Do blog Theatrum Belli, 19 de maio de 2021.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de maio de 2021.
Na quarta-feira, 17 de maio de 1978, por volta das 10 horas da manhã, o telefone tocou no gabinete do Coronel Philippe Erulin, comandante do 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas (2e Régiment Étranger de Parachutistes, 2e REP), cujo quartel está localizado no Camp Raffali, na Córsega:
- Aqui, General Liron, da 2ª Brigada Paraquedista; seu regimento entra em alerta "às seis horas".
O prazo é muito curto. Levaria pelo menos três vezes mais tempo para reunir legionários e oficiais, dispersos em diferentes etapas do continente ou deslocados em manobras nas montanhas da Córsega.
Porém, para Philippe Erulin, a palavra "impossível" não existe. Depois de ter servido como tenente durante os anos mais difíceis da guerra da Argélia, aqui está ele à frente do regimento mais prestigioso de todo o exército francês, este 2º Regimento Estrangeiro de Paraquedistas, denominado 2e REP, ou simplesmente REP, desde que é o único do gênero, tendo o 1er REP sido dissolvido após o “putsch" (golpe) dos generais de Argel em abril de 1961, e nunca mais reconstituído.
A comunicação telefônica do General Liron significa para o REP o início de uma aventura que culminará, dois dias depois, num salto operacional no próprio coração da África negra, nesta província do Zaire (ex-Congo Belga) hoje conhecida como Shaba e que entrou para a história militar em 1960, quando ainda tinha o nome de Katanga.
Homens excepcionais a serviço da França
Nesta bela manhã de primavera da Córsega, o Coronel Erulin imediatamente colocou seu regimento em alerta. Não existem duas unidades como a dele na França. Os homens do REP são diferentes de outros paraquedistas, assim como são de outros legionários; eles somam as qualidades desses dois corpos de elite. Podemos até dizer que os multiplicam. Durante seu engajamento, uma seleção implacável permite identificar o melhor daqueles que estão dispostos a dar cinco anos de sua vida e, se necessário, sua própria vida, à bandeira verde e vermelha da Legião, sua nova pátria. Vindos de todas as nações e de todas as classes sociais, todos esses homens têm em comum a juventude, a força, o gosto pelo risco e, acima de tudo, essa vontade prodigiosa de lutar sem a qual não haveria tropas de elite. Profissionais do combate, eles são soldados profissionais tanto quanto soldados da fortuna.
Desde o fim das guerras coloniais na Indochina e na Argélia, o REP passou por profundas mudanças em sua estrutura. O brevê paraquedista não é mais um fim em si mesmo; é uma porta aberta para outras especialidades que exigem as mesmas qualidades viris. Uma geração de quadros que só conheceu os conflitos em tempos de paz, como os do Chade ou do Líbano, agora está ávida por novas técnicas militares. As especialidades mais inusitadas tornam-se uma paixão, rapidamente partilhada por todos num entusiasmo comum. O REP, com um efetivo de mil homens, inclui uma companhia de comando e cinco companhias de combate. Cada um deles é especializado ao mais alto grau. O primeiro, treinado em combate contra os tanques de guerra, afirma que nenhuma blindagem pode resistir a ele; a segunda é uma unidade de montanha, familiarizada com rochedos e neve, no inverno e no verão; o terceiro, uma companhia anfíbia, treina nadadores de combate e pode desembarcar em qualquer margem; a quarta reúne atiradores de precisão e especialistas em sabotagem. Quanto à companhia de apoio, ela inclui uma seção de mísseis MILAN, uma seção de morteiros e, sobretudo, uma seção de esclarecimento e reconhecimento (section d’éclairage et de reconnaissance, SER), na qual todos os legionários e oficiais são capazes de lançarem-se em queda livre e caindo do céu, com absoluta precisão, em qualquer objetivo operacional. Esta é a unidade que saltará sobre Kolwezi em 19 de maio de 1978.
Mas o que está acontecendo em Kolwezi?
Os "Tigres" em Kolwezi
Esta cidade, totalmente ligada à atividade da empresa Gécamines, que extrai cobre e diamantes, é uma das zonas mais sensíveis de África. A riqueza do subsolo, o afastamento da capital - Kinshasa dista cerca de 1.500 km -, antigas tendências tribais separatistas, tudo isto facilita a tentativa de desintegração do estado zairense liderado desde a ex-província portuguesa de Angola os exilados katangeses, os militantes da Frente Nacional de Libertação do Congo (Front national de libération du Congo, FLNC), hostil ao Presidente Mobutu, os "conselheiros" cubanos, cerca de vinte mil, e alguns agentes soviéticos determinados a empurrarem um novo peão no tabuleiro de xadrez africano.
No ano anterior, em 1977, uma invasão katangese já havia sido repelida pelas forças armadas do Zaire (Forces Armées du Zaïre, FAZ), e o próprio Presidente Mobutu liderou o combate, que logo se tornou lendário, em Kamanyola em 12 de junho de 1964.
O alerta parece ter passado, mas apesar da aparente calma, a preocupação permanece. 3.000 europeus vivem em Kolwezi. São principalmente famílias de franceses e belgas que trabalham, na sua maior parte, em Gécamines.
No sábado, 13 de maio, véspera do feriado de Pentecostes, a cidade foi repentinamente invadida por soldados em uniformes camuflados que lutaram contra os soldados das FAZ, rapidamente forçados a recuar em alguns pontos de apoio que logo foram cercados. Os atacantes são do FLNC e muitos têm 15 anos. Ostentando um distintivo adornado com um tigre de prata, eles estão fortemente armados, geralmente com fuzis de assalto Kalashnikov soviéticos.
Assim que eles chegam em Kolwezi, a pólvora fala. Esses katangeses massacram os homens das FAZ que caem em suas mãos e prendem europeus, imediatamente acusados de serem mercenários. Muito rapidamente, a atmosfera fica tensa. Os civis estão enfurnados em suas casas, esperando o pior. Nada pode desencadear o massacre de todos esses brancos, agora considerados reféns pelos 4.000 tigres do Major Mufu.
Em Kinshasa, o presidente Mobutu está tentando minimizar os eventos em Kolwezi. Ele prepara a resposta com seu chefe de gabinete, General Ba-Bia, e convoca os embaixadores, o mais ciente deles é sem dúvida o representante da França, Sr. André Ross.
O chefe de estado zairense estabelece contato telefônico com o presidente francês, Valéry Giscard d'Estaing. Mesmo que queira resolver o caso sozinho, Mobutu não pode descartar a possibilidade de intervenção militar estrangeira para salvar seu poder pessoal e a unidade da nação zairense. A ameaça soviético-cubana torna-se um argumento decisivo em seu apelo por ajuda ocidental.
Sem mais delongas, o adido militar em Kinshasa, Coronel Larzul, e o chefe da missão de assistência militar francesa, Coronel Gras, começaram a trabalhar para preparar, "em qualquer caso", um plano de intervenção aerotransportada em Kolwezi. Sem dúvida, seria desejável que outras potências interviessem. Mas todos eles estão relutantes, incluindo os belgas, muitos de cujos nacionais estão ameaçados em Kolwezi.
Na cidade entregue às exações dos Tigres, a situação piorou no dia 15 de maio e piorou no dia 16. Naquele dia, às 10h, uma companhia de paraquedistas zairenses foi lançada nos arredores de Kolwezi. É um fracasso sangrento. Os Tigres espalham o boato de que são paras europeus e anunciam represálias. De fato, os massacres começam. Aleatoriamente. Os soldados da FLNC estão bêbados de álcool e viciados em cânhamo. Enlouquecidos de raiva, eles atiram em qualquer um que considerem suspeito, seja preto ou branco. Uma segunda companhia de paraquedistas zairenses, com o Capitão Malule, salta em Lubumbashi, a sudeste de Kolwezi, e avança pela estrada em direção à cidade investida; esses fiéis a Mobutu conseguem dominar o campo de aviação, mas não avançam. O ataque deles aumenta a fúria dos novos mestres de Kolwezi em dez vezes. Os massacres se amplificam.
