Mostrando postagens com marcador Primeira Guerra Mundial. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Primeira Guerra Mundial. Mostrar todas as postagens

sábado, 26 de dezembro de 2020

VÍDEO: Veterano descreve matar um inimigo com uma baioneta

Visão dramatizada de um combate corpo-a-corpo entre franceses e alemães em uma trincheira.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 26 de dezembro de 2002.

Stefan Westmann, um cabo da 29ª Divisão de Infantaria Alemã na Primeira Guerra Mundial, descreve o ato de matar um soldado francês (também um cabo) com uma baioneta. Ele está se lembrando dos eventos de um ataque em 1915 por sua unidade, o Infanterie Regiment Nr. 113, contra as posições francesas ao sul do Canal d’Aire em La Bassée, França. Filmado em 1963.

Stephen Kurt Westmann, um berlinense nascido em 1893 e que morreu em 1964, escreveu suas memórias com o título "Surgeon with the Kaiser’s Army" (Cirurgião com o Exército do Kaiser), que foram reimpressas em 2015.

Transcrição:

"Um dia, recebemos ordens para assaltar uma posição francesa. Entramos, e meus camaradas caíram à direita e à esquerda de mim. Mas então fui confrontado por um cabo francês. Ele com a baioneta em punho e eu com a minha baioneta em punho. Por um momento, senti o medo da morte. E em uma fração de segundo percebi que ele estava atrás da minha vida exatamente como eu estava atrás da dele. Eu fui mais rápido do que ele. Aparei seu fuzil fora do caminho e trespassei minha baioneta em seu peito. Ele caiu, colocou a mão no lugar onde eu o havia atingido, e então estoquei novamente. O sangue saiu da sua boca e ele morreu.

Eu me senti fisicamente doente. Quase vomitei. Meus joelhos tremiam e eu estava, francamente, com vergonha de mim mesmo. Meus camaradas - eu era cabo naquela época - não se incomodaram absolutamente com o que acontecera. Um deles se gabou de ter matado um poilu [apelido do soldado francês] com a coronha do seu fuzil. Outro estrangulou um capitão, um capitão francês. Um terceiro havia atingido alguém na cabeça com sua pá. E eles eram homens comuns como eu. Um deles era condutor de bonde, outro um viajante comercial, dois eram estudantes, os demais eram trabalhadores agrícolas. Pessoas comuns que nunca pensariam em fazer mal a ninguém. Como é que eles eram tão cruéis?

Lembrei então que nos diziam que o bom soldado mata sem pensar no adversário como ser humano. No momento em que ele vê nele um semelhante, ele não é mais um bom soldado. Mas eu tinha, na minha frente, o... homem morto, o soldado francês morto... e como eu gostaria que ele tivesse levantado a mão. Eu teria apertado a mão dele e seríamos melhores amigos, porque ele não era nada, como eu, mais que um pobre menino que teve que lutar, que teve que avançar com as armas mais cruéis contra um homem que não tinha nada contra ele pessoalmente, que apenas vestia o uniforme de outra nação, que falava outra língua, mas um homem que tinha pai e mãe, e talvez uma família, e assim eu senti.

Acordei de noite às vezes, encharcado de suor, porque via os olhos do meu adversário caído, do inimigo, e eu tentava me convencer, o que teria acontecido comigo se eu não tivesse sido mais rápido que ele? O que teria acontecido comigo se eu não tivesse enfiado minha baioneta primeiro em sua barriga?

O que era isso que nós, soldados, nos apunhalávamos, estrangulávamos uns aos outros, nos atacávamos como cães loucos? O que era isso que nós, que não tínhamos nada contra eles pessoalmente, lutávamos com eles até o fim e a morte? Éramos pessoas civilizadas, afinal. Mas eu senti que a cultura da qual tanto nos gabávamos é apenas um verniz muito fino o qual soltou-se no momento em que entramos em contato com coisas cruéis como a guerra real.

Atirar um no outro à distância, lançar bombas, é algo impessoal. Mas ver o branco nos olhos um do outro e depois correr com uma baioneta contra um homem, era contra a minha concepção e contra o meu sentimento interior.

Mais alguma coisa?"

O entrevistador responde "Isso foi lindo" e diz "corta" para o câmera.

Bibliografia recomendada:

Surgeon with the Kaiser's Army.
Stephan Kurt Westmann.

Leitura recomendada:

PINTURA: Ataque à baioneta, 191523 de fevereiro de 2020.

quarta-feira, 28 de outubro de 2020

FOTO: A bandeira da Revolta Árabe

Soldados do Exército Xarifiano (Exército Árabe) durante a Revolta Árabe de 1916-1918, carregando a bandeira da revolta, ao norte de Yanbu, Reino de Hejaz.

Esta foto foi tirada no Hejaz, atual Arábia Saudita. Os homens fotografados são leais à família Hachemita que reinou brevemente sobre a Síria e Iraque, e permanece no poder na Jordânia até hoje.

O Exército Xarifiano, também conhecido como Exército Árabe (árabe: الجيش العربي, Aljaysh Alearabiu) ou Exército Hejazi foi a força militar por trás da Revolta Árabe, que fez parte do teatro do Oriente Médio na Primeira Guerra Mundial.


O Xarife Husayn ibn 'Ali do Reino do Hejaz, que foi proclamado "Sultão dos Árabes" em 1916, liderou o Exército Xarifiano em uma rebelião contra o Império Otomano com o objetivo final de unir o povo árabe sob um governo independente. Auxiliado tanto financeira quanto militarmente pelos aliados britânicos e franceses, as forças de Husayn moveram-se gradualmente para o norte através do Hejaz e lutaram ao lado da Força Expedicionária Egípcia controlada pelos britânicos, eventualmente tomando Damasco.

Uma vez na capital síria, membros do Exército Xarifiano estabeleceram uma monarquia de curta duração liderada por Faisal, filho do Xarife Husayn. Este Reino Árabe da Síria (Grande Síria) terminou com a derrota na Guerra Franco-Síria de 1920, com o rei Faisal sendo expulso para o Iraque e depois a atual Jordânia.

Bibliografia recomendada:




Leitura recomendada:





GALERIA: Os fuzis AK-74M da Síria, 29 de agosto de 2020.

FOTO: Entre dois leões na Síria, 4 de setembro de 2020.

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O Chauchat na Iugoslávia

Homens do Exército Real Sérvio posando em Salônica, 1916-18.
Eles têm coberturas tradicionais sérvias com o FM Chauchat na típica posição de honra (o centro da imagem) com o carregador em meia-lua, calibre 8mm Lebel.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de outubro de 2020.

Prelúdio

A epopéia do Chauchat na Iugoslávia começa quando o Exército Real Sérvio foi reequipado por seus aliados franceses de 1916 a 1918, após a Grande Retirada de 25 de novembro de 1915 a 18 de janeiro de 1916. Isso mudou a sua aparência tornando-os semelhantes aos aliados "poilu", geralmente com o única característica sendo a cobertura tipicamente sérvia (šajkača). Eles agora eram armados com fuzis Lebel e Berthier, granadas de fuzil Viven-Bessières (VB), e fuzis-metralhador Chauchat.

Até 18 de dezembro de 1916, o exército sérvio recebeu 1.962 FMs franceses de 8x50mmR "Šoša" M1915 na forma de ajuda aliada. Na Frente de Salônica, o Exército Sérvio tinha 989 unidades no 1º Exército e 957 Šoša no 2º Exército, um total de 1946 fuzis-metralhadores. Alguns exemplares foram recalibrados em 8mm Mauser, um deles preservados no Museu da Fortaleza de Belgrado - ao lado do Parque Kalemegdan.

Soldados sérvios com o capacete M15 Adrian, usando a águia real sérvia, demonstrando as novas granadas de fuzil VB francesas e o seu bocal (tromblon).

Os sérvios, montenegrinos, gregos, franceses e britânicos vão combater os austro-húngaros e seus aliados búlgaros e alemães na Frente de Salônica até o rompimento atingido na ofensiva final aliada em outubro e setembro de 1918, derrubando a Bulgária e o Império Turco Otomano.

As baixas da Sérvia foram 8% do total de mortes militares aliadas, e 58% do exército regular sérvio (420.000 homens) morreram durante o conflito. De acordo com as fontes sérvias, o número total de vítimas gira em torno de 1.000.000: 25% do tamanho da Sérvia antes da guerra e uma maioria absoluta (57%) de sua população masculina em geral. A maior média da guerra.


Derrotado na Macedônia e no Vittorio Veneto, o Exército Austro-Húngaro saiu da Primeira Guerra Mundial após o Armistício de Villa Giusti assinado com o Reino da Itália em 3 de novembro de 1918, uma semana depois o Império Alemão pediria o armistício. No final de desse ano, uma missão do Exército sérvio liderada por Milan Pribićević, Dušan Simović e Milisav Antonijević chegou a Zagreb para liderar a reorganização do Exército Sérvio e do Exército Nacional de Eslovenos, Croatas e Sérvios em um único novo Exército do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (em sérvio croata: Kraljevina Srba, Hrvata i Slovenaca/ Краљевина Срба, Хрвата и Словенаца; esloveno: Kraljevina Srbov, Hrvatov in Slovencev, KSCS). Isto iniciaria o processo da criação do Reino da Iugoslávia.

Soldados búlgaros posando com fuzis-metralhadores Chauchat capturados na Frente de Salônica, 1918.

Modelo do Museu da Fortaleza de Belgrado

Chauchat M1915/26 iugoslavo em 8mm.




A criação do Exército Real Iugoslavo

Exército Real Iugoslavo com modelos belgas em 7,92x57mm.

Em 1º de janeiro de 1919, um total de 134 ex-oficiais austro-húngaros de alta patente haviam sido aposentados ou dispensados de suas funções. Do final de 1918 até 10 de setembro de 1919, o novo exército esteve envolvido em um confronto militar violento com formações irregulares pró-austríacas na região da Caríntia, na fronteira norte do novo Exército Nacional de Eslovenos, Croatas e Sérvios em um único novo Exército do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (KSCS). A certa altura, as tropas do KSCS ocuparam brevemente Klagenfurt. Após um plebiscito em outubro de 1920, a fronteira com a Áustria foi fixada e as tensões diminuíram.

O nome oficial do Estado foi alterado para "Reino da Iugoslávia" pelo Rei Alexandre I em 3 de outubro de 1929, com o exército se tornando o Exército Real da Iugoslávia. O termo Iugoslávia significa "Terra dos Eslavos do Sul", mas a proeminência dos sérvios ainda era uma realidade.

Além dos combates ao longo da fronteira austríaca em 1919–20, este novo exército lutou algumas escaramuças nas fronteiras ao sul na década de 1920. As primeiras manobras de qualquer tamanho significativo desde a formação do exército em 1919 foram conduzidas entre as tropas de duas divisões durante 29 de setembro a 2 de outubro de 1927, embora o número de tropas engajadas não excedeu 10.000 e algumas reservas tiveram que ser convocadas para atingir esse número. Antes disso, apenas exercícios locais entre guarnições haviam sido realizados.

Em 1928, quatro novos regimentos de infantaria foram estabelecidos em resposta a um aumento italiano ao longo da fronteira. Eles eram vistos como o núcleo de uma nova divisão de infantaria em potencial. Nesse período, o rei-ditador também adquiriu grandes quantidades de armamento tchecoslovaco que supriram de forma marginal a necessidade de armamentos.

Um chetnik sérvio armado com um FM M37, a versão iugoslava do ZB vz. 26 tcheco, dos quais 1.500 foram entregues.

Em um relatório de janeiro de 1920 e 1921, o adido militar francês Ramon Eugène Delta, que defendia táticas ofensivas com o uso de armas automáticas, observou que as recém-formadas Forças Armadas do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos tinham 1.900 FM Chauchat à disposição, que sobraram do Exército Sérvio.

Em um esforço para usar os recursos existentes e economizar dinheiro no orçamento, o KSCS tomou uma decisão na época de atingir um compromisso. Durante as negociações em Liège sobre a compra de uma licença de fuzil, a delegação iugoslava-eslovena notou os fuzis-metralhadores deixados para trás após a retirada da Força Expedicionária Americana (American Expeditionary Force, AEF), cuja versão americana era calibrada na munição .30-06 (7,62x63mm M1906) no padrão C.S.R.G.A. 1918 Chauchat 30-06 Modelmas também os fuzis-metralhadores belgas adaptados, que acabaram de ser aperfeiçoados como o FM CSRG Mle 915/27 pela FN.

Chauchat com o carregador em meia-lua.


Os belgas adaptaram todos os FM M1915 recebidos da França como durante a guerra com uma bala doméstica 7.65x54mm M89, que trocou o modelo ogival pelo modelo spitzer (pontiagudo). Como naquela época havia na Iugoslávia grandes quantidades disponíveis de munição alemã 7,9x57mm M88 capturadas, decidiu-se que seria mais rápido e rentável adaptar os "Šoša" belgas para esse calibre. Seriam adquiridos da FN 4.000 FM Chauchat M1915 em 7,65mm, e as adaptações serão confiadas ao Instituto Técnico Militar de Kragujevac.

Em fevereiro de 1927, o Instituto entregou 1.700 exemplares adaptados às unidades sob o novo rótulo "7,9mm M.15/26". No final do mesmo ano, a adaptação dos próximos 2.000 estaria concluída e, no início de 1928, todos os 4.000 FM Šoša M1915/1926 estariam finalizados.

Assim, no arsenal do exército havia 4.000 FM 7,9mm Šoša M1915/1926, bem como 1.900 CSRG Chauchat M1915 originais de 8mm.

Chauchat iugoslavo M1915/26.

Chauchat iugoslavo M15/26.



Nota: Para os próprios alemães, o calibre militar foi designado como 7,9mm (e menos frequentemente os comerciais como 8mm). Por alguma razão, tchecoslovacos, poloneses e romenos adicionaram 0,02mm na década de 1920 e acabou ficando 7,92mm. Os franceses e os gregos referiram-se como 7,90mm e 7,92mm; turcos e sérvios como 7,9mm. Depois da Segunda Guerra Mundial, quase todos começaram a chamar de 7,92mm.

Caixas de munição marcando 7,9mm.

Prelúdio da invasão alemã de 1941

Soldados do Regimento de Ferro de Belgrado desfilando, 1940-41.
(Colorização De Memorabilia)

No início de 1933, houve uma ameaça de guerra com a Itália e a Hungria que preocupou muito o Estado-Maior. O adido militar britânico observou que o exército tinha grande autoconfiança, sua infantaria era forte e sua artilharia bem equipada, mas carecia de áreas significativas exigidas por uma força de combate moderna. As principais deficiências permaneceram nas metralhadoras e nas armas de infantaria, e não havia treinamento com armas combinadas.

O adido observou ainda que, junto com a dominação quase completa dos sérvios nas fileiras gerais, o Estado-Maior também era 90 por cento sérvio, e a "servianização" do exército havia continuado, com jovens croatas e eslovenos instruídos agora relutantes em entrar no exército. O adido viu o domínio sérvio do exército como uma possível fraqueza política da nação, mas também como uma fraqueza militar em tempo de guerra. A defesa do reino também contava com milícias étnicas armadas como forças de auto-defesa. Foi anunciado que manobras em nível de exército seriam realizadas em 1935, pela primeira vez desde a formação do exército em 1918.

Exército Real Iugoslavo.

Apesar dos esforços, o Exército Real Iugoslavo foi invadido por três adversários poderosos, a Alemanha Nazista, o Reino da Itália e o Reino da Hungria, sendo derrotado em uma campanha relâmpago de 6 a 18 de abril de 1941, quando o exército real ainda não havia sequer mobilizado propriamente.

Colaboração e resistência

Homens da Divisão Dinarska (Dinara), uma unidade permanente da milícia chetnik, anti-comunista e monarquista.

Close mostrando o Chauchat.

