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sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

ARTE MILITAR: Batismo de Fogo do Treze

"Batismo de Fogo do Treze".
Pintura sobre o 13º RI de Ponta Grossa na Revolução de 1924, óleo sobre tela de Saulo Pfeiffer.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de dezembro de 2021.

O quadro imortaliza o batismo de fogo da unidade em 12 de agosto de 1924, ocorrido ás 12:15h, na ponte ferroviária sobre o Rio Pardo, na cidade de Salto Grande/SP, durante a Revolução Paulista de 1924. Essa batalha aconteceu apenas um ano após a criação do 13° Regimento de Infantaria (13º RI).

Atualmente, o antigo regimento chama-se 13º Batalhão de Infantaria Blindado (13º BIB), com o título Batalhão Tristão de Alencar Araripe, em homenagem ao oficial que foi prolífico escritor militar da Biblioteca do Exército e que comandou o regimento em 1941. Tristão de Alencar Araripe foi Presidente, por seis mandatos, do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e atingiu o posto de marechal em 1964.

Saulo Pfeiffer (esquerda) e sua obra.

O quadro foi apresentado à unidade pelo artista plástico Saulo Pfeiffer, ponta-grossense e amigo do batalhão, no dia 12 de agosto de 2019. O talentoso artista possui um perfil no website Artstation (Link), onde suas várias obras podem ser visualizadas.

Após essa primeira batalha, o regimento jamais foi derrotado em combate, nisto gerando o lema Nunca Vencidos, que dá nome ao monumento e à medalha do batalhão. Durante a cerimônia foi colocada uma coroa de flores em frente ao monumento histórico Nunca Vencidos, em homenagem aos mortos e feridos em todas as batalhas em que a unidade participou. Também foi entregue a recém-criada Medalha Nunca Vencidos, que representa todas as batalhas em que o 13º BIB participou.

A cerimônia também foi agraciada com a presença de dois pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) que lutaram na Itália durante a Segunda Guerra Mundial: os senhores Major Odorico Dias de Góes e Tenente Jair Miranda.

Veteranos da FEB com a cobra fumando no braço.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Soldado da Guarda Nacional de NY é aprovado no CIGS

O 3º Sargento Thomas Carpenter, da Guarda Nacional do Exército de Nova York, segundo da direita, e outros soldados formados no Curso Internacional de Operações na Selva, realizado pelo Centro de Treinamento em Guerra na Selva do Exército Brasileiro, brandem seus facões.

Por Eric Durr, Guarda Nacional de Nova York, 10 de dezembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de setembro de 2021.

Soldado da Guarda Nacional de NY é aprovado em difícil curso de guerra na selva brasileira.

LATHAM, N.Y. - O 3º Sargento Thomas Carpenter, da Guarda Nacional do Exército de Nova York, sabia que iria afundar ou nadar quando apareceu no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército Brasileiro em outubro de 2019.

Ele foi inscrito no Curso Internacional de Operações na Selva de seis semanas que o Exército Brasileiro oferece para soldados estrangeiros. Mas o NCO em treinamento, de 38 anos, do 2º Batalhão, 108º Regimento de Infantaria, sabia que precisava passar no teste inicial de natação ou voltaria para casa.

"Foi uma grande luta conseguir nadar", lembrou o graduado da Escola de Rangers do Exército dos EUA. "Foi um pesadelo."

Por uma semana depois de chegar no quartel-general da escola em Manaus, no Brasil, ele ficou na piscina trabalhando com instrutores até que pudesse nadar de uniforme completo, com sua arma e rebocando uma mochila.

Seis semanas depois, o aspirante, residente de N.Y., não apenas conquistou o cobiçado Brevê de Onça do guerreiro de selva emitido pela escola, como também foi o terceiro graduado com honra no curso internacional.

"Eu era burro demais para desistir", disse Carpenter.

Insígnia do 2º Batalhão, 108º Regimento de Infantaria, Guarda Nacional de Nova York.

Passar pela escola é grande coisa, de acordo com o tenente-coronel do Exército Rob Santamaria, um militar de ligação na Embaixada dos Estados Unidos no Brasil. "A maioria dos especialistas militares na selva considera a Escola de Guerra na Selva do Exército Brasileiro a principal escola de selva do mundo", disse Santamaria.

“A graduação do 3º Sargento Carpenter no Curso Internacional da da Escola de Guerra na Selva do Exército Brasileiro deu credibilidade instantânea à Guarda Nacional do Exército de Nova York e conquistou muito respeito junto ao Exército Brasileiro”, acrescentou.

O desempenho de Carpenter não surpreendeu ninguém que o conheça, disse o Sargento-Mor David Piwowarski, principal suboficial da Guarda Nacional do Exército de Nova York.

"O 3º Sargento Carpenter incorpora o espírito do homem-minuto [minuteman, miliciano colonial]", disse Piwowarski. "Num prazo muito curto, sem nenhum treinamento específico, ele respondeu com dureza a este percurso exigente apenas com o treinamento que já tinha sob o cinto e com muita coragem."

A Guarda Nacional de Nova York foi convidada a enviar soldados para a escola de guerra na selva do Brasil como parte da nova parceria de treinamento e intercâmbio entre a Guarda Nacional de Nova York e as forças armadas do Brasil, rubricada em março de 2019.

Ser capaz de nadar bem é uma parte vital do curso de guerra na selva porque os rios substituem as estradas na floresta tropical, explicou Carpenter.

“Onde eles operam na selva amazônica existem apenas duas estradas”, disse Carpenter. "Quase tudo é feito através do sistema fluvial. Eles usam as redes fluviais para transportar suprimentos e pessoas."

A onça é o símbolo do CIGS.

Ao chegar à escola, todos os participantes devem passar por testes de habilidades básicas, incluindo os requisitos de natação, para indicar que eles podem enfrentar o curso. Em seguida, eles se vão para a selva.

A primeira fase do curso de seis semanas concentra-se em viver e sobreviver na selva, disse Carpenter. Os soldados aprenderam o que podiam ou não comer. "Nós não comemos cobras, mas eu tive que pegar uma", disse ele.

Eles também aprenderam a evitar insetos mortais, animais e cobras. Lidar com a umidade constante foi outra habilidade que aprenderam, disse Carpenter. "A chuva não é como a chuva daqui", disse ele. "É como a chuva da monção. É uma batalha constante para manter a ferrugem longe e manter tudo em boas condições operacionais." Navegar na selva densa também é uma habilidade especial, disse Carpenter.

Dependendo da estação, os níveis de água nos riachos e rios podem ser drasticamente diferentes. Os brasileiros emitem mapas diferentes para diferentes épocas do ano refletindo essas mudanças, disse ele. E o dossel da selva torna difícil criar mapas com características de contorno precisas, disse ele.

Os soldados aprenderam a seguir a "linha seca" durante a navegação, explicou. Eles ficariam em terreno elevado e evitariam as ravinas, o que significava que demorariam mais para ir a qualquer lugar.

Essas habilidades de sobrevivência e navegação foram testadas em um exercício de quatro dias em que cada grupo de combate foi lançado na selva e recebeu uma distância, uma direção e tarefas para realizar ao longo do caminho. "Eles nos lançaram em um lugar onde sabiam que não havia frutas e vegetais para comer", disse ele. "Nós praticamente morremos de fome."

Brevê de Onça do guerreiro de selva.

As duas semanas seguintes foram passadas na água. Eles voaram de helicóptero - saltando de um helicóptero para a Amazônia - e aprenderam a fazer jangadas e a impermeabilizar equipamento. Por fim, Carpenter e sua equipe - que incluía soldados da China, Canadá, França e Paraguai - realizaram uma inserção de dois quilômetros no rio. “Ficamos na água por três horas naquela noite”, lembrou. "Estávamos molhados 24 horas por dia, 7 dias por semana", disse Carpenter. "Se não estivéssemos na água, chovia todos os dias. Se não estivesse chovendo, você estava suando através do uniforme."

A fase final do treinamento focou em táticas militares na floresta tropical. Esse treinamento foi semelhante ao da Escola de Rangers do Exército, disse Carpenter. Os homens planejaram e conduziram patrulhas e missões táticas. Eles desceram de rapel na selva de helicópteros pairando no ar. Esta fase foi culminada com uma patrulha de longo alcance.

A principal diferença entre a Escola de Rangers e o treinamento na selva brasileira é que a selva é várias vezes mais densa do que a floresta e os pântanos da Flórida onde os Rangers treinam, disse Carpenter. "Uma força inimiga pode estar no topo de uma patrulha antes deles perceberem", disse ele.

Cerimônia do facão de selva.

Ao final das seis semanas, Carpenter e os demais estudantes internacionais, inclusive um outro americano, foram presenteados com seu Brevê de Onça - o símbolo oficial de um guerreiro de selva brasileiro - e um facão.

"É um facão muito legal", disse Carpenter. "No final do curso, você tem uma cerimônia do facão."

“Alguém já qualificado te presenteia e então você o batiza agitando-o através da fumaça de uma fogueira”, acrescentou.

Desde que o Brasil fundou sua escola de guerra na selva em 1964, mais de 6.300 soldados conseguiram passar pelo curso, disse Santamaria. São 530 formandos do curso internacional do Exército brasileiro uma vez por ano.

A fogueira.

Carpenter é o 30º membro do Exército dos EUA a passar pelo curso, disse ele. Seu objetivo agora, disse Carpenter, é trazer as habilidades que aprendeu de volta para sua unidade e outras formações da Guarda Nacional do Exército de Nova York. "Não sou um bom sargento a menos que treine soldados e os torne melhores do que eu", disse ele.

O principal conselho que ele daria a outros soldados da guarda em direção ao curso de selva é se concentrarem na natação e, em seguida, nadar um pouco mais. "Todos que foram lá estavam preparados", disse Carpenter. "Eu era o único idiota que não fazia ideia das coisas."

O 3º Sargento Thomas Carpenter, da Guarda Nacional do Exército de Nova York, à direita, está ao lado de outros dois soldados homenageados pelo Curso Internacional de Operações na Selva realizado pelo CIGS, brandindo a estatueta do guerreiro da selva.

Bibliografia recomendada:

A History of Jungle Warfare:
From the earliest days to the battlefields of Vietnam.
Bryan Perrett.

Jungle Warriors:
Defenders of the Amazon.
Carlos Lorch.

Leitura recomendada:

Um soldado americano se forma na selva brasileira, 30 de setembro de 2018.

FOTO: Conferência de selva com o Exército Americano no Panamá, 23 de agosto de 2020.

Chineses buscam assistência brasileira com treinamento na selva9 de julho de 2020.

Alguns soldados estão agora autorizados a usar o novo brevê de selva do Exército Americano23 de maio de 2020.

Retorno à Selva: Um renascimento da guerra em terreno fechado17 de julho de 2019.

Bem vindo à selva11 de julho de 2020.

Membros do 3º Batalhão, Royal 22e Régiment se preparam para a guerra na selva30 de setembro de 2019.

Relatório Pós-Ação de participação na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, 5 de janeiro de 2020.

domingo, 12 de setembro de 2021

A Artilharia da FEB na rendição da 148ª Divisão de Infantaria alemã

Soldado Francisco de Paula carregando um obus 105mm com os dizeres
"A cobra está fumando...".
(Colorização de Marina Amaral)

Valmiki Erichsen

Capitão de Artilharia

Ex-comandante da 2ª Bateria do 3º Grupo

Estamos quase no fim da Campanha da Primavera. Os alemães, descontrolados e atacados por todos os lados, procuram fugir para o norte. A Infantaria Brasileira, sem dar tréguas, persegue o inimigo na sua carreira desenfreada.

O III Grupo de Artilharia, com suas três Baterias de Tiro acantonadas em um prédio escolar, acha-se em Bibbiano à espera das suas viaturas que foram requisitadas para o transporte dos nossos infantes. É nessa situação que no dia 27 de abril de 1945, à 1h, o Comandante da 2ª Bateria (Capitão Valmiki) foi acordado pelo Capitão Piza (ST), que fazia-se acompanhar do Major Molina da AD/I, para receber a seguinte ordem: "De ordem do Senhor General Comandante da AD [Artilharia Divisionária], o Comandante do Grupo designou a 2ª Bateria para se deslocar imediatamente a fim de apoiar um ataque que iria ser feito em Fornovo di Taro, por um Batalhão do 6º RI; os canhões seriam tracionados pelos tratores do IV Grupo, que para isso seriam requisitados, enquanto a Bateria se preparava para partir."

Às 3h, tudo pronto, partimos tendo o jipe do Major Molina como guia. Este deslocamento foi feito com muita cautela, tendo o guia que bater muitas vezes nas casas para saber o caminho, até chegarmos à estrada principal. Nesta, mesmo no escuro, era fácil a caminhada porque estava toda balizada. Ao chegarmos à Cidade de Parma, encontramos algumas ambulâncias que vinham conduzindo cadáveres alemães. Desta cidade em diante a marcha foi mais vagarosa porque era necessário tomar mais precauções, pois nada se sabia da situação. Às 5h chegamos às proximidades de Collecchio e paramos, pois o inimigo havia se retirado desta localidade há 18 horas. Imediatamente depois de tomar todas as providências de segurança, segui com o Major Molina e o Capitão Piza para receber as ordens do Coronel Nelson de Mello, Comandante do Destacamento, que era o Comandante do Batalhão que ia efetuar o ataque. Como a chegada do Batalhão estava prevista só para às 9h e vendo que não havia perigo iminente, fui buscar a Bateria para dentro da cidade, onde, aproveitando a oportunidade, servi a primeira refeição aos pracinhas.

Às 9h chegou o Major Gross a quem me apresentei como Oficial de Ligação e Comandante da Bateria que veio apoiar o ataque. Quero aqui salientar que foi um prazer apoiar pela primeira nesta guerra o Batalhão do meu antigo companheiro de trabalho na EEFE [Escola de Educação Física do Exército]. Ficou então assentado que o ataque só seria desencadeado depois das 12h e que eu tomaria posição antes do início do movimento para estar em condições de atirar a qualquer momento e, mais ainda, que a Companhia de Obuses do 6º RI, comandada pelo Capitão Ventura, iria à retaguarda e só entraria em posição quando fosse necessário. Desta forma procurei logo, na redondeza, um bom lugar para ocupar posição e verifiquei pela carta que podia, se necessário fosse, bater sem mudar de posição até o objetivo final que era Fornovo.

Como toda a cidade estava situada em uma região plana, escolhi uma posição ao lado da estrada por ser de fácil acesso e por ficar abrigada pelas árvores. Abrindo um parêntesis, direi que, ao percorrer esta localidade para a escolha de posição, entrei no castelo que ali existe e fui encontrar, deitado numa cama de campanha, junto à lareira, o cadáver de um tedesco [alemão] com a cabeça enrolada em gaze e com a fisionomia perfeita, parecendo ter falecido àquela madrugada, evidenciando-se que os tedescos, na sua fuga precipitada, não tiveram nem tempo de levar todos os feridos. Ocupada a posição, como não tínhamos dados topográficos, foi a Bateria apontada pela Bússola, ficando os Tenentes Observadores Avançados encarregados de regular o tiro assim que estivessem em condições. A Bateria não havia trazido muitos tiros porque os tratores não comportavam mais do que 35 granadas.

Antes de começar o desenvolvimento do Batalhão, reuni os dois Observadores Avançados, Tenente Sá Earp, que atuaria com a 2ª Cia, e o Tenente Valença, com a 3ª Cia. Estudamos a carta, que aliás quase nada nos indicava pois era na escala de 1/100.000, e tiramos os alcances para os pontos mais fáceis de serem identificados. Tivemos que assim proceder porque era a única carta que tínhamos, tendo portanto os Observadores que seguirem para suas missões verdadeiramente no escuro. A única coisa que fiz foi dar a seguinte ordem: "Agarrem um italiano da região para identificar os pontos." Cada Observador levava a sua equipe e só nos entendíamos pelo rádio.

Às 13h começou a se movimentar pela estrada o Batalhão. Tive a impressão de estar em uma boa poltrona de um dos nossos cinemas, pois foi uma avançada cinematográfica ao encontro do inimigo. Os nossos pracinhas, alegres e cantarolando, apinharam-se em cima dos tanques americanos [M4 Shermans do 760º Batalhão de Tanques] que estavam à disposição do Batalhão. Talvez nenhum dos nossos pracinhas estivessem pensando que a morte poderia surpreendê-los a 2km à frente. Logo atrás vinham os jipes dos Comandantes Avançados. Dos lados das estradas desenvolvia-se a outra Companhia em coluna por um e a Companhia de Obuses ia após os jipes. Assim, ao lado do Comandante do Batalhão, assisti ao desenvolvimento de todos os elementos do Batalhão.

Segui em seguida com o Major Gross para o seu Posto de Comando (PC) Recuado, situado a 1km à frente do ponto de partida, onde almoçamos rapidamente e seguimos logo após para o PC Avançado, a mais 1km. Este PC que era uma casa e serviu também como meu Observatório, pois dali vi o desenrolar dos acontecimentos. Quando os tanques chegaram um pouco além do PC Avançado, começaram a receber tiros dos tedescos, tendo que desbordar para a margem esquerda da estrada. Os Infantes da 2ª Cia começaram a dar combate e progredir em direção a Talignano. A 3ª Cia se deslocou mais para a esquerda, a fim de procurar envolver o inimigo. A Artilharia continuava silenciosa, pois ainda não havia para os Observadores campo de observação. A chuva que desabou repentinamente muito atrapalhou a progressão dos Observadores, porque, com o terreno escorregadio, o transporte do rádio é bastante difícil. Desta forma, só os tanques e a Companhia dos Morteiros auxiliavam os Infantes. Foram os mesmos progredindo até que se apossaram de Talignano e desta forma, pôde o Tenente Sá Earp pedir os primeiros tiros para regular a Bateria.

Eram já 5h e a chuva tinha passado. Ocupada esta localidade, o Tenente seguiu para Gayano juntamente com o Pelotão que para lá se dirigia, não sendo possível chegar tal a intensidade do fogo inimigo. O Tenente Sá Earp presenciou uma triste ocorrência quando o Tenente Monteiro, Comandante do Pelotão de Minas do 6º RI, que ia a seu lado, foi atingido por diversos estilhaços de uma granada que arrebentou em cima deles. Gravemente ferido, foi o Tenente Monteiro logo transportado para a retaguarda. Mais tarde, vim a saber que, ao voltar a si, mandou este recado para sua progenitora: "Diga à mamãe que nunca tive medo." Hoje, o Tenente Monteiro já é Capitão e acha-se completamente restabelecido.

Do meu Observatório, que era o forro da casa, apreciei os tedescos retirando-se de Segalara. Eles corriam para fora da casa, deitavam-se, e logo depois, levantando-se, atiravam com as bazucas [Panzerschreck] contra os nossos pracinhas. Os Generais Cordeiro e Zenóbio, que estiveram lá toda a tarde, observaram também estas cenas.

Certa ocasião, quando os dois Generais acima citados com mais alguns Oficiais se dirigiam para uma casa mais avançada, os tedescos deram uma rajada de metralhadora na direção do PC, que por pouco não os atingia. Em frente ao PC, atrás de uma casa, os nossos morteiros não paravam um instante de atirar.

O Tenente Valença, que estava com a 3ª Cia, continuava desbordando pela esquerda, até que conseguiu, cerca das 20h, chegar a Segalara. Já estava escurecendo e o Tenente Valença pediu tiro fumígeno a fim de poder chegar a Gayano, que era o local de onde partiam os tiros dos tedescos. O Tenente Valença, por ser achar debaixo do fogo inimigo, custou um pouco a regular e, como a insistência dos pedidos para que a Artilharia atirasse era tão contínua, eu, ao lado do Major Gross, sem nada estar vendo, comandei uma rajada para a linha de fogo a fim de mostrar aos tedescos que possuíamos artilharia e acalmar um pouco os nossos. Mais tarde vim a saber que estes tiros foram bastante eficientes, pois o número de soldados inimigos era tão grande que em qualquer lugar que os mesmos caíssem eram sempre eficazes.

Suportaram os nossos Infantes dois contra-ataques dos tedescos e o Tenente Valença, com sua calma peculiar, satisfez todos os pedidos de tiros solicitados. Assim, ajudamos muito a Infantaria a não recuar um palmo sequer.

Cessada um pouco a violência do combate, apareceram na estrada três Oficiais alemães que vinham em nome do General Picô [Otto Fretter-Pico] propor a rendição da já célebre 148ª.

Estava eu no PC Recuado depois de ter ido à Bateria para me alimentar quando estes Oficiais lá chegaram. Daí foram levados ao Coronel Nelson de Mello em Collecchio e começaram então os entendimentos para a rendição. A Bateria atirou até às 5h da manhã do dia 28, hora em que o Comandante do III Grupo deu ordem ao Tenente Rapozo, Comandante da Linha de Fogo, para suspender os tiros.

Tenente-General Otto Fretter-Pico (à esquerda, com binóculos) rendendo-se formalmente ao General Olímpio Falconière da Cunha em nome da divisão expedicionária, 29 de abril de 1945.

Colunas de prisioneiros alemães da 148ª e da 90ª.

Soldado brasileiro, com a cobra fumando no braço, balizando prisioneiros alemães.

Esta noite dormi no PC Avançado juntamente com o Comandante do Batalhão e, à meio-noite, quando conversávamos com o Tenente Americano, que comandava o Pelotão de Tanques, o Major comunicou que talvez não tivéssemos mais que lutar, ocasião em que o Tenente Americano exclamou: "Fine".

Para os artilheiros foi um prazer saber que um dos primeiros pedidos dos Oficiais tedescos era para que os tiros de artilharia cessassem. Na manhã do dia 28 chegaram ao local do PC Avançado o Comandante da Força Expedicionária Brasileira e o Generais Zenóbio Falconière, que vieram receber a rendição.

Às 17h começou o espetáculo que nunca sairá da memória dos que tiveram a felicidade de apreciá-lo:

ERA A RENDIÇÃO DA 148ª

O Coronel Otto von Kleiber em conversações com o Major Altair Franco Ferreira para a rendição da 148ª Divisão de Infantaria, 29 de abril de 1945.
(Colorizada)

- Capitão Valmiki ErichsenA Artilharia na Rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã, Revista do Exército Brasileiro, Rio de Janeiro, 122 (3): pg. 56-59, julho-setembro de 1985.

A rendição de Fornovo

(Sala de Guerra)

Bibliografia recomendada:

FEB pelo seu Comandante.
Marechal J.B. Mascarenhas.

A FEB por um soldado.
Joaquim Xavier da Silveira.

Leitura recomendada:



A FEB e os jipes12 de março de 2020.



FOTO: Alemães capturados pela 10ª Divisão de Montanha13 de agosto de 2021.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

ENTREVISTA: A formação do Exército Nacional, com Frank D. McCann


Por Rodrigo GalloRevista Leituras da História, 16 de julho de 2014.

Historiador norte-americano defende que o papel das Forças Armadas brasileiras foi fundamental para a queda da Monarquia e a ascensão da República.

Hoje, o Exército brasileiro é pequeno, mas muito profissionalizado e respeitado em todo o mundo. Porém, para chegar neste nível de desenvolvimento militar, foram gastos anos de trabalho e preparação, que tiveram início antes mesmo da Proclamação da República. Essa foi uma das conclusões do historiador norte-americano Frank McCann, autor do livro Soldados da Pátria: História do Exército Brasileiro 1889-1937 (Cia. das Letras), que detalha minuciosamente um período de quase 40 anos da história bélica do País.

Segundo McCann, professor da University of New Hampshire (Estados Unidos), as Forças Armadas brasileiras tiveram uma participação essencial durante a transição do período monárquico para o republicano, pois, afinal, nenhuma organização civil teria condições de exigir o fim da coroa no Brasil exceto o próprio Exército. O povo, por exemplo, não era suficientemente forte e organizado para causar uma grande mudança na estrutura social. Além disso, muitos presidentes e ministros da época foram encontrados na carreira militar e continuaram influenciando os rumos do País por muito tempo.

Contudo, essa transformação no sistema político nacional não ocorreu de forma rápida e tranqüila. Foi um processo longo e gradativo, durante o qual houve revoltas em algumas partes do Brasil.

Logo no início das reformas políticas brasileiras, houve atritos entre o Estado e o poder eclesiástico no que diz respeito aos registros civis. Mas as brigas não ocorreram apenas no campo civil. Houve conflitos até mesmo entre o Exército e a Marinha. Segundo McCann, eram disputas de interesses, cujo pano de fundo envolvia sempre a profissionalização técnica e militar das Forças Armadas.

As revoltas, contudo, não podem ser vistas apenas de forma negativa. A Guerra de Canudos, por exemplo, contribuiu muito para o desenvolvimento da estrutura militar brasileira. O historiador norte- americano explica que o conflito foi importante para determinar mudanças fundamentais na estrutura do Exército, pois serviu para mostrar ao governo a real necessidade de investir na qualificação e profissionalização dos oficiais.

"O combate em Canudos entre as tropas legaes e os fanaticos de Antonio Conselheiro. Morte gloriosa do bravo capitão Salomão defendendo uma peça de artilharia." Legenda original do desenho de Angelo Agostini na revista Don Quixote, nº 82, 1897.

Mesmo hoje, tanto tempo depois da queda da Monarquia no Brasil, o Exército ainda segue parte das tradições daquela época, como canções de guerra e até mesmo a estrutura física de escolas e quartéis utilizados: prova de que certas características militares estão inseridas com bastante intensidade dentro da organização a ponto de resistiram por tanto tempo.

McCann ainda faz questão de ressaltar à Leituras da História que há uma diferença básica e crucial entre o Exército pós-republicano e o atual: agora, o projeto idealizado originalmente pelos chamados ‘jovens turcos’, de desvincular a organização da política e estruturá-la de forma adequada, foi definitivamente colocada em funcionamento. Esses oficiais, aliás, introduziram no País novos conceitos de estratégia militar, que haviam sido aprendidos durante o período de treinamento no exterior. De volta ao Brasil, eles fundaram a importante revista A Defesa Nacional, em que publicavam traduções de artigos bélicos alemães* para difundir detalhes técnicos, de treinamento e relativos à indústria bélica.

*Nota do Warfare: Os artigos não eram especificamente alemães, eram de todas as procedências disponíveis. Inclusive, artigos com visões totalmente opostas eram publicadas livremente e nos mesmos fascículos.

A seguir, confira a entrevista concedida com exclusividade pelo historiador norte-americano à Leituras da História.


Leituras da História - Na transição da Monarquia para a República, qual foi o papel das Forças Armadas brasileiras? E, no mesmo período, quais eram as diferenças ideológicas entre Exército e Marinha?

Frank McCann - Uma resposta simples é que o papel das Forças Armadas foi fundamental na transição do período monárquico para o republicano. Na época, nenhum grupo civil tinha poder suficiente para abolir a coroa. É incerto até hoje se os golpistas estavam somente contra o ministério ou contra todo o sistema monárquico. Eu acho que, no princípio, o marechal Deodoro da Fonseca estava apenas procurando justiça para os oficiais punidos, mas durante as tensões do dia 15 de novembro ele mudou de objetivo e optou pela troca de todo o sistema. Até agora, acho que as explicações que temos não são satisfatórias. Porém, até alguém descobrir um documento dando justificativas mais claras, a história que temos é esta. É difícil analisar as diferenças entre o Exército e a Marinha. Ambos eram atrasados em termos de equipamento militar e treinamento. Acho que as duas instituições estavam frustradas porque não poderiam defender o Brasil no caso de ataque. Não sei se os marujos tinham os mesmos ideais sobre a Pátria, como entidade superior ao tipo de governo ou não, mas seria lógico pensar assim.

"Impossível governar com este Congresso. É mister que ele DESAPAREÇA PARA A FELICIDADE DO BRASIL."
Discurso do Marechal Deodoro durante a tentativa de fechar o Congresso Nacional.

"Proclamação da República", 1893, óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853 - 1927). Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

Nota da redação: A Proclamação da República ocorreu em 15 de novembro de 1889, liderada pelo marechal Deodoro da Fonseca, que assumiu provisoriamente o cargo de presidente. A primeira constituição brasileira, no entanto, só foi promulgada apenas em 1891.

LH - Quando e em que condições deu-se o desenvolvimento e a profissionalização do Exército brasileiro? E no que essa profissionalização acarretou para o desenvolvimento do País?

McCann - Essa é uma pergunta chave para o assunto. Vários capítulos do meu livro tratam desses problemas. Em parte, toda a crise com o Império estava ligada à profissionalização do Exército, mas isso foi diretamente ligado à grande falta de desenvolvimento nacional. Países pobres não tinham Exércitos fortes e altamente desenvolvidos. É bem possível que muitos militares não compreendiam o quanto o Brasil era pobre. O dinheiro do Império tinha valor forte nos mercados internacionais e as exportações eram altas. Então, eles poderiam ter pensado que o problema foi a atitude dos líderes civis que não gostavam de gastar a moeda em assuntos militares. Os oficiais sabiam muito claramente que o Exército deles era atrasado em relação aos da Europa. Eles sabiam que seria necessário aumentar o treinamento, mas de quem e com o quê?

A criação da revista A Defesa Nacional, pintura de Álvaro Martins.

LH - E o que faltava para conseguir realizar este treinamento?

McCann - Faltavam equipamentos modernos e faltavam recrutas com educação básica. Além disso, faltava apoio governamental. O desinteresse da elite pela educação produziu uma crise permanente em torno da missão do Exército de defender o País. A chamada crise militar do Império foi quase a mesma crise dos chamados ‘jovens turcos’, entre 1913 e 1918. Basicamente, pode-se não ter um grau alto de desenvolvimento profissional das Forças Armadas em uma sociedade desenvolvida. É preciso de educação, indústria, além de manter desenvolvimento científico. Para a profissionalização, era necessário desenvolvimento econômico e social.

Toda crise do Império estava ligada à profissionalização do Exército.

LH - Como ocorreu a transição do serviço militar opcional para o obrigatório no Brasil? No que isso implicou para o Exército?

McCann - Essa é uma parte importante da história militar do Brasil. Em 1874, o governo imperial criou a lei do serviço militar obrigatório, mas nunca foi possível colocá-la em prática. Ficou claro que, para ter um Exército moderno, era preciso ter soldados treinados e prontos para o combate, se fosse preciso. Gostaram dos modelos alemão e francês de ‘soldado-cidadão’, mas a idéia não combinava com a realidade brasileira daquela época. No século novo, com o quente desejo de modernizar o Brasil, a idéia ganhou mais forças. A Argentina implementou o serviço obrigatório e demonstrava condições de mobilizar-se rapidamente. Depois da crise do Acre, alguma coisa precisava ser feita. Em 1906, a primeiro turma de oficiais brasileiros foi mandada para servir com o Exército imperial alemão. Então, para ter um Exército moderno e funcional, era preciso de soldados de um tipo novo: não mais recrutados à força (o Exército era, na verdade, uma parte chave do sistema penal), mas de cidadãos vindo aos quartéis para cumprir um dever cívico.

Oficiais e soldados do Exército (esquerda) e dos Voluntários da Pátria (direita), 1865-68.

LH - Essa lei do serviço militar obrigatório entrou em vigor logo?

McCann - Em 1908, o Congresso aprovou a nova lei, mas a oposição cortou tão drasticamente o orçamento do Exército que o pequeno efetivo autorizado era preenchido por voluntários. Os oficiais que serviram com o Exército alemão estavam voltando com novas experiências (as três turmas tiveram um total de 32 oficiais que fundaram, em 1913, a importante revista militar A Defesa Nacional). Com as duas crises do Contestado e a Primeira Guerra Mundial (chamada na época simplesmente ‘A Grande Guerra’), os dirigentes políticos que pensavam que guerra era coisa do passado mudaram o ponto da vista. Houve muito debate público e, em 1916, a lei que havia sido criada em 1908 finalmente entrou em operação. Mas o que foi criado não era exatamente um serviço universal, mas um sorteio dos alistados. Alguns dos sorteados apresentaram objeções processuais, constitucionais e religiosas, e pediram dispensa. A coisa não produziu o Exército dos sonhos dos reformadores, mas foi uma etapa importante.

Para ter um exército moderno, era preciso ter soldados treinados e prontos para o combate.

LH - E houve mais mudanças depois do início da vigência da lei?

McCann - Desde então, o Exército precisou mudar quase tudo. Nas palavras do próprio ministro José de Caetano Faria, num discurso escrito por Estevão Leitão de Carvalho: ‘Precisamos concentrar todas as nossas energias nos trabalhos profissionais. Abandonemos de vez as ambições políticas e as ocupações colaterais e consagremos nossa atividade com decisão e patriotismo, a obra do Exército.’ Com isso, podemos entender que o Exército estava baseado num plano de 1915, reestruturado. Novos quartéis foram necessários, que começaram a surgir com Hermes da Fonseca na década de 1920. Para tratar com o novo tipo de soldado, não poderiam mais abusar deles. A disciplina mudou. Os quartéis mudaram e os uniformes também. O Exército, como tudo, passou a prestar mais atenção na educação, saúde, etc. Para o sistema funcionar, os oficiais teriam de tornar-se instrutores e educadores. Alguns oficiais receavam atrair as classes inferiores para um papel nacional ativo: o serviço militar obrigatório universal poderia enfraquecer o poder da oligarquia sobre as massas, e o alistamento não se aplicava aos trabalhadores rurais. No fim da década de 1910, a tarefa que os reformistas do Exército impuseram-se era nada menos que ‘a obra sublime de constituição de um povo digno deste maravilhoso Brasil’. Queriam ver uma mudança fundamental no comportamento social, particularmente das elites.

A Defesa Nacional, nº 322, 10 de março de 1941.

LH - Sabemos que houve uma ruptura entre o Estado civil e a sociedade clerical logo no início da República, por conta da briga pelos direitos de registros civis. Como o Exército comportou-se durante essa disputa?

McCann - Esse detalhe me escapou. Logicamente, dentro da liderança deveria ter existido um forte sentimento negativo contra a Igreja, porque imediatamente o corpo de capelães (mais ou menos 50) foi abolido. Eu tenho dúvidas sobre a ligação dessa ação e o positivismo. Mas note bem que a situação não durou muito tempo.

LH - Por que, em sua opinião, houve uma presença tão forte do Exército no cenário político brasileiro? A prova disso é que os primeiros presidentes eram militares, assim como os políticos de alto-escalão. Qual o motivo para essa atuação tão marcante do Exército no Estado brasileiro?

McCann - Na época, o Brasil tinha quatro tipos de homens cultos: padres, advogados, médicos e oficiais militares. Os militares pensaram que somente eles estavam apoiando totalmente a Pátria. Eles perderam a fé nos políticos convencionais. Deve-se lembrar que nos anos de 1890 não houve eleições com um eleitorado amplo. Também existia o problema de disciplina militar. Se o presidente fosse militar, ele poderia controlar melhor o que acontecia nas unidades. Logicamente, foi uma maneira ruim de cultivar a democracia. Mas esse não era o jogo da época.

Os militares pensavam que somente eles estavam apoiando totalmente a pátria.

Soldados do Exército brasileiro nos destroços do quartel do Batalhão Naval, dezembro de 1910.

LH - Em certos momentos, como no início da República (no governo de Hermes da Fonseca), houve atritos entre Exército e Marinha, por conta da revolta dos marinheiros. Por que esse conflito ocorreu e em que circunstâncias? O que justifica essa diferença ideológica entre Marinha e Exército no País?

McCann - Precisamos de mais estudos sobre a história da Marinha brasileira. Acho que a revolta da Armada em 1893 teve algum fator importante no conflito entre Exército e Marinha. Era mais uma questão de ciúme pessoal, mas em 1910 a causa teve mais relação com a disciplina severa e a frustração dos marujos. Acho que não houve questões ideológicas envolvidas nesse conflito além das atitudes dos homens, das elites brancas, talvez cheias de medo, controlando marujos pobres, mal-educados e negros. Imagine uma revolta no vapor de guerra mais moderna do mundo na época!

"Nós, marinheiros(...) NÃO PODENDO MAIS SUPORTAR A ESCRAVIDÃO NA MARINHA BRASILEIRA, a falta de proteção que a Pátria nos dá, e até então não nos chegou, rompemos o negro véu, que nos cobria aos olhos do patriótico e enganado povo."
Trecho inicial do ultimato dado pelos rebeldes da Revolta da Chibata ao Presidente Hermes da Fonseca.

LH - Durante a República Velha houve algumas insurgências na sociedade brasileira, como o tenentismo e a Guerra de Canudos. Quais eram as características das tropas que atuaram nestes conflitos? Fala-se que eram formadas por moradores locais, pois não havia um corpo fixo do Exército nestas regiões. Isso é correto? E o mais importante: por que esses conflitos ocorreram?

McCann - Canudos foi uma guerra completamente desnecessária. Os fatores para justificar isso são muitos, como a política estadual: Canudos era a segunda cidade da Bahia, em termos de população. Estava atraindo tanta gente que os senhores de terra sentiram-se ameaçados pela falta de trabalhadores. Os militares ficaram zangados após perderem as primeiras batalhas. O medo de uma possível restauração monárquica tomou conta da imprensa brasileira da época, que converteu Canudos num ninho monarquista. Havia muita bobagem de todos os lados. Outra vez, repito que o nível nacional de educação era muito baixo. Um pouco de paciência e muito conversa poderiam ter resolvido o caso sem conflitos armados. Mas vale lembrar que, na mesma época, nos Estados Unidos, índios e trabalhadores em greve foram mortos por causa da ignorância e do medo irracional. Claro que os guerreiros de Canudos eram simples sertanejos.

7º Batalhão de Infantaria nas trincheiras na Guerra de Canudos, 1897.

LH - As unidades vieram de um único local ou de vários Estados?

McCann - As unidades do Exército vinham de todo Brasil: da polícia militar de Manaus e Belém e de regimentos do Rio Grande do Sul. Mas a verdade é que a maioria das tropas foi formada por gente simples, algumas pessoas forçadas a entrar nas fileiras. O tenentismo é uma coisa completamente diferente, ligado mais ao desejo de profissionalização. O objetivo deles era convencer a geração acima deles de mudar a maneira de pensar, de ver o papel do Exército na sociedade. Mas vale lembrar que nessa parte da década de 1920, o Ministro de Guerra, Fernando Setembrino de Carvalho, fechou a Biblioteca do Exército porque ele preferia soldados com mentes vazias.

Nota da redação: A Guerra de Canudos é considerada um movimento sócio-religioso, que ocorreu entre 1893 e 1897, na região de Canudos, na Bahia. A insurreição foi liderada por Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro. O movimento, na época, foi taxado como monarquista e, por isso, houve repressão militar na região. No total, quatro expedições foram enviadas ao território baiano para combater os insurgentes, que culminou na morte de Conselheiro. Os conflitos foram testemunhados pelo escritor Euclides da Cunha, que na ocasião era repórter do jornal O Estado de São Paulo e, posteriormente, escreveu a obra ‘Os Sertões’, no qual narra a guerra.

"Em verdade vos digo, quando as nações brigam com as nações, o Brasil com o Brasil, a Inglaterra com a Inglaterra, a Prússia com a Prússia, das ondas do mar D. SEBASTIÃO SAIRÁ COM TODO O SEU EXÉRCITO."
Antônio Conselheiro.

Uniformes dos oficiais e soldados de infantaria do Exército em Canudos, 1897.
(José Washt Rodrigues / Uniformes do Exército Brasileiro)

O Ministro da Guerra fechou a Biblioteca do Exército porque ele preferia soldados com mentes vazias.

LH - No capítulo 2 de Soldados da Pátria, o senhor cita que, após Canudos, o Exército ficou em ruínas. Por que isso ocorreu e como o Exército se reergueu?

McCann - O Exército mandou a Canudos cerca de 12 mil homens, quase a metade da força efetiva total. Houve registros de uns cinco mil mortos e feridos. Vários oficiais bem preparados morreram. Acho que, no fim, todo mundo entendeu que foi um desastre desnecessário. Ninguém fez pesquisas tratando dos efeitos psicológicos nos veteranos, mas sabemos que é bem provável que muitos dos sobreviventes sofreram por diversos anos depois. Na época, o Exército estava só no início da criação de um Estado-Maior baseado no sistema alemão. Por causa de Canudos, esse projeto levou muito mais tempo para ser implementado. Somente no governo de Hermes foi possível retomar ao caminho perdido. O momento chave foi quando Rio Branco convenceu Hermes a mandar para a Alemanha, em três grupos, os 36 oficiais mais tarde chamados os ‘jovens turcos’. Quase tudo que aconteceu depois foi ligado à experiência desses militares.

LH - O senhor comentou sobre os ‘jovens turcos’. Com que objetivo eles foram enviados à Alemanha?

McCann - Depois do desastre de Canudos, o Exército começou a tentar várias possibilidades de reforma. O Estado- Maior foi criado em 1899. A revolta da Escola Militar da Praia Vermelho, em 1904, causou seu fechamento e uma nova escola teve de ser aberta em Porto Alegre, a Escola de Guerra. Para preparar instrutores para os novos cursos projetados, o Ministério mandou seis oficiais de baixa patente servirem nos regimentos do Exército imperial alemão, por dois anos. Eles foram, mas não houve reforma porque faltou dinheiro. Em 1908, Rio Branco conseguiu um convite do governo alemão para os generais Hermes e Luís Mendes de Morais assistirem a manobras do Exército alemão. Hermes negociou com Berlim o envio de uma missão militar para supervisionar a reorganização do Exército. Então, a razão para a viagem dos oficiais brasileiros à Alemanha mudou um pouco. Agora, a idéia era ter um grupo de oficiais que poderiam assistir a missão. Em 1909, um segundo grupo de seis oficiais embarcou.


Neste intervalo, a Krupp (empresa bélica alemã) consolidou sua posição como fornecedora de artilharia, cedendo armas para os Fortes Copacabana e Leme. Em 1910, o terceiro grupo de 24 oficiais embarcou pra Alemanha. A missão alemã seria composta por um grupo de vinte a trinta oficiais sob comando do general Friedrich Colmar von der Goltz, conhecido escritor militar e reorganizador do Exército turco. A missão não deu certo principalmente porque os franceses, que já estavam treinando as forças estaduais de São Paulo desde 1906, montaram uma grande campanha de propaganda negativa. Os esforços dos militares franceses para influenciar a elite brasileira em favor de sua causa podem ser vistos nos relatórios do Estado-Maior francês. Era política francesa convencer a elite brasileira, como fora feito com o marechal Hermes, sobre a profunda convicção de que o Exército francês ainda era o Exército modelo.

LH - E essa idéia dos franceses foi aceita no Brasil?

McCann - Vários jornais brasileiros apoiariam os franceses. Os franceses e seus aliados brasileiros, como o senador mato-grossense Antonio Azeredo, impediram a missão alemã, mas não tiveram forças para impor uma missão francesa. Hermes prometera ao imperador alemão a assinatura de contratos com o Exército e a Marinha. Além dos franceses e paulistas, também os americanos e ingleses mostraram-se contrariados. A questão dividiu a oficialidade e o governo. Alguns altos oficiais opunham-se a qualquer missão estrangeira. Tamanha era a pressão sobre Hermes que lhe custava menos se opor à posição pró-alemã de seu ministro do exterior, Rio Branco, e recusar-se a honrar o compromisso assumido com Berlim do que mandar mais oficiais para juntarem-se aos que estavam completando seu treinamento na Alemanha. O governo teria pagado à Alemanha uma vultosa indenização para desfazer os acordos. A questão da missão militar estrangeira ficaria engavetada até o fim da Primeira Grande Guerra. Mas os oficiais com a experiência na Alemanha foram os que deram ao Exército um impulso reformista.

Era política francesa convencer a elite brasileira de que o Exército francês ainda era o modelo.

LH - Por que esses militares passaram a ser chamados de ‘jovens turcos’?

McCann - Foram chamados ‘jovens turcos’ porque, depois da revolução reformadora na Turquia, esta frase tornou-se comum no mundo inteiro e aplicada aos que queriam reformas.

Generalfeldmarschall Wilhelm Leopold Colmar Freiherr von der Goltz, 1917.

Nota da redação: após retornarem para o Brasil em 1913, os ‘jovens turcos’ fundaram a revista A Defesa Nacional, onde publicaram inúmeras traduções de textos militares alemães, difundindo detalhes técnicos, de treinamento e informações sobre a indústria bélica da Alemanha. Essas idéias de reforma tinham como base os pedidos de Benjamin Constant, que sofria influências claras do movimento positivista.

LH - Fala-se muito que havia castigos físicos como punição no Exército. Como essa cultura de punição começou?

McCann: A punição com castigos físicos fez parte de Exércitos de todo o mundo no século XIX. Aqui, não foi diferente, mas teve um agravante forte. Havia também o fator da escravidão e os efeitos que aquele sistema produzia na sociedade. Durante a República Velha, a maioria dos soldados eram negros e mestiços. Punição física era um método muito mais fácil do que educação.

"GETÚLIO [VARGAS] foi um sargento na fronteira do Mato Grosso, então ele SABIA DE PRIMEIRA MÃO SOBRE A VIDA DOS SOLDADOS."
Frank McCann.

LH - A hierarquia do Exército estava fragmentada na Revolução de 30. Por que o senhor acha que havia tanta diferença de pensamento entre o alto escalão e o restante dos militares?

McCann: Não foi todo o alto escalão, mas alguns, como Tasso Fragoso, foram campeões de reforma. Mas os outros foram acostumados com a vida militar; eles não viam razão de aprender novas táticas, usar novas armas, enfim tornar-se mais profissionais.

Uniformes dos regimentos de cavalaria e da Companhia de Carros de Assalto, 1922.
(Gustavo Barroso / Uniformes do Exército Brasileiro)

LH - Quais são as diferenças mais perceptíveis entre o Exército brasileiro no início da República e o do período de Getúlio Vargas?

McCann: É difícil ver os dois como o mesmo Exército. No primeiro caso, os governos não queriam ouvir problemas e sim deixá-los nos quartéis. No período Vargas, ele estava envolvido com tudo e tudo mundo. Ele prestava atenção às listas dos capitães que estavam prontos para serem promovidos ou não. Toda semana ele se reunia com o ministro da guerra, e correspondeu-se com muitos militares colhendo data, pontos de vista e sugestões. As reformas militares da década de 1930 tinham muita relação com a ação dele. Interessante que a experiência militar de Getúlio foi de um sargento na fronteira de Mato Grosso, então ele sabia em primeira mão sobre a vida dos soldados, mas sua vida ensinou-lhe como lidar com coronéis e generais.

LH - Nos quase 40 anos compreendidos em seu livro, é possível verificar elementos comuns ao Exército em todo este período?

Frank McCann: Sim, de uma forma geral, os Exércitos são entidades muito tradicionais. Ainda as unidades de hoje cantam canções da arma, do regimento, etc... Em muitas escolas e unidades pelo Brasil afora são usados edifícios construídos na época de Hermes. Para um soldado, isso dá a sensação de viver no passado. Até durante os chamados anos ‘militares’ eles sempre insistiram que eles foram trabalhando para um Brasil melhor. Eu não concordo com a maneira que eles fizeram isso, mas acho que eles foram sinceros na crença deles. Outra coisa; acho que os ‘jovens turcos’ ficariam felizes se eles pudessem ver os oficiais de hoje. O sonho que eles celebraram com a revista A Defesa Nacional é hoje uma realidade. O Exército de hoje ainda é pequeno, mas é muito profissional, solidamente fora da política e respeitado pelos outros exércitos do mundo.

Os “jovens turcos”, que lutaram pela profissionalização do exército, veriam seu sonho realizado na força de hoje.

Frank D. McCann, autor dos livros Soldados da Pátria e Aliança Brasil-Estados Unidos 1937-1945 e brasilianista militar famoso. Ele foi condecorado com o título de Comendador da Ordem do Rio Branco (1987) e com a Medalha do Pacificador (1995). McCann faleceu no dia 2 de abril de 2021. Ele foi chamado de "um grande americano e um grande amigo do Brasil".

Bibliografia recomendada:

Soldados da Pátria: História do Exército Brasileiro 1889-1937.

Leitura recomendada:





COMENTÁRIO: Pseudopotência, 1º de julho de 2020.