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terça-feira, 8 de junho de 2021

FOTO: Batedores cubanos em Angola

Militares cubanos de uma unidade de reconhecimento perto de Menongue, no sul de Angola, em dezembro de 1987.
O fuzil do homem-ponto tem um silenciador.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de junho de 2021.

As Forças Armadas Revolucionárias cubanas (Fuerzas Armadas Revolucionarias, FAR) foram moldadas seguindo o sistema soviético, com a criação de formações em estilo soviético. Estes batedores cubanos são moldados no razvedka soviético, dado o foco russo soviético na informação, dissimulação e paranóia, e com o objetivo de manter seus adversários em situação de desequilíbrio.

Os cubanos revolucionários tornaram-se um dos mais prolíficos "exportadores da revolução" na Guerra Fria, com desdobramentos da América do Sul ao Vietnã. Esta função expedicionária era chamada de "internacionalização", ou seja, a internacionalização da revolução socialista global. Nos anos 1980, o desdobramento cubano em Angola atingiu um pico de 50 mil militares e 8 mil civis auxiliando o governo comunista angolano do MPLA (ao lado dos conselheiros soviéticos); intervenção chamada Operação Carlota.

Na década de 80, os cubanos mantiveram missões militares na Argélia, Gana, Guiné-Bissau (ex-Guiné Portuguesa), Somália, Líbia, Tanzânia, Zâmbia, Síria e Afeganistão; além de contingentes militares consideráveis em Angola, conforme já citado, Congo (500 soldados), Etiópia (4 mil soldados, 1978-1984), Moçambique (600 soldados), Iêmen do Sul (500 soldados) e Nicarágua (500 soldados e 3 mil funcionários civis). Os cubanos também enviaram militares para a Síria em 1973, durante a Guerra do Yom Kippur, e uma equipe de 30 oficiais e engenheiros, munidos de 10 escavadeiras para fortificar a linha Ho Chi Minh no Vietnã e Camboja nos anos 1970. Conselheiros cubanos também ordenaram a tomada de Kolwezi pelos guerrilheiros Tigres em 1978.

Carlos Eugênio da Paz "Clemente" mencionando
a oferta do General Ochoa


Segundo o líder guerrilheiro brasileiro da ALN, Carlos Eugênio da Paz (codinome Clemente), o próprio General Arnaldo Ochoa, futuro comandante do "Exército Ocidental" em Havana, ofereceu em 1973 o contingente de 100 soldados cubanos que entrariam no país pela Amazônia e criariam um foco inicial de guerrilha na selva, internacionalizando o conflito que na época já existia sendo feito por brasileiros - a Guerrilha do Araguaia - mas nesse momento já em fase de aniquilamento. Essa oferta foi rejeitada por serem hispânicos e não brasileiros, o que colocaria em dúvida a real liderança da campanha.

O General Ochoa

O General Arnaldo Ochoa (centro) em Angola.

O General Ochoa foi um veterano da guerrilha Movimento 26 de Julho e da Batalha da Baía dos Porcos em 1961. Em 1965, Ochoa entrou no Partido Comunista Cubano, depois estudou na escola militar de Matanzas, em Cuba, e em seguida na Academia Militar de Frunze, na União Soviética. Em 1966, Ochoa desembarcou em Falcón, na Venezuela, com 15 guerrilheiros cubanos apoiando comunistas venezuelanos; a campanha sendo esmagada de forma sangrenta pelo governo de Caracas. Em 1967-68, Ochoa treinou rebeldes congoleses.

Em 1975, Ochoa foi enviado para Angola para lutar contra o FNLA em Luanda, onde recebeu o reconhecimento dos comandantes soviéticos e cubanos. Em 1977 foi nomeado comandante das Forças Expedicionárias Cubanas na Etiópia no Ogaden, sob o general soviético Vasiliy Ivanovich Petrov. Seus sucessos durante a Guerra do Ogaden impressionaram os comandantes soviéticos em campanha.

Em 1980, Ochoa era amplamente considerado um grande internacionalista e recebeu o título de Herói da República de Cuba de Fidel Castro em 1984.

Operación Carlota: Pasajes de una epopeya.

Sendo o comandante das forças cubanas em Angola, e depois da Batalha de Cuito Cuanavale, Ochoa foi acusado de corrupção e traição junto de outros oficiais. As acusações, condenações e sentenças de morte foram extremamente desagradáveis para grande parte da população cubana, especialmente no caso de Arnaldo Ochoa, que era considerado pela maioria da população como um dos mais respeitados generais das forças armadas cubanas. Na madrugada de 13 de julho de 1989, Ochoa foi executado por um pelotão de fuzilamento na base militar "Tropas Especiales" em Baracoa, no oeste de Havana. Ele foi enterrado em uma sepultura sem marcação no Cemitério de Havana.

Uma das razões da execução foi a popularidade de Ochoa, que era o mais alto general cubano logo abaixo de Raúl Castro, então ministro da Defesa, e do próprio Fidel Castro.

Organização das FAR

As FAR também eram consideráveis, sendo a maior força latino-americana depois do Brasil. Isso se deveu à doutrina soviética de forças militares em massa divididas em funções de defesa, expedicionária e de controle interno; essa militarização maciça era alienígena à cultura cubana pré-revolução, e específica do novo sistema. Em 1990, o Exército cubano era assim composto:
  • 3 divisões blindadas,
  • 3 divisões mecanizadas,
  • 13 divisões de infantaria.
Exército Ocidental formava um corpo nas províncias de Pinar del Rio e Havana, o Exército Central formava um outro corpo em Matanzas e Las Villas e o Exército Oriental formava dois corpos em Camagüey e Oriente; a Isla de la Juventud (ex-Isla de Pinos) contava com uma divisão de infantaria.

Cada corpo continha 3 divisões, cada uma com três regimentos (2x batalhões), regimento de artilharia, batalhão de reconhecimento e unidades de serviço. Cada quartel-general do exército possuía uma divisão blindada e uma divisão mecanizada.

