terça-feira, 8 de setembro de 2020

Síria: Os "ISIS Hunters", esses soldados do regime de Damasco treinados pela Rússia

Formados e armados por Moscou, os "ISIS Hunters".

Por Stéphane MantouxFranceSoir, 30 de maio de 2017.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de setembro de 2020.

Os "ISIS Hunters" (Caçadores do ISIS) formam uma unidade de elite do exército sírio, formada, treinada e equipada pela Rússia, como contrapeso à crescente influência iraniana no aparato militar do regime de Damasco. Stéphane Mantoux, associada de História, especialista em questões de defesa e observadora de referência do conflito Iraque-Síria, analisa, em parceria com o FranceSoir, esta força de elite do exército de Bashar al-Assad.

Os ISIS Hunters fazem parte do 5º Corpo do Exército Árabe Sírio, formado com o apoio da Rússia, a partir de novembro de 2016. A Rússia está de fato procurando contar com forças sírias sólidas para fortalecer as capacidades militares do regime, deliquescente antes da sua intervenção: daí a formação do 5º Corpo de Exército (com vocação “comando”, “anti-terrorista”), seguindo o do 4º Corpo de Exército. Mas enquanto este último pretendia colocar as milícias já existentes sob a tutela do regime, o 5º Corpo será composto unicamente de voluntários. A Rússia também está procurando formar forças que possam agir como contrapeso ao Irã, cujos objetivos na Síria diferem daqueles de Moscou.

Milicianos da "Legião Baath" do 5º Corpo do Exército Árabe Sírio em Alepo.

Na verdade, o 5º Corpo está enfrentando, apesar dos salários atraentes que são oferecidos, problemas de recrutamento: as lacunas são parcialmente preenchidas pelas brigadas do Partido Baath*. O 5º Corpo recebeu tanques T-62M e veículos blindados BMP-1 da Rússia, além de outros veículos logísticos. Esta unidade foi obviamente supervisionada por forças especiais russas (o que foi confirmado por uma fonte pró-Rússia); teria sido treinada em Latakia antes de ser desdobrada na frente de Palmira. Os ISIS Hunters teriam sido projetados para proteger instalações estratégicas dentro e ao redor de Palmira: o aeroporto militar, os acantonamentos, os campos de gás e petróleo.

Um helicóptero Hind russo sobrevoando as ruínas de Palmira.

Tropas da milícia baathista as-Saiqa ("tropa de assalto") totalmente equipados pelos sírios preparando-se para evacuar Beirute em setembro de 1982. Eles carregam retratos dos irmãos Assad, Yasser Arafat e Che Guevara. 

*Nota do Tradutor: O Partido Socialista Árabe Baʽath (em árabe: حزب البعث العربي الاشتراكي Ḥizb Al-Ba'ath Al-'Arabī Al-Ishtirākī) é um partido político fundado na Síria por Michel Aflaq, Salah al-Din al-Bitar e associados de Zaki al-Arsuzi em 1947. O partido defendeu o Baathismo (do árabe البعث Al-Baʽath ou Baʽath que significa "renascimento" ou "ressurreição"), que é uma ideologia que mistura interesses  do nacionalismo árabe, pan-arabismo, socialismo árabe e anti-imperialismo. O Baathismo clama pela unificação do mundo árabe em um único estado. Seu lema, "Unidade, Liberdade, Socialismo", refere-se à unidade árabe e à liberdade de controle e interferência não-árabe.

Após numerosos eventos, incluindo a divisão do partido em dois e o exílio dos seus fundadores, o Partido Baath chegou ao poder na Síria com um golpe em 1963-1966 - e depois com outro golpe de 1970 até os dias atuais - e no Iraque em 1963, derrubado do mesmo ano, e depois de 1968 a 2003.

ISIS Hunter com camuflado SEVER e capacete russos.

A Rússia está claramente procurando treinar tropas sólidas para o regime sírio, capazes de manter o terreno conquistado. Embora os ISIS Hunters sejam treinados com pessoal sírio, o treinamento russo é evidente. Ivan Slyshkin, 23, que serviu dois anos na Chechênia, integrou a companhia russa de segurança privada "Wagner", que opera a partir da base de Molkino em Krasnodar, onde se encontra a 10ª Brigada Independente do GRU (forças especiais), e enviou homens para a Síria desde a intervenção russa em 2015. Slyshkin foi morto em 12 de fevereiro de 2017 por um sniper durante uma operação perto do campo de gás de al-Shaer. Ele participou do treinamento dos ISIS Hunters. É provável que outros russos da companhia "Wagner" participem do treinamento da unidade.

