São Miguel. Eu me enrolei nele [no FAL] e fui dormir. Fazia tanto sentido quanto qualquer outra coisa ali.

sábado, 21 de agosto de 2021

FOTO: Exercício de validação das forças especiais do antigo Exército Nacional Afegão

Operador das forças especiais afegãs durante o exercício de validação, Kandahar, 15 de outubro de 2017.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 21 de agosto de 2021.

Treinamento das Forças Especiais de Segurança Afegãs (Afghan Special Security Forces, ASSF) em um complexo de treinamento em Kandahar, no sul do Afeganistão, durante o treinamento de exercício de validação em 15 de outubro de 2017. Fotos do Sargento Matthew Klene, do Exército dos Estados Unidos.

As ASSF comportavam as forças especiais do exército, aeronáutica e polícia afegãos. Estas sendo:
  • Comando de Operações Especiais do Exército Nacional Afegão (Afghan National Army Special Operations CommandANASOC);
  • Ala de Missão Especial (Special Mission Wing, SMW);
  • Comando Geral de Unidades Especiais de Polícia (General Command of Police Special Units, GCPSU).
Operador especial transmitindo orientações para sua equipe.

As ASSF foram treinadas e aconselhadas pelas forças de operações especiais da OTAN, e foram descritas como "as principais forças ofensivas" do Estado afegão, a agora defunta República Islâmica do Afeganistão.

O Diretório Nacional de Segurança (National Directorate of SecurityNDS) era o serviço de inteligência e segurança do Estado e não fazia parte das ANSF, respondendo diretamente ao presidente afegão.

Uma mulher soldado das ASSF.

Operadoras especiais femininas executavam uma variedade de tarefas de missão especializada, como fornecer alerta antecipado a mulheres e crianças antes da entrada no assalto em um objetivo. Elas eram organizadas em Pelotões Táticos Femininos (Female Tactical Platoon, FTP).

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.
Alessandro Visacro.

Leitura recomendada: