domingo, 14 de março de 2021

Camboja: Recrudescimento e aproximação com a China

Blindados cambojanos no exercício conjunto "Golden Dragon-2019", região de Kampot, março de 2019.
(
Khem Sovannara/ Khmer Times)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 14 de março de 2021.

O Camboja, oficialmente o Reino do Camboja, é um país localizado na porção sul da península da Indochina, no sudeste da Ásia. Tem 181.035 quilômetros quadrados de área, delimitada pela Tailândia a noroeste, Laos a nordeste, Vietnã a leste e o Golfo da Tailândia a sudoeste. O Camboja é governado pelo general de cinco estrelas Hun Sen desde 1985, primeiro de 1985-1993 e depois de 1998 em diante, o tornando o mais antigo chefe de estado do Camboja e um dos líderes mais antigos do mundo. Subindo pelos postos durante a sangrenta guerra contra o Khmer Vermelho, seu título oficial é Samdech Akka Moha Sena Padei Techo Hun Sen, literalmente Senhor Primeiro-Ministro, Comandante Militar Supremo Hun Sen.

O estado soberano do Camboja tem uma população de mais de 15 milhões de habitantes. O budismo está consagrado na constituição como a religião oficial do estado e é praticado por mais de 97% da população. Os grupos minoritários do Camboja incluem vietnamitas, chineses, chams e 30 tribos das montanhas. A capital e maior cidade é Phnom Penh, o centro político, econômico e cultural do Camboja. O reino é uma monarquia constitucional eletiva com um monarca, atualmente Norodom Sihamoni, escolhido pelo Conselho Real do Trono como chefe de estado. O chefe do governo é o primeiro-ministro, atualmente Hun Sen, o líder não pertencente à realeza que há mais tempo serve no sudeste da Ásia, governando o Camboja desde 1985.

Guarda de elite do General Hun Sen.

A formação do Camboja

A primeira menção ao Camboja em documentos europeus ocorreu no período pós-Angkor, quando viajantes portugueses, chegando em 1511, descreveram a capital fortificada de Longvek como um lugar de prosperidade e comércio exterior. Esta cidadela havia sido escolhida como nova capital por conta da sua geografia defensiva, e a mudança de lugar foi uma tentativa cambojana (khmer) de recuperar seu esplendor por meio do comércio marítimo. O nome Longvek, significando "interseção" ou "encruzilhada", era conhecida pelos primeiros comerciantes europeus como "Camboja".

O reino siamês de Aiutaia (atual Tailândia) havia saqueado a capital cambojana de Angkor, que foi abandonada em 1432. A quase total destruição de Angkor, levou ao declínio do Império Angkor (também chamado Império Khmer) e a um período de estagnação econômica, social e cultural, quando os assuntos internos do reino ficaram cada vez mais sob o controle de seus vizinhos. Por esta altura, a tendência khmer para a construção de monumentos tinha cessado (só em Angkor existem mais de mil templos). As religiões mais antigas, como o budismo mahayana e o culto hindu do deus-rei, foram suplantadas pelo budismo teravada. As guerras contínuas com Aiutaia e os vietnamitas resultaram na perda de mais território. Durante a Guerra Siamesa-Cambojana de (1591–1594), a cidadela de Longvek foi sitiada na primeira invasão siamesa de 1591. O cerco durou três meses, após os quais uma combinação de questões logísticas e contra-ataques cambojanos forçaram os tailandeses a recuar para além da fronteira.

Angkor Wat, "Capital dos Templos", no Camboja.
Este complexo de templos hindo-budistas é o maior monumento religioso do mundo em área terrestre.

Dois anos depois, rei Naresuan, o Grande de Aiutaia conquistou e destruiu Longvek, capturando o príncipe Soroypor junto com 90 mil cambojanos, que foram levados a Aiutaia como reféns. Após essa conquista, o Camboja tornou-se um peão na luta pelo poder entre seus dois vizinhos cada vez mais poderosos, Sião e Vietnã. Uma nova capital cambojana foi estabelecida em Oudong ao sul de Longvek em 1618, mas seus monarcas só conseguiram sobreviver entrando no que equivalia a relacionamentos vassalos alternados com os siameses e vietnamitas pelos próximos três séculos, com apenas alguns períodos de independência relativa de curta duração.

No século XIX, uma nova luta entre o Sião e o Vietnã pelo controle do Camboja resultou em um período em que as autoridades vietnamitas tentaram forçar os khmers (cambojanos) a adotarem os costumes vietnamitas. Isso levou a várias rebeliões contra os vietnamitas e apelos aos tailandeses por ajuda. A Guerra Siamesa-Vietnamita de 1841-1845 terminou com um acordo para colocar o Camboja sob suserania conjunta. 

Em 1863, o rei Norodom, que havia sido instalado pelo Sião, buscou a proteção do Camboja do Sião pelo domínio francês. Após negociações do rei cambojano Ang Duong com Napoleão III para proteção contra a conquista pelo Vietnã e perda de terras pela Tailândia, uma delegação de oficiais da marinha francesa concluiu o protetorado francês com o rei Norodom (1859-1904). A intervenção da França colonial evitou uma maior erosão do território nacional e da integridade cultural do Camboja, e acabou com a perda de território.

Em 1867, Rama IV do Sião assinou um tratado com a França, renunciando à suserania sobre o Camboja. A França também serviu como proteção contra o expansionismo vietnamita do período. O Camboja continuou como protetorado da França de 1867 a 1953, administrado como parte da colônia da Indochina Francesa. Entre 1874 e 1962, a população total cambojana aumentou de cerca de 946.000 para 5,7 milhões de habitantes.

O número 3 é um caçador cambojano por volta de 1905, com o uniforme branco de verão e detalhes vermelhos. A boina do caçador é para simbolizar status. Os soldados usavam sandálias como na imagem ou andavam descalços. Ilustração de Mark Stacey no livro "French Naval & Colonial Troops 1872–1914". (Osprey Publishing)

O nascimento das forças armadas cambojanas modernas ocorreu sob o protetorado francês, com a criação do Batalhão de Caçadores Cambojanos (Bataillon de Chasseurs Cambodgiens, BTC) e da Guarda Nacional (Garde Nationale, também conhecida como Garde Indigène) para o controle interno da colônia.

O BCT, um batalhão de infantaria leve, era uma unidade khmer com oficiais franceses e fazia parte de uma força maior - a terceira brigada - que era responsável pelo Camboja e pela Cochinchina (sul do Vietnã). Além do batalhão cambojano, a brigada era composta por regimentos de infantaria leve colonial francesa e vietnamita e elementos de apoio. A brigada, com sede em Saigon, era em última instância responsável por um comando militar supremo da Indochina localizado em Hanói.

O BCT consistia em uma força de cerca de 2.500 homens e um elemento misto de quartel-general franco-khmer de cerca de quarenta a cinquenta oficiais, técnicos e pessoal de apoio. A força foi dividida em cerca de quinze companhias desdobradas nas províncias. O controle do batalhão estava investido na administração civil colonial, mas em tempos de crise, o comando podia passar rapidamente para as autoridades militares em Saigon ou em Hanói. O os caçadores teoricamente eram voluntários e os militares recebiam um salário em dinheiro. Os alistamentos, no entanto, raramente eram suficientes para acompanhar o ritmo das necessidades de pessoal, e as aldeias ocasionalmente eram encarregadas de fornecer cotas de recrutas.

Guarda Real com o mesmo uniforme mas com os detalhes em amarelo e descalços, 1930.
Distintivo do Bataillon de Chasseurs Cambodgiens (BTC).

Em 1940, a Indochina Francesa foi invadida pelo Japão no Tonquim (norte do Vietnã) em uma guerra curta e violenta nos postos de fronteira com a China. A França de Vichy não tinha condições de se defender e os japoneses instalaram guarnições e cadeias logísticas no Tonquim com o objetivo de atacar a retaguarda dos chineses nacionalistas (o motivo da invasão, pois Hanói recusou livre passagem). No ano seguinte, uma Tailândia aliada com o Japão invadiu o Camboja francês com uma força moderna e bem armada, particularmente munida de blindados, que causou baixas nas forças coloniais francesas na fase inicial da guerra. Uma manobra naval destruiu 1/3 da marinha tailandesa, o que levou o Japão a forçar sua mediação e obrigou a administração francesa a ceder as províncias de Battambang, Siem Reap (onde está localizado Angkor Wat) e partes da província de Kampong Thom e da província de Stung Treng. O Camboja perdeu um terço do seu território, incluindo meio milhão de cidadãos.

