sábado, 4 de abril de 2020

ENTREVISTA: Um olhar mais profundo sobre a interferência militar dos EUA na Venezuela

Soldados venezuelanos participam das comemorações do desfile da independência, 5 de julho de 2018. (Marco Bello/ Reuters)

Por José Negrón ValeraJesús Mieres Vitanza, Sputnik News, 20 de julho de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 4 de abril de 2020.

[Nota do Tradutor: As opiniões expressas nesse artigo são dos autores e não do Warfare Blog. A relevância desse artigo é a visão "bolivariana revolucionária" em sua luta contra os Estados Unidos capitalista.]

"Desde 2001, a própria idéia de guerra mudou além de um caso estritamente militar".

Na véspera do Dia da Independência da Venezuela, comemorado em 5 de julho, uma reportagem publicada pela AP, especificando as observações de Donald Trump sobre a invasão da Venezuela, voltou a suscitar preocupações no país latino-americano.

O colunista do Sputnik Mundo, José Negrón Valera, analisou a situação com Jesús Mieres Vitanza, diretor da Topo el Molino (Topo do Moinho), que monitora a situação internacional em áreas como política externa, segurança e planejamento estratégico.

Operadores da 99ª Brigada de Operações Especiais, Comando de Operaciones Especiales General en Jefe Félix Antonio Velásquez, Exército da Venezuela.

Sputnik: Alguns dias atrás, a Associated Press publicou um artigo sobre uma reunião na Casa Branca em 2017, na qual Trump discutiu a possibilidade de intervenção militar na Venezuela. Você acha que esse desenvolvimento é possível?

Jesús Mieres Vitanza: A intervenção militar dos Estados Unidos é bem possível na perspectiva de curto, longo e médio prazo. No entanto, essa opção corresponde apenas ao paradigma político que está mudando gradualmente.


Com isso, quero dizer que, de acordo com o paradigma que alguns autores classificam como pós-Vestfália, a intervenção dos EUA nos assuntos da Venezuela não será apenas militar; desde 2001, a própria idéia de guerra mudou de um caso estritamente militar para um cuja natureza pode ser conectada a alguma outra dimensão.

A esse respeito, devemos nos perguntar: os Estados Unidos já intervieram em nossos negócios? Eu diria que sim, e a intervenção militar seria apenas outro meio pelo qual os EUA atacam a Venezuela. No entanto, a operação militar custaria caro a Washington, pois essas ações agravariam ainda mais a crise de confiança e liderança dos EUA na região da América Latina.

Sputnik: Qual pode ser o motivo da intervenção militar?

Jesús Mieres Vitanza: Após a publicação do livro de Michael Hardt e Antonio Negri "Empire" em 2000, ficou claro que a existência de uma fase de transição do imperialismo era real. Quero dizer que atualmente existe um império criado pelos Estados Unidos que transcende suas fronteiras geográficas e funciona em estreita conexão com os aliados políticos estratégicos dos Estados Unidos e de várias empresas multinacionais.

Empire.
Michael Hardt e Antonio Negri.

A Venezuela com a vitória de Hugo Chávez nas eleições de 1999 tornou-se um símbolo desse confronto com o império. Isso significa que a guerra que está se desenrolando aqui, como resistência aos Estados Unidos, é vista em Washington como uma guerra contra os bárbaros.

A natureza da luta que Caracas travou contra os Estados Unidos é uma guerra contra a própria guerra. Portanto, é importante entender a estratégia de várias organizações, agências e instituições dos EUA, porque elas criarão uma guerra com características especiais, onde o componente militar será apenas parte de uma enorme tática.

Milicia Nacional Bolivariana de Venezuela em manobras contra os EUA em 2017.

Sputnik: Quais condições devem surgir para intervenção ou ataque militar direto dos EUA, do qual você está falando?

Jesús Mieres Vitanza: Essas condições já foram criadas. Somos uma ameaça porque temos valores, mentalidade, objetivos, ideologia e parceiros estratégicos diferentes dos Estados Unidos. É por isso que digo que os interesses de Washington vão além do desejo de controlar algum objeto estrategicamente importante para eles. A questão é subordinar, mesmo ontologicamente, sua vontade a uma nação que não é epistemologicamente* semelhante aos Estados Unidos.

*NT: Epistemologia é o ramo da filosofia preocupada com a teoria do conhecimento; sendo o estudo da natureza do conhecimento, justificação e racionalidade da crença.

Sputnik: Quais são as implicações para a Venezuela e toda a região?

Jesús Mieres Vitanza: Eles já nos afetaram. E não se trata apenas do efeito econômico, da ausência de alguns bens, mas também de coisas mais abstratas. Já existem muitas pessoas para quem a incerteza de suas vidas diárias tem um impacto psicológico.


Estamos isolados de outros países e nações, de modos de pensar; portanto, existimos isolados, mesmo em direção ao acesso às idéias. Não podemos entender em que estágio estamos passando, se não podemos vê-lo de uma perspectiva diferente. A falta de acesso a idéias significa que não podemos entender como eles irão fazer guerra contra nós.

É por isso que digo que as conseqüências nos níveis local e regional são devastadoras. Em princípio, é porque estamos experimentando um estágio de relativismo pronunciado. Há muitas pessoas que duvidam do que é bom, do que é ruim, do que é economia, ideologia e até da guerra.

Sputnik: Muitos acreditam que a Colômbia se tornará uma plataforma para os EUA atacarem a Venezuela? Qual o papel das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército Popular (FARC) nesse caso?

Jesús Mieres Vitanza: É possível que os EUA estejam usando a Colômbia como plataforma para esse fim. Também é possível que o objetivo de tal operação possa ser a disseminação do caos e o desmembramento do interior do país do coração venezuelano, ou seja, Caracas.


No entanto, é importante analisar o papel de vários grupos e grupos que operam nas zonas limítrofes da Venezuela. Não se trata apenas das FARC, mas também de grupos radicais criminosos, bem como de estruturas estatais que operam secretamente nesta zona. É necessário analisar os interesses de cada um dos jogadores.

Sputnik: O que você acha, qual poderia ser a resposta dos aliados da Venezuela, Rússia e China em caso de ataque? Qual deve ser a escala de agressão, para que esses países se tornem mais ativos? Você acha possível que eles forneçam apoio militar? Ou eles serão limitados a declarações diplomáticas?

Jesús Mieres Vitanza: No caso de ação militar na Venezuela, a Rússia e a China participarão ativamente do conflito, principalmente porque seu comércio e interesses econômicos estarão sob ataque. Todos os políticos e funcionários da Venezuela são responsáveis por garantir que a conexão entre Caracas e os dois países seja fortalecida, para que sua participação seja a favor da Venezuela e não vice-versa.

Sputnik: A Venezuela poderá responder por ação militar no caso de um ataque dos Estados Unidos?


Jesús Mieres Vitanza: As forças armadas do país estão fazendo grandes esforços para modernizar todo o sistema e mantê-lo em ótimas condições. Mas talvez a vantagem mais importante da Venezuela seja saber quem é seu inimigo, conhecer todos os tipos de cenários militares, suprir cada uma das regiões estrategicamente importantes do país e formular uma doutrina de defesa para cada uma delas, para manter o moral das forças armadas e explicar-lhes qual é o seu propósito.

A Venezuela já tem uma resposta militar a um possível ataque dos Estados Unidos. É necessário entender claramente qual é o centro de gravidade do exército atacante para acabar rapidamente com essa intervenção estrangeira, guiada pelo objetivo estratégico de restaurar o controle sobre o território e minimizar as perdas entre pessoas e recursos.

Sputnik: Você acha que os Estados Unidos tentarão cometer atos violentos para promover o que os analistas chamam de "balcanização" ou a destruição do Estado-nação venezuelano?

Jesús Mieres Vitanza: Eu acredito que os Estados Unidos podem tomar qualquer ação apenas para desestabilizar a Venezuela e pôr um fim ao governo bolivariano. No entanto, acredito que primeiro eles tentarão alcançar o controle total do território através de várias manobras políticas, antes de desmembrar o Estado. Basicamente, quando o estado-nação for destruído, eles assumiriam riscos estratégicos, como, por exemplo, a participação de potências como Rússia e China no surgimento de novos estados.

A equipe do Exército Venezuelano no biatlo de tanques nos Jogos Internacionais do Exército Russo, 2015. (Evgeny Biyatov/ RIA Novosti)

Sputnik: O que a Venezuela deve fazer para evitar a invasão ou repeli-la?

Jesús Mieres Vitanza: O exército do país está fazendo grandes esforços, realizando pesquisas sobre o que podem ser as ações da Venezuela no caso de um conflito militar envolvendo uma invasão estrangeira no país.


No entanto, uma posição muito valiosa da doutrina atual é acreditar que os EUA, embora ainda não tenham se intrometido, estão cercando a Venezuela todos os dias para desestabilizar a nação e criar caos em larga escala. Isso fortalece o estado de impossibilidade de gerenciamento e justifica o que eles chamam de "intervenção humanitária".

A criação de novas abordagens estratégicas e até a compreensão das abordagens inimigas ajudarão a garantir uma resposta eficaz das forças armadas da Venezuela em qualquer situação interna vulnerável ou perturbada por uma ameaça estrangeira.

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