sábado, 24 de outubro de 2020

Cadáveres nas posições mais estranhas


Diário do Tenente René Nicolas, 1915.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 23 de outubro de 2020.

Cadáveres nas posições mais "drôles" (estranhas)

Fui com o guia inspecionar meus novos aposentos. A trincheira [alemã capturada] era uma abominação - um cemitério - com mortos empilhados sobre mortos, no chão onde você caminhava, acima dos parapeitos, nas paredes da trincheira, parcialmente enterrados, com as cabeças para fora ou os pés ou suas mãos ou joelhos...

No final, habitua-se a conviver ao lado de cadáveres, ou "maccabées" (macabeus), como os chamamos. Eles não apenas deixam de nos incomodar, mas até nos fazem rir. Além do parapeito, havia dois ou três cadáveres, nas atitudes mais engraçadas. Um parecia estar invocando Alá, outro estava no meio de uma cambalhota para trás. Um dos meus [soldados] pendurou seu cantil em um pé que se projetava sobre a parede; os outros riram e seguiram seu exemplo. O verdadeiro espírito francês estava à frente - uma adaptabilidade extrema e, acima de tudo, bom humor.

O odor dos cadáveres era nauseante, mas os cachimbos logo levaram a melhor. Enquanto isso, bombas e granadas continuavam caindo sobre nós. Fomos obrigados a ter o maior cuidado e nos manter o mais próximo possível da lateral da trincheira. Os projéteis não eram muito perigosos quando caíam na lama, pois ou não estouravam de todo, ou explodiam sem muita força; mas quando eles iam de uma ponta a outra da trincheira e pousavam mais adiante, eram de fato mortais. Por volta do meio-dia, um mensageiro veio trazer ordens do capitão. Ele estava parado na minha frente, quase até a cintura na lama. De repente, ele estava sem cabeça; ele cambaleou, mas não caiu; duas correntes de sangue jorraram violentamente do corpo sem cabeça e respingaram em mim. Às vezes é difícil não ter o direito de ter sentimentos; meus homens estavam ao meu redor e eu não queria que eles me vissem empalidecer. Simplesmente disse-lhes que cobrissem seu corpo com um lençol de barraca que estava perto e enviei uma mensagem ao capitão.

Esses vários choques me endureceram. Depois disso, fiquei mais ou menos indiferente às coisas terríveis que aconteceram. Até comia com bom gosto na companhia da cabeça que saía da trincheira.

Extrato do diário de campanha do Tenente René Nicolas, que narrou os cinco meses de serviço na Frente da Champanha em 1915. Primeiro publicado em francês em 14 de dezembro de 1915, passagens de livro foram sendo publicadas em inglês como artigos na revista Atlantic em 1917 como "Diário de um oficial francês".

Bibliografia recomendada:

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