Em agosto de 1941, o Japão instalou uma guarnição de 8 mil homens no Camboja, permanecendo até 1945. O nacionalismo cambojano assumiu uma forma mais aberta em julho de 1942, quando os primeiros líderes Pach Chhoeun, um monge chamado Hem Chieu e Son Ngoc Thanh organizaram a resistência envolvendo militares cambojanos. O complô foi descoberto pelas autoridades coloniais, resultando em muitos feridos e em prisões em massa.

Soldados do Exército Imperial Japonês avançam de Haiphong para Lang Son, no final de setembro de 1940, na Indochina Francesa.

Em 9 de março de 1945, as forças japonesas no Camboja depuseram a administração colonial francesa em um golpe de estado sangrento; e em uma tentativa de conseguir apoio Khmer para a guerra de Tóquio, eles encorajaram o Camboja a proclamar a independência. Durante esse período, o destino da Guarda Indígena e do Batalhão de Caçadores Cambojanos permaneceu incerto. O batalhão aparentemente foi desmobilizado, enquanto a guarda permaneceu no local, mas se tornou ineficaz, pois seus oficiais franceses foram internados pelos japoneses. O Japão havia se preparado inicialmente para a criação de 5 unidades voluntárias khmer de 1.000 soldados cada para preservar a ordem pública e a segurança interna. O recrutamento de pessoal para as unidades de voluntários incluiria exames físicos e escritos. Antes que o plano pudesse ser implementado, a guerra acabou e o conceito morreu sem outras ações.

No final da Segunda Guerra Mundial, o contingente militar japonês derrotado esperava para ser desarmado e repatriado; cidadãos franceses procuraram retomar seu domínio pré-guerra com o apoio de unidades militares aliadas. O Khmer Issarak (insurgentes nacionalistas com apoio tailandês), declarou oposição ao retorno da França ao poder, proclamou um governo no exílio e estabeleceu uma base na província de Battambang. Na fronteira oriental, as forças comunistas vietnamitas (Viet Minh, VM) infiltraram-se nas províncias fronteiriças do Camboja, organizaram um "Exército de Libertação do Povo Khmer" (não confundir com a força cambojana posterior, as Forças Armadas de Libertação Nacional do Povo Kampucheano) e tentaram formar uma frente unida com o Khmer Issarak; a maioria dos guerrilheiros do Khmer Issarak eram vietnamitas do VM, com os poucos cambojanos sendo Khmer Krom, cambojanos que viviam no Vietnã. Esse movimento fracassou e foi rapidamente derrotado pelos franceses, se exilando na Tailândia e jurando retornar mas sem grandes resultados. Já a Tailândia teve de devolver os territórios tomados para poder ingressar nas Nações Unidas.

Soldados tailandeses observando corpos de soldados franceses mortos na Batalha de Phum Preav, o mais sangrento confronto com os tailandeses, ocorrida em 16 de janeiro de 1941.

No outono de 1945, o Príncipe Monireth propôs reunir uma força militar indígena às autoridades francesas que retornavam. Nomeado ministro da Defesa, ele anunciou a formação do primeiro batalhão nativo do Camboja em 23 de novembro e o estabelecimento de uma escola de candidatos a oficiais em 1º de janeiro de 1946. O modus vivendi franco-cambojano de 1946, principalmente relacionado a questões políticas, incluía o reconhecimento do exército cambojano por conselheiros franceses no Ministério da Defesa do Camboja e a responsabilidade das autoridades francesas pela manutenção da ordem.

Em janeiro de 1947, a força efetiva militares cambojana era de cerca de 4.000 homens, dos quais 3.000 serviram na Guarda Nacional, entrando em combate no mesmo ano. O restante pertencia a uma reserva móvel de dois batalhões primeiro e segundo Batalhões de Caçadores Cambojanos (Bataillon de Chasseurs Cambodgiens, BCC). Durante os dois anos seguintes, mais dois batalhões de caçadores foram adicionados, elevando a força total para 6.000 militares, com cerca de metade servindo na Garde Nationale e a outra metade na reserva móvel.

Homens do 5e Régiment de Cuirassiers "Royal Pologne" com um Chi-Ro Tipo 89 japonês capturado chamado "Bugeaud", Camboja, 1945/46.

Em julho de 1949, as forças cambojanas receberam autonomia nos setores operacionais, começando nas províncias de Siem Reap e Kampong Thom e, em 1950, os governadores provinciais receberam a atribuição de supervisionar a pacificação de sua jurisdição, apoiados por uma companhia de infantaria independente. Um acordo de assistência militar entre os Estados Unidos e a França seguido no outono de 1950 determinou a expansão das forças indígenas na Indochina, e em 1952 o efetivo das tropas cambojanas havia chegado a 13.000 homens. Batalhões de caçadores adicionais foram formados, unidades de apoio ao combate foram estabelecidas e uma estrutura para apoio logístico foi criada. As unidades cambojanas receberam responsabilidades mais amplas, como proteção fronteiriça e costeira.

Um batalhão paraquedista (1er bataillon de parachutistes khmers, 1er BPK) foi formado em 1º de dezembro de 1952. Uma e depois duas companhias paraquedistas, recrutadas no 1er BCC, formam essa nova unidade sob o comando do Chef de Section Klein; operando exclusivamente no quadro do exército cambojano.

Brevê do 1er BPK.

O príncipe Sihanouk tomou o poder em junho de 1952, encenando um "golpe de estado real" em 1953. Ele suspendeu a constituição "para restaurar... a ordem..." e assumiu o comando do exército e das operações. Ele atacou as forças do Khmer Issarak de Son Ngoc Thanh na província de Siem Reap e anunciou que havia empurrado "700 guerrilheiros vermelhos" através da fronteira para a Tailândia.

No início de 1953, Sihanouk embarcou em uma turnê mundial para divulgar sua campanha pela independência, argumentando que poderia "colocar em xeque o comunismo se opondo a ele com a força do nacionalismo". Após sua viagem, ele assumiu o controle de todo o Camboja, acompanhado por 30.000 soldados cambojanos e policiais em uma demonstração de apoio e força. Em outros lugares, as tropas cambojanas comandadas por oficiais franceses promoveram desacelerações ou recusaram os comandos de seus superiores, como uma demonstração de solidariedade a Sihanouk. A independência total foi obtida em novembro de 1953, e Sihanouk assumiu o comando do exército de 17.000 soldados, que havia sido rebatizado de Forças Armadas Reais Cambojanas (Forces armées royales khmères, FARK).

Em março de 1954, as forças combinadas do Viet Minh e do Khmer Issarak lançaram ataques do Vietnã ao nordeste do Camboja. O recrutamento obrigatório foi introduzido para homens entre quinze e trinta e cinco anos e a mobilização nacional foi declarada. Após a conclusão da Conferência de Genebra sobre a Indochina em julho, os representantes do Viet Minh concordaram em retirar suas tropas do Camboja. O número de tropas das FARK de 47.000 caiu para 36.000, com a desmobilização pós-Genebra, na qual deveria ser mantida pelos próximos quinze anos, exceto durante períodos de emergência. De um modo geral, a intensidade do conflito no Camboja foi bem menor que no resto da Indochina, devido à distância da China Vermelha e da falta de apoio popular contra o domínio francês e depois contra a nova monarquia. O Camboja continuaria um aliado vacilante do campo anti-comunista até 1975.

Em 1955, os Estados Unidos e o Camboja assinaram um acordo de assistência à segurança. Além de um Grupo Consultivo de Assistência Militar (Military Assistance Advisory Group, MAAG) e apoio ao orçamento militar, as FARK receberam suprimentos e equipamentos dos EUA no valor de aproximadamente US$ 83,7 milhões por oito anos até que o programa de assistência foi interrompido a pedido de Sihanouk em 1963. A França também manteve uma missão de treinamento militar no Camboja até 1971, a partir do qual as tradições e doutrinas militares das FARK foram adotadas.

Como os Estados Unidos não conseguiram garantir um programa de apoio militar confiável, Sihanouk buscou cada vez mais uma política externa neutra durante os anos 1960 e acabou declarando que o Camboja se "absteria de alianças militares ou ideológicas", mas manteria o direito à autodefesa.

A partir de 1958, as tropas de combate vietnamitas do norte e do sul começaram a violar o território cambojano regularmente. Nem Washington nem Hanói responderam aos protestos de Sihanouk, que o levaram a estabelecer relações diplomáticas com a China. Em meados da década de 1960, grandes áreas dentro do Camboja serviam como rotas de abastecimento e locais estratégicos de preparação para os comunistas do Vietnã do Norte e do Sul e as forças vietcongues. As FARK poderiam fazer pouco mais do que monitorar esses desenvolvimentos e manter um modus vivendi com os intrusos enquanto Sihanouk acusava os Estados Unidos de cumplicidade com o Khmer Serei, o que prejudicou ainda mais as relações entre os dois países.

A cooperação econômica e militar com os Estados Unidos foi encerrada formalmente em 3 de maio de 1965. Embora a assistência militar francesa e o treinamento continuassem até 1972, Sihanouk começou a aceitar a assistência militar da União Soviética. Ele também acusou a Tailândia e o Vietnã do Sul de cooperação subversiva com os EUA, que ele suspeitava desestabilizar ativamente seu governo e promover o Khmer Serei.

Um jipe do exército dividindo a rua na capital cambojana de Phnom Penh, agosto de 1973.

Em meados da década de 1960, as forças armadas do Camboja não conseguiram se incorporar a um programa abrangente de um dos lados opostos da Guerra Fria. Equipamentos militares mistos de vários fornecedores com doutrinas e estruturas variadas pioraram a posição estratégica das FARK. Incapaz de combater efetivamente a presença vietnamita no leste do Camboja, Sihanouk, em um gesto de apaziguamento, ofereceu secretamente o porto de águas profundas de Sihanoukville, situado no Golfo da Tailândia, como terminal de abastecimento para o NVA. O papel das FARK como uma força operacional centralmente liderada se desgastou ainda mais e cada vez mais funcionou como um árbitro altamente corrupto de negócios de armas não controlados e como agência de remessa.

Em 1967, as FARK reprimiram brutalmente o Levante Samlaut de camponeses frustrados na província de Battambang que, entre outras coisas, protestaram contra o dumping do preço do arroz pelo governo, o tratamento pelos militares locais, o deslocamento de terras e as más condições socioeconômicas. Sihanouk atribuiu a insurreição ao Khmer Vermelho e culpou a "frente patriótica tailandesa" de ter sido a força instigadora nos bastidores. A análise política incorreta de Sihanouk e as ações inadequadas das FARK contra civis causaram um sério processo de alienação entre a população do Camboja e as forças armadas oficiais. Muitas pessoas fugiram das repressões das FARK e se juntaram a grupos rebeldes, dos quais o Exército Revolucionário do Kampuchea se tornou o mais prolífico. Enquanto Sihanouk permaneceu no poder, essas forças receberam assistência militar muito limitada de Hanói porque isso poderia ter alienado o governo de Sihanouk e afetado o acesso dos vietnamitas do norte e vietcongues ao território cambojano e à rota de abastecimento de Sihanoukville.

As campanhas de bombardeio americana em 1969 dentro do território cambojano fizeram com que os vietnamitas penetrassem mais profundamente no país, onde entraram em contato hostil mais frequente com as FARK, que supostamente conduziu operações conjuntas com forças sul-vietnamitas contra os norte-vietnamitas e vietcongues. Sihanouk desaprovou estas últimas incursões comunistas, encerrou o acesso ao porto de Sihanoukville e afirmou que "para lidar com o Viet Cong e o Viet Minh", vai "desistir do espírito defensivo e adotar um espírito ofensivo". Em 11 de junho de 1969, ele anunciou que "...atualmente há uma guerra na província de Ratanakiri entre o Camboja e o Vietnã."

Soldados cambojanos na região de Prek Tamak, no Camboja, durante pesados combates contra os vietcongues em 26 de agosto de 1970.
A soldado tem um fuzil-metralhador soviético RPD sobre o ombro.

Em janeiro de 1970, um grupo de oficiais das FARK sob o General Lon Nol explorou a ausência de Sihanouk para realizar um golpe de Estado que foi confirmado pela Assembléia Nacional do Camboja dois meses depois. O golpe passou sem quaisquer incidentes violentos e todos os contingentes das FARK, cerca de 35.000 a 40.000 soldados, organizados principalmente como forças terrestres permaneciam alertas, ocupando e guardando posições estratégicas importantes. As FARK foram renomeados para Forças Armadas Nacionais Cambojanas (Forces armées nationales khmères - FANK) sob o comando de Lon Nol. Seu governo reiterou uma postura política neutra. No entanto, as tentativas de negociar uma retirada pacífica dos vietnamitas do território cambojano foram rejeitadas. Como consequência, Lon Nol apelou à intervenção da ONU e à assistência internacional.

De 29 de abril a 1º de maio de 1970, as forças terrestres sul-vietnamitas e americanos invadiram o leste do Camboja e capturaram grandes quantidades de material inimigo, destruíram a infraestrutura e depósitos do Exército Popular Vietnamita (VPA) e vietcongues. As tropas vietnamitas em retirada avançaram mais para o oeste no Camboja e destruíram as tropas e posições das FANK, desestabilizando seriamente o governo de Lon Nol. Após a retirada dos sul-vietnamitas e americanos, todo o nordeste do Camboja foi controlado pelos norte-vietnamitas, que amplamente apoiaram e equiparam os insurgentes comunistas locais do Khmer Vermelho (Khmer Rouge) que substituíram as FANK nesses territórios.

Uma avaliação abrangente das forças armadas da República Cambojana revelou graves deficiências, como a "falta de experiência de combate, deficiências de equipamento, [...] falta de mobilidade" e "oficiais incompetentes e corruptos". Embora a lei marcial tenha sido declarada e a mobilização total introduzida, não houve administração confiável e transparente, substituição de oficiais incompetentes e corruptos, pessoal importante e reformas educacionais baseadas em uma doutrina militar moderna.

A estratégia das FANK focou na segurança do território central. A maioria da população ocupou essas ricas áreas de cultivo de arroz, enquanto o controle dos vietnamitas e do Khmer Vermelho constituíam as terras montanhosas e florestais ao norte e a leste da "Linha Lon Nol". Duas ofensivas militares (Chenla I, em agosto de 1970, e Chenla II, em agosto de 1971) foram realizadas a fim de recuperar o controle da área agrícola fértil de Kompong Thom ao norte de Phnom Penh. Algum sucesso inicial não foi explorado e as FANK foram finalmente derrotadas pela 9ª Divisão do VPA e cada vez mais numerosas e eficazes divisões do Khmer Vermelho. Essas tropas haviam adquirido um impulso político considerável desde que o destronado Sihanouk serviu como sua nova figura de proa, proclamando a guerra de libertação nacional.

Em 1970, Sihanouk anunciou a criação do Governo Real da União Nacional do Kampuchea (Gouvernement royal d'union nationale du Kampuchéa - GRUNK), que ele alegou ter sido legitimado pela Frente Unida Nacional do Kampuchea (Front uni national du Kampuchéa - FUNK). Essa retórica era particularmente popular entre a população rural e as minorias étnicas. A força foi logo renomeada como Forças Armadas de Libertação Nacional do Povo Cambojano (Front national de libération du peuple khmer, FLNPK).

Paraquedistas cambojanas das FANK armadas com fuzis AK chineses, 1970.
A mulher asiática sempre foi ativa no ciclo de conflitos quase permanente do século XX, geralmente em funções de apoio mas também sendo empregadas esporadicamente em combate.

Em 1972, as ações das FANK eram principalmente operações defensivas no continuamente diminuído território governamental que, em novembro de 1972, havia alcançado um ponto que exigia um novo realinhamento estratégico da Linha Lon Nol. Perdidas estavam as ricas áreas de cultivo de arroz ao redor do lago Tonlé Sap. O restante território ainda detinha a maioria da população. Consistia no sudeste do Camboja - aproximadamente um triângulo de Phnom Penh no norte, passando por Sihanoukville no sul até a fronteira vietnamita no leste. Em 1973, a FLNPK controlava cerca de 60% do território do país e 25% da população.

Os 68.000 soldados do "Kampuchea Democrático" foram liderados por um pequeno grupo de intelectuais, inspirados pela Revolução Cultural de Mao Tsé-Tung na China, que pretendia converter o Camboja em uma utopia agrária. Com a ajuda dos vietnamitas, doutrinados e altamente dedicados à ideologia comunista maoísta, um punhado de companhias avulsas, recrutadas do campesinato, desenvolveram-se em forças disciplinadas, treinadas na guerra de guerrilha e também na moderna guerra de manobras.

A FLNPK começou sua ofensiva em Phnom Penh no ano novo de 1975 - então o último remanescente do território da República Khmer. As forças do Khmer Vermelho lentamente cercaram a cidade enquanto todas as estradas e rotas fluviais foram cortadas. No início de abril, a maioria das posições defensivas foram rompidas com unidades das FANK aniquiladas e suprimentos esgotados. Em 17 de abril, a República Khmer caiu e as FANK foram totalmente esmagadas, derrotadas por um exército inimigo disciplinado em uma guerra convencional de movimento e manobra de estilo soviético, igual ocorreria logo depois em Saigon em 30 de abril de 1975.

