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terça-feira, 4 de maio de 2021

O segredo dos [in]sucessos árabes

Prisioneiros egípcios durante a Guerra dos Seis Dias, 1967.

Do site Strategy Page, 18 de maio de 2008.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de maio de 2008.

Por que os árabes perdem guerras contra não-árabes com tanta freqüência? Por que existem tantas atividades terroristas nas últimas décadas perpetradas por árabes? Por que as sociedades árabes são tão corruptas, mal instruídas e carecem de progresso econômico e científico? Apenas levantar essas questões é considerado não-diplomático, provocativo, e racista e por aí vai. Mas existe algo acontecendo.


Pegue, por exemplo, um item recente rolando na web. Parece que no último novembro, sete funcionários da companhia Abu Dabhi Aircraft Technologies (ADAT) estavam inspecionando um novo Airbus 340-600. Este é um avião de 4 motores, custando US$ 240 milhões. Pense nele como um “747 leve”. Ele estava sendo inspecionado antes de ser aceito, e entrega para a Etihad Airways em Abu Dabhi. Através de uma horrenda série de erros pelas pessoas nos controles, o avião taxiou em alta velocidade e bateu em uma barreira. O avião foi perda total e quatro pessoas a bordo se feriram. Nunca houve menção oficial da nacionalidade daqueles responsáveis pela perda do avião. Muitas pessoas presumem que eram árabes, embora a maioria dos empregos técnicos no Golfo Pérsico seja de residentes não-árabes. Este ainda é o caso sessenta anos depois que o dinheiro do petróleo começou a fluir. Com certeza houve tempo suficiente para que uma geração de engenheiros, técnicos e pilotos árabes fosse treinada. Existiram alguns, mas não o suficiente. Além disso, existem sérios problemas culturais entre árabes e tecnologia. Muitos residentes estrangeiros que trabalharam no Oriente Médio foram embora, exasperados com a falta de espírito das atitudes das pessoas que eles estão treinando ou supervisionando.

O Tenente-General Mike Hindmarsh, comandante da Guarda Presidencial emirática, um general do Exército Australiano com 33 anos de serviço.

Tropas americanas no Iraque têm experiências similares quando treinam, ou apenas trabalham junto dos iraquianos. O PR oficial mostra as experiências positivas, mas são as negativas que causam todos os problemas. Se você quiser se livrar de todos os problemas de lá, você precisa entender o que está havendo ou, mais incisivo, o que não está e por que não.

Prisioneiros egípcios capturados pelos franceses no Porto Fouad, novembro de 1956.

Muito foi escrito sobre o por quê dos exércitos árabes terem de forma tão uniforme perdido guerras contra não-árabes. Essas razões também explicam por que os países árabes, e muitos outros países de Terceiro Mundo da mesma forma, também têm problemas para estabelecer governos democráticos e economias prósperas. Muito disto tem a ver com cultura, especialmente cultura influenciada pelo Islã.

Algumas das razões desses fracassos são:

- A maioria dos países árabes são uma colcha de retalhos de diferentes tribos e grupos, e líderes árabes sobrevivem jogando um grupo contra o outro. Lealdade é com um grupo, não à nação. A maioria dos países é dominada por um único grupo que geralmente é a minoria (Beduínos na Jordânia, Alawitas na Síria, Sunitas no Iraque, Nejdis na Arábia Saudita). Tudo isso significa que oficiais são comissionados, não por mérito, mas por lealdade e afiliação tribal.

Escolas islâmicas favorecem a memorização escrita, especialmente de escrituras. A maioria dos acadêmicos islâmicos são hostis à idéia de interpretar o Corão (considerado a palavra de Deus dada ao Seu profeta Maomé). Isso resultou em olhares de desprezo para tropas ocidentais que apontam algo que eles não saibam. Árabes preferem fingir, e fazer de conta de que “está tudo em suas cabeças”. Improvisação e inovação geralmente são desencorajadas. Exércitos árabes seguem o manual, exércitos ocidentais re-escrevem o manual e, portanto, vencem, como de costume.

Prisioneiros egípcios capturados pelos israelenses nas cercanias de El-Arish, no Sinai, 1967.

- Não há corpo de praças de verdade. Oficiais e militares alistados são tratados como duas castas diferentes e não há esforço de diminuir essa brecha usando praças de carreira. Pessoal alistado é tratado com rispidez. Acidentes de treinamento que terminariam com a carreira de oficiais americanos são ocorrências comuns em exércitos árabes, e ninguém liga.

Oficiais são desprezados por suas tropas, e isso não incomoda os oficiais de forma alguma. Muitos oficiais árabes simplesmente não conseguem entender como tratar as tropas decentemente fará deles melhores soldados.

- A paranóia impede o treinamento adequado. Tiranos árabes insistem que suas unidades militares tenham pouco contato entre elas, garantindo dessa forma que nenhum general torne-se poderoso o suficiente para derrubá-lo. Unidades são impedidas, propositalmente, de trabalharem juntas ou treinarem em grande escala. Generais árabes não têm um conhecimento de suas forças tão amplo quanto seus pares ocidentais. Promoções são baseadas mais em confiança política do que profissionalismo em combate. Líderes árabes preferem ser temidos a serem respeitados por seus soldados. Essa abordagem leva a tropas com pouco treinamento e moral baixo. Alguns discursos inflamados sobre “A Irmandade Muçulmana” fazem pouco para consertar o estrago.

Prisioneiros iraquianos tomados pela Divisão Daguet sendo filmados na Arábia Saudita, fevereiro de 1991.


- Oficiais árabes com freqüência não têm confiança entre si. Enquanto um oficial de infantaria americano pode ser razoavelmente confiante que o oficial de artilharia conduzirá o seu bombardeio na hora e no alvo, oficiais de infantaria árabes duvidam seriamente que sua artilharia fará o seu trabalho na hora e no alvo. Esta é uma atitude fatal em combate.

Líderes militares árabes consideram aceitável mentir para subordinados e aliados para estender sua agenda pessoal. Isso teve conseqüências catastróficas durante todas as guerras árabe-israelenses e continua a tornar a paz difícil entre israelenses e palestinos. Quando questionados sobre esse comportamento, árabes dirão que foram “mal-compreendidos”.

Enquanto oficiais e praças americanos estão muito felizes em compartilhar seu conhecimento e habilidade com outros (ensinar é a maior expressão de prestígio), oficiais árabes tentam manter qualquer informação técnica e manuais em segredo. Para os árabes, o valor e prestígio de um indivíduo é baseado não no que ele pode ensinar, mas no que ele sabe que ninguém mais sabe.

Enquanto oficiais americanos prosperam em competições entre eles, oficiais árabes evitam isso, pois o perdedor seria humilhado. Melhor para todos é falhar junto do que permitir a competição, mesmo que isso eventualmente traga benefícios para todos.

Americanos aprendem liderança e tecnologia; oficiais árabes aprendem apenas tecnologia. Liderança recebe pouca atenção, pois se presume que os oficiais o saibam em virtude de seu status social como oficiais.

Um Tipo 69 iraquiano em chamas depois de ser destruído em combate contra a 1ª Divisão Blindada do Reino Unido, 28 de fevereiro de 1991.

- A iniciativa é considerada em traço perigoso. Então, subordinados preferem falhar a fazer uma decisão independente. Batalhas são micro-gerenciadas por generais mais graduados, que preferem sofrer derrotas a perder o controle de seus subordinados. E pior, um oficial árabe não dirá a um aliado americano por que ele não pode tomar a decisão (ou mesmo que ele não pode tomá-la), deixando o oficial americano irritado e frustrado porque os árabes não podem tomar uma decisão. Os oficiais árabes simplesmente não vão admitir que eles não tenham autoridade para fazê-lo.

A falta de iniciativa torna difícil aos exércitos árabes manter armas modernas. Armas modernas complexas necessitam de manutenção no local, e isso significa delegar autoridade, informação, e ferramentas. Exércitos árabes evitam fazer isso e preferem utilizar depósitos centrais de reparos, fáceis de controlar. Isto torna a manutenção rápida das armas difícil.

Carros de combate principais T-62 sírios destruídos e abandonados no Vale das Lágrimas, nas Colinas de Golã, outubro de 1973.

- A segurança é insana. Tudo, até mesmo informação militar vaga é taxada como secreta. Enquanto no Exército dos Estados Unidos listas de promoção são publicados rotineiramente, isso raramente acontece em exércitos árabes. Oficiais são transferidos repentinamente sem aviso para impedi-los de forjar alianças ou redes. Qualquer espírito de equipe entre oficiais é desencorajado.

Todos esses traços foram reforçados, da década de 1950 à de 1990, por conselheiros soviéticos. Para os russos, tudo relacionado às forças armadas era secreto, pessoal alistado era escória, não havia sistema funcional de praças, e todo mundo suspeitava de todo mundo. Esses não eram traços “comunistas”, mas costumes russos que existiram por séculos e foram adotados pelos comunistas para fazer sua ditadura mais segura contra rebeliões. Ditadores árabes avidamente aceitaram esse tipo de conselho, mas ainda estão preocupados com a rapidez com a qual as ditaduras comunistas desmoronaram entre 1989-91.

Multidões de prisioneiros iraquianos na Guerra do Golfo, 1991.

Tal sistema pode produzir exércitos de aparência assustadora, mas não uma força que possa sobreviver a um encontro com soldados bem liderados e treinados. As mesmas técnicas são aplicadas ao governo e na economia, produzindo tirania e atraso que horrorizam os ocidentais, e enraivecem os cidadãos destes, desafortunados, estados. Esse ódio produziu muitos esforços reformistas. Incluindo tal ultraje de horrores quanto a Al Qaeda.

Líderes árabes, especialmente no Golfo Pérsico, costumam ser bem espertos e sabem com o quê estão trabalhando. Então eles contratam vários estrangeiros para trabalhos técnicos chave. Mas você ainda tem um monte de suspeitas, paranóia, pessoas pouco instruídas e inseguras no comando. Mudar tudo isso é, compreensivelmente, difícil.

Agora você sabe.

Fuzileiros navais americanos escoltando filas de prisioneiros iraquianos, 21 de março de 2003.

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sábado, 1 de maio de 2021

Pátria: Discurso de Dexippos para os voluntários atenienses após a tomada de Atenas em 267 a.C


Do blog Theatrum-Belli, 19 de maio de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de julho de 2019.

É pela determinação mais que pelo número de homens que o resultado das guerras é decidido. Nós dispomos de uma força que não é desprezível, porque aqui estamos reunidos no número em dois mil e estamos bem cobertos neste lugar que deve ser nossa base para realizar golpes no inimigo, seja atacando grupos isolados, seja montando emboscadas em seu caminho. Assim, obteremos sucessos que aumentarão nossas forças e inspirarão o inimigo com um medo que não será medíocre. Se o exército inimigo avançar contra nós, resistiremos a ele, já que estaremos efetivamente protegidos pela solidez dessa posição e por essa floresta. Nas fileiras dos assaltantes que, faltando uma visão geral sobre nós, vindo de muitos lados, reinará a confusão: eles não poderão se engajar normalmente com os homens da testa, suas fileiras se desintegrarão e, como eles serão incapazes de direcionar seus arremessos assim como seus dardos, seu tiro será ineficaz, enquanto nós, nós os derrubaremos com mais golpes. Abrigados pela floresta, vamos lançar sobre eles, a partir de nossa posição dominante, projéteis que atingirão o objetivo; seremos capazes de agir com segurança, e não será fácil para eles nos infligirem perdas. Quanto ao combate corpo-a-corpo, se é necessário chegar a esse ponto, são os maiores perigos que inspiram o ardor guerreiro mais fervoroso, e enfrentaremos o inimigo excepcionalmente com mais vigor, tornando a eles mais difícil salvar sua vida, tanto é assim que o que não mais esperávamos acontece, enquanto lutamos para conseguir o impossível e isso, impulsionado pela esperança de castigar o inimigo, nós defendemos bens que valem a pena. Nunca antes alguém teve razões melhores para ficar indignado, enquanto nossas famílias e nossa cidade estão no poder do inimigo. Estes também se voltarão contra nossos adversários que, por coerção, fazem campanha a eles, assim que nos vejam atacar, porque encontrarão a esperança de recuperar sua liberdade.