Divisão Blindada
  • 3 regimentos de tanques,
  • 1 regimento mecanizado,
  • 1 regimento de artilharia.
Divisão Mecanizada
  • 3 regimentos mecanizados (2x batalhões),
  • 1 regimento de tanques (3x batalhões),
  • 1 regimento de artilharia,
  • 1 regimento de reconhecimento mecanizado.
O exército ainda possuía robusta defesa anti-aérea com 26 regimentos AAe e brigadas de mísseis terra-ar, 8 regimentos de infantaria independentes, uma Brigada de Forças Especiais (2x batalhões) e uma Brigada Paraquedista. A Marinha tinha 12 mil homens, com um batalhão de fuzileiros navais com uniformes pretos copiados dos soviéticos; uma Força Aérea de 18.500 homens; tropas de segurança interna (estilo KGB) com 17 mil homens; 3.500 guardas de fronteira; e, em reserva, 1.200.000 homens e mulheres na Milícia Revolucionária, 100 mil na Juventude Trabalhista e 50 mil na Defesa Civil.

"O longo período de serviço militar (3 anos); forças armadas bem treinadas e eficientes; extensa experiência de combate na África e na Ásia; e uma força de reserva vigorosa, fazem de Cuba a maior potência militar do Caribe depois dos Estados Unidos."
- Caballero Jurado & Nigel Thomas, Central American Wars 1959-89, 1990, pg. 7.

Bibliografia recomendada:

Bush Wars: Africa 1960-2010.

Batalha Histórica de Quifangondo.

Leitura recomendada:





quinta-feira, 3 de junho de 2021

A estratégia do México


Por George Friedman, Stratfor, 21 de agosto de 2012.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 3 de junho de 2021.

Há alguns anos, escrevi sobre a possibilidade do México se tornar um Estado falido devido ao efeito dos cartéis sobre o país. O México pode ter chegado perto disso, mas se estabilizou e tomou um rumo diferente - de crescimento econômico impressionante em face à instabilidade.


Economia mexicana

A discussão da estratégia nacional normalmente começa com a questão da segurança nacional. Mas uma discussão sobre a estratégia do México deve começar com a economia. Isso porque o vizinho do México são os Estados Unidos, cujo poderio militar na América do Norte nega opções militares ao México que outras nações possam ter. Mas a proximidade com os Estados Unidos não nega as opções econômicas do México. Na verdade, embora os Estados Unidos superem o México do ponto de vista da segurança nacional, eles oferecem possibilidades de crescimento econômico.

O México é agora a 14ª maior economia do mundo, logo acima da Coreia do Sul e logo abaixo da Austrália. Seu produto interno bruto foi de US$ 1,16 trilhão em 2011. Ele cresceu 3,8% em 2011 e 5,5% em 2010. Antes de uma grande contração de 6,9% em 2009 após a crise de 2008, o PIB do México cresceu em média 3,3% nos cinco anos entre 2004 e 2008. Quando analisado em termos de paridade de poder de compra, uma medida do PIB em termos de poder de compra real, o México é a 11ª maior economia do mundo, logo atrás da França e da Itália. Também está previsto um crescimento um pouco abaixo de 4 por cento novamente este ano [2012], apesar da desaceleração das tendências econômicas globais, graças em parte ao aumento do consumo nos EUA.


O tamanho e o crescimento econômicos totais são extremamente importantes para o poder nacional total. Mas o México tem um único problema econômico profundo: de acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o México tem o segundo maior nível de desigualdade entre os países membros. Mais de 50% da população do México vive na pobreza e cerca de 14,9% de sua população vive em extrema pobreza, o que significa que têm dificuldade em garantir o necessário para a vida. Ao mesmo tempo, o México é o lar do homem mais rico do mundo, o magnata das telecomunicações Carlos Slim.

O México ficou em 62º lugar no PIB per capita em 2011; a China, por outro lado, ficou em 91º lugar. Ninguém contestaria que a China é uma potência nacional significativa. Poucos contestariam que a China sofre de instabilidade social. Isso significa que, em termos de avaliação do papel do México no sistema internacional, devemos olhar para os números agregados. Dados esses números, o México entrou nas fileiras das principais potências econômicas e está crescendo mais rapidamente do que as nações à sua frente. Quando olhamos para a distribuição da riqueza, a realidade interna é que, como a China, o México tem fraquezas profundas.

O principal problema estratégico para o México é o potencial de instabilidade interna impulsionada pela desigualdade. O norte e o centro do México têm o índice de desenvolvimento humano mais alto, quase no nível europeu, enquanto os estados montanhosos do extremo sul estão bem abaixo desse nível. A desigualdade mexicana é definida geograficamente, embora mesmo as regiões mais ricas tenham bolsões significativos de desigualdade. Devemos lembrar que esta não é uma desigualdade gradiente no estilo ocidental, mas uma desigualdade de penhasco, onde os pobres vivem vidas totalmente diferentes até mesmo da classe média.


O México está usando ferramentas clássicas para gerenciar esse problema. Como a pobreza impõe limites ao consumo doméstico, o México é um exportador. Exportou US$ 349,6 bilhões em 2011, o que significa que obtém pouco menos de 30% de seu PIB das exportações. Isso está um pouco acima do nível chinês e cria uma grave vulnerabilidade na economia do México, uma vez que se torna dependente do apetite de outros países por produtos mexicanos.

Isso é agravado pelo fato de que 78,5% das exportações do México vão para os Estados Unidos. Isso significa que 23,8% do PIB do México depende do apetite dos mercados americanos. Por outro lado, 48,8 por cento de suas importações vêm dos Estados Unidos, tornando-se uma relação assimétrica. Embora ambos os lados precisem das exportações, o México deve tê-las. Os Estados Unidos se beneficiam deles, mas não na mesma ordem.

Relações com os Estados Unidos


Isso leva ao segundo problema estratégico do México: seu relacionamento com os Estados Unidos. Quando olhamos para o início do século XIX, não estava claro se os Estados Unidos seriam a potência dominante na América do Norte. Os Estados Unidos eram um país pequeno e mal integrado que abrangia a Costa Leste. O México era muito mais desenvolvido, com um exército e uma economia mais substanciais. À primeira vista, o México deveria ser a potência dominante na América do Norte.

