quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Austrália admite que membros de suas forças especiais cometeram abusos no Afeganistão

Por Laurent Lagneau, Zone Militaire Opex 360, 19 de novembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de novembro de 2020.

Demorou quatro anos para o Ministério da Defesa australiano admitir que comandos de suas forças especiais cometeram abusos durante seu engajamento no Afeganistão, precisamente entre 2006 e 2013.

Na verdade, na sequência de um relatório sobre as forças especiais escrito pela socióloga Samantha Crompvoets e a publicação dos "Arquivos Afegãos" ("Afghan Files") pelo canal público ABC em 2017, o que levou a dois jornalistas a serem suspeitos de terem tido em suas mãos informações confidenciais, uma investigação sobre as ações das Forças Especiais australianas foi iniciada sob a liderança do general da reserva Paul Brereton, também juiz do Tribunal de Apelação de Nova Gales do Sul.

Este último acaba de tirar suas conclusões em um volumoso relatório [.pdf], cuja parte pública foi amplamente redigida. Mas o fato é que esta investigação, que exigiu o exame de 20.000 documentos, 25.000 imagens e o interrogatório de 423 testemunhas sob juramento, é devastadora.

De acordo com este relatório, membros das forças especiais australianas são responsáveis ​​pela morte de 39 civis afegãos em 23 incidentes separados. “Nenhuma das mortes ocorreu no calor da batalha: todas ocorreram em circunstâncias que [...] poderiam ser qualificadas por um júri como crimes de guerra” e “todas as vítimas eram não-combatentes ou prisioneiros ”, diz ele.

O documento enfatiza práticas chocantes, como a conhecida como “sangramento” ("blooding"), que consiste em ordenar a jovens soldados subalternos que atirem em prisioneiros em uma espécie de rito de iniciação. Outra era colocar munição ou equipamento não utilizado pelas forças australianas perto dos cadáveres de civis para sugerir que eles haviam sido mortos por serem um "alvo legítimo".

Um total de 25 comandos australianos estiveram envolvidos nesses casos. E alguns ainda estão em serviço.

Em 19 de novembro [de 2020], o General Angus Campbell, Chefe do Estado-Maior das Forças Australianas, se desculpou por tal comportamento.

"Ao povo do Afeganistão, em nome da Força de Defesa Australiana, peço desculpas sinceramente e de todo o coração por qualquer ato repreensível dos soldados australianos", disse o general Campbell.

“Algumas patrulhas desrespeitaram a lei, regras foram quebradas, histórias inventadas, mentiras contadas e prisioneiros mortos”, ele então admitiu, antes de acusar os responsáveis por tais atos de terem lançado uma "mancha" em sua unidade.

“Este vergonhoso número de mortos inclui supostos casos em que novos membros da patrulha foram forçados a atirar em um prisioneiro para efetuar sua primeira morte, em uma prática terrível conhecida como 'sangramento'”, deplorou ainda o General Campbell.

“Ao povo australiano, lamento sinceramente todos estes atos condenáveis cometidos por membros das forças de defesa australianas”, insistiu, antes de frisar que a maioria dos comandos “não optou por seguir esta rota ilegal".

"Estou muito preocupado com a ocorrência desses problemas", disse o General Campbell. “Eles são extremamente prejudiciais para uma organização e para o futuro de uma organização como a Força de Defesa Australiana". Ele acrescentou: "Deixo todas as opções sobre a mesa e quero resolver os problemas caso a caso".

Isso significa que não está excluído que ação penal será movida contra os comandos para os quais evidências suficientes foram reunidas para qualificar suas ações. Eles são 19 neste caso.

No entanto, o relatório do General Brereton insiste no fato de que esses abusos são consequência de uma "cultura de guerreiros egocêntricos" no seio da unidade em questão, neste caso o 2º Esquadrão SAS (Serviço Aéreo Especial), com superiores "considerados por seus subordinados como semideuses", o que complicou ainda mais a investigação, sendo a omerta (a lei do silêncio da máfia) a regra.

Portanto, o relatório argumenta que o problema decorre de um "foco mal colocado no prestígio" que distraiu os comandos dos valores tradicionais das forças especiais australianas. Além disso, desdobramentos repetidos por um período prolongado apenas promoveram essa tendência. Tendência observada em outras unidades especiais, principalmente nos Estados Unidos, conforme destacado em relatório divulgado em janeiro pelo Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos (USSOCOM).

Enquanto aguarda as consequências jurídicas deste caso, o General Campbell anunciou a dissolução do 2º Esquadrão SAS, que será substituído por uma nova unidade, com outro nome e uma cultura de comando diferente.

Por sua vez, o primeiro-ministro australiano Scott Morrison disse ao presidente afegão Ashraf Ghani sobre sua "profunda tristeza pela má conduta de certas tropas australianas no Afeganistão" e garantiu que as investigações seriam conduzidas para fazer justiça.

Bibliografia recomendada:



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COMENTÁRIO: As Forças Especiais ainda são especiais?6 de setembro de 2020.


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