Em 1975, que marcou o início do Kampuchea Democrático, a FLNPK foi renomeada como RAK (Exército Revolucionário do Kampuchea). Liderado pelo comandante de longa data e então Ministro da Defesa Son Sen, o RAK consistia em 230 batalhões em 35 a 40 regimentos em 12 a 14 brigadas. A estrutura de comando em unidades baseava-se firmemente em uma forma extrema de ideologia camponesa comunista, com comitês de três pessoas, onde o comissário político era o mais importante. O país foi dividido em zonas militares e setores especiais, cujas fronteiras mudaram ligeiramente ao longo dos anos. Uma das primeiras tarefas do RAK na consolidação militar e política foi a execução total e sumária de ex-oficiais das FANK e funcionários do governo e suas famílias.

Ascenção do Khmer Rouge gerou um desastre humanitário do genocídio cambojano, a perseguição sistemática e matança de cambojanos pelo Khmer Vermelho sob a liderança do secretário-geral do Partido Comunista, Pol Pot, que empurrou radicalmente o Camboja para o comunismo. Esse genocídio resultou na morte de 1,5 a 2 milhões de pessoas de 1975 a 1979, quase um quarto da população do Camboja em 1975 (cerca de 7,8 milhões).

Por questões nacionalistas, Pol Pot começou a incitar ataques a postos vietnamitas (agora unificados sob o comunismo de Hanói) como uma ação preventiva, e que escalou em uma invasão e ocupação do Camboja. Mesmo os então revolucionários cambojanos e vietnamitas já haviam se iniciado em 1970 - antes mesmo de derrotaram seus respectivos adversários "reacionários" - quando unidades do Khmer Vermelho dispararam contra as tropas norte-vietnamitas. Relatos de engajamentos de intensidade crescente continuaram, especialmente depois de 1973. Os norte-vietnamitas inicialmente optaram por ignorar os incidentes porque consideravam os santuários no Camboja vitais para sua guerra no Vietnã do Sul. Após as vitórias comunistas de abril e maio de 1975, aumentaram os ataques de fronteira do Khmer Vermelho, que incluíram massacres de aldeões. As tentativas do Kampuchea Democrático de capturar vários territórios insulares disputados no Golfo da Tailândia (por exemplo, Thổ Chu e Phú Quốc) terminaram em fracasso, apenas gerando grandes perdas civis (30 mil civis vietnamitas mortos nas escaramuças de 1975 a 1978).

Crânios de 881 mulheres vietnamitas entre 16 e 20 anos mortas por duas divisões do Khmer Vermelho em Ba Chuc, no sul do Vietnã, de 18 a 30 de abril de 1978. Dos habitantes da vila, 3.157 pessoas foram mortas, com apenas 2 sobrevivendo ao massacre. Mais 200 pessoas morreram ou foram feridas por conta de minas espalhadas pelo Khmer Vermelho durante a sua retirada através da fronteira.

A deterioração das relações Camboja-Vietnã atingiu o ponto mais baixo em 31 de dezembro de 1977, quando a Rádio Phnom Penh relatou uma "agressão feroz e bárbara lançada pelas 90.000 [tropas das] forças agressoras vietnamitas contra o Kampuchea Democrático", denunciou a "chamada República Socialista do Vietnã" e anunciou um "rompimento temporário" das relações diplomáticas. Escavações retóricas crescentes na fronteira explodiram em batalhas campais no verão e no outono de 1978. Grandes engajamentos foram relatados na província de Svay Rieng, província de Kampong Cham e província de Ratanakiri.

Em novembro de 1978, as forças vietnamitas lançaram uma operação sustentada em solo cambojano na área da cidade de Snuol e Memot, na província de Kratié. Esta ação limpou uma zona libertada onde cambojanos anti-Khmer Vermelho puderam lançar um movimento político de base ampla que se opôs ao regime desumano de Pol Pot. Em 2 de dezembro de 1978, a Frente Unida Nacional Kampucheana para a Salvação Nacional (KNUFNS) foi proclamada em uma plantação de seringueiras em meio a uma segurança rígida fornecida por unidades vietnamitas fortemente armadas e reforçadas com canhões antiaéreos.

Doze a quatorze divisões vietnamitas e três regimentos Khmer - o futuro núcleo das KPRAF que existiram de 1979 a 1990 - lançaram uma ofensiva em 25 de dezembro de 1978, uma força de invasão total compreendendo cerca de 100.000 soldados. As forças do VPA dirigiram-se primeiro para a cidade de Kratié e a cidade de Stung Treng a fim de ocultar os objetivos estratégicos finais, para garantir uma base vietnamita de longo alcance nos grandes, mas escassamente ocupados territórios do nordeste cambojano e para evitar que qualquer unidade do Khmer Vermelho recuasse para esta área. No entanto, o Khmer Vermelho concentrou unidades defensivas apenas nas regiões planícies do leste e sudeste do Camboja, onde haviam antecipado corretamente o foco principal dos ataques do VPA. Fortes forças vietnamitas avançaram em três colunas em direção ao porto fluvial de Kampong Cham, a travessia do rio Mekong em Neak Loeung e ao longo da costa do Golfo da Tailândia para capturar os portos marítimos de Sihanoukville e Kampot.

O moral e a eficácia de combate das tropas do Kampuchea Democrático deterioraram-se consideravelmente e muitos comandantes de alto escalão foram perdidos em expurgos do partido. Os combates sérios foram confinados a pequenas áreas, já que a maioria das unidades do Khmer Vermelho - sob implacável fogo de artilharia e ataques da força aérea do VPA - logo recuou para o oeste. As primeiras tropas vietnamitas alcançaram a margem oriental do Mekong, perto de Phnom Penh, em 5 de janeiro de 1979. Não está totalmente claro se a intenção inicial de Hanói era ir mais longe. No entanto, após uma parada de 48 horas e reagrupamento e derrota das tropas do Khmer Vermelho, o ataque a Phnom Penh foi lançado e a cidade deserta e indefesa foi capturada em 7 de janeiro.

Com a capital segura, as unidades do VPA seguiram em direção e capturaram Battambang e Siem Reap, no oeste do Camboja. Lutas sérias e prolongadas que duraram até abril aconteceram a oeste de Sisophon, perto da fronteira com a Tailândia. Os últimos combatentes do Khmer Vermelho foram evacuados para as florestas remotas em ambos os lados da fronteira. As tropas vietnamitas não avançaram mais e mantiveram distância do território tailandês.

Acima: soldados vietnamitas sobre um tanque Tipo 59 do 8º Exército Chinês.
Abaixo: miliciana vietnamita guardando prisioneiros chineses.

Os vietnamitas invadiram o Camboja com 150 mil homens, força chamada de "O Exército de Voluntários Vietnamitas no Kampuchea". A tomada da capital e ocupação do Camboja levou à ira da China - o grande patrono do Camboja - e isso levou à invasão punitiva chinesa do norte do Vietnã em 17 de fevereiro de 1979. A expedição chinesa se mostrou um desastre e o Exército de Libertação Popular Chinês se retirou do Vietnã em 16 de março do mesmo ano, alegando que "haviam ensinado uma lição" ao Vietnã. A guerra, no entanto, não fez com que o Vietnã abandonasse a sua ocupação do Camboja.

O Vietnã e a China se manteriam em guerra não-declarada, com escaramuças intermitentes, durante toda a década de 1980.

Enquanto a década de 1980 prosseguia, o Vietnã mantinha uma força permanente de 140.000 militares suplementada por 30.000 a 35.000 soldados das KPRAF, que conseguiram controlar continuamente o coração do Camboja, que incluía os centros comercial, agrícola e populacional. A invasão vietnamita parou o genocídio cambojano e instituiu a República Popular do Kampuchea (République populaire du Kampuchea, RPK), também de ideologia comunista.

A presença do Vietnã no Camboja supostamente consumiu 40-50% do orçamento militar de Hanói, atingindo um pico de 200 mil homens. Embora partes substanciais do custo tivessem sido financiadas por subsídios soviéticos, as tropas vietnamitas no Camboja aparentemente estavam com rações escassas. A Rádio Hanói teria feito comentários sobre as tropas "vestidas com trapos, alimentadas com puritanismo e, principalmente, infectadas por doenças". O estado precário das forças vietnamitas no Camboja também foi objeto de um relatório do diretor de um instituto médico militar de Hanói. De acordo com relatos da mídia, o relatório reconheceu que as tropas vietnamitas no país sofriam de desnutrição grave e generalizada e que o beribéri ocorria em proporções epidêmicas.

Conselheiros militares vietnamitas também foram destacados para servir nas forças principais e provinciais das KPRAF até o nível de batalhão, e talvez até de companhia. As funções e a cadeia de comando desses conselheiros permaneceram desconhecidas, exceto que se poderia presumir que eles se reportavam à região militar vietnamita ou ao quartel-general da frente.