Mas o México teve dois problemas. O primeiro foi a instabilidade interna causada pelos fatores sociais que permanecem em vigor, ou seja, a enorme desigualdade de foco regional do México. A segunda foi que as terras ao norte da linha do Rio Grande (chamadas de Rio Bravo del Norte pelos mexicanos) eram pouco povoadas e difíceis de defender. O terreno entre o coração do México e os territórios do norte, do Texas à Califórnia, era difícil de alcançar pelo sul. O custo de manter uma força militar capaz de proteger essa área era proibitivo.

Do ponto de vista americano, o México - e particularmente a presença mexicana no Texas - representava uma ameaça estratégica aos interesses americanos. O desenvolvimento da Compra da Louisiana no celeiro dos Estados Unidos dependeu do sistema do rio Ohio-Mississippi-Missouri, que era navegável e o principal meio de exportação. O México, com sua fronteira no rio Sabine separando-o da Louisiana, foi posicionado para cortar o Mississippi. A necessidade estratégica de garantir acessos marítimos através do Caribe à vulnerável costa leste mexicana colocou o México em conflito direto com os interesses dos EUA.

Exército mexicano tomando de assalto o Alamo, 6 de março de 1836. A cena mostra a morte do líder texiano William B. Travis, comandante da guarnição americana.
(Angus McBride / Osprey Publishing)

A decisão do presidente dos Estados Unidos, Andrew Jackson, de enviar Sam Houston em uma missão secreta ao Texas para fomentar um levante de colonos americanos foi baseada em parte em sua obsessão por Nova Orleans e o rio Mississippi, pelo qual Jackson lutou em 1815. A insurreição no Texas foi combatida por um exército mexicano que se deslocou para o norte, para o Texas. O problema é que o exército mexicano, formado em grande parte pelos elementos mais pobres da sociedade mexicana do sul daquele país, teve que passar pelo deserto e pelas montanhas da região e sofrer com o frio extremo e com neve. Os soldados mexicanos chegaram exaustos a San Antonio e, embora derrotassem a guarnição ali, não foram capazes de derrotar a força em San Jacinto (perto da atual Houston) e eles próprios foram derrotados.

A região que separava o coração do Texas do México era uma barreira para o movimento militar que minava a capacidade do México de manter seu território ao norte. A fraqueza geográfica do México - esta região hostil juntamente com linhas costeiras longas e difíceis de defender e nenhuma marinha - estendia-se para o oeste até o Pacífico. Isso criou uma fronteira que tinha duas características. Tinha pouco valor econômico e era inerentemente difícil de policiar devido ao terreno. Ele separou os dois países, mas se tornou um ponto de atrito de baixo nível ao longo da história, com contrabando e banditismo de ambos os lados em vários momentos. Era uma fronteira perfeita no sentido de que criava um tampão, mas era um problema contínuo porque não podia ser facilmente controlada.

O problema geográfico do México


A derrota no Texas e durante a Guerra Mexicano-Americana custou ao México seus territórios do norte. Isso criou um problema político permanente entre os dois países, que o México não conseguiu remediar com eficácia. A derrota nas guerras continuou a desestabilizar o México. Embora os territórios do norte não fossem centrais para os interesses nacionais do México, sua perda criou uma crise de confiança em regimes sucessivos que irritou ainda mais o problema social central da desigualdade maciça. Durante o último século e meio, o México viveu com um complexo de inferioridade e ressentimento em relação aos Estados Unidos.

A guerra criou outra realidade entre os dois países: uma fronteira que era uma entidade única, parte de ambos os países e parte de nenhum deles. A geografia da fronteira derrotou o exército mexicano. Agora se tornou uma fronteira que nenhum dos lados poderia controlar. Durante a agitação em torno da Revolução Mexicana, tornou-se um refúgio para figuras como Pancho Villa, perseguido pelo general americano John J. Pershing depois que Villa invadiu cidades americanas. Não seria justo chamá-lo de terra de ninguém. Era uma terra de todos, com regras próprias, frequentemente violentas, nunca suprimidas.

O tráfico de drogas substituiu o roubo de gado do século XIX, mas o princípio essencial permanece o mesmo. Cocaína, maconha e várias outras drogas estão sendo enviadas para os Estados Unidos. Todos são importados ou produzidos no México a baixo custo e depois reexportados ou exportados para os Estados Unidos. O preço nos Estados Unidos, onde os produtos são ilegais e muito procurados, é substancialmente mais alto do que no México. Isso significa que o diferencial de preço entre as drogas no México e nos Estados Unidos cria um mercado atraente. Isso normalmente acontece quando um país proíbe um produto amplamente desejado prontamente disponível em um país vizinho.


Isso cria um fluxo substancial de riqueza para o México, embora o tamanho exato desse fluxo seja difícil de avaliar. O valor exato do comércio internacional é incerto, mas um número freqüentemente usado é de US$ 40 bilhões por ano. Isso significaria que as vendas de narcóticos representam um acréscimo de 11,4% ao total das exportações. Mas isso subestima a importância dos narcóticos, porque as margens de lucro tenderiam a ser muito maiores nas drogas do que nos produtos industriais. Supondo que a margem de lucro das exportações legais seja de 10% (uma estimativa muito alta), as exportações legais gerariam cerca de US$ 35 bilhões por ano em lucros. Supondo que a margem sobre as drogas seja de 80%, o lucro com elas é de US$ 32 bilhões por ano, quase igualando os lucros das exportações legais.

Esses números são apenas palpites, é claro. A quantidade de dinheiro devolvida ao México em vez de mantida nos EUA ou em outros bancos é desconhecida. O valor exato do comércio é incerto e as margens de lucro são difíceis de calcular. O que se pode saber é que o comércio é provavelmente um estimulante não-oficial da economia mexicana, gerado pelo diferencial de preços criado pela proibição das drogas.

A vantagem para o México também cria um problema estratégico para o México. Dado o dinheiro em jogo e que o sistema legal é incapaz de suprimir ou regular o comércio, a região fronteiriça tornou-se novamente - talvez agora mais do que nunca - uma região de guerra contínua entre grupos que competem para controlar o movimento de narcóticos para os Estados Unidos. Em grande medida, os mexicanos perderam o controle dessa fronteira.


Do ponto de vista mexicano, esta é uma situação administrável. A região fronteiriça é distinta do coração do México. Contanto que a violência não oprima o coração, é tolerável. A entrada de dinheiro não ofende o governo mexicano. Mais precisamente, o governo mexicano tem recursos limitados para reprimir o comércio e a violência, e sua existência traz benefícios financeiros. A estratégia mexicana é tentar bloquear a propagação da ilegalidade no México propriamente dito, mas aceitar a ilegalidade em uma região que historicamente não tem lei.

