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quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

GALERIA: Armas do golpe militar na Venezuela em 1958

Tanques do exército durante o golpe militar em 23 de janeiro de 1958.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de fevereiro de 2021.

O golpe de estado venezuelano de 1958 ocorreu em 23 de janeiro de 1958, quando o ditador General Marcos Pérez Jiménez foi derrubado, reestabelecendo a democracia no país. Um governo de transição primeiro sob o Almirante Wolfgang Larrazábal e depois Edgar Sanabria foi estabelecido até as eleições de dezembro de 1958, onde o candidato da Ação Democrática, Rómulo Betancourt, foi eleito e assumiu o cargo em 13 de fevereiro de 1959.

Na madrugada do dia 23 de janeiro, apesar de contar com o apoio de um importante setor das Forças Armadas, Pérez Jiménez decidiu abandonar o Palácio de Miraflores e se deslocar para o aeroporto La Carlota, localizado na cidade de Caracas, para embarcar em um avião para o República Dominicana. Com a notícia da derrubada, a população saiu às ruas, saqueando as casas dos partidários do regime, atacando a sede da Segurança Nacional e linchando funcionários.

Notícia do British Pathé sobre a derrubada do General Pérez Jiménez

Também foi destruída a sede do jornal governamental El Heraldo. Além disso, em poucas horas o Palácio de Miraflores tornou-se o ponto de encontro dos rebeldes e de muitos líderes políticos, que procederam à nomeação de uma Junta de Governo Provisório que substituiu o regime deposto.

O Conselho constituiu o Almirante Wolfgang Larrazábal, Comandante-Geral da Marinha, como presidente junto com os coronéis Luis Carlos Araque, Pedro José Quevedo, Roberto Casanova e Abel Romero Villate. Na madrugada de 23 de janeiro, os venezuelanos celebraram a queda de Pérez Jiménez, protestando contra a presença de membros do perejimenismo do Conselho de Administração, incluindo Romero Casanova Villate, que acabou sendo forçado a renunciar e posteriormente substituído em 24 de janeiro pelos empresários Eugenio Mendoza e Blas Lamberti.

Jipes e blindados nas ruas de Caracas em 23 de janeiro de 1958.

O General Pérez Jiménez fora o 6º ditador latino-americano deposto ou assassinado em menos de seis anos em 1958. Um dos bairros de Caracas, Barrio 23 de Enero (Bairro 23 de Janeiro), é nomeado em homenagem ao evento.

Para facilitar o trabalho do Conselho Diretor e o restabelecimento da democracia na Venezuela, foi criado um gabinete provisório, composto por advogados, empresários e executivos e pelo Coronel Jesús María Castro León, do Ministério da Defesa. Posteriormente, o Conselho Diretor convocou eleições para dezembro daquele ano, libertou presos políticos em todo o país, ampliou o Conselho Patriótico com representantes de setores independentes, nomeando o jornalista Fabrício Ojeda como presidente.

Também deu início ao processo de punição dos exilados jimenistas que retornavam.

Um exército bem armado

General Marcos Evangelista Pérez Jiménez.
Entre outras coisas, Jiménez usou o petróleo da Venezuela para financiar um exército muito bem equipado, e o país foi um dos primeiros a adotar os fuzis FN49 e FAL.

A Venezuela fez uma encomenda de 5.000 fuzis FAL fabricados pela FN em 1954, no calibre 7x49,15mm Optimum 2; este 7x49mm, também conhecido como 7mm Liviano ou 7mm venezuelano, é essencialmente um cartucho 7x57mm encurtado para comprimento intermediário e mais perto de ser uma verdadeira munição intermediária do que o 7,62x51mm OTAN.

Este calibre incomum foi desenvolvido em conjunto por engenheiros venezuelanos e belgas motivados por um movimento global em direção aos calibres intermediários. Os venezuelanos, que usavam exclusivamente a munição 7x57mm em suas armas leves e médias desde a virada do século XX, sentiram que era uma plataforma perfeita para basear um calibre feito sob medida para os rigores particulares do terreno venezuelano. Eventualmente, o plano foi abandonado, apesar de ter encomendado milhões de munições e milhares de armas deste calibre. Com a escalada da Guerra Fria, o comando militar sentiu que era necessário alinhar-se com a OTAN por motivos geopolíticos, apesar de não ser um membro, resultando na adoção do cartucho 7,62x51mm OTAN. Os 5.000 fuzis do primeiro lote foram recalibrados em 7,62x51mm.

O FAL e FAP venezuelanos do modelo 7mm Liviano.

Pacote de munição 7mm Liviano.

Silhueta de um soldado venezuelano com o FAL 7mm.
(Forgotten Weapons)

O mesmo soldado mais visível enquanto pega uma carona em um blindado.
(Forgotten Weapons)

Soldados venezuelanos em posição com o FAL 7mm e o FN BAR Modelo D.
O quebra-chama distinto do FAL venezuelano é visível próximo ao carregador do BAR.
(Forgotten Weapons)

Esse primeiro modelo de FAL venezuelano em 7mm também era equipado com um quebra-chama de três pontas distinto. Em 1961, um segundo lote de fuzis FAL foi encomendado no calibre 7,62mm OTAN, e as armas existentes também foram convertidas para esse calibre, com o FAL de 7mm existindo apenas brevemente, de 1954 a 1961, com a sua única ação real na Venezuela no golpe de 1958.

Um outro exemplo foi na Revolução Cubana. Ao marchar vitoriosamente em Havana em 1959, Fidel Castro carregava um FN FAL venezuelano em 7mm Liviano.

A Venezuela foi o primeiro país a encomendar o FN49, com um lote de 4.000 fuzis em 1948 e outro de 4.000 em 1951. Estes foram calibrados no cartucho 7x57mm Mauser, que fora a munição padrão na Venezuela por muitos anos. Essas armas serviram ao lado de fuzis de ferrolho FN 24/30 Mauser de mesmo calibre 7mm Mauser.

Soldados venezuelanos com fuzis FN 24/30 Mauser e FN49 em 7mm Mauser.
(Forgotten Weapons)

Tropas armadas com fuzis FN 24/30 Mauser em 7mm Mauser em meio à população.
(Forgotten Weapons)

Soldados com a baioneta longa do fuzil FN 24/30 Mauser.

Outra arma rara que tomou parte no golpe foi a submetralhadora francesa Hotchkiss Universal, que é dobrável. A Venezuela é um dos poucos países que comprou essa arma. Dois militares são vistos com a Hotchkiss Universal atrás de um oficial empunhando um microfone.

A coronha distinta de um Hotchkiss Universal aparece na extrema esquerda. O oficial atrás do homem com o microfone também está segurando uma Universal pelo cano. Um guarda-costas com uma submetralhadora M1A1 Thompson está em pé no fundo.
(Forgotten Weapons)

Os mesmos homens tomando posições na varando pouco depois. As submetralhadoras Hotchkiss Universal e M1A1 Thompson estão claramente visíveis.
(Forgotten Weapons)

Dobragem da Hotckiss Universal

O canal Forgotten Weapons fez um vídeo demonstrando esse sistema de dobragem da submetralhadora Hotchkiss Universal.

Legado

Pérez Jiménez se recusou a resistir o golpe. Quando incitado a bombardear com artilharia a academia militar sublevada, Pérez respondeu "eu não mato cadetes". O ex-ditador se exilou na República Dominicana de Trujillo e depois em Miami, nos Estados Unidos. Ele depois se mudaria para a Espanha de Franco, morrendo em Alcobendas, no distrito de Madri, aos 87 anos em 20 de setembro de 2001. 

Pérez Jiménez (mais conhecido como "P.J.") é considerado um dos melhores presidentes que a Venezuela já teve. Seu sucessor, Rómulo Betancourt, continuou seus projetos nacionais e crescimento do poder de compra dos venezuelanos. Betancourt permaneceu alinhado aos Estados Unidos e foi alvo de um atentado à bomba por terroristas comunistas em 1960.

Soldado armado com o primeiro modelo do FAL venezuelano vigiando a limusine do presidente Rómulo Ernesto Betancourt Bello, danificada por uma bomba em 1960.
(Daniel/ Forgotten Weapons)

O General Pérez Jiménez iniciou sua carreira militar em 1931, quando ingressou no Colégio Militar da Venezuela, graduando-se como Segundo Tenente em 1933, com as melhores notas de sua turma, sem ter ultrapassado sua média na história da Academia Militar da Venezuela. Em 1941 fez cursos de especialização na Escola Militar de Chorrillos, em Lima, Peru, junto com o ex-Ministro do Desenvolvimento e Obras Públicas, General de Brigada José del Carmen Cabrejo Mejía durante o governo militar do General Manuel A. Odria, sendo promovido a capitão ao retornar à Venezuela.

Pérez Jiménez fez uso do aumento do preço do petróleo para iniciar e concluir muitos projetos de obras públicas, incluindo estradas, pontes, prédios governamentais e moradias públicas, bem como o rápido desenvolvimento de indústrias como hidroeletricidade, mineração e aço. A economia da Venezuela desenvolveu-se rapidamente enquanto Jiménez estava no poder, com a inflação controlada entre 0,84% a 1,67%.

Um dos mais ousados projetos de Jiménez foi o Plano Ferroviário Nacional, que uniria quase todo o território nacional venezuelano pela malha ferroviária, solucionando assim um dos principais problemas dos países subdesenvolvidos: a integração territorial. Apenas a primeira etapa foi realizada - a união de Puerto Cabello com Barquisimeto - e a segunda foi cancelada por Betancourt.

Outra frente foi a criação de grandes blocos urbanos, com enormes conjuntos habitacionais públicos e o simbólico Humboldt Hotel & Tramway com vista para Caracas. A Venezuela, nessa época, era chamada de "A Jóia da América do Sul", e os venezuelanos tiveram a maior renda per capita sul-americana até a década de 1980.

O esforço modernizante de Jiménez também incentivou a imigração européia à Venezuela, fazendo uso do nível de instrução e cultural dos novos imigrantes para o desenvolvimento imediato da sociedade venezuelana.

A década de 50 é considerada a época em que começa a institucionalização da ciência e o desenvolvimento de uma verdadeira política científica na Venezuela que deu lugar à produção de conhecimento científico sistemático, financiado, com reconhecimento social e com apoio direto. estatal ou da empresa privada. Durante esses anos iniciais, a política científica na Venezuela deu maior peso às ciências básicas do que as ciências aplicadas e o desenvolvimento tecnológico.

Em 29 de abril de 1954, o Instituto Venezuelano de Neurologia e Pesquisa do Cérebro (IVNIC) foi fundado nas terras dos Altos de Pipe sob a direção de Humberto Fernández-Morán. Vários pesquisadores estrangeiros especializados principalmente em pesquisa biomédica foram contratados, bem como bem como a compra e instalação de um Reator Nuclear do Centro de Física, o primeiro do gênero na América Latina.

A origem do golpe de 1948 que acabaria levando PJ ao poder em 1952 ocorreu pelo temor de cortes nos salários dos soldados e pela falta de equipamento militar modernizado. A Venezuela adquiriu considerável quantidade de material militar e suas forças eram notadamente bem instruídas, sempre notadas pela precisão de marcha durante desfiles.

General Pérez Jiménez na capa da revista TIME.

Em sua edição de 28 de fevereiro de 1955, a revista americana Time homenageou Marcos Pérez Jiménez com sua capa. Junto com o retrato na capa, você pode ler a frase "From buried riches, a golden rule" ("Das riquezas enterradas, um governo de ouro"). O artigo nesta publicação dedicado ao governante foi intitulado "VENEZUELA: Skipper of the Dreamboat" (Venezuela: Capitão do Barco dos Sonhos).

Pérez Jiménez ainda mudou o nome do país, que desde 1864 era "Estados Unidos da Venezuela", para "República da Venezuela". Esse nome permaneceu até 1999, quando foi alterado para República Bolivariana da Venezuela por um referendo constitucional.

Embora as coisas tenham terminado mal para Jiménez entre prisões e exilados, sua imagem para alguns cidadãos passou por uma espécie de reabilitação em ambos os lados do espectro político hoje, de acordo com alguns meios de comunicação e colunas de opinião. O período de Pérez Jiménez no poder é historicamente lembrado como um governo de raízes nacionalistas. Seu governo baseava-se em um pragmatismo ideológico caracterizado pela Doutrina do Bem Nacional (Doctrina del Pozo Nacional), que para o regime se expressava em que o Novo Ideal Nacional (Nuevo Ideal Nacional) seria o farol filosófico que orientaria as ações do governo.

Seu legado político conhecido como Perezjimenismo foi sustentado pelo partido político Cruzada Cívica Nacionalista (CCN), que ocupou cadeiras no Congresso de 1968 a 1978. Nos últimos anos, houve um renascimento do Perezjimenismo e do Nuevo Ideal Nacional, com vários grupos revisando e mantendo o legado de Marcos Pérez Jiménez.

Hugo Chávez falando sobre Pérez Jiménez


Em 25 de abril de 2010, o presidente Hugo Chávez comentou em uma das edições do seu programa semanal Aló Presidente

“Acredito que o General Pérez Jiménez foi o melhor presidente que a Venezuela teve em muito tempo. (...) Foi melhor que Rómulo Betancourt, ele era melhor do que todos eles. Não vou citar. (...) Eles o odiavam porque ele era militar”. (...) “Veja, se não fosse pelo General Pérez Jiménez, você acha que teríamos o Forte Tiuna, a Academia, o Efofac, o Círculo Militar, Los Próceres, a rodovia Caracas-La Guaira, as superquadras de '23 de enero'?, Rodovia Centro, Teleférico, Siderúrgica, Guri?"

Canção patriótica sobre o então Coronel Pérez Jiménez


Bibliografia recomendada:

Latin America's Wars:
The Age of the Professional Soldier, 1900-2001.
Robert L. Scheina.

Leitura recomendada:

O Fuzil FN49 - Uma Breve Visão Geral30 de março de 2020.

GALERIA: FN49 do contrato egípcio9 de maio de 2020.

PERFIL: General Germán Busch Becerra - Herói do Chaco e presidente da Bolívia (1937-1939)22 de outubro de 2020.

GALERIA: Snipers no Forças Comando na República Dominicana3 de novembro de 2020.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

FOTO: Sniper com baioneta calada

Fuzileiro naval venezuelano usando um traje ghillie e carregando um fuzil sniper Dragunov com baioneta calada, 2016.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de dezembro de 2020.

O fuzil Dragunov do naval venezuelano tem uma baioneta porque os russos sempre tiveram uma atração pelo uso da baioneta e sempre enfatizaram o seu emprego em combate. O grande general russo Alexander Vasilyevich Suvorov disse "A bala é uma loucura; só a baioneta sabe o que está fazendo" e "Ataque com o aço frio! Avance com força com a baioneta!". Essa mentalidade permaneceu por muito tempo, e mesmo os fuzis de atiradores de elite mantiveram os reténs das baionetas até o século XXI.

Um dos estudos mais detalhados sobre o estilo de guerra russo foi publicado como "Baionetas antes de balas: O Exército Imperial russo, 1861-1914" (Bayonets Before Bullets: The Imperial Russian Army, 1861-1914, de Bruce W. Menning).

Cabe lembrar que o SVD (Snayperskaya Vintovka Dragunova, literalmente Fuzil Sniper Dragunov) foi o primeiro fuzil projetado para essa função ao invés de ser adaptado para ela. A Venezuela comprou um lote de mil fuzis Dragunov em 2007.

Nos anos 1920 e 30, a União Soviética iniciou um massivo rearmamento e os snipers foram um ponto focal dessa evolução. O exército, chamado na época "Exército Vermelho dos Operários e Camponeses" (Raboche-Krest'yanskaya Krasnaya Armiya, RKKA), era deixado à míngua e subfinanciado em favor das forças de segurança internas, como o NKVD (e o OGPU, que foi passado para o NKVD em 1934), que investiu pesadamente em equipamentos e treinamento para atiradores de elite nesse período, com lunetas baseadas nos modelos Zeiss. À partir de 1926 os soviéticos produziram lunetas baseadas nos modelos Zeiss-Jena e Emil Busch. À partir de 1932 os soviéticos produziram a luneta PE, uma versão melhorada do modelo Busch, e com as experiências da Guerra Civil Espanhola foi criado o modelo PEM, a melhor luneta dos snipers soviéticos. De 1932 a 1938, cerca de 54 mil lunetas foram produzidas e entregues ao exército e NKVD, e o culto ao sniper - snayperskaya - foi amplamente promovido nas forças soviéticas; todos mantendo uma baioneta.

Bibliografia recomendada:

Bayonets before bullets:
The Imperial Russian Army, 1861-1914.
Bruce W. Menning.

Out of Nowhere:
A History of the Military Sniper.
Martin Pegler.

Leitura recomendada:

GALERIA: Snipers no Forças Comando na República Dominicana, 3 de novembro de 2020.

GALERIA: Competição Jäger Shot 2020 na Alemanha, 2 de dezembro de 2020.

FOTO: Sniper separatista na Ucrânia16 de maio de 2020.

FOTO: Sniper vietnamita durante a Operação Mouette15 de outubro de 2020.

FOTO: Posto sniper na Chechênia15 de outubro de 2020.

FOTO: Tocando a baioneta28 de fevereiro de 2020.

PINTURA: Ataque à baioneta, 1915, 23 de fevereiro de 2020.

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

FOTO: Invasão argentina das Ilhas Falklands

Primero Cabo Jacinto Eliseo Batista, comando anfíbio argentino, escoltando prisioneiros britânicos em Port Stanley, durante a na invasão das ilhas Falklands em 2 de abril de 1982.
O Royal Marine à frente é Lou Armour.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 16 de novembro de 2020.

A foto foi tirada durante a Operação Rosário, a invasão argentina das Falklands britânicas, após o governador Rex Hunt ordenar a rendição, e rodou o mundo. Os prisioneiros são Royal Marines do Naval Party 8901 (Destacamento Naval 8901, NP 8901) que defenderam a Casa do Governador em Stanley.

