Mostrando postagens com marcador Voluntários. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Voluntários. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 5 de julho de 2021

ENTREVISTA: A Batalha de Quifangondo segundo Pedro Marangoni

"Batalha do Kifangondo."

Tradução Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 5 de julho de 2021.

A Batalha do Quifangondo (ou Kifangondo) foi travada em 10 de novembro de 1975 entre o ELNA e as FAPLA na província de Luanda, em Angola. A batalha também é popularmente conhecido em Angola como Nshila wa Lufu, ou Batalha da Estrada da Morte.

Pedro Morongoni é entrevistado pelo Secretário de Imprensa da União Russa dos Veteranos de Angola, Serguei Kolomnin, em 10 de novembro de 2015.

Pedro Marangoni, mercenário de nacionalidade brasileira, participou na Batalha de Quifangondo ao lado da FNLA, integrando a unidade comandada pelo Coronel Santos e Castro.

Pedro Marangoni nasceu em São Paulo, Brasil, em 1949.
  • Formado no Centro de Formação de Pilotos Militares da Força Aérea Brasileira (1968-1971).
  • Ocupação: Piloto de Helicópteros, 9.000 horas de vôo.
  • Serviu na Legião Estrangeira  Francesa (1972-1973).
  • Depois viveu em Moçambique (1973-1974).
  • Chegou em Angola em Junho 1975, combateu com o grupo do Coronel Gilberto Santos e Castro ao lado da FNLA.
  • Participou na Batalha de Quifangondo (23 de Outubro - 10 de Novembro de 1975). Abandonou a luta em Fevereiro de 1976.
  • Viveu na  Rodésia (1976 – 1977).
  • Depois esteve com a Resistência Nacional Moçambicana, na região de fronteira com a Rodésia, Inyanga, Umtali.
  • Em 1979-1980 serviu na Legião Espanhola.
  • Depois da África voltou para o Brasil e trabalhou na Amazônia (Brasil), Bolívia e Peru, como piloto de helicópteros por cerca de 20 anos.
Agora vive no Brasil.

Livros publicados:
  • Angola - Comandos especiais contra os cubanos;
  • A Opção pela Espada;
  • A Era do Não: Poesia de crítica social, ateísmo, ceticismo;
  • O infinito não tem pressa;
  • Maria da Silva - apenas um retrato do cotidiano;
  • A grande manada.

Morro dos Asfaltos, Angola.
Da esquerda pra direita: Paiva, Lopes, Daniel, Pedro Marangoni (boina vermelha), Nelson, Morteirete (gorro sul-africano), Simões Comprido e o Capitão Valdemar (loiro, camisa preta). No centro, Coronel Santos e Castro (camisa preta e suíças).

Extratos do artigo escrito por Pedro Marangoni com o título "Quatro MLRS BM-21 Grad deteram os inimigos que avançavam sobre Luanda e mudaram o rumo da guerra?":
 
Quatro MLRS BM-21 Grad deteram os inimigos que avançavam sobre Luanda e mudaram o rumo da guerra?
Sim, mas como arma de efeito moral e não destrutivo.
 
Observando o comportamento dos africanos em combate, de um modo não-científico mas baseados em guerras recentes, verificaremos que a sua combatividade decresce do norte para o sul do continente negro. Minha experiência na África Austral mostrava que quem atacava vencia, quem era atacado recuava sempre e a maior parte das vítimas eram civis, não militares. Frentes elásticas e combatentes sem qualquer motivação mais profunda. Era a proporção de não-africanos – advisers, internacionalistas, mercenários, voluntários, etc., que decidia os confrontos. Estes eram tropas de conquista, os outros, de simples ocupação de terreno conquistado. E assim aconteceu também em Angola, de forma significativa.

Um BM-21-1 Grad russo em exibição em São Petersburgo, em maio de 2009.

Os combatentes não-africanos com ideais ou vontade de vencer eram afetados por armas que realmente eram perigosas e produziam baixas; a esmagadora maioria africana temia qualquer coisa que explodia e fizesse barulho. Desculpem-me por não ser politicamente correto, mas esta é a verdade.

Fui, nos anos setenta, advertido de que estaria fornecendo informações importantes ao inimigo, ao menosprezar em artigos escritos, o 122 soviético, que considerava uma arma de efeito moral, não efetiva para causar baixas. Mas assim o via, como os demais colegas de combate. Temíamos mais um morteiro 81. Um morteiro 120, então, nos pregava ao solo, irremediavelmente...

Observei incontáveis vezes, a marca deixada no asfalto ou no solo, por explosões do 122 e dos morteiros 120, 81 e 60. Os estilhaços dos morteiros rasgavam o solo no ponto de impacto, desenhando uma estrela, mostrando que varreram o solo em trajetória rasante, atingindo mesmo quem estivesse deitado. Já o 122 deixava poucas marcas, com estilhaços sendo lançados em ângulo mais fechado, mais alto e menos perigosos. Vários caíram a poucos metros de mim na Batalha de Quifangondo, sem maiores danos. Tenho certeza que qualquer morteiro caindo na mesma curta distancia teria me posto fora de combate.

Esquemática do BM-21 Grad.

Mas a capacidade de lançamento múltiplo, rápido, seqüêncial dos MLRS BM-21 é devastador para tropas mal-treinadas, inexperientes ou pouco motivadas. Sem nenhuma dúvida eles foram decisivos para o pânico e a debandada geral das tropas da FNLA e zairenses em Quifangondo.