A posição americana é exigir que os mexicanos enviem forças para reprimir o comércio. Mas nenhum dos lados tem força suficiente para controlar a fronteira, e a demanda é mais por gestos do que por ações ou ameaças significativas. Os mexicanos já enfraqueceram suas forças armadas ao tentar enfrentar o problema, mas não vão quebrar suas forças armadas tentando controlar uma região que os destruiu no passado. Os Estados Unidos não vão fornecer força suficiente para controlar a fronteira, pois o custo seria enorme. Cada um, portanto, viverá com a violência. Os mexicanos argumentam que o problema é que os Estados Unidos não podem suprimir a demanda e não querem destruir os incentivos baixando os preços por meio da legalização. Os americanos dizem que os mexicanos devem erradicar a corrupção entre as autoridades mexicanas e as forças de segurança. Ambos têm argumentos interessantes, mas nenhum deles tem nada a ver com a realidade. Controlar esse terreno é impossível com um esforço razoável e ninguém está preparado para fazer um esforço irracional.


Outro aspecto é a movimentação de migrantes. Para os mexicanos, o movimento de migrantes faz parte de sua política social: tira os pobres do México e gera remessas. Para os Estados Unidos, isso proporcionou uma fonte consistente de mão-de-obra de baixo custo. A fronteira tem sido o local incontrolável por onde passam os migrantes. Os mexicanos não querem impedir isso, e nem, no final das contas, os americanos.

A retórica do duelo entre os Estados Unidos e o México esconde os fatos subjacentes. O México é hoje uma das maiores economias do mundo e um importante parceiro econômico dos Estados Unidos. A desigualdade no relacionamento vem da desigualdade militar. As forças armadas dos EUA dominam a América do Norte e os mexicanos não estão em posição de desafiar isso. A região fronteiriça apresenta problemas e alguns benefícios para cada um, mas nenhum dos dois está em posição de controlar a região, independentemente da retórica.


O México ainda precisa lidar com seu problema central, que é manter sua estabilidade social interna. No entanto, está começando a desenvolver questões de política externa além dos Estados Unidos. Em particular, está desenvolvendo interesse em administrar a América Central, possivelmente em colaboração com a Colômbia. Sua finalidade, ironicamente, é o controle de imigrantes ilegais e o contrabando de drogas. Esses não são movimentos triviais. Não fosse pelos Estados Unidos, o México seria uma grande potência regional. Dado os Estados Unidos, o México deve administrar esse relacionamento antes de qualquer outro.

Dado o dramático crescimento econômico do México e com o tempo, essa equação mudará. Com o tempo, esperamos que haja duas potências significativas na América do Norte. Mas, no curto prazo, os problemas estratégicos tradicionais do México permanecem: como lidar com os Estados Unidos, como conter a fronteira setentrional e como manter a unidade nacional em face da potencial agitação social.


Bibliografia recomendada:

Latin American Wars:
The Age of the Caudillo 1791-1899.
Robert L. Scheina.

Latin American Wars:
The Age of the Professional Soldiers 1900-2001.
Robert L. Scheina.

Leitura recomendada:



FOTO: Guerrilheira Mascarada31 de março de 2020.



terça-feira, 11 de maio de 2021

Conheça os mercenários via correio da revista "Soldier of Fortune"

O Tenente-Coronel Robert K. Brown com a boina verde das Forças Especiais no Vietnã acompanhado de um amigo, por volta de 1969.

Por Lukas I. Alpert, Maxim, 24 de fevereiro de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de maio de 2021.

O Tenente-Coronel Robert K. Brown e sua infame revista "Soldado da Fortuna" há muito tempo têm a Segunda Emenda à vista.

Depois de perder seu 23º tiro consecutivo, o Tenente-Coronel Robert K. Brown está pronto para encerrar o dia.

"Ô merda, já basta", rosna o fundador da revista Soldier of Fortune enquanto coloca seu novo fuzil de precisão Ruger sobre a mesa. “Definitivamente não ganhei nenhum prêmio hoje”. Brown almeja uma silhueta de metal pintada de 1,8x3 metros de um búfalo branco a 1.123 metros de distância - uma distância maior do que o comprimento de 11 campos de futebol - mas continua circulando em torno do alvo conforme o vento muda.


Enquanto ajusta a aba do seu boné de beisebol vermelho e preto da Soldier of Fortune (Soldado da Fortuna) para frente em sua cabeça careca e se levanta, ele se vira para o grupo heterogêneo de cerca de uma dúzia de velhos amigos do Exército, ex-fantasmas (espiões) da CIA, colaboradores de revistas, e alguns fãs que se juntaram a ele para um fim de semana de tiro no Whittington Center, um campo de tiro de propriedade da Associação Nacional de Fuzis (National Rifle Association, NRA) no norte do Novo México, onde Brown serve como curador.

"Alguém mais quer tentar isso?"

Um a um, os membros do grupo se revezam mirando no búfalo branco, quase todos acertando o alvo nos primeiros tiros.

“Ei, Bob, você é o único administrador que ainda não acertou”, brinca um de seus amigos.

"Algum outro comentário, senhores?", Brown diz.

"Você quer comentários educados?"

"Então guarde para você."

Aos 83 anos de idade, o coronel parece um avô mal-humorado no início, usando óculos Ambervision, suspensórios temporários em ambos os joelhos, meias brancas puxadas até a metade das panturrilhas e aparelhos auditivos por ter vivido anos em torno de armamentos de alta potência. Mas ele não é um homem que se provoque. Pelas suas contas, ele já viu ação em mais de uma dúzia de conflitos ao redor do mundo e levou mais tiros do que consegue se lembrar. Com uma pistola presa ao cinto, cuja empunhadura personalizada é estampada com uma bandeira dos EUA e uma águia-careca (águia-de-cabeça-branca, símbolo nacional dos EUA), Brown continua a trabalhar em tempo integral.

O Tenente-Coronel Brown com o Batalhão Aerotransportado do Exército Salvadorenho, carregando um fuzil de precisão personalizado, em 1984.