A invasão anfíbia, comandada pela marinha argentina sob o Vice-Almirante Carlos Büsser, se baseou na superioridade absoluta sobre os defensores britânicos. Apesar da execução desastrada, com os comandos anfíbios perdendo um tenente morto e 4 comandos feridos no ataque à Casa do Governador, com o ataque sendo repelido, a pequena guarnição do NP 8901 não tinha como resistir ao esforço conjunto das forças argentinas; com um batalhão de fuzileiros navais argentinos (BM 2) já desembarcado e avançando em direção à Stanley. Para evitar perdas inúteis, o governador Rex Hunt ordenou aos reais fuzileiros britânicos que se rendessem.

Quando a Força-Tarefa britânica se dirigiu ao arquipélago, em 5 de abril (meros 3 dias depois da famosa foto), o Primero Cabo Jacinto Eliseo Batista foi retirado das Falklands porque sua captura seria um golpe de propaganda muito duro. Ele continuou na IMARA e se aposentou como Suboficial.

Em menos de 3 meses, em 14 de junho de 1982, o mesmo NP 8901 hasteou a bandeira britânica na Casa do Governador que tão bravamente defenderam.

Reais fuzileiros navais da Naval Party 8901 hasteando a bandeira britânica na Casa do Governador em Stanley, após a rendição argentina em 14 de junho de 1982; 10 semanas após a invasão.

Na Geórgia do Sul, que ainda resistia após a rendição de Stanley, a pequena guarnição de Royal Marines liderada por um tenente derrubou um helicóptero antes de engajar um navio de guerra em 3 de abril. A corveta ARA Guerrico foi colocada fora de combate por um lança-rojão Carl Gustav 84mm disparado por um Royal Marine na linha d'água, rompendo o casco e causando inundação, enquanto o Sargento Peter James Leach manteve a ponte do Guerrico sob fogo de sniper e incapaz de coordenar o navio. O ARA Guerrico foi forçado a se afastar da costa, tendo já levado um segundo tiro de 84mm no seus sistema Exocet.

Uma guarnição de 55 fuzileiros navais argentinos foi estabelecida na Geórgia do Sul. Com reforços do exército, a guarnição se elevou a 150 militares e se renderia sem disparar um único tiro em 25 de abril de 1982.

Manifestações e tumultos em Buenos Aires após a rendição argentina


Bibliografia recomendada:




Leitura recomendada:

domingo, 8 de novembro de 2020

A Venezuela está comprando petróleo iraniano com aviões cheios de ouro


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de novembro de 2020.

O Irã recebeu ouro da Venezuela pelas cargas de combustível que Teerã enviou ao país latino-americano, disse um comandante do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC) no fim de semana, conforme noticiado pelo Middle East Monitor em setembro.

Cinco meses depois que as autoridades iranianas negaram o recebimento do pagamento pelo combustível enviado para a Venezuela, o mais alto assessor do líder supremo Ali Khamenei confirmou, em 27 de setembro, que o Irã recebeu ouro pelos carregamentos. Em 30 de abril desse ano, o representante especial dos EUA para a Venezuela, Elliott Abrams afirmou que “Os aviões que estão vindo do Irã e trazendo coisas para a indústria do petróleo estão voltando com os pagamentos por essas coisas: ouro”.

Notícias da época do relatório de Abrams afirmavam que havia uma ponte aérea entre o Irã e a Venezuela já em abril, quando as linhas aéreas iranianas Mahan realizaram vários vôos. A Mahan Air está sob sanções dos Estados Unidos por transportar armas e ser usada pela Guarda Revolucionária em suas operações no exterior. O Ministério das Relações Exteriores do Irã e outras autoridades rejeitaram os comentários de Abrams na época, dizendo que o objetivo de tais acusações era "exercer mais pressão" sobre o Irã.

Sem dinheiro e desesperado por ajuda para sustentar sua indústria de petróleo, a Venezuela está saqueando seus cofres de ouro e entregando toneladas de barras para seu exótico aliado, o Irã. De acordo com o Major General Yahya Safavi do IRGC, o Irã transportou o ouro da Venezuela para Teerã por meio de aviões a fim de "prevenir qualquer acidente durante o trânsito".

O Irã tem uma relação estreita com o governo venezuelano anti-EUA desde os dias do presidente Hugo Chávez, em meados dos anos 2000.

General Yahya Rahim-Safavi, IRGC.

Aviões no lugar de navios

Depois que o Irã entregou condensado à Venezuela por meio de um navio-tanque com bandeira do Irã, o mesmo navio-tanque carregou petróleo bruto venezuelano em um terminal no país latino-americano, informou a Bloomberg em setembro de 2020, citando um relatório de embarque. Irã e Venezuela também trocaram recentemente petróleo bruto, desafiando as sanções dos EUA.

Além de ajudar com os serviços de petróleo, o Irã declarou estar pronto para ajudar a Venezuela a lidar com sua severa escassez de gasolina e no início deste ano conseguiu enviar cargas de combustível para o país latino-americano, que detém as maiores reservas de petróleo do mundo.

A Guarda Costeira dos Estados Unidos interceptou e apreendeu quatro desses carregamentos de gasolina com destino à Venezuela em agosto. Isso forçou a mudança do modal de transporte marítimo para o aéreo. A transportadora Mahan Air, com sede em Teerã, já vôou com mais de meia dúzia de jatos para o país sul-americano apenas na última semana de abril.

A maioria entregou aditivos para gasolina, peças e técnicos para ajudar a consertar uma refinaria importante ao longo da costa noroeste da Venezuela. Enquanto isso, Mahan enviou outros aviões para o aeroporto internacional fora de Caracas, onde são carregados com as barras de ouro para serem levados de volta a Teerã, disseram fontes internas que pediram anonimato porque não estão autorizadas a falar publicamente sobre as transações.

Com grande parte do pessoal do banco central isolado em casa, o transporte das barras de ouro em carros blindados para serem levados ao aeroporto foi discreto e conduzido por funcionários e oficiais de segurança fortemente armados à partir dos cofres localizados no centro de Caracas.

Só na última semana de abril a Venezuela carregou 9 toneladas de ouro, no valor de cerca de US$ 500 milhões, em aviões para o Irã, em troca da ajuda iraniana para consertar refinarias em ruínas na Venezuela, disseram fontes internas à Bloomberg.

Com o colapso dos preços do petróleo, o ouro em Caracas é agora uma fonte ainda mais importante de riqueza para a Venezuela, que caiu na pobreza extrema sob o governo socialista de Maduro. Embora o país tenha cerca de 70 toneladas de ouro em seus cofres, vendê-lo está cada vez mais difícil, conforme noticiou o Bloomberg em sua seção de economia.

Depois de uma breve - e rara trégua - a moeda da Venezuela está mais uma vez em queda livre e a inflação recomeçou a subir, com a taxa anual subindo para cerca de 3.500%. Uma quarentena estrita para combater a pandemia do coronavírus está começando a apresentar rachaduras e o risco de maior agitação social está crescendo enquanto a Venezuela tenta freneticamente garantir comida e combustível.

Uma aliança, no mínimo, exótica

Comandos venezuelanos ativação do Comando Geral de Operações Especiais "General em Chefe Félix Antonio Velásquez" como parte da Operación Soberanía Bolivariana 2017; uma operação de defesa contra "a agressão imperialista" dos Estados Unidos.

As duas nações - ambas párias nos círculos internacionais - estão trabalhando juntas ainda mais enquanto tentam resistir às duras sanções dos EUA e ao colapso do preço do petróleo causado pelo coronavírus, sua principal fonte de receita. Para o Irã, os acordos fornecem uma nova fonte de receita. Para a Venezuela, eles garantem que seu fornecimento de gasolina não acabe totalmente.

Quando o antecessor de Maduro, o falecido Hugo Chávez, estava no poder, ele e o então líder iraniano Mahmoud Ahmadinejad fecharam acordos em uma variedade de projetos de energia, agrícolas e financeiros. Eles até abriram uma fábrica conjunta de montagem de automóveis a oeste de Caracas. O Irã também está ajudando a Venezuela na prevenção de ataques cibernéticos, disse o oficial militar iraniano. Irã e Venezuela, ambos sob sanções dos Estados Unidos que visam cortar suas exportações de petróleo, aumentaram a cooperação nos últimos anos.

O conselheiro de Khamenei também disse: “Hoje os venezuelanos são comunistas, mas se mantiveram firmes contra os americanos, então vamos ajudá-los”. Rahim-Safavi também revelou que Teerã está ajudando Caracas com softwares, “estabelecendo forças de mobilização popular” e “prevenindo ataques cibernéticos”. Ele acrescentou que “qualquer país muçulmano ou não-muçulmano que precisar de ajuda [contra os americanos], nós ajudaremos, mas eles terão que pagar por isso”.

Spetsnaz russo em um prédio público sírio.
Atrás dele os retratos do atual ditador Bashar al-Assad e seu pai, Hafez al-Assad.

Continuando seus comentários, o general do IRGC disse: “Recebemos dólares em dinheiro por cada assistência que prestamos ao Iraque. Com a Síria temos um acordo e recebemos certas coisas. Claro, os russos se beneficiam mais com a Síria do que nós.”

O Irã luta na Síria quase desde o início da guerra civil do país em 2011. Teerã mobilizou dezenas de milhares de forças de fachada que equipa, alimenta e paga. Algumas estimativas dizem que mais de US$ 15 bilhões foram gastos para apoiar o homem forte sírio Bashar al-Assad.

Vídeo recomendado:

Jack Ryan Is Lying About Venezuela
Jack Ryan está mentindo sobre a Venezuela


Bibliografia recomendada:

A Obsessão Antiamericana:
Causas e Inconseqüências.
Jean-François Revel,
da Academia Francesa.

Leitura recomendada:

O desafio estratégico do Irã e da Venezuela com as sanções13 de setembro de 2020.

A influência iraniana na América Latina15 de setembro de 2020.

O papel da América Latina em armar o Irã16 de setembro de 2020.

Poderia haver uma reinicialização da Guerra Fria na América Latina?4 de janeiro de 2020.

GALERIA: Ativação do Comando de Operações Especiais venezuelano30 de agosto de 2020.

Um olhar mais profundo sobre a interferência militar dos EUA na Venezuela, 4 de abril de 2020.

FOTO: O jovem cadete Hugo Chavez27 de março de 2020.

sábado, 24 de outubro de 2020

PERFIL: General Hans Kundt, conselheiro militar alemão na Bolívia

O Tenente-General Hans Kundt.
Ele foi o Comandante-em-Chefe e Ministro da Guerra das forças bolivianas na Guerra do Chaco contra o Paraguai de 1932 a 1935.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de outubro de 2020.

O Tenente-General Hans Kundt foi a principal figura militar da Bolívia durante as duas décadas anteriores à Guerra do ChacoInfelizmente para os bolivianos, ele não foi capaz de utilizar corretamente a superioridade da Bolívia em armamentos, tanques e aviação, preferindo táticas fúteis de ataques frontais contra posições bem defendidas. Após o desastre no Cerco de Campo Vía (1933), ele foi substituído pelo General Enrique Peñaranda.

Carreira inicial no Exército Imperial Alemão

Hans Anton Wilhelm Friedrich Kundt nasceu em 28 de fevereiro de 1869, em Neustrelitz, no Grão-Ducado de Mecklenburg-Strelitz, na então Confederação Alemã do Norte. Vindo de uma família de oficiais militares, Hans Kundt ingressou no 4º Regimento de Infantaria da Turíngia Nº 72 (4. Thüringische Infanterie-Regiment Nr. 72) do Exército Prussiano em 7 de março de 1888. Lá, ele foi nomeado Portepeefähnrich (cadete aspirante a oficial) em 15 de outubro de 1888 e promovido a segundo-tenente em 21 de setembro de 1889. De 1º de outubro de 1893 a 15 de setembro de 1896, ele serviu como ajudante no comando distrital de Naumburg (Saale).

Kundt então estudou na Academia de Guerra (Kriegsakademie) por três anos e, entretanto, foi promovido a Primeiro-Tenente (Premierleutnant) em 20 de maio de 1897, sendo transferido para o Regimento de Infantaria "Vogel von Falckenstein" (7º Westfaliano) Nº 56 - Infanterie-Regiment "Vogel von Falckenstein“ (7. Westfälisches) Nr. 56Depois de ter concluído com sucesso a academia militar, foi designado para o Großen Generalstab (oficialmente Grão-Estado-Maior, o Estado-Maior Geral do Exercito Imperial) por um ano. Esse comando foi então prorrogado por mais um ano, até que finalmente agregou em 22 de março de 1902 com sua promoção a capitão do Estado-Maior do Exército (Hauptmann dem Generalstab der Armee) e foi transferido para servir ao Estado-Maior do XVII Corpo de Exército (Generalstab des XVII. Armee-Korps), com sede em Dantzig.

Seu irmão Jasper Kundt (1872-1940) foi um major-general (Generalmajor) do exército alemão; sua irmã Marie Kundt ocupou o cargo de diretora da Academia de Arte Fotográfica de Lette.

Missão Militar Alemã na Bolívia

Guarda Presidencial boliviana durante uma cerimônia na capital La Paz.
Eles estão equipados com os capacetes Pickelhauben, de tradição prussiana, em estilo cuirassier imperial alemão. A Guarda Presidencial era recrutada no "Regimento Colorados 1º de Infanteria".


Hans Kundt foi enviado à Bolívia em 1908, durante o primeiro governo do presidente Ismael Montes Gamboa, como chefe da missão militar de treinamento alemã; com o posto de major. O efetivo da missão alemã era de 5 oficiais e 13 gruaduados.

Kundt teve um excelente relacionamento com o governo e o Exército bolivianos, adquirindo reputação de grande administrador e instrutor de tropas. Em 1911, durante o governo do presidente Eliodoro Villazón Montaño, Kundt iniciou a reorganização do Exército boliviano segundo o modelo prussiano.

Primeira Guerra Mundial

Retrato com dedicatória do então Oberstleutnant Hans Kundt em 1915.

Em 1914, ele retornou à Alemanha e  tornou-se tenente-coronel (Oberstleutnant) em 19 de agosto de 1914 no comando do Regimento de Infantaria da Reserva Nº 254 (Reserve-Infanterie-Regiments Nr. 254) da Landwehr na Frente Oriental; combatendo na Polônia e na Galícia contra o Exército Imperial Russo. Ele foi chefe do Estado-Maior do X Exército do Corpo de Reserva entre 30 de junho e 29 de novembro de 1915.

O Coronel Kundt também comandou o 1º Regimento de Granadeiros da Guarda "Kaiser Alexander" (Kaiser Alexander Garde-Grenadier-Regiment Nr. 1) de 3 de janeiro de 1917 a 1º de março de 1918. Promovido a coronel (Oberst) em 2 de abril do mesmo ano, em 3 de janeiro de 1918 assume o comando da 42ª Brigada de Infantaria (42. Infanterie-Brigade)., mantendo-o até 8 de setembro de 1918.

Após a assinatura do armistício, reassumiu o comando do 1º Regimento de Granadeiros da Guarda "Kaiser Alexander" de 20 de janeiro de 1919 até sua dissolução. Ele então passou, em 1º de janeiro de 1920, ao comando do distrito militar de Glogau, na Baixa Silésia, que logo se tornaria Glogóvia, território da Polônia recém-independente.

Em 30 abril do mesmo ano foi realocado para a reserva com o posto de major-general (Generalmajor).

De volta à Bolívia

Em 1921, ele retornou à Bolívia como civil, mas foi imediatamente nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército com o posto de Tenente General. Nesta posição, ele deu continuidade à reorganização iniciada em 1911 e se tornou muito popular porque - ao contrário da maior parte do corpo de oficiais bolivianos - cuidava do bem-estar de cada soldado. Em 1923 foi nomeado Ministro da Guerra, iniciando um programa de modernização dos materiais fornecidos ao exército. Esse programa foi executado durante a década de 1920 e estudou-se o plano operacional para a ocupação definitiva do Chaco, área em litígio com o Paraguai.

Ernst Röhm com o uniforme boliviano.

Em 1928, ele alcançou Ernst Röhm, futuro criador do Batalhão de Assalto (Sturmabteilung, SA) do partido nazista, e que então trabalhava como instrutor militar na patente de tenente-coronel na Bolívia.

Hans e sua esposa Gertrude, 1925.

Em meados da década de 1930, Kundt tentou influenciar os oficiais do exército a favorecerem a reeleição do presidente Hernando Siles Reyes e, portanto, quando este foi deposto em um golpe-de-estado, Kundt foi forçado a se exilar: mudou-se então para o Chile e tornou-se instrutor do exército local, também prussiano, estudando o teatro operacional da Patagônia em caso de conflito com a Argentina.

Guerra do Chaco

Em 15 de junho de 1932, tropas bolivianas atacaram o estratégico posto avançado paraguaio de Carlo Antonio Lopez, localizado próximo a uma das principais fontes de água na região do Chaco: um soldado paraguaio foi morto e cinco foram feitos prisioneiros.

A reação paraguaia foi extremamente rápida e levou à reocupação da posição perdida, mas foi o início de uma guerra aberta entre os dois países. No final do ano, a liderança boliviana convocou com urgência Kundt, que chegou do Chile via Lima de trem, sendo acolhido por uma multidão jubilosa; em 5 de dezembro foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército no lugar do General Filiberto Osorio.

General Kundt, vestindo uniforme boliviano e rodeado de praças, no seu posto de comando no Chaco, 14 de setembro de 1933.

No entanto, apesar da superioridade numérica e da disponibilidade de armamentos modernos, o exército boliviano não conseguiu prevalecer, sendo incapaz de usar sua superioridade a seu favor devido a táticas inadequadas. O uso de ataques frontais contra posições bem defendidas (típicas da Primeira Guerra Mundial), a falta de coordenação entre exército e força aérea, as graves deficiências logísticas e o deficiente serviço de reconhecimento levaram os bolivianos a sofrer inúmeras derrotas, com perdas graves de homens e meios.

A estratégia boliviana baseava-se na indubitável superioridade de recursos econômicos e populacionais (3 para 1) que possuía sobre o Paraguai. Para o estado-maior boliviano, a ocupação do Chaco e o acesso ao rio Paraguai eram mais um problema diplomático do que militar.

