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sexta-feira, 16 de julho de 2021

Jogos de guerra e vitória no Pacífico


Por Michel Goya, La Voie de l'Épée, 13 de julho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de julho de 2021.

Estamos em janeiro de 1908, um artigo na revista McClure's Magazine assinado por vários oficiais da Marinha dos EUA critica fortemente o design do encouraçado da classe dreadnought Delaware, o segundo dos quais, o North Dakota, está em construção. Esse projeto, eles criticam, foi concebido pelos técnicos do Gabinete do Departamento da Marinha sem nunca ter levado em consideração as opiniões dos operacionais e contém muitos erros de projeto. A polêmica chega ao presidente Theodore Roosevelt, fascinado por essas questões, que, a conselho do Almirante Williams Sims, então se dirige ao Naval War College (NWC) em Newport.  O NWC, a escola superior de guerra da Marinha dos Estados Unidos, regularmente praticava jogos de guerra, ou wargames, para treinar seus oficiais. Roosevelt então pede para testar o engajamento de combate do North Dakota. O resultado do jogo é definitivo e confirma o julgamento muito negativo da equipe operacional. A classe Delaware vai parar por aí, mas constata-se teriam pelo menos economizado uma quantidade colossal de dinheiro se tivessem pelo menos testado os conceitos antes de produzi-los.

Devido à desconfiança do Congresso, as forças armadas dos Estados Unidos não tinham nem um grande estado-maior combinado, nem mesmo um estado-maior de guerra e marinha. O Secretário de Estado da Marinha é auxiliado pelo comandante das divisões, incluindo operações e material, e por um gabinete geral de ex-almirantes para assessorá-lo. Compreende-se que o departamento é rapidamente abalado entre as rivalidades dessas três organizações, tudo em uma atmosfera do Entre-Guerras de redução de gastos e fortes restrições impostas pelos tratados navais. Nessas condições, não é fácil mudar uma organização que sabemos, no entanto, que provavelmente terá de travar batalhas gigantescas nos próximos anos. No entanto, a Marinha dos Estados Unidos conseguirá isso de maneira notável e o jogo de guerra terá muito a ver com isso. O NCW é então anexado à divisão de operações, futuro Escritório do Chefe de Operações Navais (Office of the Chief Naval OperationsOPNAV), onde é usado pela primeira vez como um corpo de reflexão e experimentação.

É uma revolução organizacional, na medida em que, como na medicina quase ao mesmo tempo, complementa-se o único julgamento pessoal dos chefes com os testes mais racionais possíveis. A partir de agora todos os planos concebidos pelo OPNAV, então de fato todos os problemas da Marinha dos Estados Unidos, como por exemplo os efeitos dos tratados navais, são filtrados a partir da experimentação ao mesmo tempo por exercícios de "tamanho real" no mar, insubstituíveis, porém raros, caros e sujeitos a fortes restrições de segurança e jogos no chão do War College em Newport com navios em miniatura e dados. Os americanos não são os únicos a praticar os grandes exercícios no mar ou no solo, os marinheiros japoneses em particular jogam muito, mas são os únicos a fazê-lo de forma sistemática e principalmente a jogar campanhas completas. De 1919 a 1941, foram 136 jogos simulando campanhas completas, quase todas no Pacífico contra o Japão, incluindo um mês inteiro para cada promoção do NWC. Existem também 182 jogos simulando apenas batalhas. Cada jogo decorre de acordo com um ciclo imutável: redação pelos alunos de uma ordem de operação a partir de uma ordem recebida, análise e crítica das ordens concebidas pelos alunos, escolha de uma ordem de operação que é jogada em dupla ação, e finalmente, uma análise aprofundada dos combates então transmitidas ao diretor.

Os benefícios são enormes em termos de treinamento. Os oficiais que saem do NCW têm um perfeito comando do uso das forças, principalmente as novas. O Almirante Raymond Spruance, por exemplo, fará um uso perfeito dos porta-aviões no Pacífico, sem nunca ter passado pela aviação naval ou ter comandado um porta-aviões. Eles conhecem bem o inimigo, cujos navios são representados com a maior precisão, mas também toda a geografia das áreas em que irão operar. Muitas vezes é esquecido no que diz respeito à qualidade das operações navais americanas na Guerra do Pacífico, apesar do ataque a Pearl Harbor ou dos reveses da campanha das Ilhas Salomão, mas a Marinha dos Estados Unidos não lutara na superfície desde 1898. O corpo de oficiais americano é o menos experiente de qualquer força naval da época. O Almirante Nimitz, comandante da Marinha no Pacífico durante a guerra, explicará que isso foi compensado pela simulação e que no final tudo o que aconteceu já havia sido jogado em Newport, exceto os kamikazes. Na verdade, ele estava se esquecendo da campanha submarina americana contra a marinha mercante japonesa que nunca havia sido jogada, pelo menos nessa escala.

É também por meio do jogo que o plano de campanha contra o Japão, o plano Orange (Laranja), foi continuamente refinado. A própria ideia mahaniana era então unir forças nas águas das Filipinas, então administradas pelos americanos, para destruir a frota de linha japonesa na região e então sufocar o Japão com um bloqueio das ilhas próximas. Foi neste contexto que se testou a utilização de porta-aviões, embora a frota ainda fosse muito pequena. Os jogos mostraram que os porta-aviões foram capazes de atacar relativamente em terra e destruir tudo no mar, exceto os encouraçados. Os americanos concluíram que há necessidade de uma marinha equilibrada combinando encouraçados e porta-aviões para o combate em alto mar, onde os japoneses, divididos, usarão de fato duas forças separadas, primeiro porta-aviões e depois encouraçados a partir de 1944, e os britânicos subordinam seus pequenos porta-aviões ao serviço dos navios de linha.

Mas uma frota americana equilibrada, onde os japoneses investem pesadamente em porta-aviões, pressupõe aceitar uma inferioridade numérica nessa área e de fato os americanos vão começar a guerra com 7 navios desse tipo contra 10 japoneses. Portanto, o retorno da experiência dos primeiros combates no chão conclui buscar soluções paliativas, como a construção de destróieres antiaéreos, a rápida conversão de navios mercantes em pequenos porta-aviões (estes serão porta-aviões de escolta da Batalha do Atlântico) e aproveitar ao máximo o espaço dos futuros porta-aviões para que transportem mais aeronaves do que os japoneses. Os jogos de campanha também são determinados para garantir que os porta-aviões americanos possam ser consertados e engajados novamente no combate mais rápido do que aqueles do adversário. Durante a Batalha do Mar de Coral em maio de 1942, os porta-aviões japoneses Shokaku e Zuikaku e o americano Yorktown foram danificados. Um mês depois, em Midway, os dois primeiros ainda estão em reparos, enquanto o terceiro é empregado. As consequências táticas e estratégicas são enormes. Os jogos de campanha também assustam os americanos pelo índice de perdas dos pilotos, por isso a Navy olha muito cedo para a questão do resgate no mar, mas também da capacidade de treinar maciçamente os pilotos, onde os japoneses que apenas simulam batalhas não fazem nada. Os jogos também destacam a importância crítica de detectar primeiro as forças inimigas e defendem o investimento em uma capacidade de reconhecimento de longo alcance baseada em aeronaves de patrulha marítima e submarinos de alcance.


Um jogo particularmente importante foi o do verão de 1933. Ele leva em consideração a fortificação japonesa das ilhas alemãs no Pacífico central e a provável tomada da ilha americana de Guam. O jogo é um desastre. A frota americana, conforme previsto pelo plano japonês, se vê assediada por submarinos e aviões de bases insulares japonesas. Desgastada e sem poder ser efetivamente apoiada por bases muito distantes, a frota americana não conseguiu derrotar a frota japonesa no mar das Filipinas. Conclui-se que devem primeiro tomar essas ilhas e depois usá-las como bases avançadas. Tudo isso também se reflete na estratégia de recursos. Para superar o que ainda não é chamado de negação de acesso, o Corpo de Fuzileiros Navais e a Marinha estão desenvolvendo uma frota específica de navios ou veículos anfíbios e considerando seu uso. Eles são os únicos no mundo naquela época e se pensarmos apenas nas ilhas do Pacífico, este grande desenvolvimento também permitirá que a Muralha do Atlântico seja tomada de assalto.

Nem tudo é perfeito neste processo de evolução lúdica. Na década de 1930, as regras do jogo eram tão sofisticadas que representavam 150 páginas, o que excluía qualquer apropriação pelos alunos e exigia a criação de um gabinete específico inteiramente dedicado ao jogo de guerra. Embora baseadas nos dados mais precisos possíveis, as regras são necessariamente aproximadas sobre novos fenômenos como o uso da aviação naval em combate, ainda que se perceba que elas constituíram, no entanto, as melhores expectativas na matéria. Na verdade, são principalmente os eventos geopolíticos que colocam as simulações em falta. Não simularam a guerra submarina irrestrita principalmente por medo de ofender o Reino Unido, cujos navios mercantes seriam, sem dúvida, as primeiras vítimas no Pacífico. Não imaginaram por um único segundo a rápida queda da França em 1940, que forçará uma parte imprevista do esforço naval americano a se transferir no Atlântico.

A questão é que os pequenos barcos de madeira ou metal de Newport, as mesas de tiro e os dados foram a força motriz por trás da transformação mais bem-sucedida das marinhas da era moderna. Testar ideias e coisas, isto é, como na ciência para ver se elas resistem à refutação, é mais eficaz do que o julgamento do dedo molhado das autoridades ou a tendência de simplesmente fazer a mesma coisa novamente, porém mais caro.

Vídeos recomendados:



Bibliografia recomendada:

A Guerra Aeronaval no Pacífico 1941-1945.
Contra-Almirante R. de Belot.

Leitura recomendada:


LIVRO: O Japão Rearmado, 6 de outubro de 2020.


sexta-feira, 4 de junho de 2021

LIVRO: Estrela Resplandecente, Sol Poente: A Campanha Guadalcanal-Salomão, novembro de 1942 a março de 1943

Pelo Dr. James Bosbotinis, The Naval Review, 4 de junho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 4 de junho de 2021.

O assunto deste livro atraiu imediatamente este revisor, e dadas suas 512 páginas, eu esperava um relato detalhado da campanha Guadalcanal-Salomão. Ao ler Blazing Star, Setting Sun, minhas expectativas certamente foram atendidas. O autor, Jeffrey Cox, advogado de litígio e historiador militar independente, com particular interesse na Guerra do Pacífico, escreveu um relato altamente detalhado dos meses cruciais entre o outono de 1942 e a primavera de 1943, que determinou o resultado campanha das Ilhas Salomão em si, e contribuiu significativamente para a derrota final do Japão.