Eu fui novamente informado que a frota do imperador, que não está longe, nos resgatará; com o seu apoio, a nossa ofensiva será irresistível. Além disso, acredito que vamos treinar os gregos para compartilhar nosso ardor. Da minha parte, sem me manter seguro de golpes e colocado em uma situação que não é melhor que a sua, enfrento as mesmas provações pelo amor da coragem e correrei todos os riscos para salvar os bens mais preciosos e não desapontar a estima que a cidade tem por mim. Todos os homens devem finalmente deixar a vida, morrer combatendo pela pátria é a mais bela das recompensas. Se, pelo que alguém lhe disse, alguns de vocês temem o infortúnio em que nossa cidade está mergulhada, que ele acha que a maioria das cidades foi tomada por um inimigo inesperado… Podemos prever que a Fortuna estará conosco. Nossa causa não pode estar mais certa, já que lutamos contra agressores iníquos e, como regra geral, é de acordo com este critério que a Divindade arbitra os assuntos humanos: ela trabalha para aliviar aqueles que estão em infortúnio e para lhes dar uma sorte melhor. É belo penetrar na imagem de nossa pátria como nossos antepassados fizeram, de oferecer pela nossa coragem e nosso amor pela liberdade um exemplo para os gregos e para desfrutar com nossos contemporâneos e da posteridade de uma glória imperecível, mostrando por atos que, mesmo no desastre, a resolução dos atenienses não pode ser prejudicada. Levaremos como lema nossos filhos e nossos bens mais caros, depois marcharemos para a batalha invocando os deuses que nos protegem.”

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sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

COMENTÁRIO: Por que ler Beaufre hoje?


Por Hervé Pierre, Areion24, 11 de fevereiro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de fevereiro de 2021.

Não tendo sido o inventor de um conceito emblemático, o General Beaufre é antes de tudo um montador, que assume quando escreve a Liddell Hart “tendo tentado [...] racionalizar as várias concepções de estratégia (1). Mas não há nada neutro nesta abordagem que o levou a reconciliar Clausewitz e Liddell Hart. Ao dar-se os meios para aproximar o que se opõe, Beaufre corre o risco de uma releitura que pode levar a uma modificação profunda dos padrões que ele monta.

(1) Carta de Beaufre para Liddell Hart sobre o livro Introdução à Estratégia, 18 de janeiro de 1963, fundos Liddell Hart, LH 1/49/115.

Certamente, para alguns, esta montagem enfraquece os conceitos em uma confusão que permite defender tudo e seu oposto. Para outros, ao contrário, a montagem é um crioulo que reformula conceitos tanto quanto forja novas palavras - como a de "paz-guerra" - e permite pensar as mais diversas situações. Na verdade, a complexidade do mundo no início do século XXI parece provar que este último está certo, como Pierre Hassner atesta em 2015, convidando seus leitores a relerem Beaufre. A complexidade não deve (apenas) ser entendida em seu sentido comum de complicado, mas também naquele, etimológico, de "tecido em conjunto": de múltiplos fatores interdependentes - proliferação, rearmamento, jihad global, saúde, crise econômica e social - em um contexto de enfraquecimento geral dos sistemas regulatórios internacionais tornam o mundo de 2020 certamente mais complexo do que o de 1970.

Sim, Beaufre deve ser relido: sua genialidade é menos em ter inventado conceitos do que em reinventá-los para torná-los compatíveis entre si. Ao articular o existente sem ceder às sereias do momento, conseguiu desenvolver um sistema suficientemente plástico e inclusivo para continuar a ter sentido hoje. Certamente algumas de suas propostas são datadas, até desatualizadas, mas o que poderia parecer totalmente “fora do tópico” no início da década de 1970 pode oferecer chaves de leitura interessantes para pensar o mundo cinquenta anos depois. Insistindo no "valor excepcional desta ferramenta", Christian Malis afirmou ainda que era necessário "recuperar Beaufre de forma criativa (2)". Sem dúvida, é possível agrupar as propostas do estrategista em três categorias principais. Para girar a metáfora médica da qual ele gostava particularmente, o primeiro está relacionado ao diagnóstico, o segundo ao remédio geral e o terceiro é o medicamento que resulta dele, a declinação do sistema de defesa (imunológico) em uma variedade de dosagens.

(2) Entrevista com Christian Malis, 11 de fevereiro de 2016.

Pensar a "paz-guerra"

A primeira proposição de Beaufre, formulada em 1939, é ir além das categorias de “paz” e “guerra” para pensar em “paz-guerra”. Porque mesmo quando as condições legais vinculadas a essas categorias são atendidas - "assinar a paz" ou "declarar guerra" - o oficial acredita que suas manifestações estão aquém do tipo ideal que deveriam incorporar. O resultado é uma situação real que é sempre uma mistura, um relativo, um paliativo. Considerando, aliás, que o diagnóstico é por natureza evolutivo, o estrategista considera mais adequado estimar a dosagem da paz e da guerra de forma dinâmica, a de uma variação entre as duas polaridades que tomaria a forma de uma certa aparência de paz-guerra. Não para se livrar da lei - muito pelo contrário, já que esses esquemas são referências para medir a realidade -, mas para aceitar que pode existir na prática um terceiro e que este terceiro se impõe nos fatos como o caso de uso mais frequente. A Guerra Fria é uma de suas formas arquetípicas, e este contexto particular de uma "paz impossível" garantida por uma "guerra improvável" claramente dá substância à sua intuição inicial.

Mas o que era verdade quando as categorias pareciam incapazes de se saturar com os fatos é, sem dúvida, ainda mais verdadeiro hoje, ao constatar que eles desaparecem ou parecem não fazer mais sentido. “Nós travamos guerras nas quais não assinamos a paz”, declarou o General Lecointre em julho de 2019 (3). O que é mais preocupante é, aliás, notar que se a palavra “guerra” saiu do léxico militar onde se dá preferência às de “conflito”, “crise”, “operação” ou “intervenção”, é por outro lado reinvestida em outros campos, às vezes mais inesperados. Já havia florescido a expressão "guerra econômica", tendo surgido uma Escola de Guerra Econômica junto à Escola de Guerra, embora, um sinal dos tempos, esta última tenha sido vergonhosamente rebatizada de "Collège interarmées de défense" (Escola Superior Interarmas de Defesa". O fato de se considerar "em paz", por não ter entrado formalmente em guerra, nada diz, no entanto, sobre o grau de violência ambiente.

(3) "General Lecointre: 'O indicador de sucesso não é o número de jihadistas mortos'", comentários coletados por Nathalie Guibert, Le Monde, 12 de julho de 2019.