"O Tenente-Coronel Ángel Rodríguez acreditava que só havia água suficiente para enviar 5.000 homens, e que apenas unidades do tamanho de uma companhia poderiam manobrar pelos arbustos, enquanto Kundt permanecia firmemente convencido de que 3.000 homens seriam suficientes para tomar Assunção."

- James Dunkerley, Orígenes del poder militar: Bolivia 1879-1935, pg. 207, 1987.

Soldados bolivianos se movendo pelo terreno inclemente do Chaco.

Não se levou em conta a história daquele pequeno país localizado ao sul e a importância que dava à posse do Chaco Boreal. Em 1928, o presidente Daniel Salamanca, para quem o Paraguai era "a mais miserável das repúblicas da América do Sul", disse:

"A Bolívia tem uma história de desastres internacionais que devemos contrapesar com uma guerra vitoriosa [...]. Assim como os homens que pecaram devem ser submetidos à prova de fogo para salvar suas almas [...] países como o nosso, que cometeram erros de política interna e externa, devemos e precisamos nos submeter à prova de fogo, que não pode ser qualquer outra coisa que não o conflito com o Paraguai [...] o único país que podemos atacar com garantias de vitória."

Jorge Antezana Villagrán, La Guerra del Chaco: análisis y crítica sobre la conducción militar, pg. 12-13, 1982.

Comando-em-Chefe das forças bolivianas

Kundt à cavalo durante um exercício na Bolívia.

Devido ao fracasso das operações militares bolivianas nos primeiros três meses de combate, e da popularidade que tinha na Bolívia pela tarefa de estruturação do Exército que havia realizado, o presidente Daniel Salamanca ofereceu-lhe o cargo de Comandante-em-Chefe. Salamanca também achava que com essa medida poderia controlar os rebeldes oficiais do alto comando boliviano e ter um "bode expiatório" no suposto caso de que as coisas não corressem bem. Kundt tinha então 63 anos.

"O Exército Boliviano era obra de Hans Kundt, era o Exército que desfilava em formações perfeitas nos dias de lembrança cívica, era o Exército que realizou manobras no Altiplano, causando inquietude nos governos do Chile e do Peru, e era também o Exército que nunca foi preparado para uma campanha em clima tropical e terreno arborizado."

- Querejazu Calvo, Historia de la Guerra del Chaco, pg. 55, 1990.

Limitado por sua concepção estratégica de ocupar o território do Chaco até chegar ao rio Paraguai e acreditando que poderia levar adiante uma guerra "econômica" sem mobilizar todos os recursos militares que lhe teriam dado uma superioridade avassaladora sobre o Paraguai, Kundt tentou desalojar o Exército Paraguaio de todos os pontos intermediários a esse objetivo estratégico por meio de ataques frontais.

As características do teatro de operações do Chaco, o custo em homens que reduziam suas forças e a ação da camarilha de oficiais bolivianos que sabotavam suas ações de diferentes maneiras, determinaram que depois de 9 meses de ataques Kundt não conseguira destruir o inimigo conforme seu objetivo inicial.

Kundt e oficiais bolivianos,
estes ainda com o uniforme de influência francesa.


Depois das pesadas derrotas nas batalhas de Nanawa e Alihuata, onde Kundt ordenou sangrentos ataques frontais de infantaria a posições fortificadas, o prussiano liderou os bolivianos no desastre da Batalha de Campo Via.

Ocorrida entre 3 e 11 de setembro, o Exército Boliviano lastimou a perda de mais de 9.000 soldados (2.600 mortos e 7.500 feitos prisioneiros), 8.000 fuzis, 536 metralhadoras, 25 morteiros e 20 peças de artilharia, o presidente Daniel Salamanca Urey o destituiu do comando e o substituiu pelo General Enrique Peñaranda del Castillo.

Charge paraguaia representando Hans Kundt e o presidente Salamanca sendo repelidos pelo General Estigarribia, à frente do presidente Eusebio Ayala.
A legenda diz: 

"O Ajudante de Kundt: Um momento, Excelência; o prudente general previu esta emergência..."


Em 16 de novembro de 1934, ocorreu a rendição das 1ª e 2ª Divisões de Reserva bolivianas em El Carmen. A consequência imediata foi a retirada de 18.000 homens do exército boliviano do forte Ballivián, localizado ao sul, em direção a Villamontes.

Em 27 de novembro, o presidente Salamanca tentou substituir Peñaranda pelo General Lanza, mas Peñaranda, apoiado pelo Coronel Germán Bush (ex-comandante-em-chefe do Exército Boliviano), cercou a vila onde Salamanca estava localizado e o obrigou a reconfirmá-lo no posto.

Em 30 de novembro de 1934, após a derrota de El Carmen, Salamanca demitiu definitivamente Peñaranda e mais uma vez deu o comando supremo do exército a Kundt; este procedeu à remoção do General Peñaranda del Castillo, e então tentou revitalizar as tropas agora perto do colapso total.

O exército paraguaio surpreendentemente se infiltrou em uma divisão entre duas divisões bolivianas, viajando 70km pelo deserto com o objetivo de capturar os poços do forte Yrendagüé localizado na retaguarda boliviana e deixar três divisões inimigas sem água, no meio do deserto.

Tanque Vickers Mark E. de 6 toneladas boliviano capturado pelos paraguaios. Blindados foram adquiridos por insistência de Kundt mas, apesar de aquisições caras, foram utilizados mal e provaram-se inúteis no terreno do Chaco.

Após a derrota de Yrendagué (5 a 8 de dezembro de 1934), as tropas bolivianas abandonaram definitivamente o Chaco e com a deposição do presidente Salamanca, substituído pelo vice-presidente José Luis Tejada Sorzano, Hans Kundt foi novamente demitido do comando e praticamente colocado em prisão domiciliar em sua casa. Em abril de 1935 o exército paraguaio entrou em território boliviano e, no mês de junho seguinte, foi assinado o tratado de paz que atribuía definitivamente a maior parte do território do Chaco ao Paraguai.

Depois de deixar a Bolívia permanentemente no primeiro trimestre de 1936, Kundt se estabeleceu por um curto período na Alemanha e depois mudou-se para Minusio, na Suíça. Ele morreu em Lugano, em 30 de agosto de 1939; apenas dois dias antes da invasão nazista à Polônia.

Publicações

- Prescripciones para el tiro con cartuchos de guerra, para los cuerpos armados con fusil y carabina, que regirán desde la fecha, Intendencia de Guerra, La Paz, 1923.

- Campaña del Chaco, el general Hans Kundt, comandante en jefe del Ejército en Bolivia, com Raúl Tovar Villa, Editorial Don Bosco, La Paz, 1961.

Avaliação como comandante

Quadro do General Hans Kundt.

Embora demonstrasse excelentes qualidades como administrador e instrutor e se preocupasse com o bem-estar das tropas sob seu comando, ele não se mostrou um bom comandante no campo de batalha. Durante a Primeira Guerra Mundial, Kundt demonstrou uma compreensão medíocre sobre táticas, preferindo ataques frontais na maioria das situações. Apesar do seu conhecimento dos problemas de estado-maior, ele não era um bom estrategista. Kundt também mostrou pouco tato diplomático, intrometendo-se na política interna boliviana e tendo de se exilar no Chile após apostar "no cavalo errado".

Na Guerra do Chaco, ele permaneceu ligado às táticas de massa da Primeira Guerra Mundial, preferindo os ataques frontais sem sentido e sangrentos contra posições inimigas bem protegidas em oposição à guerra de movimento, e em vez de penetrar rapidamente no Chaco com as tropas divididas em colunas móveis, optou por uma ocupação ampla, mas dispersa, do território conquistado.

Kundt também não foi capaz de reagir com flexibilidade às manobras do Exército Paraguaio; este cercou unidade por unidade do exército boliviano e os esmagou.

Embora tenha traçado planos operacionais para a ocupação do Chaco desde os anos 1920, Kundt nunca visitou ou conheceu o território disputado; além disso, ele era micro-gerenciador e sempre relutou em depender de seus subordinados bolivianos, preferindo supervisionar diretamente todas as operações militares em andamento, concentrando o poder de decisão em torno de si.

General Hans Kundt sentado em meio a oficiais bolivianos.

Kundt também era arrogante e, segundo o plano inicial, a guerra deveria se transformar em um avanço triunfal e incontestável das tropas bolivianas em toda a região, por serem superiores em número e meios ao Exército Paraguaio.

Este, treinado e aconselhado por uma missão francesa, liderado pelo brilhante General José Félix Estigarribia, soube utilizar o terreno para manobrar contra o adversário (maior e mais poderoso), além de fornecer uma cadeia logística mais eficiente. Kundt, em contrapartida, teve que recusar reforços várias vezes por não poder alimentá-los, e a vasta maioria das mortes por desidratação durante a guerra foram de soldados bolivianos.

Uma vez iniciada a guerra, a Bolívia não realizou uma mobilização total, pois Kundt considerou que bastava realizar uma guerra barateira e que não alteraria o cotidiano da população. Por essas razões, nenhuma tentativa foi feita para melhorar o abastecimento até a distante frente do Chaco, construindo uma linha ferroviária para Muñoz e a ponte essencial sobre o rio Pilcomayo. As tropas foram transportadas por caminhão e trem até Villazón, de lá por caminhão até Tarija e daí a pé até Villamontes, principal base do Chaco. De lá, os soldados deveriam marchar até 400km em meio à poeira, lama e calor sufocante do Chaco Boreal; boa parte dos soldados bolivianos eram índios do altiplano andino, com um clima totalmente diferente.

O meio de transporte básico era o caminhão, sempre em falta. Para cobrir as seis etapas do trecho Villazón-Muñoz foram necessários 480 caminhões. Como eram concentrados em unidades de abastecimento e principalmente de água, os soldados tiveram que se mobilizar principalmente a pé durante toda a guerra. Os veículos foram limitados por sua vez pelas estradas ruins, todas de terra e as quais as chuvas tornavam intransitáveis.

A ferrovia de 146km do rio Paraguai ao coração do Chaco foi vital para o Exército Paraguaio, especialmente durante a batalha do Boquerón.

Ao final da guerra, Kundt mudou de opinião, e os bolivianos de jogos de guerra deixaram de ser "os melhores soldados do mundo depois dos alemães" para serem claramente insuficientes para uma guerra real. Kundt também insistiu na compra de blindados Vickers e tankettes, mesmo contra a opinião da comissão técnica boliviana que avisou corretamente que seriam inúteis no Chaco.

O alemão era conhecido pela preocupação com o bem-estar de seus soldados, característica rara na tradição militar boliviana, mas desprezava os oficiais e generais bolivianos. O General Kundt nunca teve, nem antes e nem durante a guerra, o apoio incondicional dos oficiais sob seu comando. Eles viam na sua presença a prova patente de sua própria incapacidade e Kundt, a quem lhe sobravam exemplos, não perdia a oportunidade de ressaltá-la. Por isso, com seis meses comandando o Exército Boliviano, ele já pensava em renunciar ao cargo.

Robert Brockmann, autor boliviano que escreveu o livro El general y sus presidentes – Hans Kundt. Ernst Röhm y siete presidentes de Bolivia, 1911-1939 (dezembro de 2007), assim resumiu o general prussiano:

"Em grande medida, Hans Kundt foi o bode expiatório dos erros, ineficácia e desobediência de seus subordinados bolivianos. Kundt foi traído por seus subordinados, especialmente seu mais próximo, David Toro. Isso, porém, não o isenta de seus próprios grandes erros, como ter enviado onda após onda de soldados bolivianos à morte em ataques frontais contra a fortaleza de Nanawa, ou não ter reconhecido a magnitude da ofensiva paraguaia em outubro-dezembro de 1933, que levou ao desastre de Alihuatá-Campo Vía."

Bibliografia recomendada:

The Chaco War 1932-1935:
Fighting in Green Hell,
Antonio Luis Sapienza e José Luis Martínez Peláez.

The Chaco War 1932-35:
South America's greatest modern conflict,
Alejando de Quesada com Phillip Jowett e Ramiro Bujeiro.

El general e sus presidentes,
Robert Brockmann.

Leitura recomendada: