terça-feira, 3 de novembro de 2020

A ascensão, domínio e declínio da monarquia da Tailândia


Por Mark S. Cogan, Geopolitical Monitor, 20 de outubro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 3 de novembro de 2020.

A recente turbulência política na Tailândia quebrou muitos dos tabus que cercam sua monarquia antes reverenciada. O movimento social liderado por jovens que exigiu a renúncia do primeiro-ministro da Tailândia, Prayut Chan-o-cha, também apresentou uma lista de reformas pedindo mudanças substantivas na monarquia, incluindo a revogação de suas leis draconianas de lesa majestade, as quais proíbem o insulto do monarca e têm sido usados como uma arma para silenciar dissidentes. As reformas também exigem mais transparência e responsabilidade, bem como proíbem o monarca de apoiar golpes políticos, o que é uma ocorrência frequente.

Soldados tailandeses patrulhando as ruas no golpe-de-estado de 22 de maio de 2014.

Em uma era em que as normas sociais estão mudando e as velhas instituições de poder estão lutando para manter a legitimidade pública, é importante avaliar como a Tailândia acabou nesse ponto. Como uma monarquia que se tornara uma instituição reverenciada - personificada por um jovem rei carismático, cuja imagem decorava as casas de milhões de tailandeses - se viu em uma crise de legitimidade em tão curto espaço de tempo? Para responder a esta pergunta crítica, é essencial rastrear a ascensão, domínio e o declínio precipitado da monarquia sob o rei Maha Vajiralongkorn.

A restauração da monarquia começou sob o marechal-de-campo Sarit Thanarat, formando uma aliança com Bhumibol Aduledej, construindo um modelo de legitimidade e prestígio para o jovem monarca. Revogando as medidas de reforma agrária de 1954 que enfraqueceram a monarquia sob o reinado anterior de Phibun Phibunsongkhram, Sarit promoveu um culto à personalidade em torno de Bhumibol, trazendo de volta as tradições e práticas reais, como a prostração. A Constituição de 1932, que relegou a dinastia Chakri de uma monarquia absoluta a uma constitucional, foi revogada e substituída por uma versão de 1959, que concedeu ao primeiro-ministro o poder de agir contra qualquer coisa que pudesse perturbar a paz ou minar a segurança do Estado, incluindo o poder de prender e executar qualquer pessoa que o governo considere uma ameaça. Leis draconianas foram implementadas e as atividades políticas reprimidas.

Tropas do Real Exército Siamês durante o golpe, 24 de junho de 1932.

Os militares e a monarquia estavam agora simbioticamente ligados, envoltos em um manto de anti-comunismo e se afastando cada vez mais dos ideais de uma geração atrás. A aliança militar-monárquica criou laços mais profundos com os Estados Unidos, que injetaram bilhões em melhorias de desenvolvimento e infraestrutura na Tailândia. O início dos anos 1960 deu início a uma era de ouro para a economia tailandesa, onde as exportações dispararam e famílias e empresas ricas foram protegidas da devastação da competição, enquanto os pobres foram instruídos a viver com humildade e simplicidade. Foi o início de uma economia que hoje coloca a Tailândia no topo da lista dos países com a pior desigualdade de riqueza.

O marechal-de-campo Sarit, que bebia muito, faleceu logo em 1963, mas seu breve mandato alterou o curso da monarquia e estabeleceu um sistema que a Tailândia passou a conhecer muito bem. Ele desenvolveu um sistema iliberal, com poder ilimitado para fazer mudanças constitucionais e institucionais, controlado por uma rede de monarquistas com tentáculos espalhados por setores da sociedade tailandesa. Ele foi imediatamente substituído por Thanom Kittikachorn, que naquela época não poderia se igualar à estatura de Sarit ou do Rei Bhumibol, que havia acumulado capital político e moral significativo.

A difícil gestão de Thanom como primeiro-ministro coincidiria com o anti-comunismo violento e o aumento do descontentamento popular. Citando a necessidade de suprimir a ameaça do comunismo, ele deu um golpe contra seu próprio governo e se tornou o chefe do seu próprio Conselho Executivo Nacional. A rebelião logo seguiria na forma de protestos liderados por estudantes, que se espalharam para o público em geral. O povo tailandês, assim como hoje, pediu um retorno a uma forma de governo mais democrática e um novo Parlamento. A revolta de 14 de outubro de 1973, que viu estudantes fugindo de uma resposta brutal do governo aos protestos, também viu a estatura do Rei Bhumibol aumentar ainda mais por meio de sua dissolução do regime de Thanom e sua icônica abertura dos portões do Palácio Chitralada para os estudantes que fugiam da repressão do governo.

Repressão militar durante a revolta popular de 14 de outubro de 1973.

A restauração do regime democrático na Tailândia não durou muito, já que o retorno de Thanom em 1976 como monge budista alarmara os alunos que trabalharam diligentemente e com grande custo para derrotá-lo. Os temores anti-comunistas da monarquia também levaram à disseminação de propaganda de direita e à formação de grupos paramilitares como os Village Scouts (Escoteiros das Vilas), que deveriam fornecer uma defesa cidadã contra as ameaças comunistas. No auge, em 1978, 2,5 milhões de tailandeses, ou 5% da população total, haviam concluído o treinamento necessário para se tornar escoteiros. A monarquia endossou e apoiou os escoteiros, que estiveram fortemente envolvidos no combate aos protestos pró-democracia de meados dos anos 1970. Seu envolvimento no massacre da Universidade Thammasat em 1976 não pode ser esquecido.

O rei Bhumibol, após os eventos de 1976, tornou-se o árbitro principal das crises políticas que duraram muito durante seu governo de mais de sete décadas. A Tailândia caiu em um padrão repetitivo de golpes e contra-golpes em 1977, 1981, 1985 e 1991, mas o monarca não interferiu em nenhum deles.

Coluna de tanques de soldados leais ao governo tailandês em frente à antiga casa do parlamento de Bangkok após a supressão do golpe, 9 de setembro de 1985. 

Isso mudou durante os sangrentos eventos do “Maio Negro” de 1992, que ocorreram depois que Suchinda Kraprayoon derrubou o governo de Chatichai Choonhavan. Formando o Conselho Nacional de Manutenção da Paz, Suchinda acabou se nomeando primeiro-ministro. Seguiram-se protestos públicos, liderados pelo general aposentado Chamlong Srimuang e Bangkok se aproximou do caos com feias demonstrações de violência. No entanto, foi o rei Bhumibol quem resolveu a disputa, chamando Chamlong e Suchinda diante de si em uma palestra pública na televisão. Suchinda renunciou e a crise foi evitada. O papel da monarquia como árbitro principal nas crises políticas foi mantido e a estatura e autoridade moral de Bhumibol foram mais uma vez confirmadas.

O momento que abalou uma nação: os generais rivais, Suchinda Kraprayoon (centro) e Chamlong Srimuang (esquerda), ajoelhando-se diante do rei Bhumibol após os distúrbios em 22 de maio de 1992.

Embora Bhumibol aprovasse os golpes que derrubaram as eras Thaksin e Yingluck Shinawatra na política tailandesa em 2006 e 2014, seu governo seria caracterizado principalmente como uma "monarquia em rede", onde o monarca governava por meio de uma série de representantes em vez de diretamente. O avanço da idade e o declínio da saúde fizeram com que Bhumibol logo se retirasse da vida pública até sua morte em outubro de 2016. Os anos de cultivo de uma imagem pública reverenciada e exaltada não foram imediatamente transferidos para Vajiralongkorn, que tem um estilo muito diferente de seu pai.

Em um curto espaço de tempo, Vajiralongkorn mudou-se para estabelecer o controle sobre bilhões de dólares dos ativos do Crown Property Bureau e assumiu o comando do 1º e 11º Regimentos de Infantaria, baseados em Bangkok. Ele adquiriu participações em grandes empresas tailandesas, como Siam Commercial Bank e Siam Cement, bem como em vastas extensões de terras. A legitimidade pública não pode ser transferida tão facilmente quanto um título real. Vajiralongkorn não cultivou a mesma imagem pública, em parte devido à sua preferência pelo governo direto e sua ausência pública da Tailândia, passando um tempo considerável na Alemanha.

A erosão da legitimidade pública não pode simplesmente ser atribuída a Vajiralongkorn, mas à aliança militar-monárquica como uma instituição conjunta. O povo tailandês se acostumou e frustrou-se com o padrão interminável de interferência nos assuntos políticos, especialmente durante os períodos de governo democrático. A derrubada de Thaksin em 2006 gerou protestos políticos e uma resposta violenta do Estado. A agitação política em 2014 foi outra justificativa para a intervenção militar, o que levou a respostas brutais do Estado à dissidência. As constituições democráticas foram substituídas por versões autoritárias, que favoreciam tanto os militares quanto a monarquia. A raiva pública cresceu quando o Future Forward Party (Partido para o Futuro Adiante), que atraiu muitos jovens seguidores, foi banido junto com seu jovem líder carismático, Thanathorn Juangroongruangkit.

Thanathorn Juangroongruangkit, líder do Future Forward Party. 

Com a atual impopularidade do governo Prayut e de Vajiralongkorn, pode ser facilmente interpretado erroneamente que os manifestantes querem acabar com a monarquia de uma vez, mas isso seria uma descaracterização grosseira. As ansiedades são impulsionadas pela percepção de que a Tailândia sob Vajiralongkorn poderia retornar à sua forma absoluta, como evidenciado por discursos de líderes dos protestos. Embora os desafios sejam raros com Bhumibol, eles estão sempre presentes e provavelmente permanecerão sob Vajiralongkorn, que precisará adaptar a instituição para se ajustar à dinâmica de mudança. Intervenções extra-constitucionais, personificadas por endossos reais de golpes militares, não serão mais toleradas. A legitimidade só pode ser restaurada por meio da transparência, responsabilidade e trabalho em conjunto com uma sociedade civil tailandesa democrática, e não contra ela. Já se foi o tempo em que formas extremas de nacionalismo tailandês, expressas como anti-comunismo ou a restauração da “felicidade”, podiam subjugar a sociedade civil tailandesa. Para sobreviver, a monarquia da Tailândia deve se adequar aos novos tempos.

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