Em 17 de maio, a intervenção francesa foi decidida. O REP foi colocado em alerta em Calvi, enquanto o presidente Mobutu corajosamente foi ao campo de aviação de Kolwezi, completamente libertado pelos paraquedistas de Malule. Reforços poderiam ser pousados lá, mas fica a 5km fora da cidade e todos os reféns provavelmente seriam massacrados antes que seus salvadores chegassem a pé. A única solução possível é, portanto, "saltar no formigueiro", na periferia imediata da cidade. Duas zonas de lançamento são planejadas: uma ao norte da cidade velha e outra a leste da cidade nova, nas imediações dos primeiros assentamentos de Kolwezi.
Um salto no desconhecido
Legionários saltando em Kolwezi. |
Na noite de 17 para 18 de maio, os legionários paraquedistas deixaram seu acantonamento de caminhão e chegaram ao aeroporto em uma viagem de três horas na montanha, onde embarcariam no DC-8. O General Lacaza, comandante da 11ª Divisão Paraquedista, anunciou então ao Coronel Erulin sua missão: O REP recebeu ordens de saltar sobre Kolwezi para resgatar os reféns e evitar mais massacres.
Os cinco jatos chegarão em ordem dispersa em Kinshasa. O Coronel Erulin é ali recebido pelo Coronel Ballade, encarregado da formação técnica dos paraquedistas zairenses. O coronel Gras se juntará a eles mais tarde. Um briefing ajuda a resolver os detalhes da operação aerotransportada.
No dia 19 de maio, às 7h, os paraquedistas do REP estavam prontos para embarcar. A Força Aérea Zairense deveria fornecer-lhes sete aeronaves. No final, haverá apenas cinco em condição de vôo: quatro Hercules C-130 e um Transall C-160.
Uma contra-ordem cancelou a operação, causando imensa decepção entre os legionários paraquedistas. Em seguida, uma segunda contra-ordem cancela a primeira: A operação ocorre! Embarquem nos aviões!
Nunca os homens do REP estiveram tão lotados. A viagem, que dura quase cinco horas, é exaustiva. A falta de aparelhos permitiu o transporte de apenas 500 paraquedistas; 250 outros paras passarão por Kamina e saltarão na segunda onda.
Eram exatamente 15h40 quando o lançamento da primeira aeronave deu a tão esperada ordem: Já!
Um homem se lança no vazio, imediatamente seguido por companheiros. 500 corolas brancas abrem no céu de Kolwezi. Para os reféns, o fim do pesadelo. O Coronel Erulin pousou no Círculo Hípico, onde imediatamente instalou seu posto de comando. As três companhias de combate que saltaram com ele já estão se reunindo e lançando o ataque. O importante é engajar os Tigres katangueses para colocá-los fora de ação o mais rápido possível.
A 3ª companhia do Capitão Gausserès corre para sudeste. Primeiro objetivo, o hotel Impala, posto de comando dos rebeldes. Os porões estão cheios de cadáveres de homens e mulheres massacrados, empilhados uns sobre os outros. Com o calor, os corpos já estão se decompondo e o cheiro é tal que alguns legionários passam mal. Por toda parte, sangue, detritos humanos, moscas zumbindo. Em seguida, a progressão recomeça nas ruas, onde os cães estão devorando os cadáveres. Mas os paraquedistas não têm tempo para pensar nesse show de terror. Tiros são disparados contra eles! Acima de suas cabeças, as balas estão assobiando constantemente.
