segunda-feira, 14 de setembro de 2020

COMENTÁRIO: Os intelectuais são o poder

Mikhail Andreyevich Suslov, o "ideólogo do Kremlin".

Por Éder Fonseca, Warfare Blog, 13 de setembro de 2020.

Os intelectuais são o poder, e ninguém personificou melhor essa verdade que Mikhail Andreyevich Suslov, o "ideólogo do Kremlin" que ingressou no Partido Comunista da União Soviética (doravante denominado PCUS) em 1921 e atingiu o topo da hierarquia deste em 1946 - para só sair de lá em 1982, no caixão.

Suslov é um caso único de resiliência no ambiente político soviético, provavelmente o mais brutal da história da humanidade. Ele assistiu ao desfecho da Guerra Civil que consolidaria o poder bolchevique e à luta de poder pela sucessão de Lênin, sobreviveu à grande fome de 1932, aos expurgos de Stalin, à Grande Guerra Patriótica (2ª Guerra na denominação soviética) e conseguiu ser apadrinhado por líderes tão díspares como Stalin, Kruschev e Brejnev, superando a todos em longevidade.

Mais do que qualquer outro líder soviético, talvez incluindo Lênin e Stalin, Mikhail Suslov personificou a URSS, num caso de identidade tão umbilical que boa parte do apogeu e declínio daquele império podem ser associados à sua trajetória pessoal e traços de personalidade.

No entanto, ele era discreto em seu próprio país e um quase desconhecido no Ocidente. Apenas especialistas conseguiam identificar aquela figura obscura, quase sempre vestida de terno preto e óculos que aparecia nas fotografias do Politburo.

Suslov (segundo da esquerda na primeira fila) na abertura do 9º Congresso do Partido da Unidade Socialista, o governo da Alemanha Oriental, 18 de maio de 1976.

Dedicado em tempo integral à militância partidária a partir de 1931, Suslov caiu nas graças de Stalin após participar de expurgos bem sucedidos nos Montes Urais e na Ucrânia durante aquela década. Ascende rapidamente na hierarquia até chegar ao Comitê Central em 1941. Em 1944, o PCUS acusa o soviete lituano de "não combater com suficiente zelo os nacionalistas e burgueses na Lituânia". Stalin nomeia Suslov como o chefe da repressão soviética que produz, até 1946, um saldo de 100.000 vítimas políticas, entre execuções, prisões e deportações em massa para gulags na Sibéria. Problem given, problem solved.

Pelo "excelente" trabalho, Stalin premiou o ideólogo com a chefia do importantíssimo Departamento de Agitação e Propaganda (Agitprop) do Comitê Central do PCUS, a Ordem de Lênin e o título de Herói do Trabalho Socialista, destinado geralmente apenas a membros do Presidium. Como diretor do departamento de Agitprop, supervisionava absolutamente TUDO que era divulgado pelo partido e era o seu porta-voz oficial para assuntos doutrinários e políticos.

Rebelião na Hungria, 1956.

Em 1952, é nomeado um dos 11 membros do Politburo, o órgão máximo da URSS. Mesmo sendo um dos quadros mais próximos de Stalin, mantém seu prestígio sob a liderança de Kruschev, pois apoiara o golpe que acabou com o assassinato do odioso Lavrenti Beria. Teve influência decisiva na repressão ao levante húngaro de 1956, tornando-se amigo do embaixador soviético em Budapeste - ninguém menos que Iuri Andropov. Sua relação com o novo presidente soviético se deterioraria ao longo dos anos, por discordar da política de 'desestalinização' e de aproximação com o ocidente. Suslov também culpou Kruschev pela piora nas relações com a China comunista.

Ajudou, então, a articular o golpe bem sucedido que colocaria Brejnev na presidência, chegando ao apogeu de seu poder e influência. É descrito como o "número 2" da hierarquia, mas na prática é o número 1. Leonid Brejnev não gostava de se ocupar com assuntos de grande complexidade, e por isso Suslov foi ocupando espaços privativos do presidente. Participa de todas as decisões importantes, quando não as toma diretamente.

O Secretário Geral do PCUS, Leonid Brezhnev, e o Secretário do Comitê Central do PCUS, Mikhail Suslov, preparam-se para depositar uma coroa de flores no Monumento a Lênin, 1967.

O problema é que ele envelhece, e as estruturas de poder soviéticas envelhecem junto. No final dos anos 1970, quando Suslov já caminhava para se tornar um octogenário, a alta burocracia soviética era na verdade uma gerontocracia. Ele e Brejnev morrem em 1982, e até 1985 mais três membros do Politburo e Secretários-Gerais - Andropov, Chernenko e Gromyko - baixam à sepultura. Sua vontade férrea na defesa de um modelo estalinista a todo custo levam o bloco soviético ao empobrecimento e a disputas infrutíferas com o ocidente, as quais desgastariam o controle do Partido sobre as demais repúblicas.

A União Soviética envelheceu na mesma medida que Mikhail Suslov, sua personificação quase-anônima. Gorbachov foi uma injeção de juventude e novas idéias que veio tarde demais para mudar o destino daquele poder já decrépito. A morte formal da URSS se deu em 1991, mas não seria exagero afirmar que, em certo sentido, a 'morte espiritual' daquele império socialista se deu em 25 de janeiro de 1982.

Tumba de Mikhail Suslov na Necrópole da Parede do Kremlin.

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