E o que deteve a pequena tropa não-africana? Em primeiro lugar, os canhões anti-carro 76mm, que aproveitaram o absurdo avanço das frágeis Panhard totalmente descobertas; em segundo lugar, para segurar os poucos infantes que seguiriam atrás delas, as metralhadoras anti-aéreas (ZPU-4?) cujo tiro podíamos sentir sobre nossas cabeças e que não nos deixavam levantar do solo.

Mas, mesmo se as Panhards não fossem detidas e nosso pequeno grupo pudesse avançar, não teríamos ninguém nos seguindo, pois o grosso da tropa africana debandara apavorada pelo efeito psicologicamente devastador dos MLRS BM-21 Grad...

Resumindo, sim, concordo que esta arma foi decisiva não só no rumo da batalha, mas de toda a guerra. Acredito que se o indisciplinado exercito zairense entrasse em Luanda, tudo seria arrasado e saqueado e uma avalanche de tropas de Mobutu Sesse Seko se despejariam pela fronteira norte, numa ocupação criminosa. E nós, o pequeno grupo de comandos especiais que por um ideal, serviu de ponta de lança, seríamos dizimados ou presos ou expulsos, pois representávamos um obstáculo às barbáries zairenses em solo angolano.

Pedro Marangoni: "A bem da história militar será um mapa incomum, feito em conjunto pelos dois lados opostos envolvidos".

Mensagem de Sergei a Pedro:

"Estimado Pedro Marangoni!

Fico-lhe muito grato por suas mensagens relativas à Batalha de Quifangondo, em particular pelo artigo "Quatro MLRS BM-21 Grad deteram os inimigos que avançavam sobre Luanda e mudaram o rumo da guerra?", que já foi publicado no nosso website em russo e português.
Encontrei nas suas mensagens alguns elementos muito interessantes para mim, como histórico, em particular, em relação ao efeito provocado pelas metralhadoras anti-aéreas ZPU-4 de calibre 14,5 mm (os angolanos e cubanos os chamavam "cuatro bocas"), ao efeito moral, produzido por salvas de BM-21 e também acerca do número exacto de comandos especiais portugueses ao lado da FNLA e ELP (Exército de Libertação Português). E mais algumas perguntas, se permitir." 

Entrevista

Pedro Marangoni com a boina vermelha dos comandos especiais, posição no rio Onzo.
Na torre do seu Panhard-90 está o lema "A morte tem medo de nós!".

Serguei Kolomnin: O ELP – foi simplesmente o slogan, ou força real com a estructura, programa e o comando formados?

Pedro Marangoni: Como recebi sua mensagem em português correto, vejo que não é através de tradutor eletrônico e sim de quem tem ótimos conhecimentos da língua portuguesa, portanto ficarei mais a vontade para responder em meu idioma.

O ELP só seria mencionado de forma politica, tentando comprometer a FNLA e também porque dizia-se que o Coronel Santos e Castro era ligado a este "exército" que considero apenas teórico, nunca chegou a existir como força real, coesa, organizada e pronta para combate. Apenas uma organização política. Nunca ajudou nossas tropas, que foram recrutadas entre portugueses refugiados na Rodésia, pelo comandante dos Flechas, Alves Cardoso, do DGS/PIDE. Mas os membros do grupo do Coronel Santos e Castro não eram mercenários, eram combatentes que viviam na África e quiseram ficar lá para passar ali a sua vida. Era composto por 153 portugueses, mais eu. O único militar do grupo que poderia se chamar de “estrangeiro" era eu, brasileiro, mas com dupla nacionalidade portuguesa. O Coronel Santos e Castro apareceria em Ambriz, como conselheiro militar de Holden Roberto e ligação com o nosso grupo. Depois passara a participar dos combates, fardado mas sem armas. Depois de Quifangondo volta à Europa.

Serguei Kolomnin: O que pode dizer da ajuda dos EUA à FNLA e ao ELP?

Pedro Marangoni: Quanto  à ajuda dos EUA, tínhamos pouco apoio e se os EUA ajudavam mais, provavelmente a ajuda era desviada por Mobutu. Muitos artigos também exageram a atuação dos norte-americanos, que pouco interviram e pouco nos ajudaram. Muitos livros históricos agora apenas mais uma obra politica, repleta de mentiras e exageros; estes livros prestam-se para falsear a história da descolonização e dificultar para que as gerações pós-guerra conheçam o que se passou realmente e aprendam a não repetir erros do passado.

FAPLA: Baluarte da paz em Angola.

Serguei Kolomnin: Na edição "FAPLA: baluarte da paz" (Berger-Levrault International, Paris. pg. 110) lê-se, que a ponte sobre o rio Bengo tinha sido  destruída pelos sapadores das FAPLA para impedir o avanço da tropa da FNLA. Alguns angolanos participantes na Batalha de Quifangondo (FAPLA) mencionam a [ponte] do Panguila também como destruída. O General Xavier, actual responsável da Academia Militar das Forcas Armadas Angolanas também insiste no facto que a ponte sobre o rio Bengo tinha sido destruída.

Outro ex-combatente (FAPLA) Álvaro António, que era capitão, actualmente colocado na Unidade da Guarda Presidencial (UGP) na entrevista à TV angolana afirma: "Nesta altura em que se destruiu a ponte estavam a atravessar três viaturas, entre as quais um tanque que ainda não tinha passado, tendo os outros dois caído com a ponte, morrendo os seus ocupantes". Ele acrescentou ainda, "que desta acção resultou a captura de quatro mercenários norte-mericanos que permaneceram encarcerados na ex-sala do director da Escola Primária da Fazenda experimental da Funda".

Se a ponte do Bengo estava destruída, de que maneira a tropa da FNLA tencionara e conseguiria atravessar o rio? À nado?

Ou a ponte sobre o rio Bengo continuava a funcionar, tendo só alguns danos não significativos? Conforme a minha experiência militar, explodir e destruir a ponte sólida, construída em betão [concreto] é uma coisa nada fácil…

Detalhe da pintura "Batalha do Kifangondo" mostrando os Panhard avançando pela ponte do Panguila; esta representada - incorretamente - como destruída.

Pedro Marangoni: Encontrei as recordações do general angolano Xavier honestas, parece-me ele realmente esteve em Quifangondo. Mas nenhuma das duas pontes estavam destruídas e não entendo porque os angolanos insistem em mentir sobre um facto que daria até mais valor à luta deles... Claro com a ponte destruida, seria uma defesa mais segura, praticamente admitindo que não conseguiriam deter o inimigo. A ponte destruída seria uma proteção a mais.

Talvez a  ponte do Bengo estivesse sabotada, não destruída, ou seja, colocaram as cargas explosivas e não detonaram, tal seria feito apenas se não conseguissem nos deter! Será que isso aconteceu também na ponte do Panguila, onde encontramos os cordéis detonantes? E a explosão teria falhado?

Um grupo de comandos com o Capitão Valdemar precedeu o grande ataque, infiltrando-se pela madrugada e tomando a primeira ponte, a do Panguila. Apenas cordéis detonantes foram encontrados, sem explosivos. Eu próprio passei por ela, intacta. A segunda ponte também, no primeiro ataque foi avistada inteira pelos blindados e também pelos aviões de reconhecimento.

Se a ponte do Bengo estava destruída, como posteriormente as FAPLA/cubanos avançaram contra o Morro da Cal e Caxito? Pelas pontes... A preocupação da FNLA era que as duas pontes fossem destruídas quando avançássemos e a engenharia zairense só tinha uma ponte disponível para construir.

Ainda sobre pontes: a única ponte importante que foi destruída pelo MPLA, quando do grande avanço da FNLA rumo à Luanda foi a de Porto Quipiri, na saída de Caxito. Aí a engenharia zairense construiu uma [ponte] flutuante, de madeira e depois uma grande ponte metálica, que permanece até hoje.

O depoimento do Capitão Álvaro António... lembremos sempre: a primeira vítima da guerra é a verdade... Atualmente existem mais heróis que combatentes na ocasião da batalha... estaria ele lá? Lembremos que os cubanos, de arma na mão, tiveram que obrigar os angolanos a voltarem para os postos de combate, pois fugiam em pânico. Não existiram, por exemplo, quatro mercenários norte-americanos capturados! No combate, foram capturados apenas o municiador da Panhard-90 Remédios, o condutor da Panhard-60 Serra e seu atirador Oliveira, todos portugueses. Americano só havia um, observador do CIA, sempre desarmado, que não saiu do Morro da Cal. Os autênticos mercenários apareceram no Norte de Angola um mês depois de Quifangondo, e eram na verdade ingleses e americanos, mas não conseguiram nada, pois a luta já tinha terminado.

O comando Remédios.

O meu grande amigo Remédios foi capturado porque foi ferido com gravidade (está vivo e hoje mora em [local omitido]), mas Serra e Oliveira suspeita-se que forçaram a queda da Panhard-60 no pântano para se entregarem, desertando. Talvez você tenha conhecido Oliveira, fiquei surpreso ao vê-lo na televisão, anos mais tarde como comandante militar das FAPLA num setor no Sul de Angola!

Um fato interessante é que nem mesmo o MPLA nos considerava realmente mercenários, apenas usavam como propaganda, pois meus colegas capturados não foram julgados com os ingleses e americanos e tiveram tratamento mais humano. Além de Remédios, Serra e Oliveira, capturados em Quifangondo, anteriormente haviam sido capturados na Batalha de Caxito, em 7 de Setembro de 1975, os comandos especiais brancos Quintino, Fernandes e Pereira. Eles estão na foto do seu  arquivo:

Comandos especiais Quintino, Fernandes e Pereira, junto aos companheiros angolanos negros, após serem capturados no Caxito.

Resumindo, no Quifangondo ficaram no terreno uma Panhard-90, uma Panhard-60 e um caminhão Mercedes zairense; brancos capturados – 3, todos portugueses. O tal capitão mente.

Serguei Kolomnin: Qual foi o destino da maioria dos comandos portugueses após o desastre do Quifangondo?  Portugal ? África do Sul?

Pedro Marangoni: Como já disse, o Coronel Santos e Castro voltou à Europa. Outros foram-se embora depois que abandonamos a luta em Fevereiro de 1976; alguns continuaram a luta. Por exemplo, o meu  colega a quem chamávamos "Passarão". Tomei conhecimento que ele retornou do Zaire e continuou combatendo sozinho (ele havia nascido lá, era um africano branco a quem negavam a pátria), fazendo emboscadas contra os cubanos, formou e comandou um pequeno grupo, atuando na região de Ambriz, até que em Outubro de 1977, sofreu queimaduras graves com o mosquiteiro que pegou fogo e agonizou por duas semanas até morrer. Foi enterrado pelos africanos na mata perto da Fazenda Loge, região de Ambriz.

Passarão de pé, na extrema direita.

Após Angola, os comandos portugueses voltaram para a Rodésia, alguns foram para o Brasil, buscando uma pátria nova e outros para Portugal, país que alguns nunca haviam estado, africanos brancos de várias gerações e que foram muito discriminados pelos portugueses na Europa.

Serguei Kolomnin: É de conhecimento geral que, atacando contra Quifangondo, a FNLA e os zairenses foram apoiados pela artilharia de longo alcance sul-africana. O que poderia dizer a este respeito?

Pedro Marangoni: As peças 140mm G-2 sul-africanas chegaram ao Morro da Cal na tarde do dia 9 e começaram o fogo de barragem no dia 10 por volta das 05:00h;  foram diminuindo a intensidade do fogo até cessarem de vez, não sei precisar o momento. Segundo o сoronel Santos e Castro, que me informou pessoalmente, às 16:30h (04:30pm) os sul-africanos se retiraram do local com todo o material, sem autorização ou comunicar a ninguém. Os sul-africanos fugiram durante o combate. Após Caxito, abandonaram os obuseiros sem as culatras e foram resgatados em Ambriz, já de noite, por um helicóptero. Fugiram de helicóptero para um barco na costa de Ambriz, levando as culatras dos obuseiros 140mm G-2. Tudo à revelia da FNLA. Os obuseiros posteriormente foram rebocados pela FNLA, mas sem poder usá-los, acabaram em Ambrizete como ferro velho.

Serguei Kolomnin: Poderia pormenorizar o dispositivo de combate e a composição da força da FNLA e zairenses? Quantos carros Panhard, soldados (FNLA e zairenses), peças de artilharia haviam no palco de combate no dia 10 de Novembro perante o último ataque contra Quifangondo?

Pedro Marangoni: Números aproximados.

Artilharia: 
  • 1 canhão 130mm,
  • África do Sul 3 obuseiros 140mm,
  • FNLA alguns morteiros 120mm.
Cavalaria:

Comandos Especiais: 
  • 1 Panhard-90 (destruída),
  • 2 Panhards-60 (uma destruída e uma avariada),
  • 1 VTT Panhard com um grupo de combate, retornou ileso sem lançar a tropa,
  • um jeep com canhão 106mm sem recuo (não participou).
Zaire:
  • Cerca de 10 jeeps com canhão 106mm sem recuo (não participaram),
  • Umas 15 Panhards diversas, nenhuma participou do combate, assim que transpuseram a ponte do Panguila descarregaram toda a munição e recuaram.
  • Vários canhões anti-aéreos 20mm montados em jeeps (não participaram).
Infantaria:
  • Comandos: dos 154, cerca de 80 participaram do combate, apenas uns 10 cruzaram a ponte do Panguila avançando, o restante não avançou, permaneceu diante da ponte.   
  • FNLA: cerca de 800 homens (não tenho certeza, número aproximado), nenhum cruzou a ponte do Panguila.
  • Zaire: um batalhão de infantaria (dizem dois, não sei), uma equipe de engenharia; dois caminhões Mercedes carregados de soldados zairenses cruzaram a ponte do Panguila e começaram a morrer sem chance de defesa na primeira curva depois da ponte. Poucos voltaram, quase todos feridos. Um dos caminhões retornou à noite, após o combate, com alguns homens.
Quando recuei para o Morro da Cal, debaixo de cerrado bombardeio, por volta das 18:00h (06:00pm) do dia 10, tudo estava completamente deserto e as únicas viaturas eram o jeep do estado-maior e a nossa VTT Panhard.

Na noite de 11 de Novembro 1975, após a derrota, juntamente com o Coronel Santos e Castro,  apenas 26 homens ficaram na frente de combate no Morro da Cal, todos comandos especiais, portugueses, entre eles todos os oficiais. Nenhum dos quadros da FNLA.  A FNLA simplesmente fugiu  mato adentro sem comando e os zairenses recuaram para o Caxito.

Serguei Kolomnin: A maioria das fontes (livros, recordações) mencionam os três aviões da FA sul-africana  "Buccanir" a bombardear as posições FAPLA/cubanas na manhã do dia 10 de Novembro.

De outro lado,  o General Xavier (Jornal de Angola, 13 de Janeiro 2010. General Xavier: História vivida em Kifangondo) diz o seguinte: "as FAPLA estavam à espera de uma investida maior no dia 10 de Novembro de 1975. O relógio indicava 05H00, quando dois aviões se fizeram aos céus flagelando as posições das FAPLA, no Morro de Kifangondo. A primeira impressão é que fomos bombardeados pela aviação, mas não. Eram vôos de reconhecimento que iam verificar os acessos, principalmente o estado das pontes…" E acrescenta: "eram avionetas de reconhecimento, que partiam da pista do Ambriz ou de pequenas pistas em fazendas como a Martins de Almeida".

Como poderia comentar estas palavras do veterano? Eram bombardeiros da África do Sul ou avionetas de reconhecimento FNLA? Se havia realmente aviação sul-africana envolvida nessa batalha?

Pedro Marangoni: Aviões? Isto é muito interessante, confirmo as palavras do General Xavier, eram apenas dois aviões nossos, convencionais, civis, de observação, decolados de Ambriz, mas já era dia claro. Os primeiros tiros dos 140 sul-africanos foram em Luanda e depois foram recuando o alcance para atingir Quifangondo, coincidindo com a passagem dos aviões, o que para leigos poderia ser tomado por um bombardeio aéreo.

Mistério: realmente por volta das 05:00h ouvi um ruído semelhante a jatos de combate em grande altitude e depois três explosões surdas, não mais, abafadas entre o morro de Quifangondo e Luanda . Aviões ou uma experiência de tiro com canhões de uma fragata sul- africana que estava ao largo, com alcance suficiente para atingir o local? Isto é apenas uma conjectura minha, sem informações. Nem o Coronel Santos e Castro ou o Major Alves Cardoso foram comunicados de ajuda de aviões ou marinha sul-africanas. Se houve uma tentativa, não foi além, talvez devido à dificuldade de execução (proximidade das forças oponentes no terreno).

Serguei Kolomnin: No seu livro "А Opção pela Espada" há um mapa bastante pormenorizado e bem claro das posições FNLA/zairenses - FAPLA/cubanas no Quifangondo. Mesmo com o número exato das peças e obuseiros (1 canhão 130mm zairense, 3 obuseiros 140mm sul-africanos, FNLA etc). Você indicou os quatro BM-21 nas posições FAPLA/cubanas por acaso ou tinha informação mais ou menos exata? Muitas fontes dizem que eram seis.

Conforme minha opinião, baseada em certas recordações, eram quatro BM-21, que chegaram ao Quifangondo nas vésperas do dia 10 de Novembro. Como poderia comentar isso?

O que poderia dizer à respeito do mapa da batalha feita do ponto de vista dos angolanos, que  está exposta no nosso?

Mapa angolano da Batalha de Quifangondo.

Pedro Marangoni: O mapa de Quifangondo exposto ali é um documento valioso. E aparentemente as posições das FAPLA/cubanas estão próximas daquilo que imaginei. Existe, no índice, um símbolo para ponte destruída para impedir o avanço inimigo! Novamente a insistência das pontes destruídas, e note-se que estranhamente não se acha no terreno tal símbolo, apenas no índice. As menções de mercenários referem-se ao nosso grupo, pois os mercenários de Callan só chegariam [em Angola] mais tarde. Nossas posições e rota de ataque, e posterior retirada estão corretas, apenas não existem datas.  Nota-se que, colocam corretamente o nosso grupo na vanguarda e a FNLA na nossa retaguarda. Com exceção do símbolo ponte destruída e do suposto bombardeamento da aviação, me parece um mapa honesto.

Esquema da Batalha do Quifangondo por Pedro Marangoni.

O meu mapa foi feito de memória, sem escala e sem consulta a um mapa real do terreno; e apenas o que visualizei no decorrer do combate. O lado da FNLA/Zaire/Comandos é exato; do lado inimigo são minhas conjecturas. O número e localização de canhões anti-carro por informação do Tenente Paes na primeira investida.

O número de BM-21 calculei pela sequência de lançamentos, quando caíram em maior intensidade, pela concentração das explosões; apenas uma hipótese que agora me parece acertada.

Observação: em meu livro, "Órgãos de Stálin", juntamente com monocaxito, era a terminologia genérica que dávamos a qualquer míssil 122, de lançador simples ou não, sem significar BM-21.

Se você tiver dados confiáveis, autorizo que atualize com mais precisão a metade das FAPLA-cubanos no mapa.

Serguei Kolomnin: Poderia fazer uns comentários acerca das fotos expostas na  nossa página, dedicada a este tema?

As fotos nº 9 e nº 11 com Panhards destruídas são originais do período em Angola. Talvez saiba quem está junto com Holden Roberto na foto nº 3? Foto nº 4  - são soldados da FNLA ou zairenses?

Foto 3: Holden Roberto.

Pedro Marangoni: Foto nº 3: Em primeiro plano não sei identificar; atrás, ao lado de Holden, é o jornalista brasileiro e assessor do Presidente, Fernando Luás da Camara Cascudo.

Foto 4: Tropas FNLA no Zaire.

Foto nº 4: Esta foto me parece ser dos tempos mais fortes da FNLA, antes da guerra civil e mesmo do 25 de Аbril de 1974, e foi feita no Zaire, provavelmente na base de Quinkuzo. Nunca mais se viu tal concentração de tropas.

Fotos 9 e 11: viaturas destruídas Panhard 60 e Panhard 90, respectivamente.

Não dá para identificar; mas em toda a guerra civil os comandos perderam apenas uma Panhard-90, a do Tenente Paes em Quifangondo.

Comandos Quintino, Fernandes e Pereira, capturados no Caxito.

Foto nº 12: Como já disse são os primeiros comandos especiais capturados na batalha de Caxito em 7 de Setembro de 1975, onde participaram de improviso e com armamento obsoleto, sendo envolvidos devido à enorme inferioridade numérica; bateram-se bem. Da esquerda para a direita, (brancos) Quintino, pelotão G3; Fernandes, paraquedista, pelotão MAG; Pereira, motorista do caminhão Mercedes.