Revista militar de 1984 da Alemanha Oriental celebrando a República Popular do Kampuchea.

Os vietnamitas sofreram cerca de 50 mil mortos militares, com 200 mil civis cambojanos mortos durante as operações militares de 1979 a 1989. As perdas cambojanas da coalização nacional (o Khmer Vermelho sendo a maior facção) são desconhecidas, mas elevadas. Em 26 de setembro de 1989 os vietnamitas encerraram as operações depois de 10 anos, 9 meses e 1 dia de ocupação do Camboja.

O Kampuchea tornou-se mais do que apenas um problema militar para o Vietnã, evoluindo rapidamente para um problema econômico e diplomático na arena internacional. Ao longo da década em que o Vietnã ocupou o vizinho Kampuchea, o governo vietnamita e o governo da RPK que instalou foram colocados na periferia da comunidade internacional.

A postura política da comunidade internacional em relação ao Kampuchea teve um forte impacto na economia vietnamita, que já estava destruída por décadas de conflitos contínuos. Os Estados Unidos, que já tinham sanções em vigor contra o Vietnã, convenceram outros países das Nações Unidas a privarem o Vietnã e a República Popular do Kampuchea de fundos tão necessários ao negar-lhes a filiação a grandes organizações internacionais, como o Banco Mundial, o Banco de Desenvolvimento Asiático e o Fundo Monetário Internacional. Em 1979, o Japão intensificou a pressão suspendendo toda a ajuda econômica ao Vietnã e avisou aos líderes vietnamitas que a ajuda econômica seria retomada somente quando o Vietnã alterasse suas políticas em relação ao Kampuchea, à rivalidade sino-soviética e ao problema dos povos dos botes (refugiados vietnamitas que lançavam ao mar de forma desesperada). A Suécia, que foi considerada o maior apoiador do Vietnã no Ocidente, também considerou reduzir seus compromissos com o país comunista, já que praticamente todos os outros países cancelaram sua ajuda.

Além da pressão externa, as políticas internas implementadas pelo governo vietnamita desde 1975 se mostraram amplamente ineficazes para estimular o crescimento econômico do país. Com base no modelo soviético de planejamento econômico central, o Vietnã deu mais ênfase ao desenvolvimento de indústrias pesadas, enquanto a produção na agricultura e nos setores de manufatura leve estagnou. Além disso, as tentativas de nacionalizar a economia do sul do Vietnã após a reunificação apenas resultaram em caos, já que a produção econômica foi reduzida pelo deslocamento da população em geral. Além dessas políticas econômicas fracassadas, o Vietnã manteve a quinta maior força armada do mundo, com 1,26 milhão de soldados regulares armados, 180.000 dos quais estavam estacionados no Camboja em 1984. Consequentemente, o governo vietnamita teve que gastar um terço de seu orçamento para as forças armadas e a campanha no Kampuchea, apesar de receber US$ 1,2 bilhão em ajuda militar anualmente da União Soviética, dificultando ainda mais os esforços de reconstrução econômica do Vietnã.

Em resposta à pressão internacional e para evitar o envolvimento em um conflito debilitante com vários grupos de resistência armada locais, o Vietnã começou a retirar suas forças militares do Kampuchea já em 1982. Mas o processo de retirada carecia de verificação internacional, então os observadores estrangeiros simplesmente desprezaram o movimento de tropas do Vietnã como meras rotações. Em 1984, para se desengajar do Kampuchea, o Vietnã revelou uma estratégia de cinco fases conhecida como Plano K5.

Também conhecido como Cortina de Bambu, Cinturão K5 ou Projeto K5, o plano foi elaborado pelo general Le Duc Anh, que liderou a campanha vietnamita no Kampuchea e é um típico esforço de contra-insurgência. A primeira fase exigiu que os militares vietnamitas capturassem as bases de grupos armados no Kampuchea ocidental e ao longo da fronteira com a Tailândia. As fases seguintes incluíram o fechamento da fronteira com a Tailândia, destruindo grupos de resistência locais, fornecendo segurança para a população e aumentando as Forças Armadas Revolucionárias do Povo Kampucheano.

Soldados do Exército Popular Vietnamita em Kampong Cham antes da sua retirada do Camboja, 1989.

A letra "K", a primeira letra do alfabeto khmer, veio de kar karpier, que significa "defesa" na língua khmer, e o número "5" se referia aos cinco pontos de Le Duc Anh em seu plano de defesa, dos quais a selagem de a fronteira com a Tailândia foi o segundo ponto. De acordo com Esmeralda Luciolli, no livro Le mur de bambou: le Cambodge après Pol Pot, muitos trabalhadores do projeto, no entanto, não sabiam o que "K5" significava. A decisão de construir o que em breve seria chamada de "parede de bambu" nunca foi anunciada publicamente. Em julho de 1984, segundo Luciolli, rumores misteriosos se espalharam entre os cambojanos. Todos deveriam agora ir para a fronteira, vários meses por ano, em regiões minadas e gravemente maláricas, para construir uma espécie de nova muralha da China entre o Camboja e a Tailândia. Inicialmente ignorada pelos observadores estrangeiros como uma expressão do exagero dos cambojanos. Depois de algumas semanas, porém, as partidas começaram e esse trabalho logo se tornaria a obsessão de todos os cambojanos.

O exército vietnamita tinha o hábito de alistar civis cambojanos para trabalhos estratégicos desde 1979. Inicialmente, a partir do outono de 1982, a população teve que participar do "trabalho socialista". Estas obras consistiam na construção de diques, estradas, terraplanagem perto da casa e eram úteis para os habitantes. Muito rapidamente, essas obras assumiram um caráter estratégico e os camponeses receberam a ordem de limpar as florestas circundantes e construir barreiras de proteção em torno dos centros residenciais mais importantes. Desde 1983, os moradores tiveram que construir paliçadas feitas de duas ou três fileiras de espinhos e bambu, às vezes revestidas de campos minados, ao redor das aldeias. A população também foi obrigada a construir barreiras defensivas ao longo das ferrovias, ao redor de pontes e em pontos estratégicos das principais estradas. Na província de Kompong Chhnang, essas barreiras eram visíveis em todos os lugares, ao redor de cada aldeia, cada cidade ou capital de distrito, a capital provincial, ao longo da linha férrea Phnom Penh-Battambang, em muitos pontos da Estrada Nacional N5. Entre a cidade de Kompong Chhnang e o distrito de Tuk Phos, no oeste da província, foram cortadas árvores em grandes áreas e tocos podiam ser vistos a perder de vista em ambos os lados da estrada.

Observadores estrangeiros acreditam que o Exército vietnamita completou a primeira fase do Plano K5 durante a ofensiva da estação seca de 1984-85, quando os campos de base de vários grupos de resistência anti-vietnamita foram tomados de assalto. Posteriormente, a maioria das dez divisões vietnamitas foram designadas para operações nas fronteiras, com o restante permanecendo nas principais províncias para proteger a população local e treinar as forças armadas kampucheanas.

Em 1985, o isolamento internacional e as dificuldades econômicas forçaram o Vietnã a depender cada vez mais da ajuda da União Soviética. Durante a invasão chinesa em fevereiro de 1979, a União Soviética forneceu US$ 1,4 bilhão em ajuda militar ao Vietnã, um valor que atingiu o pico de US$ 1,7 bilhão no período entre 1981 e 1985. Então, para ajudar o Vietnã a implementar seu terceiro Plano Quinquenal (1981–1985), a União Soviética forneceu uma soma de US$ 5,4 bilhões ao governo vietnamita para suas despesas; a ajuda econômica chegou a US $ 1,8 bilhão anualmente. A União Soviética também forneceu 90% da demanda do Vietnã por matérias-primas e 70% de suas importações de grãos. Embora os números sugiram que a União Soviética era um aliado confiável, em privado os líderes soviéticos estavam insatisfeitos com a forma como Hanói lidava com o impasse no Kampuchea e ressentiam-se do fardo de seu programa de ajuda ao Vietnã, visto que seu próprio país estava passando por reformas econômicas. Em 1986, o governo soviético anunciou que reduziria a ajuda a nações amigas; para o Vietnã, essas reduções significaram a perda de 20% de sua ajuda econômica e um terço de sua ajuda militar.

Posteriormente, em junho de 1987, o Politburo vietnamita adotou uma nova estratégia de defesa na Resolução nº 2, exigindo a retirada completa dos soldados vietnamitas de "deveres internacionais", uma redução no tamanho do exército por meio da dispensa de 600.000 soldados e o estabelecimento de uma proporção definida para despesas militares.