O túmulo de Ivan Slyshkin, ex-soldado russo, integrante da companhia privada Wagner, morto na Síria em 12 de fevereiro de 2017.
Ele participou do treinamento dos ISIS Hunters.

A página do grupo no Facebook foi criada em 27 de fevereiro de 2017. A conta do grupo no Twitter apareceu no dia seguinte, 28 de fevereiro de 2017, poucos dias antes da retomada de Palmira pelo regime sírio. Um primeiro e curto vídeo, na forma de um trailer, mostra uma dúzia de combatentes, com fuzis de assalto Tipo 56-2, capacetes e coletes à prova de balas, movendo-se pelo deserto em torno de Palmira. Uma foto de 28 de fevereiro mostra nove soldados de infantaria, com capacetes, o mesmo uniforme e Tipo 56-2, em colunas no deserto. Em outro vídeo do mesmo dia, uma GoPro montada em um soldado de infantaria filma uma progressão em uma colina ao redor de Palmira; o usuário do GoPro mostra uma posição com uma metralhadora PK abandonada.

Em um vídeo de 1º de março, os ISIS Hunters filmam uma dúzia de corpos de combatentes do ISIS e posições subterrâneas nas quais se abrigavam. Outro vídeo mostrando a suposta destruição de um tanque do ISIS de perto se parece muito com uma encenação. O grupo anuncia lutar em direção ao aeroporto militar de Palmira, então na cidadela. Fontes russas indicam que os ISIS Hunters teriam desempenhado um papel importante no ataque ao aeroporto, sem dúvida auxiliados pelas forças especiais russas. Em um vídeo de 2 de março, um dos homens do grupo fala em árabe.

Uma foto de 4 de março mostra a bandeira do grupo atrás da qual pode ser visto um canhão D-30. Um vídeo do mesmo dia, acompanhado por um comentário provocativo sobre o Daesh, filmado com um smartphone, mostra as instalações subterrâneas do ISIS e vários corpos. No dia seguinte, uma foto é acompanhada por uma legenda indicando que os ISIS Hunters irão se guarnecer em Palmira e que a cidade nunca será retomada pelos jihadistas.

Uma foto de 6 de março mostra os ISIS Hunters nas catacumbas da Cidadela de Palmira. Em 12 de março, o grupo anunciou que estava pronto para a batalha de Raqqa. Um retrato do grupo de 15 de março mostra 13 combatentes do grupo. Uma publicação de 16 de março promete aos lutadores do EI que serão "esfolados vivos"(!). Em 19 de março, um vídeo exibido no anfiteatro de Palmira mostra um combatente sírio, falando em árabe, mas com legendas em inglês, convidando a se juntarem-se às fileiras dos ISIS Hunters.

Captura de tela do primeiro vídeo postado pelos ISIS Hunters, ainda armados com fuzis Tipo 56-2. A padronização de equipamentos já mostra a mão da Rússia por trás da unidade.

Em 23 de março, o Estado Islâmico lançou 120 homens em um ataque ao norte de Palmira: soldados sírios alegaram ter ajudado a repelir o ataque, matando 24 oponentes e ferindo 12. Um drone destruiu uma técnica do ISIS (um Land Cruiser com um bi-tubo ZU-23) conforme mostrado no vídeo. Em 28 de março, um vídeo filmado por drone mostra a destruição de uma posição de morteiro jihadista na estrada Damasco-Palmira; três homens são vistos fugindo de uma trincheira.

Reportagem do RUPTLY

Um membro do ISIS Hunters com um AKS-74U.
Captura de tela de uma reportagem do RUPTLY.