Encontrei mais fotos que tem mais relação com Quifangondo, fotos nunca publicadas, em mal estado, mas importantes e autorizo a publicação no site. Foram me dadas pelo autor, Azevedo, tripulante, que escapou da Panhard-60 cujos dois tripulantes foram capturados em Quifangondo.

Obuseiro 140mm sul-africano.

Três Panhards do ELNA/FNLA.

Mostram a chegada da artilharia sul-africana no Morro da Cal. Ao lado, uma torre de madeira, marco geodésico que marcava nossa posição ao inimigo e que ninguém se preocupou em derrubar e também as nossas três Panhards, estacionadas no abrigo onde passamos a noite antes do combate.

Outra foto mostra a Panhard-90 do Tenente Paes, pronta para descer ao Panguila, com a flâmula onde se lia «Ouso»! As fotos coloridas mostram no jeep, após a conquista de Quicabo, o comando Remédios, que foi capturado em Quifangondo, com sua M79, que o General Xavier relata estar no museu em Luanda.

A Panhard 90 do Tenente Paes, pronta para descer ao Panguila.
O tenente morreu quando o seu blindado foi destruído, o único Panhard 90 perdido pelo ELNA.

O comando Remédios com seu lança-granadas M79, hoje exposto no museu de Luanda.

A outra e da “Força Aérea da FNLA”, logo após meu bombardeio, junto com Rabelo, um piloto civil, contra a emissora oficial em Luanda. Os homens com tarja preta são os técnicos em explosivos, uma equipe de muito valor, que prepararam as cargas que lancei.

O avião civil usado no bombardeio à rádio em Luanda e a equipe FNLA.

Como conclusão queria dizer o seguinte: publicando estas fotos e meus depoimentos o Veteranangola.ru assim amplia a contribuição não só para a reconstrução da verdadeira história militar de Angola, bem como para alertar sobre injustiças de cunho social, discriminatório, por parte de europeus e africanos e que devem ser conhecidas pelo menos como uma homenagem e retratação às vítimas.

A bem da história militar será um mapa incomum, feito em conjunto pelos dois lados opostos envolvidos. Creio que é uma oportunidade de mostrar ao mundo que militares em confronto são profissionais em trabalho, não inimigos pessoais.


FIM

Bibliografia recomendada:

A Opção pela Espada.
Pedro Marangoni.


Panhard Armoured Car:
1961 onwards (AML 60, AML 90 and Eland).

Leitura recomendada:


Operação Quartzo - Rodésia 198028 de janeiro de 2020.

Tiro em Cobertura Rodesiano15 de abril de 2020.

FOTO: Batedores cubanos em Angola, 8 de junho de 2021.

sábado, 1 de maio de 2021

FOTO: Os Terríveis Turcos!


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 7 de dezembro de 2019.

Cartão postal dos "Terríveis Turcos", apelido dos Tirailleurs Algérians, os soldados coloniais árabes argelinos, com uniforme de 1914 (antes do uniforme mostarda moderno de 1915).

O apelido de "turcos" é por que os árabes e bérberes da Argélia eram vassalos do Império Turco Otomano até 1830, quando os franceses invadiram e iniciaram a colonização do que viria a ser a Argélia. O tenente brasileiro José Pessôa, pai dos blindados no Brasil, comandou um pelotão de "turcos" em 1918, na Primeira Guerra Mundial.

Extrato do livro Marechal José Pessôa: a Força de um Ideal, páginas 31 e 32.

"Durante a campanha, o Tenente José Pessôa ainda assumiu o Comando do 1º Pelotão [4º na verdade] do mesmo Esquadrão, composto de soldados turcos extremamente agressivos. O espírito do Marechal ficou muito marcado pela causada impressão causada por esses soldados rústicos, verdadeiras máquinas combatentes. Recorda o Brigadeiro José Pessôa a impressão que aqueles soldados haviam causado no Marechal José Pessôa, capazes de, por sua impulsão - no dizer do pai - levá-lo a atos de bravura que sem eles não seria possível realizar. Nesse momento havia orgulho em seus olhos. Outras vezes, havia horror. Como ao lembrar daqueles homens ofertando-lhe, num preito da mais profunda admiração, um fio, do qual pendiam, como em um colar, as orelhas cortadas das cabeças dos inimigos que haviam acabado de vencer, em encarniçada luta corpo-a-corpo.

É de se imaginar aquele jovem Tenente, tão impressionado com o polimento social dos Oficiais franceses e com um profissionalismo guerreiro quase romântico, ao estilo da Cavalaria medieval, plena de regras elegantes e éticas, em presença do insólito presente.

José Pessôa recebeu inúmeros elogios de seus Comandantes franceses: do General H. Lassons, da Divisão de Cavalaria, do Coronel De Fournas, do 4º de Dragões e do Capitão De Vivres, de sua Subunidade."

José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, já como marechal, usando as condecorações francesas da Croix de Guerre 1914-1918 com palma de bronze e a Croix de la Valeur Militaire com estrela de bronze. A palma de bronze é por citação em despachos em nível de exército, a estrela de bronze é por citação em nível regimental ou de brigada.