Apelidado de “O Jornal dos Aventureiros Profissionais”, a Soldier of Fortune tem, desde 1975, narrado um mundo inconstante e sem barreiras de operações negras e mercenários que lutam contra o comunismo e o terrorismo. Seus repórteres operaram ao contrário da maioria, carregando armas junto com suas canetas e câmeras, escrevendo relatos em primeira pessoa em campos de batalha ao redor do mundo no que Brown gosta de chamar de “jornalismo participativo hardcore”.

“Nós criaríamos a história, encontraríamos muita ação e, em seguida, escreveríamos sobre ela para as páginas brilhantes de nossa revista bad-boy”, é como ele descreveu em suas memórias de 2013, I Am Soldier of Fortune: Dancing with Devils (Eu sou Soldado da Fortuna: Dançando com Demônios).


Em muitos casos, seus escritores eram realmente mercenários, e seis correspondentes da Soldier of Fortune foram mortos em ação ao longo dos anos, em lugares como Angola, Nicarágua, Birmânia (agora Mianmar) e Serra Leoa (onde diz a lenda que o corpo do repórter Robert C. MacKenzie foi comido por combatentes rebeldes).

A pequena reunião de fim de semana em Whittington substituiu efetivamente as convenções anuais da Soldier of Fortune que Brown manteve por duas décadas, que costumavam atrair ao deserto centenas de entusiastas de guerra vestidos de camuflagem para exibições de poder de fogo militar, armas, treinamento tático e, aparentemente, muita bebedeira. Brown diz que o mostruário exigia mais mão-de-obra do que sua reduzida equipe da revista poderia oferecer, então ele retirou o plugue alguns anos atrás, preferindo apenas passar o tempo com seus amigos íntimos.

Encarte com o convite para a primeira convenção da Soldier of Fortune, de 26 a 28 de setembro de 1980.

Vários membros de sua comitiva viajaram centenas, até milhares de quilômetros para se juntarem ao coronel no fim de semana. Alguns ele conheceu desde seus dias nas Forças Especiais no Vietnã, e outros ele conheceu em uma variedade de campos de batalha ao longo do caminho.

“A grande maioria das pessoas que conheço teve algum envolvimento, de uma forma ou de outra, com a revista. Alguns deles estiveram comigo na merda, outros eu conheço porque eles escreveram para nós, e há caras que conheci na luta pelos direitos sobre armas”, diz ele. “Eles são um grupo eclético.”

A edição de dezembro de 1982.

Embora muitos deles também se conheçam há anos, o elemento central da reunião é inegavelmente o coronel - frequentemente referido como RKB ou Maximus pelos amigos. Sua personalidade colorida chama a atenção e traz à tona uma mistura de admiração, respeito e afeto genuíno entre a "gangue de caras bonitos e rudes" ("gang of pretty gruff guys").

Talvez o amigo mais velho do grupo seja Robert Bernard, o médico do Exército que salvou a vida de Brown em 1969, quando ele foi gravemente ferido em um ataque de morteiro nas montanhas centrais do Vietnã. Conhecido como "Bac si" por seus amigos (que significa "médico" em vietnamita), o manso Bernard ainda mantém um olhar atento sobre a saúde do coronel.

“Ele nem sempre cuidou bem de si mesmo, então alguém tem que cuidar dele”, disse-me o homem de 77 anos. “Ele era o tipo de cara que você queria como comandante no Vietnã - ele realmente arriscava o pescoço pelas pessoas pelas quais estava encarregado - e é o tipo de cara que você deseja ter como amigo na vida. As coisas nunca são paradas com ele.”

Por 40 anos, Brown tem servido como uma figura inspiradora para um tipo específico de indivíduo diferenciado, seja lutando por uma causa ou por um preço, ou apenas procurando um pouco de aventuras em vários pontos quentes no mundo.

Distintivo de tecido da Soldier of Fortune.

Foi para caras como Bernard e sua geração que Brown inicialmente criou a Soldier of Fortune. Quando lançou a revista, esperava dar algo aos veteranos do Vietnã que voltavam para casa e se viam cuspidos e sendo chamados de "assassinos de bebês" pelos pacifistas anti-guerra.

“Muitos veteranos do Vietnã achavam que não recebiam o que mereciam, então eu queria promover o conceito de dar-lhes reconhecimento. Dissemos que nosso sangue era tão vermelho quanto qualquer pessoa que lutou na Primeira Guerra Mundial ou na Segunda Guerra Mundial ou na Coréia, mas esse não era o caso na sociedade da época”, diz Brown.

Mais tarde, o número de leitores se expandiu para incluir uma faixa mais ampla de aficionados por militaria, guerreiros frios e durões e uma boa parte dos jovens que mais tarde se juntariam às forças armadas inspirados pelos contos de coragem patriótica que leram em suas páginas.

“Foi a leitura da Soldier of Fortune, quando adolescente, que me inspirou a ingressar no Exército. Há muitos caras que vão te dizer isso”, diz Jerry Kraus, um agente de seguros de 50 anos do Colorado e editor de campo da Soldier of Fortune que se tornou uma espécie de braço direito do coronel e dirigiu de Boulder com ele para o fim de semana.

Brown diz que uma de suas lembranças mais queridas é uma cópia assinada do livro Sniper Americano de Chris Kyle, na qual o atirador (que foi morto em 2013) agradece a Brown pela dedicação por inspirá-lo a ingressar nas forças armadas.

Mas os problemas enfrentados pelas editoras impressas à medida que os leitores cada vez mais se mudam para a Internet, além da questão de como manter uma revista relevante que nasceu na época da Guerra Fria e é voltada principalmente para homens que há muito recebem pensão, começaram a pesar sobre Brown.

Anúncios da Soldier of Fortune por volta dos anos 1980 abrangiam uma gama de (no sentido horário a partir do topo) um pôster de uma pinup armada e zarabatanas via correio, para classificados de mercenários e chamadas para lutar no Afeganistão.

“Obviamente, não estamos nem perto de onde estávamos durante nosso apogeu na década de 1980, mas trazemos um pouco de dinheiro e cobrimos os custos”, diz ele. Ainda assim, Brown agora se vê tendo que fazer muito mais do trabalho, já que ele é reduzido a apenas um associado, dois editores em meio período e um diretor de arte contratado de um pico de cerca de 50 funcionários no início dos anos 1980.