Fuzileiros navais dos Estados Unidos desembarcando em Guadalcanal, 7 de agosto de 1942.

Cox escreveu anteriormente sobre a Batalha do Mar de Java (fevereiro de 1942) e a fase de abertura da campanha Guadalcanal-Solomão no verão de 1942, Blazing Star, Setting Sun continua a narrativa através da conclusão da Batalha de Guadalcanal e da Batalha do Mar de Bismarck em março de 1943.

Seguindo uma abordagem amplamente cronológica, o livro é dividido em oito capítulos com um prólogo e epílogo de apoio e apresenta notas de fim abrangentes e uma bibliografia valiosa. Uma seleção de mapas e uma seção fotográfica em preto e branco também estão incluídos. A profundidade da pesquisa que o autor empreendeu é muito clara em seu tratamento da campanha Guadalcanal-Salomão: Blazing Star, Setting Sun fornece um relato convincente e altamente legível da campanha, com a discussão abrangendo a grande estratégia até o nível tático.

O porta-aviões da Marinha dos Estados Unidos USS Enterprise (CV-6), visto de outro navio dos Estados Unidos, enquanto estava sob ataque de bombardeiros de mergulho japoneses durante a Batalha das Ilhas Salomão Orientais em 24 de agosto de 1942.

O detalhe fornecido pelo autor é louvável. Cox fornece uma análise ricamente detalhada da campanha Guadalcanal-Salomão e considera fatores como liderança, inovação doutrinária e tática, perspectivas contrastantes sobre a natureza da guerra naval (como a obsessão japonesa com a 'batalha decisiva'), o impacto da inteligência de comunicações (signals intelligenceSIGINT) e o impacto psicológico e os efeitos da guerra, por exemplo, no que diz respeito às consequências da Batalha do Mar de Bismarck e como as atrocidades japonesas definiram o contexto para os militares americanos se vingarem.

O capítulo final do livro enfoca a Batalha do Mar de Bismarck e fornece um valioso estudo de caso sobre a vantagem conferida pelo SIGINT, uma abertura à inovação e os efeitos operacionais e estratégicos da inovação tática.

Pilotos de caça zero do porta-aviões da Marinha Imperial Japonesa Zuikaku preparam-se para uma missão de Buin, Bougainville, Ilhas Salomão em 7 de abril de 1943. A missão era atacar aeronaves e navios aliados em Savo Sound entre Guadalcanal e Tulagi / Ilhas da Flórida.

Blazing Star, Setting Sun é um livro excelente; é muito bem escrito, profundamente envolvente e acessível. Existem alguns erros de digitação muito pequenos, mas eles não prejudicam a qualidade deste livro. Ele vai apelar para o leitor leigo e aqueles com um interesse acadêmico ou profissional na campanha Guadalcanal-Salomão, ou história naval mais ampla, estratégia marítima ou para usar o léxico contemporâneo, integração multi-domínio. A campanha das Ilhas Salomão foi travada no ar, na terra e no mar, e como Cox habilmente explica, o sucesso em cada domínio estava inextricavelmente ligado.

Este livro seria de especial valor para aqueles que estão na faculdade ou se preparando para ingressar na faculdade. Blazing Star, Setting Sun foi um prazer e uma leitura fascinante e terá um grande apelo para os membros da The Naval Review. É altamente recomendado.

Bibliografia recomendada:

US Marine versus Japanese Infantryman.

A Guerra Aeronaval no Pacífico 1941-1945.

Leitura recomendada:


LIVRO: O Japão Rearmado, 6 de outubro de 2020.



sábado, 29 de maio de 2021

Notas japonesas sobre a guerra na selva

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 29 de maio de 2021.

O seguinte relatório da inteligência militar dos EUA sobre táticas japonesas na guerra na selva foi publicado originalmente na revista Tactical and Technical Trends, nº 29, 15 de julho de 1943.

Tactical and Technical Trends (Tendências Táticas e Técnicas) era um periódico do serviço de inteligência americano (U.S. Military Intelligence Service), inicialmente bi-semanal e depois mensal, que foi publicado de junho de 1942 a junho de 1945.

Notas japonesas sobre a guerra na selva


Ao planejar seu treinamento para a guerra na selva, os japoneses estiveram cientes das grandes variedades de regiões selvagens do Leste Asiático e da região sudoeste do Pacífico. Os seguintes pontos sobre a guerra na selva, retirados de fontes japonesas, enfatizam certos métodos de guerra na selva aparentemente testados pela experiência japonesa.

A) O Avanço

Deixe alguma distância entre a unidade líder e o corpo principal e distribua os homens de ligação entre as unidades; embora seja melhor substituir a unidade a cada dia, o oficial que comanda a unidade líder não deve ser mudado.

O diagrama acima, reproduzido de um diário japonês, tinha a legenda: "Sugestão de formação para uma companhia avançando através da selva".

É essencial que a unidade líder inclua nos relatórios regulares ao comandante da retaguarda, o estado da trilha e o tipo de terreno.

Como há clareiras na selva, o oficial comandante deve avançar suas unidades por limites e correr de uma área para outra. A camuflagem de cada homem e de cada arma deve ser completa. Ao cruzar uma planície gramada, cubra tudo com grama. Se aviões inimigos aparecerem enquanto você estiver em uma clareira, fique quieto. Geralmente, os fuzileiros devem apoiar as armas pesadas. O mínimo é um pelotão de fuzileiros para uma companhia de metralhadoras e um para o pelotão de petrechos pesados do batalhão.