O 1º Tenente José Pessôa, após treinamento na Academia de Saint-Cyr, foi incorporado ao 4ª Regimento de Dragões.
  • 2ª Divisão de Cavalaria, Lunéville;
  • 12ª Brigada de Dragões, Toul;
  • 4º Regimento de Dragões, Commercy com um destacamento em Sézanne;
  • 1º Esquadrão;
  • 3º Pelotão e comando do 4º Pelotão.
Ele também teve contato com o 503e RAS (Artilharia Especial, tanques) que operava os carros leves Renault FT.


Notícia no jornal Gazeta de Notícias de 5 de novembro de 1918:

A missão Aché
Mais um official condecorado
Ao Sr. ministro da Guerra dirigiu o Sr. general Felippe Aché o seguinte telegramma á condecoração do 1º tenente José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, que desde 1917 faz parte da missão Aché, que se acha em França.

"O tenente Pessoa, commandante, no "front", do 4º pelotão de dragões, recebeu uma condecoração de regimento por sua bella conducta, fazendo-lhe seu capitão lisonjeiras referencias. Todos os nossos officiaes no "front" estão prestando magníficos serviços que, creio, serão recompensados com citações e condecorações."

Bibliografia recomendada:

French Naval & Colonial Troops 1872-1914.
René Chartrand.

Leitura recomendada:

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

LIVRO: Batalha Histórica de Quifangondo, de Serguei Kolomnin


Por Pedro A. Marangoni, Arquivos de P.A. Marangoni, 1º de janeiro de 2019.

Ao pesquisar cuidadosamente os eventos da Batalha de Quifangondo, o historiador militar russo Serguei Kolomnin preenche quase em definitivo as lacunas existentes nesse momento ímpar na criação de um estado em tempos modernos. Digo “quase”, pois as dificuldades são imensas para romper com as vaidades e interesses pessoais nos relatos desse acontecimento, que hoje tem mais heróis que combatentes na época. Cubanos que insistem em viver ainda hoje num mundo irreal que só sobrevive na propaganda que encobre a pobreza atroz trazida pelo comunismo ingenuamente levado ao pé da letra - como na paupérrima Coreia do Norte - exageram seu papel bem no anacrônico estilo stalinista; sul-africanos fantasiam e criam uma “retirada heroica” para encobrir sua vergonhosa deserção em pleno combate; zairenses ficam calados para evitar perguntas constrangedoras e querem esquecer suas desaventuras vergonhosas em Angola; angolanos de ambos os lados relatam verdadeiros contos infantis que me fazem lembrar o nosso herói militar brasileiro Duque de Caxias “com as granadas explodindo nas patas de seu cavalo e com a espada desembainhada, gritando: siga-me quem for brasileiro!” Criança, eu lastimava pelo cavalo... As histórias destinadas à formação artificial de um orgulho nacional são geralmente assim forjadas, não resistem a um estudo mais crítico. Tarefa difícil e inútil tanto no Brasil, formado com “tribos” tupis, tapuias, guaranis, italianas, portuguesas, alemãs, japonesas, como nos países africanos, artificialmente construídos pelos países colonizadores e que juntam no mesmo balaio etnias várias, incompatíveis em hábitos, tradições, fisicamente diferentes, algumas inimigas inconciliáveis…

O Panhard 90 do Tenente Paes, pronto para descer ao Panguila, com a flamula onde se lia "Ouso!". O tenente morreu quando o seu blindado foi destruído, o único Panhard 90 perdido pelo ELNA.

Portanto, que tal sermos honestos e racionalmente, deixar de lado as grandes e heroicas historietas de nacionalismo puro, empunhando bandeiras ao vento e destroçando o inimigo? Quifangondo, batalha de vital importância para o futuro politico de Angola, foi o improviso da pressa de um lado contra a confortável posição geográfica dos defensores do outro lado, que pelos números do próprio MPLA só morreram uma meia dúzia, no máximo. Provavelmente no mesmo dia deve ter morrido mais gente atropelada em Luanda no caótico trânsito provocado pelos carros abandonados pelos portugueses em fuga para a Europa e guiados por africanos sem experiência…

Esquemática da Batalha de Quifangondo, 10 de novembro de 1975.
(Pedro A. Marangoni/ A Opção pela Espada)

No livro “Batalha Histórica de Quifangondo”, Serguei Kolomnin busca com eficiência os detalhes, confronta os relatos dos participantes, procurando ser imparcial (mesmo chamando de “internacionalismo puro” o puro intervencionismo soviético e de seus afilhados cubanos). Desfaz com seu trabalho injustiças históricas, como a insistência angolana de menosprezar e mesmo encobrir a decisiva ajuda soviética de última hora para se valorizar e até, usando as próprias definições da Convenção Internacional contra o Recrutamento, Utilização, Financiamento e Treino de Mercenários, corrige a acusação de mercenários, usada por muitos, ao idealista grupo do Coronel Santos e Castro e do Major Alves Cardoso, do qual fiz, honrosamente, parte. Ambos oficiais eram angolanos de nascimento, respectivamente Lobito e Nova Lisboa; Angola ainda era uma província portuguesa, o que justificava a nossa presença nos combates; muitos dos portugueses também eram africanos que jamais haviam posto o pé na Europa e o único que poderia ser considerado um estrangeiro, (mas menos que os cubanos, zairenses, soviéticos) era eu, nascido no Brasil mas com dupla cidadania portuguesa. Nenhum pagamento fora prometido no recrutamento e sim a paga maior: ajudar na construção de um novo país com nossos valores ocidentais. Por isso, sermos confundidos com os aventureiros de língua inglesa que só apareceram no final do conflito sempre nos incomodou. Por isso, devemos agradecer ao nosso antigo inimigo, autor dessa obra, pela honestidade e profissionalismo. Cita também meu relato sobre a deserção sul africana com seus obuses 140 que poderiam nos ter dado a vitória, mas que hoje, em livros e textos, procuram justificar com mentiras patéticas, afirmando que o Coronel Santos e Castro é que os abandonou sem proteção, sendo que sempre, até o final do combate, estivemos alguns quilômetros à frente da bateria de obuses. Transformaram a vergonhosa fuga em uma epopeia digna da 1ª Guerra Mundial, com os obuses sendo rebocados em estradas enlameadas, sem ninguém entre eles e o inimigo, sendo que só percorreram asfalto até Ambriz! E o General Ben Roos também somou-se à lista de "heróis"...

Morro dos Asfaltos.
Da esquerda pra direita: Paiva, Lopes, Daniel, Marangoni (boina vermelha), Nelson, Morteirete (gorro sul-africano), Simões Comprido e o Capitão Valdemar (loiro, camisa preta). No centro, Coronel Santos e Castro (camisa preta e suíças).

Mas o facto principal, linha mestra dessa obra, é o papel indiscutível dos BM-21 russos na batalha. Num ousado esforço de pilotos soviéticos, esse equipamento foi transportado por milhares de milhas e colocado pronto para a ação no momento decisivo. E o resultado principal, insisto, foi o psicológico. O maciço bombardeamento, concentrado em nossas posições, criou o pânico na tropa africana, que sendo de fracos valores ideológicos, sem noção profunda de nacionalidade, aterrorizada, só pensou em salvar a própria pele e evitar a todo custo repetir a experiência. Devo lembrar que nós, os Comandos Especiais de Santos e Castro e Alves Cardoso, ao conquistar com facilidade o norte de Angola para a FNLA, fomos várias vezes alvejados pelos 122 através de lançadores individuais, o que não nos causava a mínima preocupação ou danos maiores. O que se viu depois de Quifangondo foi a desmotivação total do ELNA, um caminhar em direção à fronteira do Zaire, enquanto eu comandava um pequeno grupo atrás de pontes destruídas, procurando ser a pedra no caminho dos cubanos, retardando-lhes o fácil avanço.

Em Ambriz, prontos para a partida.
Da esquerda pra direita: Tenente Paes (morto), Simões (ferido), Remédios (ferido), Marangoni (boina vermelha debaixo do braço) e Lopes (desaparecido).

Mas notei um certo desconforto do General Xavier, angolano, que efetivamente participou do combate, em posição vulnerável na linha de frente e merece nosso respeito. O relato de sua atuação na batalha, no manejo do canhão 76, coincide com as informações repassadas pelo condutor da Panhard 90 atingida, que conseguiu escapar e posteriormente fez parte de minha tripulação até o final da guerra no norte. Mas acredito que o general não apreciou a falta de colorido nacionalista angolano no livro do aliado Kolomnim! Também não concordou com minha opinião sobre a ineficiência do 122 como arma de resultados físicos, no terreno, e demostra bons conhecimentos sobre o míssil que empregou muitas vezes. Mas perguntaria eu, até com certo humor, ao general: quem pode opinar com mais precisão sobre o efeito de uma pedrada? O garoto que atira ou aquele que a recebe na cabeça? O senhor é o atirador, mas eu sou o alvo! Pelas contas cubanas, foram cerca de 700 mísseis, pela CIA, milhares. Todos concentrados na baixada do Panguila, cujo centro era a ponte, meu ponto de ação. Eu estava lá, não dentro de um abrigo, mas cruzando a ponte, correndo, rastejando, resgatando colegas feridos, avançando, retrocedendo, passando informações, e estou aqui, sem maiores arranhões, resmungando acerca de ineficiência do 122 em causar maiores baixas físicas… Se nossas baixas aparentemente aceitas por ambos os lados foram de aproximadamente 350 homens e usando os números cubanos, teremos o uso de 2 mísseis para cada inimigo atingido, inimigo esse que estava em campo aberto, sem qualquer abrigo! Mantenho minha opinião admitindo porém se não fosse o desmoralizante efeito em Quifangondo, provavelmente Angola hoje estaria, no mínimo, dividida em Angola do Norte e Angola do Sul, tal qual aconteceu com Coreia e Vietnam.

Mas os estrondos dos mísseis 122, na Batalha de Quifangondo, atingiram mortalmente a alma dos nossos combatentes...

Corrigindo sutilmente a história angolana... Na medalha comemorativa dos 40 anos da Batalha de Quifangondo, a União dos Veteranos de Angola, de Moscou, "reconstrói" o monumento erigido no local com mais precisão e justiça: entre os heróis a serem lembrados foi colocado o BM-21!

Bibliografia recomendada:

A Opção Pela Espada:
Os comandos especiais na linha de frente em defesa do Mundo Ocidental.
Pedro Marangoni.

Leitura recomendada:

Mercenários dificilmente são máquinas de matar6 de fevereiro de 2020.

FOTO: Carro de Combate T-34/85 cubano modificado com um canhão D-304 de agosto de 2020.