Isso tornou difícil para ele sair pelo mundo e fazer o que ele mais gosta de fazer - lutar. "Sabe, eu simplesmente não tenho tempo. Costumávamos ter muitas pessoas dirigindo o lugar. É difícil fazer tudo isso com apenas algumas pessoas e ainda ter tempo para sair por aí. Posso tentar ir para a Ucrânia ou o Curdistão em breve. Ainda tenho bons contatos nos dois lugares”, afirma.

Apesar do papel fundamental que a Soldier of Fortune desempenhou em sua vida ("é uma extensão de mim tanto quanto a Playboy é para o cara que anda de pijama o tempo todo"), Brown diz que tem negociado para trazer mais jovens parceiros ou até mesmo vender a revista.

Por 40 anos, Brown tem servido como uma figura inspiradora para um tipo específico de indivíduo diferenciado, seja lutando por uma causa ou por um preço, ou apenas procurando um pouco de aventuras em vários pontos quentes no mundo. Mas, com o passar do tempo e o mundo mudou, o coronel é o primeiro a admitir que o ethos agressivo da revista pode não ter o mesmo impacto hoje.

“Os veteranos do Vietnã envelheceram e penduraram a espada. Alguns morreram. A era Rambo - o que quer que tenha sido essa fase amorfa - não existe mais. Quem sabe o que era, mas havia algo lá. Claro, a Guerra Fria acabou e garantimos que temos a Guerra ao Terrorismo, mas não é a mesma coisa”, afirma. “Nunca seríamos capazes de fazer agora o que éramos capazes de fazer naquela época.”

Edição com matéria dedicada à Legião Estrangeira Francesa.

Em seus primeiros anos, a Soldier of Fortune publicou regularmente anúncios de recrutamento de página inteira para mercenários dispostos a lutar com o governo de supremacia branca da Rodésia contra guerrilheiros negros apoiados pelos comunistas. Isso levou alguns membros do Congresso a pedirem que a revista fosse investigada por possivelmente violar a Lei de Neutralidade (a revista acabou sendo inocentada de qualquer delito).

Editorialmente, a revista se concentrava fortemente em histórias de guerra e despachos em primeira pessoa, com correspondentes saindo para lutar e escrever sobre guerras nos cantos mais distantes do globo. As edições da década de 1970 apresentavam relatórios regulares sobre a situação em lugares como a Rodésia e Angola. No decorrer da década de 1980, o foco mudou para as guerras sangrentas da América Central e a luta entre os mujahideen e o exército soviético no Afeganistão. Na década de 1990, o foco tornou-se cada vez mais doméstico, com um ataque de artigos pró-Segunda Emenda que criticavam o governo Clinton e seus esforços de controle de armas. Na década seguinte, a revista voltou-se para contos da Guerra ao Terror e sobre os esforços para controlar as fronteiras dos Estados Unidos da América.

Embora seja inflexivelmente pró-militar e pró-polícia, a revista também suspeita profundamente dos exageros do governo, o que também a tornou popular entre os tipos antigovernamentais (o responsável pelo ataque à bomba de Oklahoma City Timothy McVeigh era assinante).

A revista continua a se concentrar em temas semelhantes, mas os artigos do campo de batalha agora são escritos com menos frequência pelo grupo improvisado de combatentes-jornalistas que separou a revista das demais anos atrás. A edição de junho trazia uma longa história sobre mercenários sul-africanos ("mercs" no jargão da Soldier of Fortune) que estavam indo para a Nigéria para lutar contra os combatentes islâmicos radicais do Boko Haram, mas o artigo foi reproduzido de um site que publica artigos acadêmicos. Um relato em primeira pessoa sobre a incorporação de combatentes curdos Peshmerga lutando contra o ISIS no Iraque foi reproduzido de um site político conservador.

Edição celebrando o filme "Rambo 2: A Missão" e a "revanche" dos veteranos do Vietnã.

No seu auge, a revista vendia cerca de 150.000 exemplares nas bancas a cada mês (a edição mais vendida, com 182.000 exemplares, foi a edição de junho de 1985, cuja capa apresentava uma foto de Sylvester Stallone sem camisa disparando uma metralhadora M60 do filme Rambo 2: A Missão). As vendas têm variado muito ao longo dos anos, geralmente apresentando picos quando os EUA entram em guerra. Brown diz que sempre foi difícil ter uma noção exata de quantas pessoas liam a revista, porque um único exemplar pode ser distribuído dentro de um pelotão inteiro. Ele se recusa a discutir a circulação atual e a revista não é auditada de forma independente. Ele reconhece ser "analfabeto tecnologicamente", mas diz que tem conseguido ajuda para melhorar o site antiquado da Soldier of Fortune e sua presença nas redes sociais.

“Minha amiga é quem melhor conhece o que se passa no Facebook e no site. Tivemos muitas experiências ruins com pessoas nos ajudando a tentar construir o site, e todas elas acabaram sendo inferiores ou incompetentes”, diz ele. "Temos crescido online. No Facebook, agora temos mais de 850.000 curtidas."

"A revista é Bob, e Bob é a revista. Nunca seria a mesma coisa sem ele."

Soldier of Fortune, chamado de "obra-pima" em resenha.
(Arte de Dakota Lee)

O licenciamento também se mostrou lucrativo ao longo dos anos, com o nome da revista sendo usado para uma série de vídeo games de sucesso, um programa de televisão de curta duração e uma série de romances com temas militares.

Trailer do jogo Soldier of Fortune (2000)


O jogo foi aclamado pela qualidade da violência, com desmembramentos e muito sangue, além da história e personagens - que incluía até mesmo o Saddam Hussein (abaixo, à esquerda).

Talvez a mudança mais clara tenha sido a publicidade. No início, a Soldier of Fortune apresentava dezenas de listas classificadas de mercenários de aluguel itinerantes. Eram comuns anúncios como “Ex-fuzileiro naval busca emprego como mercenário, em tempo integral ou com contrato de trabalho. Preferência pela América do Sul ou Central, mas todas as ofertas são consideradas”. Na década de 1980 e no início dos anos 90, a revista passou anos lutando contra vários processos judiciais multimilionários movidos por famílias de pessoas alvejadas ou mortas por pistoleiros contratados por meio de suas páginas. Todos foram resolvidos ou tiveram seus enormes prêmios do júri anulados na apelação.