Ao acampar na selva, o cozimento deve ser feito em vários locais, bem longe da área do acampamento. Todas as fogueiras devem ser extintas imediatamente após o cozimento. Durante o avanço, a comunicação será por telefone e corredor. O rádio não será usado. A taxa de avanço será regulada pelas armas pesadas. A distância percorrida em um dia normalmente é de 3 a 5 milhas (5-8km).


B) O Ataque

Ao selecionar áreas de montagem para o ataque, tente dispersar as unidades e escolha locais que sejam naturalmente camuflados. A concentração da força principal no ponto de reunião para o ataque, deve ser feita à noite. Se houver fogo de artilharia inimiga, é importante que seja neutralizado antes que as unidades tomem suas posições. As unidades de ataque se moverão para a borda da floresta durante a escuridão, rastejando se necessário. Ao sinalizar, eles irão atacar as posições inimigas. Como é melhor para cada unidade de flanco fazer uma investida ao mesmo tempo, o momento do ataque deve ser coordenado.


Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:




Bem vindo à selva11 de julho de 2020.


sábado, 8 de maio de 2021

A reforma do sistema de inteligência do Japão


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de maio de 2021.

Quando os Aliados derrotaram o Japão no final da Segunda Guerra Mundial, eles desmantelaram o aparato de segurança japonês e deliberadamente deixaram o país dependente de potências externas. Isso implicou não apenas em desmontar as forças armadas, mas também o extenso aparato imperial de inteligência que havia facilitado a expansão japonesa na Ásia. Ao se reconstituir, o Japão do pós-guerra optou por um sistema de inteligência descentralizado como alternativa ao modelo anterior à guerra. O resultado foi mais um fragmento de um aparato de inteligência do que um sistema completo, com Tóquio terceirizando os componentes que faltavam para seus aliados. Esse sistema funcionou durante a Guerra Fria, quando o Japão era mais essencial para a estratégia anti-soviética dos EUA. Desde então, no entanto, o Japão se viu incapaz de contar com seus aliados para fornecer inteligência vital em tempo hábil. A crise dos reféns do Estado Islâmico em janeiro de 2015, durante a qual o Japão dependeu da inteligência jordaniana e turca, reforçou essa lição.

Em resposta ao incidente, o então governante Partido Liberal Democrata do Japão começou a esboçar uma proposta para criar uma nova agência especializada em inteligência estrangeira. Para lidar com a dependência japonesa de estranhos, o novo sistema mudará de um modelo descentralizado com capacidade de coleta limitada para um sistema centralizado com recursos internos. O plano apoiaria a lenta normalização do Japão de suas capacidades militares gerais para enfrentar novas ameaças.

O então primeiro-ministro japonês Shinzo Abe (centro) inspeciona as tropas no campo de treinamento de Asaka, da Força de Autodefesa Terrestre, em 1º de julho de 2014. Em 2015, o premier Abe sugeriu modificações no Artigo 9 da Constituição japonesa.
(Toru Yamanaka / AFP)

Durante a Guerra Fria, Tóquio poderia depender de Washington para garantir a segurança externa do Japão, enquanto contava com sua própria força econômica para obter acesso a recursos. Mas o Japão não é mais visto pelos americanos como o baluarte vital da Guerra Fria no Pacífico, dando aos Estados Unidos menos incentivo para cooperar. Enquanto isso, tanto a China quanto a Coréia do Norte surgiram como ameaças à segurança japonesa. Mais longe, os japoneses se envolveram mais profundamente em regiões como a África e o Oriente Médio. Hoje, o Japão precisa de inteligência rápida, precisa e confiável. Quase um quarto de século desde o fim da Guerra Fria, no entanto, o Japão ainda está usando um sistema antigo mal adaptado a um mundo em mudança.

O atual aparato de inteligência do Japão está fragmentado em cinco organizações. O Gabinete do Serviço de Informação e Pesquisa concentra-se em inteligência de código aberto e geo-espacial. O Ministério das Relações Exteriores japonês coleta inteligência diplomática. O Quartel-General da Inteligência de Defesa reúne inteligência de comunicações, incluindo sistemas eletrônicos e de telecomunicações. No âmbito do Ministério da Justiça, a Agência de Inteligência de Segurança Pública conduz principalmente investigações internas e monitora grupos domésticos subversivos. A mais poderosa delas é a Agência Nacional de Polícia, responsável pela aplicação da lei nacional, contra-terrorismo e combate ao crime transnacional; também possuindo pessoal posicionado nas outras quatro instituições como diretores de inteligência de alto nível.

A falta de uma agência central de análise no Japão significa que agências de inteligência separadas e não integradas se reportam de forma independente ao gabinete do primeiro-ministro.