O tiroteio estala. Os Tigres agarrados ao solo, apoiados por duas metralhadoras, devem ser neutralizados um após o outro. Esses veículos blindados serão destruídos muito rapidamente pelos legionários paras, que, cobertos pelos atiradores de precisão, agora avançam em direção ao subúrbio nativo de Manika. Conforme os homens do Coronel Erulin avançam, europeus aparecem das casas onde estavam escondidos; eles não podem acreditar que finalmente foram libertados.
A 1ª companhia do Capitão Poulet se dirige ao sul, cruzando a cidade velha em direção aos dois lagos que fazem fronteira com a área residencial. Lá, também, os homens do REP descobriram incontáveis cadáveres, a maioria deles africanos. Eles também estão apodrecendo e muitos já têm os olhos comidos por pássaros. O cheiro, mesmo ao ar livre, é insuportável.
No sudoeste, a 2ª companhia do Capitão Dubos avança em direção ao hospital, totalmente saqueado pelos rebeldes. Tiros e rajadas matraqueiam, enquanto os Tigres param após alguma resistência esporádica.
A segunda leva de aviões zairenses que chega de Kamina, carregando a 4ª Companhia do Capitão Grail, os morteiros do Tenente Veran e a seção de esclarecimento do Capitão Halbert, chega tarde demais em Kolwezi para ser lançada por largagem. Devendo passar a noite no aeroporto de Lubumbashi, enquanto os homens das outras três companhias multiplicam emboscadas e patrulhas.
O Coronel Erulin montou seu posto de comando no liceu francês Jean-XXIII e controla perfeitamente a situação em toda a cidade. Na alva de 20 de maio, ele enviará a SER ao Campo Forrest, a nordeste da cidade, e a 4ª Companhia em cordão a leste da cidade nova.
A operação do REP é um sucesso total.
Em seguida, surgem para-comandos belgas que decidem sobre a evacuação total de Kolwezi por civis europeus. Sua chegada inesperada causa alguns erros e até troca de tiros com os paraquedistas franceses. Felizmente, essas "rebarbas" não causam feridos.
No dia seguinte, o Coronel Erulin montará uma operação no assentamento Metal Shaba, onde os Tigres tentaram se reagrupar. Tudo se resolveria rapidamente e a região de Kolwezi parecia perfeitamente tranquila quando no dia seguinte, 21 de maio, chegou o presidente Mobutu, ladeado pelo embaixador francês André Rom.
Com caminhões requisitados no local, os legionários paraquedistas farão uma breve operação, no dia 22 de maio, em Kapata, a cerca de dez quilômetros de Kolwezi. E está acabado. Os rebeldes cruzaram a fronteira de Angola. 250 deles foram mortos. Os resultados são 1.000 armas recuperadas, incluindo 4 canhões sem recuo e 15 morteiros. Mais de 2.000 europeus foram salvos das mortes horríveis que atingiram mais de 130 civis, homens, mulheres e crianças brancos.
O REP teve 5 mortos e 20 feridos. Mas a operação em Kolwezi provou que os legionários paraquedistas são dignos de seu lema: More Majorum ("Segundo o costume dos Antigos").
Post-script: Troféus do 2e REP em Aubagne
Bandeira do Zaire presenteada ao regimento. (Foto do Tradutor) |
Insígnia Tigre capturada. (Foto do Tradutor) |
Estátua de cera de um legionário paraquedista com o equipamento da época. (Foto do Tradutor) |
Bibliografia recomendada:
La Légion saut sur Kolwezi. Pierre Sergent. |
French Foreign Legion Paratroops. Martin Windrow & Wayne Braby, e Kevin Lyles. |
Leitura recomendada:
GALERIA: Largagem paraquedista em Quang-Tri durante a Operação Camargue, 2 de outubro de 2020.
GALERIA: Bawouans em combate no Laos, 28 de março de 2020.
GALERIA: Operação Chaumière em Tay Ninh com o 1er BPVN, 16 de junho de 2020.
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