“Eles realmente processaram a revista, não os casos. Dois caras se conhecem por meio da revista, mantêm uma relação amigável há seis meses, não conversam sobre nada ilegal. Mas então, seis meses depois, eles concordam em cometer esse crime horrendo. Bem, se eles se encontrarem em um bar e seis meses depois disserem: 'Vamos roubar um banco', o barman deve ser responsabilizado? Foi uma porcaria total”, diz ele.

Apesar de tudo, a revista parou de receber esse tipo de anúncio em 1985. Mas seus classificados continuaram a oferecer de tudo, desde estrelas shuriken e bastões nunchakus a pôsteres de G. Gordon Liddy segurando uma Uzi. Os anúncios agora tendem a ser mais parecidos com o que se espera de qualquer revista de armas, marketing de revólveres, fuzis, roupas de caça e acessórios para armas. No início da década de 1980, a revista regularmente chegava a 110 páginas. Em meados da década de 2000, havia caído para 82. Nos últimos anos, o número diminuiu para 64.

“Isso nunca foi apenas um empreendimento lucrativo para mim”, diz Brown. “Se tivesse sido, eu teria feito muito mais.”

Classificado oferecendo 100 mil dólares para o primeiro piloto comunista que desertasse com um avião de capacidade química ou biológica.

Com o passar dos anos, o coronel rotineiramente investiu sua generosidade no financiamento de qualquer missão que a revista tivesse embarcado. Ele diz que pessoalmente gastou mais de US $ 300.000 em esforços de apoio para caçar prisioneiros de guerra que ele e muitos de seus leitores acreditavam terem sido deixados para trás após a Guerra do Vietnã. “E isso foi há 30 anos”, observa ele. A revista regularmente anunciava recompensas valiosas para qualquer um que quisesse entregar a prova de que os vietnamitas haviam usado armas químicas ou para pilotos nicaraguenses prontos para entregar um helicóptero intacto de construção soviética.

A revista também ajudou a arrecadar dinheiro para os combatentes mujahideen que anos depois se transformaram no Talibã e ajudou a dar origem a Osama bin Laden e à al-Qaeda. Brown disse que, com base nas informações que tinha na época, ele sentiu que tomou a decisão certa.

Propaganda para um fundo aos mujahideen afegãos lutando contra os soviéticos.

Mesmo que a revista não tenha mais o alcance cultural de antes, os amigos de Brown se preocupam com o fato do coronel não estar mais envolvido.

“A revista é Bob e Bob é a revista. Nunca seria a mesma coisa sem ele”, diz Gordon Hutchinson, um instrutor de armas de fogo e autor proveniente de Baton Rouge, na Louisiana, que conhece o coronel há uma década. “Nós nunca seríamos os mesmos sem ele. Isso é inaceitável.”

Depois de um longo dia atirando em fuzis de longo alcance, escopeta, armas semiautomáticas e um fuzil de precisão da época da Guerra Civil, chamado de "the heavy" ("o pesado"), o coronel sugere que o grupo dirija 30 milhas até Cimarron, Novo México, para jantar no St. James Hotel, de 144 anos. Repleto de história do Velho Oeste, o hotel já foi um ponto de parada regular para bandidos como Jesse James e o homem da lei Wyatt Earp.

Para aqueles que não o conhecem bem, é fácil presumir que Brown é um octogenário de postura que nunca superou a obsessão adolescente por grandes brinquedos que explodem. Mas enquanto ele mantém a corte na mesa de jantar, ele revela um lado mais sutilmente carismático, flertando inocentemente com a garçonete e a anfitriã e chamando a atenção de todos os que estão ao redor.

“Bob é um daqueles caras que, quando entra em uma sala, todo mundo meio que se vira. Ele tirará o boné para uma senhora. Ele é quase europeu em sua cortesia e maneiras, como um verdadeiro oficial e um cavalheiro”, diz Hutchinson. “Você não encontra muitas pessoas assim.”

Brown (à direita, a cavalo) na Soldier of Fortune com a equipe de veteranos que treinou a unidade de operações especiais dos Contras.

Brown é profundamente conservador, mas diz que geralmente não gosta de falar sobre política, embora quando o assunto sobre o candidato republicano Donald Trump seja mencionado, ele expresse rapidamente sua opinião.

“Trump é uma porra de pesadelo, e acho que seria terrível se ele escorregasse pra dentro. Só temo que ele vá puxar um Ross Perot para nós e concorrer como candidato de um terceiro partido, o que simplesmente entregará o páreo à [Hillary] Clinton. Isso me daria uma porra de um derrame."

Na década de 1990, a revista despejou muita tinta nas críticas a Bill Clinton, apresentando uma coluna regular chamada “Slick Willie Watch” ("Observatório do Willie Escorregadio").

A certa altura da noite, o coronel me puxa de lado para ter certeza de que vejo os buracos de bala que perfuram o teto de zinco do saloon do restaurante, as marcas indeléveis de mais do que alguns tiroteios bêbados do Velho Oeste.

“É difícil encontrar esse tipo de história viva”, diz ele. “Eu realmente não bebo mais. Acredite em mim, eu já bebi o suficiente para uma vida inteira." Mesmo assim, o coronel fez questão de deixar a arma no carro.

Brown me disse que é casado e tem filhos dos quais está afastado, mas que não quer falar sobre eles. "Eu simplesmente não vou lá."

100ª edição da Soldier of Fortune.
Tiragem especial de 148 páginas.

Quando o coronel vai pagar a conta, descobre que ela, junto com as contas do jantar de vários veteranos do grupo, já foi paga por Bruce Roberts, fã da revista proveniente da Dakota do Norte. Um guarda de segurança privada de uma instalação de gás com uma semelhança incrível com o músico country Charlie Daniels, Roberts nunca conheceu Brown antes deste fim de semana, mas se deu bem com ele quando eles se corresponderam sobre a compra de um livro de história militar de sua coleção.

“É simplesmente uma honra estar perto dele. Ele é realmente uma lenda. Eu li a revista quando era adolescente e sinto que conheço todos esses caras. É incrível conhecê-los”, diz ele.