- Gabinete do primeiro-ministro:
  • Gabinete do Serviço de Informação e Pesquisa
  1. Dá resumos semanais ao primeiro-ministro.
  2. Fornece inteligência de código aberto e geo-espacial.
  3. Concebido inicialmente como coordenador de inteligência, mas geralmente é ignorado por outras agências de inteligência.
  • Quartel-General da Inteligência de Defesa
  1. Coleta inteligência derivada da interceptação de comunicações ou transmissões eletrônicas.
  2. Serviço de Inteligência do Ministério da Defesa.
  3. Fundado em 1997 para integrar inteligência coletada pelas Forças de Autodefesa.
  4. Formado majoritariamente por militares oficiais de inteligência.
  • Ministério das Relações Exteriores
  1. Coleta informações diplomáticas de missões no exterior.
  2. Formada por diplomatas profissionais que não são treinados como oficiais de inteligência.
  • Agência de Inteligência de Segurança Pública
  1. Agência de investigação interna criada para monitorar grupos domésticos subversivos e extremistas.
  2. Tem funções de contra-espionagem e contra-terrorismo, mas não tem poder de prisão.
  3. Subordinado ao Ministério da Justiça.
  • Agência Nacional de Polícia
  1. O objetivo principal é a aplicação da lei.
  2. Responsável pelo combate ao crime e pela execução de missões de contra-terrorismo, bem como de contra-espionagem.
  3. Depois que as forças armadas japonesas foram desmanteladas em 1945, eles assumiram muitas funções de inteligência doméstica.
  4. Pessoal de alto nível é incorporado como oficiais de inteligência em todas as outras agências, dando à Agência Nacional de Polícia grande poder institucional.
Membros do 374º Esquadrão de Forças de Segurança da USAF e a Divisão Fussa da Polícia Nacional Japonesa respondem a um "incidente" de munições não-detonadas durante um exercício de treinamento de resposta conjunta na Base Aérea de Yokota, no Japão, em 27 de março de 2009.
(Osakabe Yasuo / Força Aérea dos EUA)

Este sistema carece de dois componentes principais: Sua maior fraqueza é a ausência de um corpo de inteligência clandestino, privando o Japão de acesso confiável à inteligência humana. O país também não possui uma instituição que reúna a inteligência coletada pelos diferentes departamentos. Tal instituição forneceria uma análise abrangente para os principais formuladores de políticas e garantiria o compartilhamento eficaz de informações entre as agências. Em vez disso, as agências de inteligência do Japão se reportam diretamente ao gabinete do primeiro-ministro. A ausência desses dois nós-chave deixou os formuladores de políticas japoneses com enormes lacunas de percepção, forçando-os a reagir às crises em vez de evitá-las. Repetidamente, isso levou a consequências trágicas para os cidadãos japoneses.

Comandos peruanos resgatando diplomata e funcionários japoneses na Operação Chavín de Huántar, o assalto à embaixada japonesa em Lima, 22 de abril de 1997.

Raízes Imperiais e da Guerra Fria

Para entender as limitações atuais do sistema de inteligência japonês, é preciso olhar para o passado militarista do país e sua grande estratégia da era da Guerra Fria. Antes de 1945, os militares japoneses dominavam a estrutura do governo. As Forças Armadas viram a conquista da Ásia como o melhor meio da nação-ilha garantir o acesso aos recursos de que precisava. Para desestabilizar seus inimigos e preparar a Ásia para a conquista, os militares desenvolveram um forte aparato de inteligência estrangeira modelado ao longo das linhas alemãs: o exército e a marinha administravam seus próprios serviços de inteligência, enquanto o corpo de polícia militar (Kempeitai para o exército e Tokkeitai para a marinha) conduzia funções de contra-espionagem e polícia secreta.

Militares da Kempeitai com as braçadeiras contendo os caracteres 憲兵 (ken-pei, Polícia Militar).

O sistema de inteligência do império foi altamente eficaz. Os militares realizavam operações clandestinas por meio de redes de espionagem chamadas Tokumu Kikan, ou agências de serviços especiais. Além de coletar inteligência, o Tokumu Kikan conduziu uma série de atividades para manter os adversários do Japão desequilibrados, realizando assassinatos e operações de bandeira falsa, bem como treinando de quintas colunas como o Exército Nacional Indiano de Subhas Chandra Bose e, principalmente, forças auxiliares de ocupação; além de massacres contra populações conquistadas.

Oficialmente, os comandantes da inteligência militar se reportavam aos ramos da inteligência de vários exércitos e marinhas regionais, mas suas conexões em Tóquio lhes davam ampla latitude. Como o resto dos militares do Japão Imperial, os Tokumu Kikan tiveram pouca supervisão e subverteram a autoridade civil com impunidade, às vezes conduzindo operações com motivação política com o objetivo de justificar a expansão militar. Durante o Incidente de Mukden em 1931, por exemplo, agentes da inteligência militar japonesa agindo por iniciativa própria explodiram a Ferrovia do Sul da Manchúria (operada pelos japoneses) e culparam as forças chinesas locais. A operação forneceu o pretexto para que o Japão se apoderasse da região industrializada e rica em recursos da Manchúria, no atual nordeste da China.

Em 1928, ocorrera um incidente semelhante de indisciplina, onde o Coronel Komoto Daisaku, um oficial do exército japonês Kwantung,  decidiu por iniciativa própria matar o senhor-da-guerra chinês Chang Tso-lin. O plano consistiu em plantar uma bomba ao longo de uma ponte ferroviária próxima a Shenyang, onde a linha passava pela Ferrovia do Sul da Manchúria, que explodiu quando o trem de Chang passou por baixo dela. Mortalmente ferido, Chang morreu algumas horas depois. No Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio em 1946, o Almirante Okada Keisuke testemunhou que Chang foi assassinado porque o Exército Kwantung estava enfurecido por seu fracasso em deter o exército nacionalista de Chiang Kai-shek, que era apoiado por Moscou (o rival estratégico de Tóquio), na campanha da Expedição do Norte (1926–1928).