Como parte dessa mudança, o Vietnã deixou de considerar os Estados Unidos como um inimigo de longo prazo e a China como um inimigo iminente e perigoso. Além disso, a propaganda oficial vietnamita parou de rotular a ASEAN como uma organização do "tipo da OTAN". Para implementar as novas reformas, o Vietnã, com o apoio da União Soviética, começou a transferir equipamentos militares no valor de vários anos de ajuda militar para as KPRAF, que contava com mais de 70.000 soldados. O Departamento de Relações Internacionais do Ministério da Defesa vietnamita aconselhou então seus homólogos kampucheanos a usarem apenas o equipamento disponível para manter seu nível atual de operações, e não se envolver em grandes operações que poderiam exaurir esses suprimentos.

Em 14 de janeiro de 1985, Hun Sen foi nomeado primeiro-ministro da República Popular do Kampuchea e iniciou as negociações de paz com as facções do governo de coalizão do Kampuchea Democrático. Entre 2 e 4 de dezembro de 1987, Hun Sen encontrou-se com Sihanouk em Fère-en-Tardenois, na França, para discutir o futuro do Kampuchea. Outras negociações ocorreram entre 20 e 21 de janeiro de 1988, e Hun Sen ofereceu a Sihanouk um cargo no governo kampucheano com a condição de que ele retornasse imediatamente ao Kampuchea. No entanto, Sihanouk não aceitou a oferta, mesmo quando os preparativos foram feitos em Phnom Penh para recebê-lo. Apesar desse fracasso, o governo de Hun Sen conseguiu persuadir Cheng Heng e In Tam, ambos ministros no governo de Lon Nol, a retornar ao Kampuchea.

No primeiro grande passo para restaurar a paz em Kampuchea, representantes da coalizão e da RPK se reuniram pela primeira vez na Primeira Reunião Informal de Jacarta em 25 de julho de 1988. Nessa reunião, Sihanouk propôs um plano de três fases, que exigia um cessar-fogo, uma força de paz da ONU para supervisionar a retirada das tropas vietnamitas e a integração de todas as facções armadas Kampuchean em um único exército.

Tropas holandesas da UNTAC protegendo um trem com refugiados que retornam ao Camboja de campos na Tailândia, em 1º de maio de 1993.

Em 23 de outubro de 1991, as facções cambojanas do Conselho Nacional Supremo, junto com o Vietnã e 15 países membros da Conferência Internacional de Paz sobre o Camboja, assinaram o Acordo de Paz de Paris. Para o povo cambojano, duas décadas de guerra contínua e 13 anos de guerra civil pareciam ter acabado. Para incluir o Khmer Vermelho no acordo, as principais potências concordaram em evitar o uso da palavra "genocídio" para descrever as ações do Governo do Kampuchea Democrático no período entre 1975 e 1979. Como resultado, Hun Sen criticou o Acordo de Paris como estando longe de ser perfeito, pois não lembrava o povo cambojano das atrocidades cometidas pelo governo do Khmer Vermelho. No entanto, o Acordo de Paris estabeleceu a Autoridade de Transição das Nações Unidas no Camboja (UNTAC), de acordo com a Resolução 745 do Conselho de Segurança da ONU, e deu à UNTAC um amplo mandato para supervisionar as principais políticas e trabalhos administrativos até que um governo cambojano fosse democraticamente eleito.

Em 14 de novembro de 1991, Sihanouk voltou ao Camboja para participar das eleições, seguido por Son Senn, um oficial do Khmer Vermelho, que chegou alguns dias depois para estabelecer o escritório de campanha eleitoral da organização em Phnom Penh. Em 27 de novembro de 1991, Khieu Samphan, um ex-político e economista comunista cambojano que serviu como chefe de estado do Khmer Rouge abaixo de Pol Pot, também voltou ao Camboja em um vôo de Bangkok; inicialmente ele esperava que sua chegada fosse tranquila, mas assim que o vôo de Khieu Samphan pousou no aeroporto de Pochentong, ele foi recebido por uma multidão furiosa que gritou insultos contra ele. Quando Khieu Samphan foi levado para a cidade, outra multidão se alinhou no caminho em direção ao seu escritório e jogou objetos em seu carro. Assim que chegou ao seu escritório, Khieu Samphan entrou e telefonou imediatamente para o governo chinês para salvá-lo. Pouco depois, uma multidão enfurecida abriu caminho para dentro do prédio, perseguiu Khieu Samphan pelo segundo andar e tentou enforcá-lo em um ventilador de teto. Por fim, Khieu Samphan conseguiu escapar do prédio por uma escada com o rosto ensanguentado e foi imediatamente levado para o aeroporto de Pochentong, de onde saiu do Camboja. Com a saída de Khieu Samphan, a participação do Khmer Vermelho na eleição parecia duvidosa.

Em março de 1992, o início da missão da UNTAC no Camboja foi marcado pela chegada de 22.000 soldados pacificadores da ONU, incluindo tropas de 22 países, 6.000 funcionários, 3.500 policiais e 1.700 funcionários civis e voluntários eleitorais. A missão foi liderada pelo diplomata japonês Yasushi Akashi. Em junho de 1992, o Khmer Vermelho estabeleceu formalmente o Partido da União Nacional do Kampuchea e anunciou que não se registraria para participar das próximas eleições. Além disso, o Khmer Vermelho também se recusou a desarmar suas forças de acordo com o acordo de Paris. Então, para evitar que a etnia vietnamita participasse das eleições, o Khmer Vermelho começou a massacrar as comunidades civis vietnamitas, fazendo com que centenas de milhares de vietnamitas fugissem do Camboja. No final de 1992, as forças do Khmer Vermelho avançaram em Kampong Thom a fim de ganhar uma posição estratégica, antes que as forças de paz da ONU estivessem totalmente desdobradas lá. Nos meses que antecederam as eleições, várias patrulhas militares da ONU foram atacadas ao entrarem em território controlado pelo Khmer Vermelho.

Apesar das ameaças contínuas do Khmer Vermelho durante as eleições, em 28 de maio de 1993, o FUNCINPEC obteve 45,47% dos votos, contra 38,23% do Partido do Povo Cambojano. Embora claramente derrotado, Hun Sen se recusou a aceitar os resultados da eleição, então seu ministro da Defesa, Sin Song, anunciou a secessão das províncias orientais do Camboja, que haviam apoiado o Partido do Povo Cambojano. O príncipe Norodom Ranariddh, líder do FUNCINPEC e filho de Sihanouk, concordou em formar um governo de coalizão com o Partido do Povo Cambojano para que o país não se dividisse. Em 21 de setembro de 1993, a Assembléia Constituinte do Camboja aprovou uma nova Constituição e Ranariddh tornou-se o Primeiro Ministro. Ele nomeou Hun Sen como o segundo primeiro-ministro. Em 23 de setembro de 1993, a monarquia constitucional foi restaurada com Norodom Sihanouk como chefe de estado. Em julho de 1994, o governo cambojano baniu o Khmer Vermelho por suas contínuas violações do Acordo de Paris. Mais significativamente, o governo cambojano também reconheceu especificamente o genocídio e as atrocidades que ocorreram sob o Kampuchea Democrático. Em 1998, o Khmer Vermelho foi completamente dissolvido.

Renovação militar e endurecimento político

O povo cambojano continua a ter opiniões diversas sobre o resultado da guerra. Alguns cambojanos consideram o Vietnã como seu salvador por lutar e derrubar o brutal governo do Khmer Vermelho e por ajudar o Camboja mesmo sendo sancionado. Por outro lado, os linha-dura cambojanos perceberam a guerra como uma conquista imperialista vietnamita; essa visão se desenvolveu, desde 2010, no aumento desenfreado do nacionalismo cambojano e do sentimento anti-vietnamita, que levou ao assassinato de alguns cidadãos vietnamitas no Camboja.

O aumento desenfreado do sentimento anti-vietnamita no Camboja foi fomentado por queixas históricas que existiam antes da guerra de 1978. Para os nacionalistas cambojanos, o trauma das incursões e ocupações vietnamitas anteriores desde o século XVII deu ímpeto à sua hostilidade crescente contra os vietnamitas. Por outro lado, e ironicamente, a China, o anterior apoiador do Khmer Vermelho, é venerada como um novo aliado, o que fortaleceu as relações Camboja-China em resposta aos temores de uma possível intervenção vietnamita. Isso resultou no Camboja apoiando discretamente a China na disputa do Mar da China Meridional.

O General Hun Sen, ditador do Camboja, durante o discurso da cerimônia dos 20 anos da criação do Quartel-General do Exército Real Cambojano, em 24 de janeiro de 2019.

O atual aumento de poder militar cambojano ocorre no mesmo momento em que uma onda de prisões entre jovens ocorre no Camboja, com cerca de 30 pessoas presas em questão de semanas no país, noticiado na mídia francesa como "governado com mão de ferro pelo primeiro-ministro Hun Sen". Noticiado por jornais como o France Presse e o La Croix, as tensões econômicas estão levando o governo a temer um aumento nos protestos, como os que se espalharam na Tailândia.

Desde a vitória absoluta de Hun Sen nas eleições de 2018, o espaço crítico encolheu no Camboja. Em abril de 2020, diante da ameaça da pandemia do coronavírus, o governo aprovou uma lei que amplia seus poderes em caso de estado de emergência, embora o país tivesse até outubro de 2020 contabilizado apenas 275 casos, e sem mortes. O Camboja foi acusado de usar o Covid-19 para restringir as liberdades segundo Relatório de Análise da FIDH (Fédération internationale des droits de l’Homme/ Federação Internacional de Direitos Humanos), baseado em Paris, divulgado em 9 de julho de 2020, e publicado por Pierre Cochez pelo La Croix, denunciando o risco de se usar o estado de emergência sanitária para endurecer a legislação cambojana.

As críticas da ex-metrópole nos últimos anos não passaram despercebidas em Phnom Penh, a capital cambojana. No discurso do 20º aniversário da criação do Quartel-General do Exército Real Cambojano, em 24 de janeiro de 2019, o "Samdech Decho" confrontou os comentários franceses diretamente dizendo "Se a França pode usar as forças armadas para proteger o governo do movimento dos colete amarelos, por que o Camboja não poderia usar as forças armadas para proteger seu governo legítimo?"

“Nós apenas usamos as forças para proteger o governo e eles nos chamaram de autoritários. Justiça não existe neste mundo”, disse o primeiro-ministro Hun Sen. Afirmando que alguns países até usaram as forças armadas para tomar o poder, alegou que o Camboja apenas usa as forças armadas para proteger o governo legítimo. O homem forte ainda advertiu sobre obstruir todos os tipos de atividades de rebelião que tentam derrubar o Governo Real do Camboja.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Koy Kuong, confirmou que o Camboja comprou vários tanques e veículos de combate e disse que mais carregamentos viriam. Esse aumento de capacidade militar vem seguindo um movimento anunciado desde janeiro de 2020. Há uma tensa disputa de fronteira com a Tailândia, outra monarquia que atualmente enfrenta forte oposição interna, envolvendo protestos de rua. A compra de fuzis sniper chineses traz preocupações a respeito dessa motivação, apesar da insistência do governo em afirmar o contrário.

O recente golpe no Mianmar (Birmânia) apenas acirra ainda mais as tensões na região. O Camboja foi rápido em afirmar, no dia do golpe, que a situação se trata de um problema interno birmanês, em oposição às reações na região. Mesmo antes disso, vozes já se levantavam sobre a exclusão do Camboja do ASEAN.

Milhares de estudantes desafiam o estado-policial tailandês nas ruas de Bangkok, capital do reino, 19 de outubro de 2020.

T-55: O cavalo de batalha do Camboja

O T-55 permanece a plataforma principal das forças blindadas cambojanas, com modelos T-54/T-55 soviéticos, T-55AM2 tchecoslovacos, T-55AM2BP poloneses e Tipo 59 chineses.

O T-55 é um tanque principal de batalha, que, apesar de atualmente obsoleto, provou-se capaz dentro das necessidades cambojanas, ajudando a suprimir a oposição ao regime ditatorial nas últimas décadas. O problema surge quando o Reino da Tailândia, inimigo tradicional do Camboja, possui tanto material moderno.

Informações são escassas, mas o que se sabe é que em 1983 o Camboja encomendou 10 tanques T-54 da União Soviética que foram entregues no mesmo ano; os veículos estavam anteriormente em serviço soviético. Em 1988, 100 T-55 foram encomendados da União Soviética e entregues em 1989 como ajuda (os veículos provavelmente estavam anteriormente em serviço soviético). Mais 15 T-55 foram encomendados e entregues em 1990 da União Soviética

Em 1994, 40 carros T-55AM2 foram encomendados da República Tcheca e entregues ainda em 1994; estes veículos estavam anteriormente em serviço na Tchecoslováquia e República Tcheca. Mais 50 T-55AM2BP foram encomendados e entregues também em 1994 da Polônia, também saindo de serviço lá.

No início de 2001, 150 carros T-55 e Tipo 59 estavam em serviço (além de blindados PT-76), e 170 no início de 2003. Mais de 100 carros T-54/T-55 estavam em serviço em 2004 e 2006. Em 2007, eram 103 carros T-54 em serviço. O Camboja comprou mais 50 tanques T-55A de fabricação soviética que chegaram em 20 de setembro de 2010. A força blindada do Camboja tinha 220 T-54/T-55 em serviço em 2011.

Carros T-55 e tripulações cambojanos.

O recém-lançado Global Firepower Index 2020, de março de 2020, classificou o Camboja como 107º de 138 países em termos de força militar. Com US$ 500 milhões por ano gastos em equipamento militar fazem com que o Camboja fique para trás nas fileiras da ASEAN, perdendo apenas para o Laos no agrupamento da ASEAN, que fica em 131º. Brunei não foi incluído no estudo. A Indonésia é classificada como tendo as forças armadas mais poderosas da ASEAN, seguida pelo Vietnã, Tailândia, Mianmar, Malásia, Filipinas e Cingapura.

As classificações são baseadas na capacidade de um país de fazer guerra ou de se defender de ataques. São 50 indicadores que compõem o ranking, entre mão de obra, equipamentos, logística, geografia, finanças e recursos naturais. O relatório destaca que, embora o Camboja não tenha escassez de soldados experientes e testados em batalha, sua principal deficiência é a falta de equipamentos modernos. O Camboja tem uma frota de tanques de batalha principais (principalmente T-54/T-55 de fabricação russa e Tipo 59 chinês), veículos blindados, helicópteros, lançadores de foguetes de cano múltiplo montados em caminhões (BM-21 russo e RM-70 tcheco) barcos patrulha, aviões de transporte e artilharia média.

Além disso, o orçamento militar relativamente pequeno do Camboja só permite a compra de itens militares básicos, ao contrário de muitos de seus vizinhos, tais como seus adversários tradicionais Tailândia e Vietnã, que costumam fazer alarde em compras de armas multimilionárias, de acordo com o relatório.

De acordo com a Trending Economics, o Camboja gastou US $ 525 milhões com suas forças armadas em 2018, um valor que a plataforma de dados online disse que diminuirá ligeiramente para US $ 507 milhões até o final de 2020. Tailândia, com a qual Camboja tem uma disputa de fronteira em andamento centrada na área do templo de Preah Vihear, gastou bilhões de dólares para comprar itens caros dos Estados Unidos, China, Espanha, Suécia, Ucrânia e outros países.

Por sua vez, o Vietnã, que tem um dos maiores exércitos permanentes do mundo, continuou a expandir e modernizar suas forças armadas. As últimas aquisições do Vietnã incluem sistemas de radar de defesa aérea e mísseis superfície-ar Spyder de Israel, submarinos da classe Kilo, fragatas de mísseis da classe Gepard e outras armas da Rússia. O Vietnã também opera o moderno T-90 russo, enquanto o vizinho e aliado Laos recebeu os T-72 Águia Branca.

Carros de combate principais têm recebido bastante atenção na região do ASEAN nos últimos anos, e os T-55 cambojanos não são exceção.

Também segundo o relatório, o Camboja gastou US$ 20 milhões na compra de armas na China no ano passado, além dos US$ 200 milhões que gastou para fins semelhantes no passado. Os fundos foram usados para comprar helicópteros multiuso Z-9 Harbin e aviões de transporte médio MA-60 Xian, ambos fabricados na China. Outros fundos foram usados para comprar ou manter armas portáteis, tanques de batalha principais, lançadores de foguetes de vários canos montados em caminhões, caminhões, armas pequenas e outros itens de pequeno porte. O primeiro-ministro Hun Sen disse que o Camboja pretende comprar jatos de treinamento L-39 e aviões de ataque leve da República Tcheca e da China.

O Templo de Preah Vihear

O Templo de Preah Vihear.

Templos são muito importantes no universo cambojano, e o aumento de capacidade militar khmer é também influenciado por templos. Isso é particularmente o caso envolvendo o grande Templo de Preah Vihear, na fronteira com o Reino da Tailândia.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores cambojano, Koy Kuong, afirmou que o Camboja não representaria uma ameaça para ninguém com seu novo equipamento militar - apesar de uma longa disputa de fronteira com a Tailândia, uma desavença que tirou a vida de vários soldados de ambos os lados.

“Adquirimos este equipamento para fortalecer nossa capacidade militar de defesa da integridade territorial e para prevenir qualquer invasão intencional de outro país”, acrescentou Koy Kuong.