Soldier of Fortune: Payback (2007).
O terceiro da série.

O cenário já é mais "atual", com miras avançadas e terroristas islâmicos.

Depois que a festa acaba, Brown volta ao meu carro para pegar sua arma, já que planeja voltar com outra pessoa. Ao sair, Brown passa o braço pelos ombros de Harry Claflin, um amigo de longa data que passou muitos anos na década de 1980 treinando tropas do governo em El Salvador em sua guerra contra os rebeldes comunistas.

"Obrigado, amigo, por ter vindo se divertir - não haverá muitos mais desses. Você sabe, a vida é uma merda e daí você morre."

Na manhã seguinte, Brown tenta reunir todos para uma foto de grupo antes de disparar uma rodada de trap shooting (modalidade de tiro).

“É como pastorear de gatos!” ele grita enquanto o grupo circula.

Depois que todos se alinham com suas escopetas, Brown sugere que eles segurem uma bala com a mão livre de uma forma que pareça que estão mostrando o dedo do meio para a câmera.

"Isso mesmo. The Wild Bunch cavalga de novo”, diz ele, referindo-se ao clássico faroeste de 1969 (Meu Ódio Será Sua Herança / The Wild Bunch), que é seu filme favorito.

Brown, que faz parte do conselho de diretores da NRA há três décadas, então sai para uma reunião de negócios.

“Vocês, rapazes, estão sozinhos. Divirtam-se atirando.”

Talvez a capa mais famosa da Soldier of Fortune, a edição de setembro de 1978 mostra reservistas rodesianos em patrulha com os seus distintos shorts e fuzis FAL.

Brown diz que teve a ideia para a revista enquanto viajava pela Rodésia (atual Zimbábue) quando ela estava sob o governo branco e recrutava mercenários para lutar contra as forças guerrilheiras negras.

Ele foi informado de que vários dos combatentes estavam indo para Omã depois de suas viagens para reprimir uma insurreição. Por curiosidade, Brown escreveu ao ministério da defesa de Omã, que lhe enviou um contrato. Em vez de se inscrever, Brown publicou anúncios em revistas de armas: “Quer ser mercenário no Oriente Médio? Envie $5.” Em troca, ele enviaria o contrato.

“Recebi muitas respostas”, diz Brown. "A Newsweek descobriu isso e fez um artigo sobre meu anúncio, e ele simplesmente disparou. Eu estava recebendo respostas de pessoas em Bangladesh, Grécia - 'Estive no exército na Turquia por cinco anos; quero ser um mercenário. 'Eu percebi que estava no caminho certo.”

Com o dinheiro, nasceu a Soldier of Fortune.

Placa da Soldier of Fortune presenteada ao Tenente-Coronel Domingo Monterrosa, do Batalhão Atlacatl, no Museu Nacional de História no quartel de El Zapote, em El Salvador. O seu batalhão foi responsável pelo massacre de mais de 800 civis desarmados em El Mozote, em 1981.

Mas são caras como Claflin, que trabalhou com gente como Oliver North na luta contra o comunismo na América Central, que deram origem a teorias de que as origens da revista podem ter sido menos orgânicas.

Em um artigo de 1984 na Covert Action Information Bulletin, o escritor polêmico esquerdista Ward Churchill argumentou que a Soldier of Fortune era na verdade uma elaborada frente da CIA voltada para organizar soldados particulares para lutar nas batalhas dos EUA no período após a Guerra do Vietnã, pois enviar tropas americanas no exterior era politicamente problemático. Churchill observou que, durante anos antes do lançamento da revista, Brown regularmente se via em meio a situações em que a CIA desempenhava um papel. Churchill também apontou para o fato de que muitos dos redatores da revista há muito eram suspeitos de terem vínculos com a comunidade de inteligência. Brown tem duas palavras para a teoria de Churchill: "Besteira total".

O que não é besteira é que a necessidade de soldados altamente treinados, mas subempregados, fazerem propaganda de seus produtos ou de outra forma baterem arbustos para encontrarem bicos diminuiu nos últimos anos, à medida que o processo se tornou mais corporativo. Governos e empresas que trabalham em partes problemáticas do mundo agora podem simplesmente recorrer a grandes firmas de segurança privada, como a empresa outrora conhecida como Blackwater, que têm listas desses homens à mão. Além disso, após o colapso da União Soviética, o mercado foi inundado por dezenas de combatentes bem-treinados com pouco para fazer. Isso, junto com o envelhecimento dos leitores da revista, resultou em um público que talvez seja mais um jogador de poltrona do que um combatente ativo.

Edição de agosto de 1984.
Um dos artigos em destaque mencionando combates entre os tailandeses e os vietnamitas.

Brown tem concentrado cada vez mais sua energia nos últimos anos na luta pelos direitos sobre armas, e a revista às vezes se parece mais com um palanque da NRA do que com uma crítica militar pura. Mesmo assim, ele diz aos amigos que ainda tem muita luta pela frente.

“Quando vi o coronel pela última vez, ele me disse: 'Sabe, acho que ainda tenho mais uma guerra boa em mim'”, lembra Hutchinson. “Eu apenas olhei para ele e disse: 'Bob, você está louco? Você já esteve em todas as escaramuças, grandes e pequenas, incluindo algumas realmente estúpidas, até a época da Coreia. Por que você não dá um descanso?' Mas, honestamente, acho que o dia em que ele desistir é o dia em que ele morrerá."

Quando as festividades do fim de semana terminam e todos estão se preparando para a longa viagem de volta para casa, Brown me diz que não importa o que aconteça, ele não está preocupado.

Você sempre permanecerá relevante, contanto que possa disparar uma arma.”

Lukas I. Alpert é repórter de mídia do Wall Street Journal, ex-correspondente em Moscou e autor do livro Kremlin Speak: Inside Putin's Propaganda Factory (O Kremlin fala: por dentro da fábrica de propaganda de Putin).

Entrevista com Tenente-Coronel Robert K. Brown da revista Soldier of Fortune:


Bibliografia recomendada:

Cães de Guerra.
Frederick Forsyth.

Leitura recomendada:






Os Boinas Verdes do Lodge Act, 18 de agosto de 2020.