Chang Tso-lin (Zhang Zuolin, 張作霖), conhecido como "O Tigre do Norte" e líder da clique Fengtian.

Na época do assassinato, o Exército Kwantung já estava em processo de preparar Yang Yuting, um alto general da clique Fengtian, para ser o sucessor de Chang. No entanto, o assassinato pegou até mesmo a liderança do Exército Kwantung desprevenida, uma vez que as tropas não foram mobilizadas e o Exército Kwantung não poderia tirar nenhuma vantagem culpando os inimigos chineses de Chang e usando o incidente como um casus belli para uma intervenção militar japonesa. Em vez disso, o incidente foi veementemente condenado pela comunidade internacional e pelas autoridades militares e civis da própria Tóquio. A emergência do filho de Chang, Chang Xueliang - "O Jovem Marechal" - como sucessor e líder da clique Fengtian, também foi uma surpresa.

O Jovem Marechal, para evitar qualquer conflito com o Japão e o caos que pudesse provocar uma resposta militar dos japoneses, não acusou diretamente o Japão de cumplicidade no assassinato de seu pai, mas, em vez disso, executou discretamente uma política de reconciliação com o governo nacionalista de Chiang Kai- shek, que o deixou como governante reconhecido da Manchúria em vez de Yang Yuting. O assassinato enfraqueceu consideravelmente a posição política do Japão na Manchúria.

Militares da Kempeitai se rendendo em Saigon, Cochinchina, sul da então Indochina Francesa, em 13 de dezembro de 1945.

Após a Segunda Guerra Mundial, os vitoriosos Aliados desmantelaram as forças armadas do Japão Imperial, junto com o aparato de inteligência militar. Desarmado e ocupado pelos Estados Unidos, o Japão foi forçado a recuar em sua força econômica para adquirir recursos. Disto surgiu a Doutrina Yoshida, em homenagem ao então primeiro-ministro Shigeru Yoshida, na qual o Japão terceirizou a segurança externa para os Estados Unidos enquanto se concentrava na reconstrução econômica.

Felizmente para o Japão, sua localização o tornou indispensável para a contenção da União Soviética pelos EUA. Os Estados Unidos garantiram a segurança externa do Japão em um tratado de defesa mútua de 1952. O sistema de inteligência seguiu esse modelo. O Japão passou a depender da CIA para coletar inteligência e informar o governo japonês, que manteve acesso confiável a informações oportunas durante a Guerra Fria.

No entanto, o Japão continuou a enfrentar ameaças internas. Isso incluía o apoio soviético ao Partido Comunista Japonês e a grupos terroristas como o Exército Vermelho Japonês. A força policial do Japão agiu para preencher a lacuna, coletando inteligência doméstica. A partir dessa base, o Japão desenvolveu uma rede de inteligência descentralizada focada principalmente em ameaças domésticas. A Agência Nacional de Polícia dominava essa estrutura de inteligência, posição que continua ocupando até hoje.

Embora o sistema de inteligência da era da Guerra Fria fosse limitado e dependente dos Estados Unidos, ele atendeu às necessidades do Japão ao longo desse período. As tentativas de fortalecer o sistema de inteligência encontraram forte oposição de legisladores e do público, que lembrou os excessos dos serviços de inteligência militar da era imperial.

Desafios pós-Guerra Fria

Após o fim da Guerra Fria, o Japão se viu em um novo contexto. Seu envolvimento econômico se aprofundou na América Latina, África e Oriente Médio. Enquanto isso, o crescimento explosivo da China desde 1978 a transformou de uma economia fraca e atrasada em um agressivo concorrente tanto em segurança quanto em economia, exatamente quando o próprio crescimento do Japão começou a declinar vertiginosamente.

O colapso da União Soviética colocou em risco a segurança da Coréia do Norte e levou Pyongyang a redobrar os esforços para adquirir e testar a capacidade nuclear e de mísseis balísticos. Também diminuiu o interesse dos EUA em subscrever a segurança do Japão, especialmente depois que Washington começou a canalizar mais de seus recursos e atenção para estabilizar o Oriente Médio. À medida que os interesses dos Estados Unidos e do Japão divergiam, cada vez menos recursos de inteligência eram direcionados para objetivos que o Japão considerava importantes.

Comandos peruanos celebrando a vitória em Chavín de Huántar, 22 de abril de 1997.

O declínio do apoio dos americanos expôs as fraquezas inerentes ao sistema de inteligência subdesenvolvido do Japão. Em 1996, por exemplo, o Movimento Revolucionário Marxista Tupac Amaru do Peru ocupou a residência oficial do embaixador japonês em Lima, levando 24 reféns japoneses, incluindo o embaixador e vários funcionários de alto escalão. O ministro das Relações Exteriores do Japão vôou para Lima, onde precisava ser informado pelo embaixador canadense e passar um tempo coletando informações em primeira mão.

O Japão também foi pego de surpresa em 1998 com o lançamento de um foguete Taepodong norte-coreano e sua incapacidade de rastrear o vôo do míssil. Este incidente levou o Japão a investir em satélites de reconhecimento e desenvolver seu próprio programa de inteligência geo-espacial alojado no Gabinete de Informação e Escritório de Pesquisa. Este pequeno passo foi insuficiente, no entanto, e o Japão se viu mais uma vez pego de surpresa pela tomada de reféns pelo Estado Islâmico em 2015, estimulando o partido no poder a propor uma reforma mais completa da inteligência, contando até mesmo com a criação de uma unidade contra-terrorista com alcance internacional subordinada à uma inteligência central.

Uma situação semelhante foi prevista por Tom Clancy dez anos antes no jogo Splinter Cell: Chaos Theory (Splinter Cell: Teoria do Caos, de 2005), com um líder japonês - o Almirante Toshiro Otomo - criando uma força especial que violava os termos de desmilitarização japonesa: a Força de Autodefesa de Informação (Information Self-Defense Force, ISDF).


No período pós-Guerra Fria, o Partido Liberal Democrata defendeu a reforma da inteligência. Em 2006, um comitê parlamentar do partido produziu o Segundo Relatório Machimura, que propôs uma nova agência para coletar inteligência estrangeira operando nas embaixadas japonesas. A proposta também pedia que uma agência realizasse análises de inteligência centralizadas de maneira semelhante ao Escritório do Diretor de Inteligência Nacional dos EUA.

O Segundo Relatório Machimura não mudou o sistema de inteligência japonês, mas a última proposta do Partido Liberal Democrata - nove anos depois - aborda os mesmos problemas enraizados. No entanto, a reforma da inteligência japonesa continua enfrentando vários desafios. O primeiro são os persistentes sentimentos antimilitaristas do público japonês. A Constituição japonesa é famosa por conter um artigo, o Artigo 9, que proíbe o uso da guerra para resolver conflitos internacionais. Embora não haja equivalente ao Artigo 9 para a inteligência, que proíba um serviço de inteligência clandestino, aos olhos do público, inteligência e militarismo estão profundamente interligados. As memórias da Segunda Guerra Mundial ainda são profundas.

Obstáculos burocráticos também impedem a reforma. A ala geoespacial do Gabinete do Serviço de Informação e Pesquisa, estabelecida após o incidente com a Coréia do Norte em 1998, tinha o objetivo de desempenhar um papel fundindo os fluxos separados de inteligência. No entanto, as outras agências de inteligência optaram por contorná-lo totalmente. Qualquer nova organização central de análise enfrentaria resistência semelhante, especialmente da influente Agência Nacional de Polícia, que historicamente reluta em compartilhar informações.

O mesmo vale para uma nova agência de inteligência estrangeira, que provavelmente desviaria pessoal e recursos fiscais das agências existentes. Os Estados Unidos também lidaram com as mesmas questões ao estabelecer seus "centros de fusão" do Escritório do Diretor de Inteligência Nacional e Segurança Interna após o 11 de setembro. A agência de supervisão dos EUA ainda não teve sucesso total em seu objetivo de coletar informações de outras 16 agências da comunidade de inteligência americana.

Soldado japonês com um lança-rojão.

O Japão, entretanto, está avançando lenta e inexoravelmente em direção à reforma da inteligência, assim como está avançando com sua normalização militar. Desde o fim da Guerra Fria, os japoneses adicionaram recursos quando absolutamente necessário. Na esteira do lançamento do foguete norte-coreano em 1998, por exemplo, Tóquio conseguiu preencher lacunas críticas, investindo em satélites de reconhecimento e construindo suas capacidades de inteligência geoespacial; este último permanecendo hoje um ponto forte do sistema de inteligência japonês.

Em 2013, o Partido Liberal Democrata aprovou a Lei de Sigilo Especial, que estabeleceu um sistema de classificação unificado entre as agências e expôs consequências claras para o vazamento de segredos. Anteriormente, as diferentes agências protegiam as informações de maneiras diferentes, o que significa que não podiam confiar umas nas outras para manter os segredos protegidos. A padronização dos esquemas de classificação encorajou a colaboração. A lei é altamente impopular junto ao público, mas encerrou uma longa disputa para impor tal reforma.

Não há garantia de que a atual proposta do Partido Liberal Democrata levará a mudanças imediatas ou radicais. No entanto, as demandas por inteligência rápida e precisa estão aumentando, e o Japão não pode depender de seus aliados para atender às suas necessidades. O processo de reforma será lento, mas Tóquio acabará por adquirir e desenvolver totalmente sua própria inteligência humana e capacidades de análise central. O país vai investir em suas capacidades de inteligência cibernética, bem como se esforça para desenvolver um sistema de inteligência para gerenciar todos os aspectos das operações de inteligência. O amadurecimento dos aspectos técnicos desse sistema levará tempo, mas as instituições do Japão têm se mostrado historicamente capazes de dominar novos procedimentos em um período de tempo relativamente curto.

A situação global

Fuzileiros navais americanos e soldados da nova Brigada Anfíbia de Desdobramento Rápida japonesa durante a cerimônia de abertura do Exercício Punho de Ferro 2020 (Iron Fist 2020) no acampamento de Pendleton, na Califórnia, em 17 de janeiro de 2020.

Com a falta de transparência dos Estados Unidos nos anos recentes, com um rastro de abandonos diplomáticos e até mesmo militares de aliados (como os curdos no Oriente Médio), a liderança do Japão sente-se ameaçada por um aliado não confiável e uma China cada vez mais assertiva (e agressiva). Uma enquete sobre a proposta de revisão do Artigo 9, realizada em junho de 2020, mostrou que a população não está "no mesmo passo", com 69% se opondo à idéia. “Para o povo japonês, o Artigo 9 é uma espécie de Bíblia”, disse em 2019 Hajime Funada, legislador governista do Partido Liberal Democrata e ex-chefe de um painel para revisar a carta.