A primeira vantagem do método de diagnóstico desenvolvido por André Beaufre é, portanto, obviamente, desenvolver uma cartela de cores. A segunda é pensar em termos de uma meta limitada, não uma meta absoluta. O absoluto, sublinha Clausewitz, leva à subida aos extremos: extremo de violência (guerra de extermínio), extremo de contágio espacial (guerra mundial), extremo de duração (guerra sem fim), extremo de recursos (guerra total). Por definição, o objetivo absoluto é inatingível; a derrota está no fim do caminho com a sensação de negócios inacabados vivida por aqueles que se desligaram do terreno sem ter cumprido sua missão. A contrario, o objetivo limitado é pensado não como o resultado ideal, mas como o melhor resultado possível; isso leva à definição de um certo nível "aceitável" de conflito, abaixo do qual se deve ter a coragem de considerar que o engajamento não se justifica mais ou pode ser reduzido consideravelmente. Nenhuma vitória tática brilhante que significaria a esperada derrota do adversário, mas uma vitória "construída" ao longo do tempo e valorizada na comunicação na medida em que o nível de conflito residual é considerado como correspondendo às expectativas políticas. Pois a última vantagem do raciocínio no espectro aberto pela guerra de paz é política. Claro, a impossibilidade de estar "em paz" pode levar ao temor de uma "guerra" permanente, mas ainda precisamos chegar a um acordo sobre o termo.

Quer nos arrependamos ou não, o termo "guerra" não se limita mais para Beaufre ao confronto sangrento entre dois grupos armados. De modo mais geral, ele também é aquele que qualifica qualquer forma de oposição a uma vontade adversa. O diagnóstico de "paz-guerra" revela um mundo que nunca está completamente em paz. O método de análise que leva a isso pressupõe que existe um espaço de variação entre a guerra e a paz. No entanto, esse espaço é o do político, utilizando para isso todas as alavancas de que dispõe para desafiar a alternativa radical e também ilusória entre a reconciliação e o apocalipse (4).

(4) Christian Malis, Guerre et stratégie au XXIe siècle, Fayard, Paris, 2014, pg. 44.

André Beaufre (à direita) em Washington. Nascido em 1902 e falecido em 1975, deixou uma marca duradoura no pensamento estratégico contemporâneo e foi traduzido várias vezes.

Qual remédio?

A segunda proposição de Beaufre é a resposta a esse diagnóstico. Consiste em aplicar o método de raciocínio estratégico a áreas distintas da área militar para as quais foi originalmente desenvolvido. Pois, na paz-guerra, o emaranhado de problemas pressupõe, ainda mais do que na guerra "quimicamente pura", a adoção de uma estratégia global. Beaufre é um dos primeiros "integracionistas" (5), daqueles que acreditam que diante da complexidade das situações, todas as ferramentas disponíveis devem ser mobilizadas. Ele certamente não é o único, como parece fazer sentido hoje; mas constatar é uma coisa, colocá-lo em prática efetivamente é outra. Pois, para que a abordagem global não permaneça na ordem do desejo ou da declaração de intenções, é necessário que os meios mobilizados se articulem, hierarquizados no tempo e no espaço, e que os efeitos obtidos sejam sujeitos à gestão cuidadosa, desde o nível de tomada de decisão até o nível de execução.

(5) Claude Le Borgne, La guerre est morte… mais on ne le sait pas encore, Grasset, Paris, 1987, pg. 244.

No mais alto nível, isso significa que, longe das posturas ideológicas, o político deve cumprir o seu papel e todo o seu papel: diante das restrições, estabelecer um objetivo limitado e delimitado - “a melhor solução possível” e não a “melhor das soluções” - o que pressupõe escolhas e, portanto, necessariamente, renúncias. No nível intermediário, isso supõe ser capaz de operacionalizar a decisão integrando em uma estrutura interministerial permanente - como um estado-maior ou célula de crise - os especialistas e tomadores de decisão em cada um dos campos. Finalmente, no terreno, é preciso favorecer combinações adaptadas a um certo aspecto de paz-guerra.

Como de costume, os americanos lideraram o caminho na inovação conceitual com a operação multi-domínio (multidomain operation). Pensado inicialmente como uma combinação melhor de armas combinadas e recursos conjuntos, esse modelo também incorpora contribuições não-militares "interagências", como guerra cibernética ou de informação. Além disso, raciocinando em um contexto qualificado como entre paz e guerra, a nova doutrina americana propõe criar ocasionalmente "janelas de vantagem" que se assemelhariam a uma forma de blitzkrieg modernizada. Haveria coordenação, para concentrar esforços que não necessariamente seriam militares. Tendo em vista as surpreendentes semelhanças de vocabulário, a “estratégia total” de Beaufre é, sem dúvida, menos classificada no raio das “abordagens globais”, das quais os últimos vinte anos demonstraram o único valor declaratório, mas deve ser considerada como uma prefiguração do que poderia ser uma variação verdadeiramente operacional. O alinhamento das ações com o objetivo de otimizar os seus efeitos deve ser feito em toda a cadeia de valor, desde a gestão de projetos (dobradiça político-estratégica) à gestão de projetos (dobradiça tático-operacional), passando pela gestão delegada de projetos (dobradiça estratégica-operacional).

A ampliação do espectro de áreas com probabilidade de participar da resolução de um problema tem a consequência, por mais que seja, de ver a estratégia menos como uma disciplina particular do que como uma mudança de opinião. Um exemplo flagrante de extrapolação é, sem dúvida, o uso que o general faz da estratégia em Construindo o Futuro (Bâtir l’avenir) (6). Em essência, o método de raciocínio estratégico está, na verdade, sempre em um leve "desequilíbrio para a frente", pois, se for esclarecido por experiências passadas, tende a traçar um curso que só ganha sentido à luz (retro) de um objetivo a alcançar. Para usar uma imagem cara a André Beaufre, é semelhante à navegação de alto mar, com seu rumo geral que materializa o ponto a ser alcançado e suas adaptações de vela ou leme levando a um ajuste do ponto de aterrissagem. De modo mais geral, despojado de seu traje bélico, o método estratégico assume valor universal e o pensador defende a aculturação daqueles que, encarregados dos negócios públicos, muitas vezes carecem de uma bússola para orientá-los. A estratégia provavelmente proporcionaria a eles uma lógica ou logotipos de escolha, tanto "meta-razão" quanto "meta-linguagem".