Um combatente dos ISIS Hunters com um AK-74M.
(RUPTLY)

No início de abril [de 2017], os ISIS Hunters ainda estavam operando para libertar os campos de gás ao redor de Palmira. Eles foram filmados pelo canal Russia Today: um deles está armado com um AKS-74U, outro com um AK-74M. Eles protegem uma instalação de gás ou óleo, perto da qual progridem um tanque e dois helicópteros russos Mi-28. Um site pró-russo do regime sírio, South Front, confirmou no final de abril de 2017 que o grupo é totalmente apoiado pela Rússia e especialmente composto por sírios da região de Homs, voluntários e tendo perdido membros de suas famílias nas mãos dos EI.

Em 23 de abril, os ISIS Hunters lutaram ao redor do campo de gás de al-Shaer, a noroeste de Palmira. O grupo teria usado principalmente seus RPG-7s e contava com o apoio de tanques T-72. No dia seguinte, o grupo filmou quatro corpos de combatentes do EI e dois fuzis de assalto na mesma área. Em 14 de maio, Ameer Ahmad Ahmad, um idoso membro do ISIS Hunters, foi filmado fazendo um discurso com legendas em inglês. Ele acusa notavelmente os Estados Unidos de estarem na origem do Estado Islâmico e denuncia o disparo de mísseis Tomahawks na base aérea de Shayrat. Em 24 de maio, um vídeo filmado por drone mostra um tanque T-55 do Daesh atingido por um morteiro a leste de Palmira (difícil dizer se o tanque foi completamente destruído).

Ameer Ahmad Ahmad, o combatente que fala em 14 de maio de 2017 em um vídeo no qual acusam os americanos de estarem por trás do ISIS e denunciam o ataque com mísseis na base de Shayrat.

O emblema do grupo é simples e evocativo: no centro, uma caveira sob uma mira (lembremos que a caveira é o emblema da Guarda Republicana Síria...), dois buracos de bala em ambos os lados, e o nome ISIS Hunters em inglês e árabe. Vermelho e preto referem-se às duas cores usadas na bandeira do regime sírio.

O emblema dos ISIS Hunters.

Bandeira da 104ª Brigada Mecanizada "Forças Tigre" da Guarda Republicana Síria.

Além de sua qualificação como unidade de "forças especiais", os ISIS Hunters não fazem muita propaganda do regime sírio, mesmo que a associação seja evidente, principalmente nos vídeos. Deve-se mencionar que a conta do Twitter e a página do Facebook, criadas quase simultaneamente, disponibilizam vídeos onde as falas em árabe são sistematicamente legendadas em inglês (o que não é necessariamente o caso das propagandas em árabe). Devemos, sem dúvida, ver a mão da Rússia, ansiosa por garantir uma certa visibilidade a esta pequena unidade de forças especiais, servindo como uma "vitrine".

Os ISIS Hunters, como unidade de forças especiais, não devem ter uma equipe grande: no máximo, os vídeos mostram cerca de dez homens juntos. Um vídeo do Ruptly em 3 de março mostra cerca de 20 combatentes. O recrutamento é sírio, mas não há dúvidas sobre a supervisão russa. Alguns sírios na unidade são particularmente idosos.

ISIS Hunters posando com um prisioneiro do ISIS  na Ilha de Hawijah Kate.
A fonte alegava terem feito 250 prisioneiros.

A mão da Rússia também é vista no equipamento: uniforme padronizado (com camuflagem russa "MultiCam" no capacete), capacetes, coletes à prova de balas. Quanto ao armamento, é composto de acordo com as imagens de fuzis de assalto Tipo 56-2 para todos os soldados de infantaria, sem serem visíveis as armas coletivas, exceto no vídeo de 3 de março, onde vemos um atirador de RPG-7 com 2 municiadores e uma metralhadora RP-46, velha e bastante rara. Um drone armado foi usado em 23 de março contra uma técnica do ISIS. Um canhão D-30 é visível atrás da bandeira da unidade em uma fotografia. As armas visíveis em abril (AK-74M, AKS-74U) mostram uma melhora crescente nos meios disponibilizados pela Rússia à unidade.

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Technicals:
Non-Standard Tactical Vehicles from the Great Toyota War to modern Special Forces.
Leigh Neville.

Leitura recomendada:

Os condutores da estratégia russa16 de julho de 2020.

Dividendos da Diplomacia: Quem realmente controla o Grupo Wagner?22 de março de 2020.

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