Afetando ainda mais a ansiedade de defesa da nação-arquipélago, o Japão tem problemas de baixa natalidade e de falta de efetivos militares; os jovens japoneses não se interessem pelo uniforme citando baixos salários e incômodos típicos da vida militar, como habitação em quartéis e transferências longe da cidade de origem.

A geopolítica internacional continua como sempre foi: imprevisível e violenta. Em meio aos caos global da pandemia, com manifestações na Tailândia, fechamento político brutal no Vietnã e no Camboja, o exército birmanês - o Tatmadaw - executou um golpe de estado em 1º de fevereiro; iniciando uma repressão brutal de manifestantes civis, que escalou no mês passado para confrontos entre guerrilhas étnicas e o Tatmadaw. O Japão foi signatário da declaração do Ministro das Relações Exteriores do G7 em 3 de fevereiro, "condenando o golpe militar". Em 21 de fevereiro e novamente em 28 de fevereiro, o governo japonês disse "condenar veementemente" a situação em Mianmar. Na mesma declaração, ele disse, "o governo do Japão, mais uma vez, exorta veementemente os militares de Mianmar a libertarem aqueles que estão detidos... e restaurar rapidamente o sistema político democrático de Mianmar".

A abordagem do Japão para o golpe em Mianmar foi marcada pela temperança. No dia seguinte à tomada do poder pelo Tatmadaw, o Ministro de Estado para Defesa Yasuhide Nakayama afirmou: "Se não abordarmos isso bem, Mianmar pode crescer mais longe das nações democráticas politicamente livres e se juntar à liga da China". Isso revela a compreensão do governo japonês sobre a importância geoestratégica de Mianmar na região. A influência crescente da China em Mianmar tem sido uma preocupação para os líderes japoneses. O medo do aumento da dependência da China foi um dos fatores que levaram o Tatmadaw a decidir iniciar reformas políticas e abrir Mianmar em 2011. O governo do Japão foi fundamental neste processo, facilitando o reengajamento entre a comunidade internacional e o governo de Mianmar.

Com a condição de que a democratização continuasse, o Japão perdôou grande parte da dívida pendente de Mianmar em 2012. Mas o mais importante, talvez, o Japão forneceu um empréstimo-ponte a Mianmar para permitir que pagasse seus atrasados com o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Asiático no mesmo ano. Isso permitiu que essas instituições financeiras iniciassem a ajuda ao desenvolvimento e apoiassem a transição democrática do então presidente Thein Sein.

A diplomacia do Japão também deve ser vista no quadro das relações com a ASEAN, um parceiro estratégico chave para o Japão. Tóquio passou décadas investindo na estabilidade e prosperidade dos países do sudeste asiático e a economia do Japão depende muito deles. No dia 10 de fevereiro houve um telefonema entre os chanceleres do Japão e da Indonésia, sendo os principais assuntos discutidos a situação em Mianmar e questões relacionadas com o Mar da China Meridional e Mar da China Oriental. Para o Japão - e também para a ASEAN - essas questões estão todas interligadas.

Conforme a retórica do Partido Comunista Chinês fica cada vez mais agressiva, os países do ASEAN têm agido para forjar aliançasEm 2010, o governo japonês levou um susto: Pequim cortou abruptamente todas as exportações de terras raras para o Japão por causa de uma disputa com uma traineira de pesca. Tóquio era quase totalmente dependente da China para os metais essenciais, e o embargo expôs essa vulnerabilidade aguda. Atualmente, a China comunista até mesmo fala abertamente em "preparação para a guerra", se aproveitando da pandemia mundial originada em Wuhan.

Quando o então primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, disse no mês de abril do ano passado que a pandemia de Covid-19 foi a maior crise nacional desde a Segunda Guerra Mundial, foi amplamente esquecido que, poucas semanas antes, seu governo aprovou de longe o maior orçamento de defesa do país desde o fim do conflito. A prioridade atual é na força de mísseis, claramente mirando ações anti-navio na disputa de ilhas com Pequim.

O Almirante Yamamura em teleconferência com o Almirante Vandier, comandante da marinha francesa, em 1º de outubro de 2020.

Recentemente, o Japão se aproximou da França, um país que sempre foi culturalmente próximo dos japoneses (apesar da brutal ocupação da Indochina de 1940-1945 e do apoio à invasão tailandesa em 1941), e manobras militares conjuntas entre o Japão, Estados Unidos e França foram marcadas de 11 a 17 de maio de 2021 no Campo Ainoura, na Prefeitura de Nagasaki, onde está instalada a Brigada Anfíbia de Desdobramento Rápido da GSDF, unidade especializada na defesa de ilhas remotas. Os exercícios também serão realizados no Campo de Treinamento de Kirishima, nas prefeituras de Miyazaki e Kagoshima, e no mar e espaço aéreo a oeste de Kyushu. De acordo com a GSDF, esta será a primeira vez que tropas japonesas, americanas e francesas realizarão exercícios de campanha conjuntos no Japão.

"A França é um camarada em nossa visão Indo-Pacífico. Queremos melhorar nossas habilidades táticas na defesa da ilha", enfatizou o ministro da Defesa do Japão, Nobuo Kishina em entrevista coletiva em abril de 2021.

Em uma tal situação de insegurança e instabilidade, é mais do que recomendável uma central de inteligência que permita pelo menos um certo nível de aviso antecipado e liberdade de ação.

Bibliografia recomendada: