Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 30 de novembro de 2021.
O Corpo Expedicionário Francês (Corps Expéditionnaire Français, CEF), foi uma força expedicionária do Exército Francês Livre. Criado em 1943, o corpo lutou na Campanha da Itália na Segunda Guerra Mundial, sob o comando do General Alphonse Juin - futuro Marechal da França. O CEF foi fotografado por George Silk para a LIFE Magazine.
O Corpo era composto de 112.000 homens divididos em quatro divisões, três das quais unidades coloniais, principalmente compostas de soldados marroquinos e argelinos oriundas do Exército da África (Armée d'Afrique, em maio de 1944 contando 60% de norte-africanos) e liderados por oficiais franceses, e equipado com 12.000 veículos e 2.500 cavalos e mulas.
O Corpo se destacou nas batalhas no setor de Monte Cassino, varrendo cadeias de montanhas com velocidade e eficiência surpreendentes, abrindo o flanco alemão e os forçando a abandonarem as elevações ao redor da abadia beneditina de Monte Cassino; e assim capturando grande número de prisioneiros da 71ª Divisão de Infantaria alemã.
No entanto, esse sucesso foi manchado pelo grande número de saques, estupros e assassinatos cometidos contra a população italiana local, especialmente pelos goumiers marroquinos; gerando a expressão italiana para os episódios como Marocchinate.
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Duas Mulheres (La Ciociara, 1960). Filme italiano sobre o Marocchinate estrelando Sophia Loren. |
A campanha da Itália começou com as operações na Sicília em julho de 1943 e o desembarque ao sul de Nápoles em setembro de 1943. O objetivo dos Aliados anglo-americanos, sob o comando aliado do marechal britânico Alexander, era Roma. Em sua rota, a Linha Gustav, defendida pelos 10º e 14º Exércitos alemães sob o comando do Marechal Kesselring, cortou a Itália através do maciço de Abruzzo e bloqueou qualquer avanço aliado.
O CEF desembarca a partir de 43 de novembro e é engajado em duas fases:
- Inverno 44: Batalha de Monte Cassino (janeiro de 1944), marcada pela captura do Belvedere, pedra angular da Linha Gustav. A linha Gustav é perfurada mas a falta de reservas impede a exploração deste sucesso.
- Primavera 44: Batalha do Garigliano, durante a qual o confronto mais violento é em Pico. O CEF rompeu a Linha Gustav em maio de 1944 e permitiu aos Aliados retomar o avanço rumo a Roma, alcançada em 4 de junho de 1944.
O Coronel Rudolf Böhmler, dos paraquedistas alemães, assim mencionou o CEF dentre as demais unidades aliadas diante do Monte Cassino:
"Se, entre as numerosas tropas aliadas, naquele exército composto de americanos, britânicos, franceses, de indianos, neozelandeses e poloneses, de canadenses e sul-africanos, devêssemos ressaltar, de maneira particular, algumas unidades, em primeiro lugar mencionaríamos, de direito, o Corpo Expedicionário Francês, seguindo-se as 3.ª, 36.ª e 88.ª divisões americanas e as tropas polonesas do general Anders."
"Mas a grande surprêsa foi o comportamento em combate do Corpo Expedicionário Francês. A campanha de 1940 havia lançado um véu lúgubre sôbre o exército francês. Não se acreditava que êle pudesse refazer-se daquela completa derrota. E, agora, as divisões do general Juin se mostravam extremamente perigosas. A razão disso não era apenas a experiência de montanha dos marroquinos e argelinos. Três fatôres contribuíram para isso. Ao lado da experiência de montanha, havia o ultramoderno equipamento americano do Corpo Expedicionário Francês, que lhe conferia tanta potência de choque. Por último, e sobretudo, essas tropas eram comandadas por oficiais franceses que conheciam maravilhosamente bem sua profissão. Dêsses três elementos básicos, Juin fizera um magnífico amálgama. Daí diante, seu Corpo Expedicionário sempre se mostrou à altura de tôdas as suas missões. E o marechal Kesselring pessoalmente me afirmou que a presença do Corpo Expedicionário de Juin num setor do fronte sempre lhe trazia sérias preocupações. disse-me êle que se o general Clark, nos combates do fronte de Cassino, tivesse dado mais ouvidos a Juin, provàvelmente não se teriam registrado as sangrentas batalhas do Monte Cassino."
"Foi Juin que, apoderando-se do Monte Maio e irrompendo no vale do Liri, reduziu a migalhas a Porta de Roma."
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Monte Cassino, Rudolf Böhmler, 1966. |
O General Mark Clark, comandante do 5º Exército Americano, que no seu livro de memórias referiu ao General Juin dizendo que "Nunca houve melhor soldado", assim qualificou a ação francesa:
"Entrementes, as forças francesas, transpondo o [rio] Garigliano, haviam-se deslocado para norte, penetrando o terreno montanhoso que jazia ao sul do rio Liri. Não foi fácil. Como sempre, os veteranos alemães reagiram fortemente e houve luta encarniçada. Os franceses surpreenderam o inimigo e capturaram sem demora áreas-chave como os Montes Faito e Cerasola e as alturas vizinhas de Castelforte. A 1ª Divisão Motorizada [Francesa Livre] ajudou a 2ª Divisão Marroquina a tomar o ponto capital de Monte Girofano e, a seguir, avançou rapidamente para o norte até S. Apollinare e S. Ambrogio. A despeito da renitente resistência inimiga, a 2ª Divisão Marroquina penetrou na Linha Gustav em menos de dois dias de combate.
As próximas quarenta e oito horas na frente francesa foram decisivas. Os Goumiers, manejando destramente a arma branca, esparramaram-se nas montanhas, particularmente à noite, e toda a tropa do General Juin mostrou uma agressividade hora após hora que os alemães não puderam agüentar. Cerasola, San Giorgino, Mt. D'Oro, Ausonia e Esperia foram conquistados num dos mais brilhantes e audaciosos avanços da guerra na Itália, e no dia 16 de maio [de 1944] o Corpo Expedicionário Francês havia jogado seu flanco esquerdo a umas dez milhas para a frente, até Monte Revole, enquanto se verificava um reentrante no resto da linha de contato, para de algum modo ser mantida a ligação com o Oitavo Exército Britânico.
Somente o mais cuidadoso preparo e uma extrema resolução tornaram possível o ataque, mas Juin era desse tipo de combatente. Transporte logístico à base de mulas, peritos em guerra de montanha e homens com energia bastante para realizar marchas noturnas demoradas em terreno traiçoeiro, eis o que foi necessário ao sucesso naquelas escarpas praticamente inexpugnáveis. Os franceses patentearam tudo isso no seu sensacional avanço, que o General-de-Exército Siegfried Westphal, chefe do estado-maior do Kesselring, descreveria depois como uma surpresa completa, tanto em termos de rapidez, quanto em agressividade. Por essa realização, que haveria de constituir a chave do sucesso para a arremetida inteira sobre Roma, serei sempre um admirador agradecido do General Juin e de seu magnífico CEF."
- General Mark Clark, Risco Calculado, 1950 (1970 em português), pg. 360 e 362.
Em agosto de 1944, o corpo foi retirado e absorvido pelo Primeiro Exército francês sob o comando do General de Lattre de Tassigny (também futuro Marechal da França) para a invasão da Provença (sul da França).
Sua ordem de batalha era:
1ª Divisão Francesa Livre (1re Division Française Libre, 1re DFL), General Diego Brosset
Também chamada de 1ª Divisão Motorizada de Infantaria, chegou na Itália em abril de 1944.
- 1ª Brigada
- 13ª Meia-Brigada da Legião Estrangeira e 22º Batalhão de Marcha Norte-Africano
- 2ª Brigada
- 4º, 5º e 11º Batalhões de Marcha
- 4ª Brigada
- 21º e 24º Batalhões de Marcha, Bataillon d'Infanterie de Marine du Pacifique (BIMP)
- 1º Regimento de Artilharia Colonial (RAC)
- 1º Regimento de Fusiliers-Marins (RFM)
2ª Divisão de Infantaria Marroquina, General André Dody
Chegou à Itália no final de novembro de 1943.
- 4º Regimento de Tirailleurs Marocains (RTM)
- 5º Regimento de Tirailleurs Marocains (RTM)
- 8º Regimento de Tirailleurs Marocains (RTM)
- 3º Regimento de Spahis Marocains (RSM)
- 63º Regimento de Artillerie d'Afrique (RAA)
3ª Divisão de Infantaria Argelina, General Joseph de Goislard de Monsabert
Chegou à Itália em dezembro de 1943.
- 3º Regimento de Tirailleurs Algériens (RTA)
- 4º Regimento de Tirailleurs Tunisiens (RTT)
- 7º Regimento de Tirailleurs Algériens (RTA)
- 3º Regimento de Spahis Algériens de Reconnaissance (RSAR)
- 67º Regimento de Artillerie d'Afrique (RAA)
4ª Divisão Marroquina de Montanha, General François Sevez
Chegou à Itália em fevereiro de 1944.
- 1º Regimento de Tirailleurs Marocains (RTM)
- 2º Regimento de Tirailleurs Marocains (RTM)
- 6º Regimento de Tirailleurs Marocains (RTM)
- 4º Regimento de Spahis Marocains (RSM)
- 69º Regimento de Artillerie de Montagne (RAM)
Reservas Gerais
Comando dos Goumiers Marroquinos, General Augustin Guillaume
- 1º Grupo de Tabors Marocains (GTM)
- 3º Grupe de Tabors Marocains (GTM)
- 4º Grupe de Tabors Marocains (GTM)
- 7º Regimento de Chasseurs d'Afrique (RCA)
- 8º Regimento de Chasseurs d'Afrique (RCA)
- 64º Regimento de Artillerie d'Afrique (RAA)
Um regimento de infantaria norte-africano (tirailleurs nord-africains) compreendia pouco mais de 3.000 homens (incluindo quase 500 oficiais e suboficiais) e 200 veículos. A proporção de norte-africanos chegava a 69% para o regimento, 74% para o batalhão, 79% para a companhia de fuzileiros-volteadores (fusiliers-voltigeurs), 52% para a companhia anti-carro e 36% para a companhia de canhões de infantaria.
Um regimento de infantaria do tipo montanha compreendia quase 4.000 homens (incluindo quase 600 oficiais e suboficiais) e 170 veículos. A proporção de norte-africanos chegava a 77% para o regimento, 79% para o batalhão, 82% para a companhia de fusiliers-voltigeurs e 77% para a companhia motorizada.
Um grupo de tabors marroquinos compreendia cerca de 3.000 homens (incluindo cerca de 250 oficiais e suboficiais) e 170 veículos. A proporção de norte-africanos chegava a 77-78%.
Um regimento de reconhecimento tinha cerca de 900 homens (incluindo 150 oficiais e suboficiais) e 220 veículos. A proporção de norte-africanos chegava a 15% para as tropas e 13% para todo o regimento.
Um regimento de caça-tanques (chasseurs de chars) tinha cerca de 900 homens (incluindo 140 oficiais e suboficiais) e 220 veículos. A proporção de norte-africanos chegava a 27% para as tropas e 25% para todo o regimento.
Depois da guerra, seis nomes de batalha são atribuídos para lembrar a Campanha Italiana e fazer parte das dobras das bandeiras de unidade: Abruzzo, Le Belvédère, Garigliano, Pontecorvo, Roma e Toscana.
As enfermeiras motoristas de ambulância
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Motorista com um mascote. |
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Mistura de peças francesas e americanas. O capacete é o modelo Jeanne d'Arc francês para tropas motorizadas. |
Colunas de tropas pelo terreno acidentado italiano
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Observatório de artilharia argelino. |
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Ao fundo, o Monte Fammera. |
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Tirailleur senegalês. |
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Tirailleurs argelinos passam por uma coluna mecanizada alemã capturada. O blindado à frente é uma peça de assalto italiana Semovente da 75/18, designada StuG M42 mit 7,5 KwK L 18(850)(i) em serviço alemão. |
Bombardeio de artilharia alemão na estrada
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Em 17 de maio de 1944, em Esperia, no mesmo local onde uma coluna alemã havia sido aniquilada pela artilharia aliada no dia anterior, uma coluna francesa foi bombardeada pela artilharia alemã e destruída. |
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Padre Emilien Prosper Badouin, capelão militar da 3ª Divisão de Infantaria Argelina (3e DIA). Morreria em 23 de Maio de 1944 perto de Monte Leucio, em Pico. |
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O capelão militar padre Emilien Prosper Badouin na coleta dos feridos. |
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Soldado francês morto em uma vala em frente a um Sherman. |
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Soldado magrebino morto enquanto conduzia uma mula, que também morreu. |
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O capelão militar padre Emilien Prosper Badouin carregando uma padiola com um ferido. |
Blindados do CEF
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Carros de combate Sherman de modelo mais antigo.
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Quepe francês, capacete de aço Brodie M1917 americano e capacete de couro americano para tripulações de blindados. |
Visita do General de Gaulle |
O General Juin, com boina, e o General de Gaulle. |
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O General de Monsabert mostrando o mapa para o General de Gaulle. |
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Generais de Monsabert, Juin e de Gaulle. |
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General de Monsabert, futuro libertador de Marselha. |
Posto médico
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Prisioneiros alemães carregando um companheiro ferido. |
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Condessa de Luart Leïla Hagondokoff, "la Circassienne" (a circassiana). Madrinha do 1º Regimento Estrangeiro de Cavalaria (1er REC). |
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A nobre russa, também conhecida como Gali Hagondokoff, acompanhada por duas enfermeiras francesas. |
Prisioneiros alemães
Cemitérios francês e alemão
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Cemitério alemão na estrada próxima à vila de Esperia. |