(6) André Beaufre, Bâtir l’avenir, Calmann-Levy, Paris, 1967.

Um sistema aberto, é dinâmico e plástico: dinâmico, pois é animado por círculos iterativos que visam atualizar os dados de entrada e re-estimar a "rota" seguida; plástico, porque tem de adaptar as suas ferramentas - os seus "modelos" - à realidade do mundo tal como acontece, e não o contrário. Portanto, precisa de regras e da capacidade de alterá-las. Tudo isso parece muito útil, mas - dirão alguns - "a arte do general" permanece indissoluvelmente marcada pelo pecado original. Qualificá-lo como "total" aumenta a confusão, pois, além da lamentável referência ao livro de Ludendorff (7), o adjetivo sugere que nada pode ser evitado. No entanto, se nada escapar ao império da estratégia, corre-se o risco de que esta suplante a política pretendida para capturá-la, que as ditaduras sul-americanas, elogiando o general francês, não deixarão de reter do modelo. Sem, entretanto, concluir que a relação de Clausewitz entre guerra e política foi revertida, haveria, portanto, em germe, um viés schmittiano na relação com o Outro.

(7) Erich Ludendorff, La guerre totale, Perrin, Paris, 2010.

O método levaria por construção a percebê-lo mais como adversário do que como parceiro. A observação é ouvida. Mas, para usar a fórmula de Léo Hamon, se a “estratégia é contra a guerra (8), ela é em ambos os sentidos da preposição: tanto “mais perto de” quanto “em oposição a”; tão intimamente ligada ao fato da guerra quanto pode, pelo contrário, circunscrevê-la. Mas Hamon, defendendo esta segunda interpretação, é o exegeta do pensamento de Beaufre: a estratégia é antes de mais nada o que permite evitar a guerra, em particular na era atômica.

(8) Léo Hamon, La stratégie contre la guerre, Grasset, Paris, 1966.

Num mundo "cinzento", onde a paz é tão temporária como imperfeita, tudo deve ser feito para otimizar os interesses do Estado, sem nunca ultrapassar o limiar do irreparável. A manobra em "tempo de paz" é o produto de uma "estratégia de dissuasão" que evita a eclosão de uma guerra total. Caso a dissuasão não tivesse funcionado, a estratégia - que nas próprias palavras de Beaufre passa a ser uma "estratégia de guerra" - é então o que permite defender-se, mas sempre à medida que é necessário, evitando, novamente, o risco de uma ascensão aos extremos. Sob a autoridade política à qual deve permanecer subordinada, a estratégia seria, portanto, em ambos os casos, um logos para encapsular a violência para evitar que ela saia do controle.


Qual dosagem?

Finalmente, a terceira proposta consiste em traduzir o remédio geral em dosagens que possam abranger um amplo espectro de enfermidades. Embora as armas nucleares desempenhem o papel de antibióticos (9), não são as únicas e seu efeito deve ser combinado com outros, como com qualquer coquetel de medicamentos. Beaufre não se interessa apenas por formas de guerra - clássicas e revolucionárias em particular - que parecem totalmente fora do escopo de prioridades no momento em que escrevo, mas considera suas interações tanto quanto suas combinações. O resultado é um modelo cujos recursos permitem responder a configurações de segurança muito mais variadas do que as da década de 1970. Tanto os antagonismos quanto as semelhanças entre os dois extremos do espectro levam, por exemplo, a refletir sobre as correspondências entre guerra "primitiva" e guerra tecnológica.

(9) André Beaufre, Bâtir l’avenir, op. cit., pg. 237.

De certa forma, o segundo exige o primeiro quando a lacuna de poder é muito grande. A guerra de tecno-guerrilha é uma forma de hibridismo que representa um problema para a maioria dos exércitos modernos, pois tende a combinar as vantagens de ambos os extremos, minimizando as desvantagens. De maneira mais geral, Beaufre nos diz, a combinação de guerra regular e guerra irregular não é nenhuma novidade: a guerra "quimicamente pura" é, se não um tipo ideal, pelo menos um caso especial. A realidade parece mais uma cartela colorida de dosagens, entre de um lado o grupo armado que tende a se "regularizar" - a grande guerrilha do Viet-Minh ou os batalhões do Daesh apoiados por armamento pesado - e o outro dos exércitos convencionais que cuidam do contrário ao adotar modos de ação irregulares. A guerra clássica não está tão morta quanto pensava o General Le Borgne (10): ela permanece o camaleão descrito por Clausewitz, cada um dos beligerantes buscando encontrar a vantagem comparativa que lhe permitirá ganhar a ascendência.

(10) Claude Le Borgne, La guerre est morte… mais on ne le sait pas encore, op. cit.

Essa plasticidade das composições é um elemento marcante na obra de Beaufre: assim, ao descrever as forças convencionais francesas, cujo pequeno volume muito provavelmente não permitiria que ocupassem efetivamente o campo de batalha da Europa Central, ele pensa em reforçá-las com unidades "populares", capazes de atuar na retaguarda e nos intervalos. Também planeja equipá-las com armas nucleares táticas, cujo efeito dissuasor seria suficiente para evitar uma grande ofensiva e cujo uso seria uma solução para o dilema vivido por exércitos altamente tecnologizados, mas muito pequenos em tamanho. Por fim, a "crioulização" afeta também a sacrossanta "dissuasão" à francesa, cuja pureza é apresentada como garantia de eficácia pelos mais ortodoxos de seus defensores. Enquanto os últimos - principalmente os galeses - acreditam que a onipotência nuclear francesa desqualifica qualquer forma de agressão (11), Beaufre continua a considerar a ameaça em seu espectro mais amplo.

(11) Pierre Marie Gallois, L’adieu aux armées, Albin Michel, Paris, 1976.

