domingo, 12 de abril de 2020

A Doutrina estaria afetando a liderança militar?

Royal Marines em manobras.

Por um Capitão dos Reais Fuzileiros Navais (RM/ OF2), Puzzle Palace, 24 de janeiro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de abril de 2020.

Este artigo destacará como a Doutrina de Liderança do Exército é contraproducente no desenvolvimento de líderes eficazes. Argumentará que a educação e o processo militares incentivam a liderança narcisista, que é prejudicial para a eficácia de uma organização, a longo prazo. A doutrina militar do Reino Unido define liderança como:

"Uma combinação de caráter, conhecimento e ação que inspira outras pessoas a terem sucesso" [1].

As doutrinas militar norte-americana [2] e britânica usam verbos prescritivos para definir liderança, com uma insistência abrangente com relação ao sucesso. Mensagens inadvertidas dessa natureza influenciam os líderes menos graduados e cultivam tendências narcisistas, as quais são carregadas durante toda a carreira de oficiais (e praças). A implantação de uma necessidade de sucesso cria um líder bajulador que protege e promove seus resultados para fins pessoais egoístas, o que cria uma liderança disfuncional. [3] Por outro lado, o Marechal-de-Campo Slim definiu liderança como:

“A liderança é aquela mistura de exemplo, persuasão e compulsão que faz os homens fazerem o que você quer que eles façam. Eu diria que é uma projeção de personalidade. É a coisa mais pessoal do mundo, porque é simplesmente você.” [4]

Essa definição destaca que líderes reverenciados percebem que o sucesso não determina um líder eficaz. Além disso, destaca que ter compaixão e empatia é crítico, as quais a definição doutrinária negligencia. Finalmente, a academia define similarmente liderança como:

“Líderes são modelos que influenciam os valores, sistema, cultura e ação das pessoas que trabalham em uma organização.” [5]


Observando que ambas as referências carecem de uma medida para o sucesso da liderança, há um argumento de que as definições não-doutrinárias são mais amplas e eficazes. Além disso, devemos considerar que líderes eficazes nem sempre podem ser bem-sucedidos em seus empreendimentos: Shackleton nunca liderou uma expedição bem-sucedida, mas é amplamente considerado um líder bem-sucedido. [6] Isso, portanto, destaca que a liderança eficaz nem sempre depende do sucesso, e que o nível de liderança é importante: organizacional/ estratégico ou individual/ tático. Tanto Shackleton quanto Slim são usados como modelos de liderança na educação militar, mas isso não se traduz na doutrina, ou cultura. Pode-se argumentar que o sucesso como medida de liderança pode se tornar contraproducente.

Podemos ver que um sistema militar tradicional - para o qual se baseia a doutrina - impede o desenvolvimento de líderes eficazes, mas promove líderes e seguidores bajuladores em uma organização moralmente decadente. As citações acima sustentam que a doutrina militar influencia o ambiente e a cultura militares, o que incentiva a busca impiedosa do sucesso e, portanto, tendências narcisistas. No entanto, os curtos mandatos do comando militar restringem os efeitos destrutivos de emergirem totalmente. Isso não quer dizer que os líderes egoístas não possam ser eficazes, desde que a organização esteja ciente e possa garantir que o líder não se torne destrutivo. Com o mundo e a guerra moderna se tornando mais interconectados, com uma proliferação de habilidades, os relacionamentos serão fundamentais. Um líder que pode galvanizar uma equipe, para criar a soma de peças, será fundamental para uma liderança bem-sucedida. Esta lição já foi desbravada por McChrystal, em seu livro Team of Teams, e enfatiza que o futuro será a liderança baseada em rede em todos os domínios, e pan-governamental: Liderança em Rede. Com isso em mente, é hora dos militares revisarem sua definição doutrinária de liderança, para serem mais compassivos e empáticos. Isso garantirá que os valores certos sejam instilados cedo em nossos líderes menos graduados e, assim, desenvolverá líderes eficazes para o ambiente de amanhã.


Como isso se relaciona com os Reais Fuzileiros Navais?

O treinamento dos Reais Fuzileiros Navais tenta melhorar a compreensão mútua e, portanto, a empatia em todas as fileiras, integrando o treinamento no Centro de Treinamento Comando e reforçando o Ethos Comando. Isso, portanto, limita os efeitos do narcisismo nos líderes comandos. No entanto, a doutrina é o fundamento de tudo o que fazemos como profissionais militares. Consequentemente, essas lições se infiltram em nossas ações - mais ainda na coorte de oficiais - ao realizar treinamento de equipe ou trabalhar no ambiente Conjunto. Como os Reais Fuzileiros Navais realizam muitas de suas tarefas operacionais no ambiente Conjunto, é crucial que a compaixão e a empatia sejam a pedra angular da liderança comando.

Isso deve apoiar e encorajar outros fatores críticos, como conhecimento, credibilidade e integridade. Os fuzileiros navais reais devem garantir que continuem se isolando da definição de liderança doutrinária definida acima e, em vez disso, se concentrem nas últimas definições. A busca pelo sucesso que o narcisismo oferece pode ser vista como uma característica atraente para o sucesso imediato, no entanto, devemos ter cuidado para proteger os indivíduos que isso pode afetar, caso não seja tratado. É responsabilidade dos líderes superiores atribuir e monitorar o desempenho de seus líderes subordinados. Os relatórios 360 oferecem uma maneira de monitorar isso.

Notas:

[1] Royal Military Academy Sandhurst. Army Leadership Doctrine (ALD). (MoD.2016).9.

[2] ADP 6-22. Army Leadership. Department of the Army. 2016,1.

[3] Bryman. Leadership. The SAGE Handbook of Leadership.(SAGE Publications:2011),402.

[4] ALD. 2016.9.

[5] Gyanchandani. The effect of transformational leadership on team performance in IT sector. IUP Journal of Soft Skills, Vol XI, (2017).

[6] Morrell and Capparell. Shackleton’s Way. (Brealey: 2001),1.

Leitura recomendada:


Nenhum comentário:

Postar um comentário