sábado, 31 de outubro de 2020

FOTO: Soldado russo da Wehrmacht

Oficial russo do ROA mostrando suas condecorações. Além do distintivo de Assalto de Infantaria (no bolso do peito, contendo um fuzil com baioneta), o oficial recebeu quatro medalhas Ostvolk de segunda classe. 

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 31 de outubro de 2020.

O Exército Russo de Libertação (em alemão Russische Befreiungsarmee; em russo Русская освободительная армия/ Russkaya osvoboditel'naya armiya, POA/ROA). Conhecido como "O Exército de Vlasov", o ROA era um exército colaboracionista da Wehrmacht composto por russos e minorias étnicas recrutados principalmente nos lotados campos de prisioneiros e de um certo número de Ostarbeiter (literalmente "trabalhadores orientais", mão-de-obra escrava); além de alguns russos brancos emigrados.

Batalhões de Osttruppen serviram durante a guerra em várias capacidades (como guerra anti-partisan) e 42 batalhões serviram na Europa Ocidental (na França, Bélgica, Itália, Finlândia). 

O ROA atingiu o nível de Corpo de Exército, elevando-se a 50 mil homens, sendo liderado por Andrey Vlasov, um general do Exército Vermelho que havia sido capturado durante uma operação visando romper o cerco a Leningrado; seu nome criou o apelido de Vlasovtsy (Власовцы) para seus homens. Em 14 de novembro de 1944, o ROA passou a ser conhecido como Forças Armadas do Comitê para a Libertação dos Povos da Rússia (Вооружённые силы Комитета освобождения народов России/ Vooruzhonnyye sily Komiteta osvobozhdeniya narodov Rossii, abreviado como ВС КОНР/ VS KONR); passando para o controle deste comitê em 28 de janeiro de 1945.

Uma curiosidade do ROA é a Ordem nº 65 de Vlasov para prevenir a dedovshchina, o trote violento, no Exército de Libertação da Rússia, emitida em 3 de abril de 1945.

Medalha Ostvolk

Medalha Ostvolk de 2ª classe com espadas.

A Medalha de Galanteria e Mérito para Membros dos Povos Orientais (Tapferkeits und Verdienstauszeichnung für Ostvölker) foi uma condecoração militar e paramilitar da Alemanha nazista. Estabelecida em 14 de julho de 1942, foi concedida a militares da então União Soviética chamados pelos alemães de Ostvolk (literalmente "povos orientais"), que se voluntariaram para lutar ao lado das forças alemãs. A medalha é às vezes chamada de OstvolkmedailleMedalha Ostvolk ou Medalha dos Povos Orientais.

A medalha tinha duas classes, 1ª e 2ª, e cada versão de ambas as classes poderia ser concedida com espadas por bravura ou sem espadas por mérito. A 1ª classe era atribuída apenas a quem já tivesse recebido a 2ª classe embora, excepcionalmente, as duas classes pudessem ser atribuídas em conjunto. Mulheres, por exemplo enfermeiras, também eram elegíveis.

General Vlasov com seus Vlasovtsy, 1944.

Epílogo

O Exército de Vlasov teve uma única batalha de monta contra o Exército Vermelho, no rio Oder, sendo forçados a recuar depois de 3 dias de combates violentos. O General Vlasov iniciou uma marcha para o sul com o intuito de se render para os aliados ocidentais. No caminho, a 1ª Divisão do ROA se engajou na insurreição de Praga contra as tropas SS que foram despachadas para arrasarem a cidade em maio de 1945. Essa mudança de lado visava, principalmente, atrair a simpatia dos aliados já que os soldados do ROA sabiam que seriam executados como traidores pelos soviéticos. Mesmo assim, o conselho comunista de Praga ordenou que a divisão deixasse a cidade no mesmo dia em que a batalha acabou e muitos resistentes tchecos capturaram Vlasovtsy e os entregaram ao Exército Soviético.

O ROA se rendeu aos aliados americanos e britânicos na Áustria. Mais de mil Vlasovtsy se renderam à 44ª Divisão de Infantaria americana com a promessa de que não seriam devolvidos aos soviéticos. Em um movimento que o comando aliado manteve em segredo por muitos anos, eles foram então entregues à força aos soviéticos pelos aliados, devido a um acordo anterior entre Churchill e Stálin de que todos os soldados do ROA seriam devolvidos à URSS. Alguns oficiais aliados que simpatizavam com os soldados ROA permitiram que eles fugissem em pequenos grupos para as zonas controladas pelos americanos.

Com base no relato não-publicado do oficial de inteligência da 44ª Divisão que se encontrou com Vlasov e negociou sua rendição na Áustria, a rendição envolveu garantias da sede do SHEAF (Supreme Headquarters Allied Expeditionary Force / Quartel-General Supremo da Força Expedicionária Aliada), em Paris, de que os integrantes do ROA que se rendessem aos americanos não seriam enviados de volta aos soviéticos. Seu relato permaneceu inédito porque na época da sua morte, o documento ainda era considerado altamente secreto.

O governo soviético decretou todos os soldados e civis do ROA como traidores, e aqueles que foram repatriados foram julgados e condenados à detenção em campos de prisioneiros ou executados. O próprio Vlasov e vários outros líderes do ROA foram julgados e enforcados em Moscou em 1º de agosto de 1946.

Na cultura popular

Um exército basicamente esquecido, o ROA permaneceu fora da mídia e da cultura popular por muitas décadas.  Apesar de ser um ponto central do enredo do filme e jogo "007 contra Goldeneye" (GoldenEye, 1995), e mesmo com tanto o filme quanto o jogo sendo extremamente populares na mundo todo na época, a maioria dos telespectadores não percebeu a referência.

Cena do filme GoldenEye sobre Travelyan e os "Cossacos de Lienz" 


A trama envolve o ressentimento do vilão Alec Trevelyan (interpretado por Sean Bean), conhecido como "Janus", filho de "Cossacos de Lienz" que "sobreviveram à traição britânica e aos esquadrões de execução de Stálin". Janus planeja a destruição da economia britânica por causa da traição britânica em Lienz, na Áustria.

O pai e sua família sobreviveram, mas, atormentado pela "culpa do sobrevivente", seu pai acabou matando sua esposa, então suicidando-se, deixando Alec órfão. 

Bond (interpretado por Pierce Brosnan) diz sobre a repatriação forçada, "Não foi exatamente nosso melhor momento", sendo respondido por Valentin Zukovsky (interpretado por Robbie Coltrane), o ex-espião da KGB tornado um chefão da máfia russa, que os cossacos eram "gente cruel" e "tiveram o que mereciam".


Em 28 de maio de 1945, o Exército Britânico chegou ao Camp Peggetz, em Lienz, onde havia 2.479 cossacos, incluindo 2.201 oficiais e soldados. Foram convidar os cossacos para uma importante conferência com oficiais britânicos, informando-os de que voltariam a Lienz às 18 horas daquela noite; alguns cossacos ficaram preocupados, mas os britânicos garantiram-lhes que tudo estava em ordem. Um oficial britânico disse aos cossacos: "Garanto-vos, com a minha palavra de honra como oficial britânico, que vão apenas a uma conferência". A repatriação dos cossacos de Lienz foi excepcional, porque os cossacos resistiram com força à sua repatriação para a URSS; um cossaco observou: "O NKVD ou a Gestapo teriam nos matado com cassetetes, os britânicos o fizeram com sua palavra de honra".

Julius Epstein, um judeu-austríaco trabalhando como correspondente de guerra, descreveu a cena que ocorreu:

"O primeiro a cometer suicídio, por enforcamento, foi o editor cossaco Evgenij Tarruski. O segundo foi o general Silkin, que atirou em si mesmo... Os cossacos se recusaram a embarcar nos caminhões. Soldados britânicos [armados] com pistolas e cassetetes começaram a usar seus cassetetes, mirando nas cabeças dos prisioneiros. Eles primeiro arrastaram os homens para fora da multidão e os jogaram nos caminhões. Os homens pularam pra fora. Eles os espancaram de novo e os jogaram no piso dos caminhões. Novamente, eles pularam pra fora. Os britânicos então os atingiram com coronhas de fuzil até que ficassem inconscientes e os jogaram, como sacos de batatas, nos caminhões."

Os britânicos transportaram os cossacos para uma prisão onde foram entregues aos soviéticos.

"Certos eventos inspirados em 'Um Escritor em Guerra' de Vasily Grossman, editado e traduzido por Antony Beevor e Luba Vinogradova."
Cena dos créditos do jogo Company of Heroes 2.

Foi apenas com o jogo Company of Heroes 2 (2013) que o ROA finalmente entrou na cultura popular moderna, quando virou uma unidade jogável. Esse jogo atraiu a atenção pela inclusão de massacres e crimes de guerra enquanto o protagonista narra a sua experiência na Frente Leste de dentro de uma cela na Sibéria. Essa exposição gerou uma nova onda de livros sobre o assunto.

O jogo menciona a execução de prisioneiros, a famosa Ordem nº 227, a traição contra resistentes poloneses e os expurgos da NKVD no pós-guerra. Um dos outros pontos de contenda foi a menção ao programa de Empréstimo e Arrendamento, com tanques Sherman americanos enviados para os soviéticos. Muitos dos cenários foram tirados do livro "Um Escritor em Guerra", de Vasily Grossman.

Os soldados Vlasovtsy do ROA são uma unidade de infantaria designada simplesmente como Osttruppenusada como "bucha de canhão" pelo Ostheer (literalmente "Exército do Leste"), a facção alemã da Frente Russa.

Osttruppen no jogo Company of Heroes 2.

Bibliografia recomendada:

Hitler's Russian & Cossack Allies 1941-45.
Nigel Thomas PhD e Johnny Shumate.

Orders, Decorations, Medals and Badges of the Third Reich
(Including the Free City of Danzig)
David Littlejohn e o Coronel C.M. Dodkins.


Leitura recomendada:




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