Para enfrentá-lo, ele propõe o que é então semelhante a uma heresia para os inquilinos do dogma: uma dupla ampliação do conceito de dissuasão: ampliação “horizontal” no sentido de que articula a existência da força de ataque francesa à participação num sistema de alianças; alargamento “vertical”, uma vez que a dissuasão nuclear é apoiada pela dissuasão convencional, ela própria transportada pela chamada dissuasão “popular”. No primeiro caso, a conferência de Ottawa em 1974 reconheceu a contribuição francesa para a dissuasão global da OTAN; na segunda, o estudo do nível "popular" levou o estrategista a pensar na resiliência da nação, a propor uma reforma do serviço nacional e a descrever o que poderia ser uma "guarda nacional". A atualidade desde então provou que ele estava certo (Guarda Nacional desde 2015, projeto SNU desde 2017...) até o último discurso sobre a defesa do Presidente da República, em 7 de fevereiro (12), que defende duas inflexões da sacrossanta doutrina de dissuasão: o seu lugar na defesa da Europa e a sua articulação com o nível convencional… Fermez le ban!

(12) Discurso do Presidente da República, Emmanuel Macron, em 7 de fevereiro de 2020 na Academia Militar.

Hervé Pierre, coronel do Exército Francês e co-autor do livro O General Beaufre: Retratos cruzados (Le général Beaufre. Portraits croisés).

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada:


quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Down For the Count: Como fracassar como um Líder

Por Steven Matthew Leonard, Clearance Jobs, 4 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de fevereiro de 2021.

“Líderes que não ouvem acabarão cercados por pessoas que não têm nada a dizer.”

- Andy Stanley.

O caminho para o sucesso como líder está cheio de erros. Embora eu sempre tenha preferido aprender com os erros dos outros - aproveitando ao máximo um pouco de aprendizado vicário - fiz o suficiente ao longo dos anos para encher um Duffel Blog* com as lições aprendidas. Através de cada erro, fui capaz de aplicar reflexão suficiente para identificar, aprender e crescer como líder, construindo meus pontos fortes e superando meus pontos fracos.

*Nota do Tradutor: O Duffel Blog é um site de humor militar americano.

Felizmente para mim, nenhum dos meus erros pessoais foi do tipo que te obriga a procurar um novo emprego. Nunca perdi meio milhão de dólares em equipamento militar. Nunca troquei informações confidenciais por um dinheiro rápido. Nunca usei meu cartão de viagem do governo em um estabelecimento proibido. Esses são exemplos dos tipos de erros flagrantes dignos de tablóide sobre os quais todos nós fofocamos durante o café da manhã, não o tipo de erro que causa o fracasso da maioria dos líderes.

Em vez disso, os erros que causam o fracasso da maioria das pessoas são perdidos na rotina diária: geralmente não são lascivos o suficiente para chegar uma manchete, mas sérios o suficiente para te fazerem ser despedido.

Não fornecer uma visão:

Se você já se perguntou como um “FLAILEX” realmente se parece, deixe sua equipe encontrar um propósito e uma direção por conta própria. A loucura resultante geralmente é o precursor de um colapso organizacional completo. É ruim para você, é ruim para o seu pessoal e é ruim para a organização como um todo.

Fundamentalmente, liderança significa fornecer às pessoas propósito, direção e motivação, todos os quais centralizados em uma visão compartilhada do futuro. Os líderes que não definem um azimute para o sucesso fracassam mais do que eles próprios imaginam - eles deixam organizações inteiras se debatendo sem objetivo, sem qualquer senso de propósito.

Não liderar por exemplo:

Todos os líderes dão algum tipo de exemplo - bom ou ruim - para seus subordinados. Vários anos atrás, um líder militar sênior que mantinha um relacionamento com um subordinado júnior ficou surpreso ao saber que outros líderes sob sua responsabilidade faziam exatamente a mesma coisa. Ele não deveria estar. Se você é um líder sem uma bússola moral, não pode esperar que as pessoas ao seu redor sigam seu exemplo.

Dar um exemplo positivo não é particularmente difícil se você realmente abraçar os valores de sua organização. Lembre-se de que liderança não tem a ver com você, mas com as pessoas que você deve liderar.

Não escutar:

Poucos momentos são tão frustrantes ou reveladores quanto a percepção de que a pessoa do outro lado da discussão não está ouvindo. Talvez eles estejam checando o telefone, olhando para o relógio ou apenas recostados na cadeira com os braços cruzados sobre o peito, mas o resultado é o mesmo. Nada do que você diz está passando.

Os líderes que não ouvem nunca terão as informações de que precisam para tomar decisões informadas, o feedback necessário para conduzir a organização ao sucesso ou a confiança de seus subordinados. Eles estarão, como Andy Stanley observou certa vez, “cercados por pessoas que não têm nada a dizer”.

Não delegar:

Vários anos atrás, enquanto preparava um briefing para um general sênior, seu chefe de gabinete insistiu que ele criaria a apresentação de slides para o briefing, embora as pessoas com conhecimento do assunto trabalhassem para mim. Quando perguntei por quê, ele respondeu: “Eu sei o que ele quer ver”. Mais tarde, quando de fato entregamos o briefing, o general nos interrompeu alguns slides da apresentação, dizendo: “Não é isso que eu quero”.

Minha equipe ficou frustrada, mas foi uma grande lição para eles. Quer a relutância do chefe da equipe em delegar fosse motivada por uma falta de confiança ou um desejo de microgerenciar o processo, eles viram por si próprios a importância de atribuir uma tarefa à pessoa certa. Estávamos de volta à mesma sala de conferências dois dias depois, mas desta vez eles eram donos da apresentação e possuíam uma compreensão clara dos resultados e expectativas desejados.

Não se importar:

Em um artigo da Military Review de 2004, George Reed identificou três componentes-chave para o que ele chamou de síndrome do líder tóxico:

  1. Uma aparente falta de preocupação com o bem-estar dos subordinados,
  2. Uma personalidade ou técnica interpessoal que afeta negativamente o clima organizacional e 
  3. A convicção dos subordinados de que o líder é motivado principalmente por interesses próprios.

O tema comum entrelaçado em cada componente é um líder que realmente não se importa com ninguém além de si mesmo.

A necessidade de conter o narcisismo foi um fator impulsionador da recente decisão do Exército dos EUA de adicionar humildade como um oitavo valor de liderança. Um líder cujo ego é um obstáculo ao sucesso organizacional representa uma ameaça igual, se não maior, para seu pessoal. Um líder que carece de humildade não promove o aprendizado, não aceita feedback e nem percebe - ou se importa - quando aqueles ao seu redor falham. E se você não se preocupa com as pessoas de quem depende, não se surpreenda quando elas não se importarem com você.

Steve Leonard é um ex-estrategista militar sênior e a força criativa por trás do microblog de defesa, Doctrine Man!!. Um escritor de carreira e palestrante apaixonado por desenvolver e orientar a próxima geração de líderes de pensamento, ele é membro sênior do Modern War Institute; o co-fundador do blog de segurança nacional, Divergent Options, e do podcast, The Smell of Victory; co-fundador e membro do conselho do Military Writers Guild; e membro do conselho de revisão editorial do Arthur D. Simons Center’s Interagency Journal. Ele é o autor de cinco livros, vários artigos profissionais, incontáveis postagens em blogs e é um prolífico cartunista militar. 

Bibliografia recomendada:



Leitura recomendada:

O Elemento Humano: Quando engenhocas se tornam estratégia25 de agosto de 2019.

Os Centuriões: 10 passagens que farão você refletir sobre guerra e liderança13 de abril de 2020.

Com Fuzil e Bibliografia: General Mattis sobre a leitura profissional6 de outubro de 2018.

COMENTÁRIO: O Culto à Mediocridade20 de dezembro de 2020.




Essa "modinha" de que Clausewitz-é-irrelevante não é uma blasfêmia. É simplesmente errada, 5 de janeiro de 2020.

domingo, 20 de dezembro de 2020

COMENTÁRIO: O Culto à Mediocridade

Por Capitão Murphy Parke, Inkstick, 6 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de dezembro de 2020.

A experiência de um militar da aeronáutica envolvendo alto desempenho e baixa resiliência na Força.

Hoje, encontro-me tentando conciliar duas realidades extremamente diferentes. Quando alguns olham para o meu 2019, ficam convencidos de que foi “um para o livro dos recordes” - eles vêem dois prêmios da Força Aérea e um de um MAJCOM (Major Command); um dos seis oficiais selecionados pelo general superior da Força para um programa especial; e aquele que recebeu ordens fora do ciclo para uma verdadeira contratação pelo nome de um Oficial-General. No entanto, quando aqueles mais próximos de mim olham para o meu 2019, eles vêem uma alma esgotada e um corpo lutando contra problemas induzidos pelo estresse - a ponto do meu irmão mais novo me puxar para uma intervenção improvisada, dizendo: “Olha, eu não vou receber o telefonema dizendo que você enfiou uma bala na cabeça!” Como essas realidades opostas podem existir simultaneamente?

Por uma questão de transparência e corretagem honesta, serei o primeiro a admitir que, profissionalmente, 2019 foi um ano positivo para minha carreira. Esse sucesso foi o culminar do ímpeto resultante dos esforços deliberados dos meus pais, mentores, professores, família e amigos que me incentivaram nos bons momentos e me apoiaram nos piores momentos. Mas o que devemos perceber como uma Força Aérea (especialmente quando lutamos para reter talentos) é o simples fato de que nem sempre há uma relação proporcional entre as métricas de desempenho e a resiliência de um indivíduo.

Embora possamos pensar que aqueles de alto desempenho têm tudo em ordem e que devemos concentrar os esforços de resiliência em subgrupos específicos e estereotipados como “solitários” e “socialmente desajeitados”, esse é um perigoso equívoco. Ao contrário, muitas vezes vejo uma relação inversa entre as realizações dos verdadeiros artistas da USAF e sua resiliência para continuar de uniforme mais um dia - e é exatamente nesse lugar que me encontrava no final de 2019.

Por quê? Depois de muita introspecção cuidadosa, eu atribuí isso a duas causas raízes: "liderança tóxica" e "mediocridade institucionalizada". Uma vez que a "liderança tóxica" pode ser subjetiva e, francamente, se tornou um clichê usado em excesso, vou concentrar minha análise na "mediocridade institucionalizada". Como acadêmico de carreira e instrutor, você deve me perdoar por definir o termo:

Mediocridade institucionalizada (substantivo)

m·e·d·i·o·c·r·i·d·a·d·e i·n·s·t·i·t·u·c·i·o·n·a·l·i·z·a·d·a

  1. Um sistema de liderança organizacional em que o status quo é mantido ativamente a todo custo, onde os padrões são fluidos e aplicados ou não com base no(s) estado(s) final(is) político(s) desejado(s) e onde o feedback honesto e corretivo ou a inovação são desencorajados a fim de preservar o atual inércia.
  2. Uma cultura organizacional que busca “relevância” em vez de “excelência” - essas organizações rejeitam modelos de feedback orientados para o cliente e, em vez disso, presumem que seu produto ou serviço é impecável. Qualquer feedback contrário é considerado irrelevante.
Exemplo: uma organização que prega ativamente o mantra "não faça nada estúpido, perigoso ou diferente" - no entanto, continuamente realiza ações que são "estúpidas" e/ou "perigosas" e o faz porque fazer qualquer outra coisa seria "diferente”.

Meu ambiente de trabalho atual é definido pela mediocridade institucionalizada. Para piorar as coisas, essa mediocridade é incorporada e apoiada pelo corpo de oficiais a tal ponto que um cabo muito astuto (Senior Airman, E-4) me disse recentemente: “Sabe, eu olho em volta e vejo a quem eles dão os postos de O-4 e O-5 [major e tenente-coronel] e percebi que ficarei bem se um dia eu receber uma comissão de oficial.”

Correndo o risco de soar cínico (e de minar meu próprio termo), minhas circunstâncias específicas podem ser melhor compreendidas não como “mediocridade institucionalizada”, mas sim como um subproduto do Culto da Mediocridade. A mediocridade é venerada e quase adorada em minha organização atual; a lógica é suspensa e os “sucessos” únicos (usando esse termo vagamente) do passado são usados para justificar incoerentemente as táticas, técnicas e procedimentos do presente.

Essa mediocridade é tão arraigada que observei termos doutrinários usados deliberadamente de maneira incorreta e os níveis O-6 de liderança literalmente excluem declarações verdadeiras ou inserem declarações falsas em relatórios de desempenho, condecorações, etc. para "mensagem estratégica" para o resto da Força Aérea quanto ao que "fazemos" e "não fazemos".

Aqueles que têm dificuldade ou falham em cumprir os padrões (por exemplo, habilidade técnica, segurança e disciplina) ou regulamentos (por exemplo, proteção de informações classificadas), muitas vezes têm suas transgressões varridas para baixo do tapete para escorar enganosamente as métricas de prontidão relatadas para quartéis-generais - é politicamente mais vantajoso para alguns comandantes fechar os olhos do que resolver o problema. Pacotes de prêmios falsificados ou altamente embelezados são extravagantes. A certa altura, alguns de nós estavam sob uma “ordem de silêncio” de mídia social dirigida pelo O-6 (Brigadeiro-General), enquanto uma certa comunidade tentava realocar itens de linha orçamentária para bônus de pessoal e queria fazer isso sem chamar a atenção dos representantes do Congresso.