Combatentes chetnik armados com uma Lewis M.20 holandesa de 6,5mm e um FM Chauchat CSRG M1915/26 de 7,92x57mm, uma modificação iugoslava.
(Mihajlo/ Fórum 
Odkrywca)

A ocupação do país pelos alemães, italianos e húngaros gerou resistência inicial, com a formação de unidades colaboracionistas primeiro pelos italianos e depois pelos alemães; como o Corpo de Voluntários Sérvios (SDK) e a Guarda do Estado Sérvio (SDS).

Essas unidades não eram muito confiáveis e muitas vezes contrabandeavam armas para grupos de resistência (especialmente o Exército da Pátria Iugoslava), portanto, os alemães responderam dando a essas forças fantoches armas em calibres que eram muito raros na Sérvia na época: fuzis MAS 36 franceses, submetralhadoras MAS 38, FM Châtellerault 24/29, submetralhadoras Thompsons M1921 e M1928, metralhadoras Lewis holandesas.

Soldado do Exército Alemão (Heer) com um modelo belga capturado le.Maschinengewehr 126(b) em 7,65mm.

A Alemanha nazista apreendeu Chauchats da Polônia, Bélgica, França, Grécia e Iugoslávia; redesignando as armas por país de origem seguindo o sistema comum às beutewaffen capturadas por toda a Europa: os Chauchats franceses foram designados LeMG 156(f), iugoslavos e poloneses LeMG 147(j), gregos LeMG 156(g) e belgas LeMG 126(b). Estas novas armas foram distribuídas para unidades alemãs e aliadas - como Estados e grupos vassalos.


FM Chauchat, segundo à esquerda sentado.

Chetniks sérvios posando com a foto de Ante Pavelic.
Um fuzileiro-metralhador está ajoelhado com um Chauchat à esquerda.

Chetniks do Corpo Timok.


Partisan iugoslavo com um modelo de 8mm.

Chetniks em Valjevo, 1942.

Chetniks da unidade Costa Pecanac perto da cidade de Seinice, 1942.

Bibliografia recomendada:

Honour Bound:
The Chauchat Machine Rifle.
Gérard Demaison e Yves Buffetaut.

Vídeo recomendado:


Leitura recomendada:



Mausers FN e a luta por Israel, 23 de abril de 2020.

Fuzis de treinamento FAL do Brasil5 de janeiro de 2020.

A submetralhadora MAS-38, 5 de julho de 2020.

domingo, 25 de outubro de 2020

Tudo por alguns palmos da França


Pelo Tenente René Nicolas, 1915.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de outubro de 2020.

Um oficial francês testemunha o caos da batalha na região da Champanha em 1915.

Originalmente com o título "A História do Tenente II e III".

Poilus, soldados franceses, em uma trincheira em 1915.
(Colorizada por Léo Couvoisier)

20 de março.

Encontro-me cedendo ao encanto da nossa vida aqui. Na verdade, é o retorno à natureza e à simplicidade; é físico, quase animal. Os instintos primitivos da raça têm controle total: comer, beber, dormir, lutar - tudo menos amar...

27 de março.

Estou escrevendo meu diário em um grande abrigo subterrâneo, confortavelmente esticado em uma rede que meu antecessor engenhosamente armou com dois lençóis de barraca... Estamos na mesma trincheira que o inimigo - vizinhos de porta na verdade, e nem um pouco corteses. Nada além de uma barricada de sacos de terra nos separa dos boches [alemães]. Perto da barricada estão as sentinelas, atentas e silenciosas. Nenhum som é ouvido em nenhum dos lados, exceto o zunido de granadas que são continuamente lançadas pra lá e pra cá. Mas as sentinelas estão bem protegidas nas laterais da trincheira e desafiam as "tartarugas" alemãs...

Assim, as primeiras linhas alemãs e francesas estão em contato imediato. A razão é que o nosso lado não conseguiu apoderar-se de toda a trincheira, da qual o inimigo ainda ocupa a extremidade oriental. Mas essa situação não vai durar, eu acho, e vamos aumentar nossos ganhos.

A trincheira está limpa, exceto por corpos imperfeitamente enterrados aqui e ali. Não prestamos mais atenção neles; mas o que é realmente deplorável é que muitos cadáveres caem na lama; a lama endureceu e a trincheira tem menos de um metro e meio de profundidade. É impossível aprofundá-la, pois ao menor golpe de uma picareta surge um pedaço de roupa ou um pedaço de carne. Para circular, temos que nos curvar como corcundas. É doloroso e perigoso, então os homens não se movem muito, mas ficam nos abrigos...

Desenho de um poilu mostrando o túmulo de um soldado desconhecido no parapeito da trincheira, 1915.

28 de março.

Que noite agitada!…

A primeira parte da noite transcorreu sem novidades, exceto por uma chuva abominável de granadas que os boches continuavam jogando em nós...

Fui até a barricada e vi que a trincheira [alemã] estava de fato vazia, exceto pelos metralhadores que estavam de plantão ao lado de suas armas. Rapidamente dei ordens para derrubar a barricada e corremos para a trincheira boche. Os homens da minha seção, de acordo com minhas instruções, iniciaram um fogo furioso... Enquanto corríamos, atiramos várias granadas contra os metralhadores, que afundaram antes que pudessem apontar suas armas contra nós.

Num piscar de olhos, chegamos ao fim da trincheira... e por trás da barricada de homens mortos e terra, disparamos três tiros contra os alemães em retirada. Eles foram jogados em um estado de pânico. Muitos devem ter morrido, pois a luz do dia trouxe ao nosso olhar a visão daquela trincheira empilhada de mortos. A coisa toda não durou mais do que dois minutos. Fomos inundados com granadas, um contínuo zip, zip; um dos nossos homens foi morto, três ou quatro feridos. Tudo estava em um tumulto selvagem - foguetes de trincheira subindo, canhões disparando rápido... Arame farpado foi colocado no lugar e a trincheira revertida - minutos de excitação louca e atividade insana. Estávamos sem consciência do perigo, hipnotizados pelo trabalho a ser feito.

Soldados alemães posando em uma trincheira, 1915.

Esperávamos um contra-ataque... Esperamos. Houve falsos alarmes. Um homem que está um pouco nervoso começa a atirar rápido, o vizinho segue o exemplo dele, depois o grupo de combate, depois a seção [pelotão], depois toda a companhia entra num alvoroço. As metralhadoras começam a matraquear, as tropas de segunda linha são alertadas, a artilharia se apresenta com alguns obuses e - os boches do outro lado, confusos com a confusão, mandam... foguetes de trincheira, cujos raios iluminam a grama que cresce verde na primavera, o emaranhado de arame, e vários pobres cadáveres deitados com as mãos estendidas na direção da trincheira oposta, como se apontando o caminho do dever para o que está atrás. O contra-ataque não veio, mas obuses sobre obuses caíram sobre nós... Dei meu cantil de vinho aos meus prisioneiros... Não é nada - 50 metros de trincheira; e, no entanto, são alguns palmos da França tomados de volta.

Quinta-feira Santa.

A coisa que mais me provou foi essa existência de toupeira. Eu que estou sempre desejando uma grande ação e uma luta aberta e intensa com um inimigo que está diante de seus olhos.

Os boches têm bombardeado com bastante violência. É de se esperar, uma vez que é Quinta-feira Santa. Mas, apesar de tudo, houve algo religioso na calma dos elementos nestes últimos dias. A natureza está em suas devoções. Esta noite está excelente. Os obuses explodem em grande número, e a igrejinha de Perthes cambaleia como se estivesse prestes a cair... Cotovias cantam a gargalhadas, sublime hino de vida e alegria. À distância estão os mortos e o cadáver mutilado assustador da vila de Perthes...

Poilus posando com a máscara de gás P2, o primeiro modelo francês, em 1915.

4 de maio.

Para nos protegermos das bombas de gás, recebemos máscaras e óculos horríveis e saídos de um pesadelo colocados em uma espécie de papada de porco ou focinho feito de borracha e contendo uma solução de amônia. Elas fazem se parecer com um animal selvagem, e assim que eu peguei a minha coloquei para o benefício dos meus [soldados]. Eles quase caíram de tanta gargalhada.

Mas a vida em geral é calma, calma até demais. Estou lendo Anna Karenina, que veio pelo correio ontem, e fumando cachimbos intermináveis.

Extrato do diário de campanha do Tenente René Nicolas, que narrou os cinco meses de serviço na Frente da Champanha em 1915. Primeiro publicado em francês em 14 de dezembro de 1915, passagens de livro foram sendo publicadas em inglês como artigos na revista Atlantic em 1917 como "Diário de um oficial francês".

Bibliografia recomendada:

French Poilu 1914-18.
Ian Sumner.

Leitura recomendada:

sábado, 24 de outubro de 2020

Cadáveres nas posições mais estranhas


Diário do Tenente René Nicolas, 1915.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 23 de outubro de 2020.

Cadáveres nas posições mais "drôles" (estranhas)

Fui com o guia inspecionar meus novos aposentos. A trincheira [alemã capturada] era uma abominação - um cemitério - com mortos empilhados sobre mortos, no chão onde você caminhava, acima dos parapeitos, nas paredes da trincheira, parcialmente enterrados, com as cabeças para fora ou os pés ou suas mãos ou joelhos...

No final, habitua-se a conviver ao lado de cadáveres, ou "maccabées" (macabeus), como os chamamos. Eles não apenas deixam de nos incomodar, mas até nos fazem rir. Além do parapeito, havia dois ou três cadáveres, nas atitudes mais engraçadas. Um parecia estar invocando Alá, outro estava no meio de uma cambalhota para trás. Um dos meus [soldados] pendurou seu cantil em um pé que se projetava sobre a parede; os outros riram e seguiram seu exemplo. O verdadeiro espírito francês estava à frente - uma adaptabilidade extrema e, acima de tudo, bom humor.

O odor dos cadáveres era nauseante, mas os cachimbos logo levaram a melhor. Enquanto isso, bombas e granadas continuavam caindo sobre nós. Fomos obrigados a ter o maior cuidado e nos manter o mais próximo possível da lateral da trincheira. Os projéteis não eram muito perigosos quando caíam na lama, pois ou não estouravam de todo, ou explodiam sem muita força; mas quando eles iam de uma ponta a outra da trincheira e pousavam mais adiante, eram de fato mortais. Por volta do meio-dia, um mensageiro veio trazer ordens do capitão. Ele estava parado na minha frente, quase até a cintura na lama. De repente, ele estava sem cabeça; ele cambaleou, mas não caiu; duas correntes de sangue jorraram violentamente do corpo sem cabeça e respingaram em mim. Às vezes é difícil não ter o direito de ter sentimentos; meus homens estavam ao meu redor e eu não queria que eles me vissem empalidecer. Simplesmente disse-lhes que cobrissem seu corpo com um lençol de barraca que estava perto e enviei uma mensagem ao capitão.

Esses vários choques me endureceram. Depois disso, fiquei mais ou menos indiferente às coisas terríveis que aconteceram. Até comia com bom gosto na companhia da cabeça que saía da trincheira.

Extrato do diário de campanha do Tenente René Nicolas, que narrou os cinco meses de serviço na Frente da Champanha em 1915. Primeiro publicado em francês em 14 de dezembro de 1915, passagens de livro foram sendo publicadas em inglês como artigos na revista Atlantic em 1917 como "Diário de um oficial francês".

Bibliografia recomendada:

Leitura recomendada:

A Herança Tática da Primeira Guerra Mundial I: O Combate da Infantaria27 de março de 2020.

PINTURA: Ataque à baioneta, 191523 de fevereiro de 2020.

O impacto decisivo da inteligência militar francesa na ofensiva alemã de Marneschutz-Reims25 de janeiro de 2020.

FOTO: Poilus com máscaras de gás em Verdun20 de agosto de 2020.

Patton na lama de Argonne27 de março de 2020.

A metralhadora leve Chauchat: não é realmente uma das piores armas de todos os tempos11 de fevereiro de 2020.