Ele não confirmou quanto o Camboja está pagando pelo novo equipamento militar ou de onde ele vem. O Camboja tem cerca de 124.300 militares nas forças armadas, de acordo com dados de 2010 do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos de Londres (International Institute of of Strategic Studies, IISS). Em comparação com a Tailândia, com suas forças armadas de 300.000 homens e uma força aérea bem equipada, o Camboja tem muito menos poder militar do que seu vizinho, uma situação que Phnom Penh vem tentando melhorar após a disputa de fronteira.

Os reinos do Camboja e Tailândia estão em um impasse de tropas em sua fronteira desde julho de 2008, quando o antigo templo de Preah Vihear foi declarado Patrimônio Mundial da UNESCO. A Corte Mundial decidiu em 1962 que o templo pertencia ao Camboja, embora sua entrada principal ficasse na Tailândia. A fronteira da Tailândia com o Camboja nunca foi totalmente demarcada, em parte porque está repleta de minas terrestres que sobraram de décadas de guerra no Camboja.

Um tanque T-55 de fabricação soviética é descarregado no porto de Preah Sihanouk, cerca de 230km a oeste de Phnom Penh, capital do Camboja, em 20 de setembro de 2010.

T-55 cambojano sendo transportado em perímetro urbano, 2018.

Em 2010, o Camboja comprou 50 carros T-55 da Rússia, junto com 44 viaturas blindadas de transporte de pessoal BTR-60. Estas compras se juntaram aos vários veículos de procedência soviética e de estados satélites do Pacto de Varsóvia, além de alguns modelos chineses. Estes últimos são os novos entrantes no sistema militar cambojano, fornecendo boa parte dos ativos de apoio e financiamento; além da realização anual de exercícios conjuntos.

O aliado chinês

Em 15 de maço de 2020, o Exército Real Cambojano iniciou o exercício conjunto "Golden Dragon-2020" com o Exército de Libertação Popular Chinês (PLA), concluído em 1º de abril. Mais de 800 soldados chineses se uniram a 2.746 soldados, 6 helicópteros, 9 tanques e 12 veículos blindados de transporte de pessoal cambojanos para exercícios de combate envolvendo unidades aeromóveis, blindadas e de artilharia, conforme informou ao Khmer Times o General Pen Sokreth Vithyea, o comandante cambojano do exercício.

Falando no evento, o General Vong Pisen, Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Reais do Camboja, disse que o exercício foi crucial para trocar experiências e aprimorar ainda mais as habilidades dos militares dos dois países na luta contra o terrorismo e no trabalho humanitário: "Isso vai melhorar ainda mais a cooperação entre o Camboja e a China em anti-terrorismo e resgate humanitário e contribuir para a manutenção da paz, estabilidade e desenvolvimento nos dois países e na região", disse ele.

Soldados chineses participam da cerimônia de abertura do treinamento conjunto "Golden Dragon-2020"em um campo de treinamento militar na província de Kampot, no Camboja, em 15 de março de 2020. (Xinhua)

Em um relatório divulgado após a conclusão do exercício, o China Military Online, um meio de comunicação estatal do PLA, disse que os exercícios foram divididos em quatro fases - que incluíram reconhecimento e bloqueio, incursão e resgate, tomada, controle e limpeza, bem como concentração e transferência de força. Ainda de acordo com o China Military Online, durante os exercícios, ambas as forças armadas demonstraram táticas de reconhecimento, bloqueio, ataque, controle e supressão em operações de contraterrorismo em áreas montanhosas. O relatório também citou o General Zhang Tiren, o chefe das forças chinesas que participaram da manobra, dizendo que os exercícios tinham “novos recursos” e treinamento em 10 assuntos, incluindo incursão, resgate, assalto e dissuasão.

Marcado logo após o "Golden Dragon-2019", os dois países haviam anunciado que a recente pandemia não atrapalharia os planos, colocando os mesmos números já prefixados e ainda com um grande gesto: o exército chinês doou 15.000 conjuntos de materiais médicos, de estudo e esporte para o Camboja no sábado, 21 de março. O Coronel Zhang Tiren, oficial do PLA e chefe da equipe chinesa, foi citado como tendo dito que essa doação de ajuda humanitária simbolizava a determinação da duas forças armadas de lutarem juntos contra o surto do coronavírus.

Os cambojanos também receberam novos fuzis de precisão chineses Tipo 79/85 e KBU-97A (QBU-88) recentemente.

Blindados e soldados cambojanos e chineses no exercício conjunto "Golden Dragon-2019", região de Kampot, 13 março de 2019. As bancadas também mostram os novos fuzis sniper chineses.
(
Khem Sovannara/ Khmer Times)

Além disso, o exército cambojano comprou 290 caminhões militares da China. O Comandante do Exército Real do Camboja, Tenente General Hun Manet (filho mais velho do Primeiro Ministro Hun Sen), em 22 de junho defendeu a compra de 290 caminhões militares Genlyon da China, dizendo que o governo não usou "um único riel" do orçamento nacional nas despesas. O pedido de compra dos caminhões foi feito em meados do ano passado e a previsão era de que chegassem no início deste ano, mas foram atrasados pela pandemia do Covid-19 e chegaram no final de junho de 2020.

Cerimônia de entrega dos 290 caminhões de fabricação chinesa no Estádio Olímpico de Phnom Penh, na capital cambojana. (Khmer Times)

Um total de 290 caminhões militares Genlyon foi entregues às Forças Armadas Reais do Camboja e à Polícia Nacional em 22 de junho de 2020, tendo chegado ao Reino em um navio de carga da China uma semana antes. Em discurso durante a cerimônia de entrega no Estádio Olímpico de Phnom Penh, o Tenente-General Hun Manet, o subcomandante em chefe das Forças Armadas Reais Cambojanas, disse que os caminhões foram comprados pelo Reino por meio de um esforço de arrecadação de fundos iniciado pelo primeiro-ministro Hun Sen. Ele disse que o dinheiro foi doado por empresas cambojanas e pelo do Camboja. “Gostaria de esclarecer que não usamos nem mesmo um único riel [moeda nacional] do orçamento nacional, mas usamos o dinheiro da arrecadação de fundos com instituições de caridade locais”, disse ele. “A iniciativa de Samdech Decho [Hun Sen] de apelar a pessoas generosas para apoiar o exército não é nada novo. Ele tem feito isso há muitos anos”.

O Ten. Gal. Hun Manet negou relatos de que os veículos foram doados pelo governo chinês. “Não precisamos mentir. Se eles fossem doados pela China, então diríamos que é uma doação chinesa”, disse Manet. “Se fosse uma doação chinesa e disséssemos que compramos o caminhão, eles concordariam?”

O Tenente-General Hun Manet (centro, sem máscara), vice-comandante-em-chefe das forças cambojanas, inspeciona os veículos Genlyon, 22 de junho de 2020. (Khmer Times)

Reformas estruturais para um força mais ágil

O Exército Real Cambojano anunciou em 2019 que reduzirá o número exagerado de generais. O Camboja tem um dos maiores números de generais per capita do mundo, com vários milhares de oficiais supostamente mantendo o posto, o que torna o exército real no que foi chamado de um "exército mexicano". No início de 2018, o Camboja tinha mais de 3.000 generais presidindo suas forças armadas de 125.000 militares. O problema já ocorria em meados da década de 1990 e o primeiro-ministro cambojano Hun Sen anunciou planos para reformar as forças armadas do país reduzindo o número de generais.

Tenente-General Hun Manet abrindo o desfile do 20º aniversário da criação do Quartel-General do Exército Real Cambojano, em 24 de janeiro de 2019.

Hun Sen anunciou a redução enquanto participava do Segundo Fórum do Cinturão e Rota em Pequim, em abril de 2019. Ele teria dito que, no futuro, apenas o ministro da Defesa e o comandante-em-chefe do exército receberiam a classificação mais alta de quatro estrelas. Phay Siphan, um porta-voz do governo, disse “Isso é para evitar a sobreposição de responsabilidades de trabalho. No momento, a reforma do governo não é apenas na frente política. Reformamos todos os setores”.

Em meados da década de 1990, as Forças Armadas Reais do Camboja já contavam com inúmeros generais, já que as estrelas podiam simplesmente ser subornadas por cerca de US$ 1.000 por unidade, sem passar em qualquer tipo de teste de habilidade ou conhecimento militar. O exército tinha ficado tão “reluzente” sob o sol forte que uma reforma foi decidida e, de um dia para o outro, todos os oficiais perderam duas patentes e o salário associado com elas, o que levou muitos militares a usarem suas pistolas para “benefício de hora extra pessoal” com o objetivo de compensar a perda de renda, já muito baixa.


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