Falando sobre o ponto do militar acima mencionado, as recomendações de promoção e estratificações são frequentemente atribuídas àqueles que melhor vendem os produtos da mediocridade, e aqueles que não são "escolhidos" carregam uma quantidade desproporcional da carga de trabalho, colhendo muito pouco em retorno.

É precisamente nesse status de "não-escolhido" no qual me encontrei enquanto fui designado aqui (não confunda uma contratação pelo nome de fora da organização com a aceitação de dentro) e isso me fez lutar para questionar minha própria sanidade, desamparo ou depressão profissional, e muitas das doenças físicas relacionadas a essas lutas intangíveis: ranger de dentes, dificuldade para dormir, ganho de peso, dores nas costas/pescoço, etc. Dito de outra forma, a cultura e o clima desta organização criaram uma interminável luta entre minha ética de trabalho altruísta e a pragmática da realidade (de que adianta fazer o bem abnegado se estou jogando em um sistema fraudado?) - uma luta que me deixou física, emocional e mentalmente exausto.

Quanto à liderança tóxica, mencionei anteriormente que não quero perpetuar clichês a ponto de perder minha intenção com este artigo. Embora eu receba o crédito por padronizar e definir a “mediocridade institucionalizada”, gente como J.Q. Public e Ned Stark me superaram no proverbial soco na liderança tóxica e trataram disso de maneiras muito mais eloqüentes do que eu jamais poderia. No parágrafo acima, vinculei alguns dos resultados da liderança tóxica à mediocridade institucionalizada - mas outras referências anedóticas de minhas experiências incluem militares que tomam crédito pelo trabalho de outros em uma tentativa de serem promovidos (então, mais tarde, publicamente e sistematicamente caluniando a pessoa que realmente fez o trabalho) e "desdobrando" (outro termo usado vagamente) pessoal desnecessário em locais extremamente gucci (às custas do contribuinte), deixando aqueles que estão fazendo o trabalho sofrendo como "um fundo" ou sem ninguém para ajudar a arcar com a carga. Em qualquer caso, as consequências resultantes para aqueles de alto desempenho são as mesmas da mediocridade institucionalizada - faz com que se sintam confusos, exaustos, esgotados e, muitas vezes, procurando uma saída.

É essa noção de "procurar uma saída" com a qual quero concluir - uma vez que é precisamente por isso que comecei apontando para a justaposição aparentemente impossível de alto desempenho e baixa resiliência. Dito isso, devo ser muito cuidadoso ao encerrar essa linha de pensamento. “Procurando uma saída” é muitas vezes um eufemismo para suicídio, mas isso é apenas parte do que estou falando neste artigo. No entanto, quero fazer uma pausa neste artigo entre parênteses e dizer categoricamente que tirar a própria vida nunca é a resposta - se você precisa falar com alguém, fale com alguém. Tive um membro da família, um conhecido de infância e um ex-subordinado que cometeram suicídio... não resolve nada e apenas deixa em seu rastro mais dor. Não se sente em silêncio porque não há vergonha em pedir ajuda.

Dito isso, e correndo o risco de soar insensível, o que nós, como líderes militares, temos que aceitar é o fato de que encontrar "uma saída" para uma situação ruim (neste caso, a vida na Força Aérea) não só se manifesta em ideações suicidas. Também pode assumir a forma de um cabo de muito competente que opta por não se alistar novamente, apesar do seu número para a promoção de sargento, ou o oficial de alto potencial (High Potential OfficerHPO) que renuncia ao cargo de capitão em busca de melhores perspectivas. Do ponto de vista da prontidão, qualquer "saída" da Força Aérea significa um guerreiro a menos para atender ao chamado da Nação em tempos de dificuldade. Mais uma vez, por favor, não entenda mal - não estou equivocando o problema do suicídio dos militares com a crise de retenção de talentos da USAF; isso estaria errado. No entanto, pediria humildemente que considerasse a possibilidade de que seria igualmente incorreto dizer que não há soluções que se sobreponham que possam ajudar a aliviar os dois problemas.

Terminando onde comecei, estou otimista com o que 2020 tem a oferecer, mas também estou desanimado por estar absolutamente exausto e rebaixado. Consequentemente, nesta temporada de férias, eu (pela primeira vez em minha vida profissional) deliberadamente tentei ajoelhar-me e passar um tempo com minha família para tentar chegar a um estado mental, emocional e espiritual melhor. Para meus colegas de alto desempenho que estão se perguntando se "vale a pena" estar na Força Aérea, eu digo o seguinte: É 100% normal estar cansado, mas se você for embora, quem vai manter a linha contra a mediocridade institucionalizada e a liderança tóxica?

Para a liderança sênior da USAF, eu digo o seguinte: por favor, entenda que você não pode legislar moralidade - o arquivo de recomendação de promoção de duas linhas (Promotion Recommendation FilePRF), mudanças no OPR ou qualquer outra mudança de procedimento não resolverão os “líderes egocêntricos” (o termo final que usarei vagamente) que colocam a política acima do dever. Quando suas “entradas” estão corrompidas, as “saídas” também estarão, independentemente de quão sofisticado seja o mecanismo que você conceber. Para o resto dos meus irmãos e irmãs de armas, por favor, aceite estas verdades inegáveis: Você é importante e não há vergonha em pedir ajuda.

O Capitão Murphy Parke (pseudônimo) é um membro da Força Aérea dos Estados Unidos há 8 anos, com experiência operacional em todo o mundo, e de combate  no Iraque e no Afeganistão. Ele se formou na Escola de Armas; um instrutor/avaliador em sistemas de armas múltiplas; e viajante ávido. Sua liderança e profissionalismo nos ambientes de Operações Especiais, Conjuntos e Multilaterais garantiram-lhe elogios nos mais altos níveis do Departamento de Defesa e sua experiência em equipes de alto desempenho o fundamentou na noção de que "melhor" é o inimigo de "bom o bastante".

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CMG D. Michael Abrashoff.

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