terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

ENTREVISTA: Mercenários Wagner na Síria

Por John Sparks, Sky News, 10 de agosto de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de fevereiro de 2022.

Revelado: os "mercenários secretos" da Rússia na Síria.

John Sparks, correspondente em Moscou da Sky News, fala com homens que afirmam que foram treinados e voaram em aviões militares russos para ajudar as tropas leais a Bashar al-Assad.

Se a Rússia é uma nação em guerra, o Kremlin sempre teve o cuidado de enquadrar sua campanha na Síria como uma operação aérea. Além de um número limitado de "instrutores e conselheiros militares", as autoridades russas afirmaram repetidamente que não precisam colocar "botas no chão".

Um dos ex-mercenários que afirma ter sido treinado e enviado para lutar na Síria.

A narrativa russa de conflito de baixo custo foi seriamente desafiada, no entanto, por um grupo de jovens russos que afirmam que o envolvimento de seu país na Síria é muito mais extenso - e mais caro - do que qualquer um no governo do presidente Putin está preparado para admitir. Esses indivíduos disseram à Sky News que foram recrutados por uma empresa militar privada altamente secreta chamada "Wagner" e levados para a Síria a bordo de aviões de transporte militares russos.

Exclusivo: Soldados Secretos da Rússia lutando na Síria

Pelo equivalente a £ 3.000 por mês (R$ 21.421,20), eles dizem que foram jogados em batalhas e tiroteios com facções rebeldes - incluindo o Estado Islâmico. Dois do grupo, Alexander e Dmitry, disseram à Sky News que se sentiam sortudos por estarem vivos.

"É 50-50", disse Alexander (nome fictício). "A maioria das pessoas que vão lá pelo dinheiro acaba morta. Aqueles que lutam por ideais, para lutar contra os americanos, forças especiais americanas, alguma ideologia - eles têm uma chance melhor de sobrevivência."

"Aproximadamente 500 a 600 pessoas morreram lá", afirmou Dmitry. "Ninguém nunca vai descobrir sobre eles... essa é a coisa mais assustadora. Ninguém nunca vai saber."

Mercenários russos supostamente lutaram no leste da Ucrânia.

O primeiro-ministro do país, Dmitry Medvedev, alertou em fevereiro que o envio de tropas terrestres por potências estrangeiras poderia resultar em uma "guerra mundial". Ele parece ter excluído o uso de mercenários russos desse cálculo, no entanto - embora os analistas não estejam surpresos.

O envio de contratados militares é consistente com a visão russa da "guerra híbrida", de acordo com o analista militar Pavel Felgenhauer. Ele disse: "Obviamente (Wagner) existe. Esses tipos de 'voluntários' aparecem em diferentes zonas de guerra, onde o governo russo quer que eles apareçam. Então, primeiro na Crimeia, depois no Donbass, agora na Síria. Mas eles não foram legalizados até agora."

As empresas militares privadas são proibidas pela constituição russa - mas isso não é algo que parece incomodar o homem que dirige a operação.

A única imagem conhecida do líder sombrio do Grupo Wagner, Nikolai Utkin.
(Foto: Fontanka)

Um ex-soldado das forças especiais, ele é conhecido por seus homens como Nikolai Utkin. A única foto conhecida do senhor Utkin foi publicada no início deste ano pelo jornal Fontanka, de São Petersburgo. O jornal o descrevia como um aficionado da estética e ideologia do Terceiro Reich nazista alemão. Seu nome-de-guerra, Wagner, é considerado uma homenagem ao compositor favorito de Hitler.

A empresa recrutou centenas de homens online, publicando anúncios temporários em salas de bate-papo com temas militares em um popular site russo.

Os homens dizem que foram levados da Rússia para a Síria em aviões militares russos.

A Sky News obteve um registro de uma conversa entre um recruta e um agente Wagner. Lê-se:

Recruta: Ouvi dizer que Wagner está procurando caras. Eu estava no exército em ..... divisão.

Wagner: Em que tipo de forma física você está?

Recruta: Eu posso correr 10km. Eu posso fazer 20 barras.

Wagner: Você consegue fazer 3km em 13 minutos?

Recruta: Com certeza! No exército eu fazia 11km em 40 minutos.

Wagner: Você tem algum problema com a lei, dívidas?

Recruta: Eu tenho um problema com dinheiro. Quero comprar um apartamento.

Wagner: Você tem passaporte válido para viajar?

Recruta: Sim, claro.

Wagner: Ok, venha para Molkino. Você tem uma grande chance de ser selecionado.

Molkino é uma pequena vila no sul da Rússia que abriga uma base de forças especiais do Ministério da Defesa. Parte da base foi entregue ao Grupo Wagner para seleção e treinamento de recrutas.

Alexander, que realizou várias missões na Síria, disse estar ciente de homens de todas as habilidades sendo aceitos para treinamento - mesmo aqueles que nunca dispararam uma arma. Ele disse que o treinamento - que geralmente dura de um a dois meses - foi intenso.

Ele acrescentou: "Se a pessoa não foi do exército, ele é treinado desde o nível zero. Eles são ensinados a ser soldados de infantaria - a bucha de canhão usual. Se a pessoa serviu na artilharia, reconhecimento, brigadas de assalto - suas habilidades são polidas... eles ensinam você a dirigir e usar absolutamente todo o equipamento que eles têm."

Dmitry disse que os recrutas receberam um kit "padrão da OTAN" para praticar.

Alguns dos homens com quem a Sky News falou dizem que participaram da batalha por Palmira.

Ambos os homens logo se viram destacados para a principal base russa na costa síria. Alexander disse que ele foi acompanhado por mais de 500 homens.

"Havia 564 soldados comigo e fomos colocados na base", acrescentou. "Tínhamos duas companhias de reconhecimento, uma companhia de defesa anti-aérea, dois grupos de assalto e tropas de infantaria, além de artilharia pesada, tanques e assim por diante."

Dmitry disse que se juntou a 900 outros - mas teve dúvidas na chegada. Ele trabalhou anteriormente como secretário de escritório e tinha pouca experiência militar. "Chegamos à noite no aeroporto", disse ele. "Como se chama? Hmay? Hymeem? Hhmemeen? (Khmeimim). Então fomos colocados em caminhões. Para ser honesto, eu estava com medo. Não tenho uma constituição forte e não era muito bom nos exercícios".

Os combatentes Wagner acusaram seus comandantes de enviá-los em "missões suicidas" destinadas a "suavizar" a oposição antes que as tropas do Exército sírio fossem enviadas. Alexandre relembrou a batalha pela cidade de Palmira, realizada no início deste ano (2016). Ele disse:

"Durante o assalto a Palmira, fomos usados como bucha de canhão. Pode-se dizer isso. O reconhecimento avançou primeiro para que pudessem observar e relatar. Eu conhecia três naquele grupo - dois morreram antes de chegarem à cidade. Da minha companhia de assalto, 18 morreram. Depois de nós, aquelas galinhas covardes do exército de Assad seguiram e terminaram o serviço, mas nós fizemos a maior parte do trabalho."

O número oficial de russos mortos na Síria é de 19. No entanto, os combatentes Wagner disseram à Sky News que acreditavam que centenas de seus colegas de trabalho foram mortos.

Eles acusam as autoridades de encobri-las.

"Quem vai te contar sobre isso? Às vezes os corpos são cremados, mas os jornais dizem 'eles estão desaparecidos'. Às vezes os documentos dizem que o soldado foi morto em Donbass (leste da Ucrânia). Às vezes eles dizem 'acidente de carro' e assim por diante", afirmou Alexandre.

Fotos capturadas por combatentes do Estado Islâmico parecem mostrar mercenários russos na Ucrânia.

Dmitry afirmou que centenas de homens foram deixados na Síria. "Às vezes eles estão enterrados, às vezes não", disse ele. "Às vezes eles apenas cavam um buraco. Depende de como os comandantes se sentem em relação à pessoa".

Ele está de volta a Moscou agora, mas diz que a experiência ainda o persegue. Quando ele assinou com o Grupo Wagner, Dmitry entregou seus documentos de identificação pessoal - uma parte essencial da vida na Rússia. Ao retornar, ele voltou à base de treinamento para recuperar seus documentos, mas foi preso pela polícia. Um oficial lhe disse, inequivocamente, que o Grupo Wagner "não existe".

Dmitry disse à Sky News que há outros 50 homens - sobreviventes do Grupo Wagner - agora andando pelas ruas de Moscou, traumatizados e sem documentos.

"Ninguém me conhece", disse ele. "Eles simplesmente me jogaram fora".

Bibliografia recomendada:

"Wagner Group":
Africa's Chaos is an Economic Boom.

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