sábado, 27 de junho de 2020

Analisando o Ataque Urbano: idéias da doutrina soviética como um 'modelo de lista de verificação'

Soldados soviéticos assaltando uma casa em Stalingrado. (RIA Novosti)

Por Charles Knight, Centro de Pesquisa do Exército Australiano, 4 de março de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 26 de junho de 2020.

As dificuldades agudas das operações urbanas, sintetizadas pela luta em Stalingrado, ocorreram em Mosul, Raqqa e Marawi, mostrando que o requisito fundamental para uma limpeza lenta, sistemática e deliberada, edifício-por-edifício, não é mais fácil 70 anos depois. De fato, a mudança está na outra direção - agora as coisas são mais difíceis. As complicações duradouras impostas pelas estruturas físicas são agora agravadas pela presença de populações e fatores informacionais, tornando a luta urbana moderna verdadeiramente complexa e resistente à compreensão e análise.

Esses novos desafios são articulados dentro da construção de guerra acelerada do Chefe do Exército, os quais um Exército em Movimento procura superar aproveitando a nova tecnologia e o novo pensamento. As tecnologias emergentes oferecem grandes promessas, mas são apenas um começo e exigem novos conceitos adequados para explorar seu potencial. O ponto de partida é que tecnólogos e soldados tenham uma compreensão clara e comum dos problemas.


Embora os fatores humanos e informacionais abrangentes devam ser abordados, suas complexidades inerentes tornam mais eficaz começar com os problemas táticos subjacentes. Como os métodos para limpar uma área urbana mudaram pouco ao longo dos anos, somos capazes de usar com confiança modelos táticos das ações e efeitos que foram comprovados no passado. Eles oferecem entendimento e fornecem informações sobre onde novos métodos podem ser especialmente úteis.

A Doutrina Soviética - o que podemos aprender com ela

A doutrina idiossincrática de operações urbanas da União Soviética, que evoluiu nos últimos estágios da Segunda Guerra Mundial e foi refinada durante a Guerra Fria, oferece um detalhamento de tarefas passo-a-passo particularmente útil para operações ofensivas urbanas.

A doutrina soviética era prescritiva e baseada em normas. Os soldados eram treinados em um conjunto de habilidades muito estreitas - uma arma, uma função. Os grupos táticos eram ensinados sobre o que fazer, quando, onde e como. A posição de um codinome em uma formação não mudou, nem o número de granadas de artilharia disparados contra um tipo específico de alvo. Essa abordagem visou tanto a força de trabalho com pouca escolaridade quanto o impacto cognitivo das operações de combate contínuo. Enquanto outros exércitos desenvolveram táticas semelhantes e genericamente urbanas, sob orientação fraca, a doutrina soviética especificou o que era necessário em detalhes. Crucialmente, eles identificaram tarefas essenciais a serem executadas em um assalto urbano e atribuíram cada tarefa a um elemento rotulado descritivamente. As ações de cada elemento, descendo até mesmo a contra o que eles disparariam e em quais estágios de um plano, foram prescritas. Com efeito, isso forneceu uma "lista de verificação" ou receita em que o comandante tinha o escopo de variar o tamanho e o número dos grupos e tarefas chave. Contra-intuitivamente, essa prescrição também incluiu o uso de agrupamentos cuja tarefa era de natureza focada na manobra.

Conceitos soviéticos focados na manobra

Quando os soviéticos varreram o oeste em 1944, eles tentaram evitar combates nas áreas urbanas porque o terreno reduzia suas vantagens em número e poder de fogo. Uma inovação foi o destacamento avançado - uma força totalmente mecanizada que rompia as linhas e corria adiante para impedir que os alemães se retirassem para as cidades. Caso contrário, cidades e pequenas vilas eram liquidadas por:
  1. desvio,
  2. sítio ou
  3. destruição com níveis maciços de artilharia e poder de fogo aéreo.
Quando cidades maiores precisavam ser capturadas, o método era cercar e isolar, e depois empurrar para dentro em vários eixos para dividir a cidade em segmentos com um regimento (brigada no sistema soviético) em cada rua. O que diferia da prática de guerra aberta baseada em massa era o emprego de quatro elementos para propósitos especiais: os destacamentos avançados mencionados acima, bem como grupos de assalto, destacamentos de assalto e grupos de tomada.

"Grupos de assalto" e os maiores "destacamentos de assalto" eram grupos de armas combinadas equipados com armamento pesado, engenheiros e, às vezes, peças de artilharia individuais ou veículos blindados - com comandantes a quem era dada uma tal liberdade de ação sem precedentes em guerra aberta. Seu papel crucial era desequilibrar, enganar e atrapalhar a defesa, manobrando os eixos principais para envelopar, isolar e - sempre que possível - eliminar pontos fortes do inimigo ou centros de resistência maiores.

Soldados soviéticos progredindo através de destroços. (Bundesarchiv)

Um efeito focado na manobra também era realizado por grupos de tomada "independentes". Estes eram soldados de infantaria e engenheiros desmontados, que se infiltravam à frente do avanço, evitavam resistência e então tomavam edifícios desocupados, mas defensáveis, nas profundezas das posições alemãs. A partir daí, eles poderiam interditar o reabastecimento pelo fogo, isolar psicologicamente defensores e interromper os contra-ataques.

Agrupamentos urbanos soviéticos e suas tarefas: um guia passo-a-passo para a limpeza

A lista abaixo descreve o papel de cada um dos diferentes agrupamentos de combate urbano, bem como breves notas amplificadoras. Leia juntos os itens que explicam o ataque urbano soviético, mas a lista também pode ser usada como uma ferramenta analítica e de desenvolvimento para explorar abordagens alternativas para abordar cada uma das funções identificadas.

Destacamentos avançados e forças desant

Objetivo: Negar o terreno bem à frente das forças principais, a fim de interromper a preparação do inimigo para a defesa urbana.

Durante a Guerra Fria, os soviéticos refinaram seu conceito de destacamento avançado da Segunda Guerra Mundial, enfatizando o uso de equipamentos de engenharia e lança-minas mecânicos para criar obstáculos rápidos e posições defensivas nos arredores das áreas urbanas. À medida que sua capacidade de carga estratégica crescia, essa manobra disruptiva era cada vez mais concebida como um desant - o termo soviético para um "golpe de mão" paraquedista ou anfíbio.

Grupo de tomada

Objetivo: Infiltrar-se no terreno urbano antes do corpo principal, evitando defensores e tomar terrenos-chave desocupados para prejudicar a integridade defensiva do inimigo.

Assim como os destacamentos avançados, um conceito preventivo também foi aplicado no nível tático, usando engenheiros e infantaria desmontados com armas de apoio portáteis.

Destacamento de assalto

Objetivo: Garantir múltiplos objetivos urbanos (quadras/edifícios), a fim de permitir o avanço da força principal.

Um destacamento de assalto era tipicamente baseado em um batalhão de fuzileiros motorizados acompanhado por sua companhia de tanques rotineiramente designada e, além disso, lhe era designada uma companhia de engenheiros e canhões autopropulsadas. O destacamento formava um grupo de apoio de fogo, entre três e seis grupos de assalto e uma reserva.

Grupo de apoio de fogo

Objetivo: Neutralizar os defensores dentro e além do objetivo e abrir brechas em estruturas, a fim de que os elementos de assalto possam alcançar objetivos sem impedimentos e ter uma vantagem de poder de combate durante a limpeza.

O disparo direto efetivo no próximo prédio-objetivo para um elemento que ataca de um lado da rua geralmente só é possível internamente partindo do outro lado da rua ou dos flancos. Por outro lado, a ameaça para elementos atacantes vinda dos edifícios nos flancos que têm visada sobre o próximo objetivo geralmente só pode ser combatida externamente vinda de perto dos elementos de ataque. O grupo de apoio era dividido em pelo menos três subgrupos.

Subgrupos de apoio de fogo

Propósito 1: Aplicar fogo direto para dentro e sobre os edifícios-objetivo, a fim de fornecer várias brechas de entrada nas paredes e o "fogo de acompanhamento" antes e durante o assalto.

Propósito 2: Aplicar fogo direto externo sobre e para dentro dos edifícios, vigiando o caminho e a edifício-objetivo, a fim de proteger qualquer assalto final exposto.

Propósito 3: Aplicar alto-explosivos diretos e fogos indiretos além do objetivo, a fim de isolar a batalha imediata.

Os subgrupos de tiro direto eram baseados em tanques ou canhões auto-propulsados com infantaria e engenheiros para fornecer proteção aproximada e para limpar corredores para posições de tiro; no caso mais simples, um subgrupo seria desdobrado em ambos os lados da rua e outros subgrupos, incluindo morteiros, seriam desdobrados um pouco mais para trás.

Grupo de assalto

Propósito: Tomar e manter, ou destruir (demolir), edifícios-objetivo nomeados.

A base de um grupo de assalto variava entre uma companhia e um pelotão de infantaria, reforçado por até um pelotão de engenheiros e - nessas unidades, quando disponíveis - metralhadoras pesadas e lança-granadas automáticos. O grupo de assalto sempre consistia em um subgrupo de assalto e tanto um subgrupo de consolidação quanto um subgrupo de "cobertura e manutenção do terreno" (veja abaixo) e outros grupos, conforme necessário.

Subgrupo de assalto/ataque

Propósito: Para entrar no edifício-objetivo, localizar e destruir os defensores e assegurar pelo menos o terreno vital (piso inferior e adega, escada principal e piso superior) para tornar a defesa insustentável.

Seguindo de perto um intenso bombardeio de alto-explosivo, este grupo entraria no edifício-objetivo com o apoio de fogo "de acompanhamento" avançando nos andares superiores. Liderado pelo comandante da subunidade, um elemento protegeria a escada e o piso superior e outro o piso inferior e a adega.

Subgrupo de consolidação

Propósito: Seguir o subgrupo de assalto e limpar sistematicamente as partes internas de um edifício, a fim de protegê-lo de contra-ataques.

O subgrupo de consolidação seguia o assalto, movia-se para o comandante e depois - sob sua direção - limpava o restante do edifício.

Subgrupo de "cobertura e manutenção do terreno"

Propósito 1: Providenciar fogo direto para fora e para dentro, a fim de apoiar o assalto.

Propósito 2: Providenciar fogo direto sobre os caminhos para edifícios a serem tomados, a fim de derrotar contra-ataques.

Grupos de assalto podiam formar um subgrupo de "cobertura e manutenção do terreno" que carregava armas mais pesadas e seguia os subgrupos de assalto. Eles disparavam sobre as cabeças do grupo de assalto quando se aproximavam do edifício-objetivo e, ao mesmo tempo, externamente em direção aos edifícios com observação.

Subgrupo(s) de demolição com fumaça/lança-chamas

Propósito 1: Operar geradores de fumaça a fim de ocultar a aproximação ao edifício-objetivo das vistas do inimigo dentro e sobre as posições de observação.

Propósito 2: Destruir edifícios nomeados queimando-os.

O uso de geradores de fumaça e lança-chamas era de responsabilidade das tropas de guerra química as quais eram destacadas para operações urbanas, e a ênfase foi colocada nas chamas para demolir edifícios, queimando-os.

Subgrupo de limpeza de obstáculos

Propósito: Abrir caminhos livres para e dentro de edifícios-objetivo, a fim de garantir que os grupos de assalto não sejam atrasados.

O papel vital de pequenas equipes de engenheiros enfatizava duas técnicas: a remoção furtiva de minas que precede os ataques noturnos e o uso de torpedos Bangalore - tanto acionados manualmente como por blindados nas aproximações para e dentro dos edifícios.

Soldados soviéticos em combate urbano. (RIA Novosti)

Conclusão

A doutrina urbana soviética não é apenas de interesse histórico. Pode ser considerado o produto de um experimento prolongado de laboratório de batalha realizado entre Stalingrado em 1942 e Berlim em 1945. Evoluiu à medida que diferentes formações de várias maneiras aplicavam ou não táticas específicas e diferentes, com os benefícios medidos em perdas relativas entre centenas de milhares de vidas dos soldados. Além de explicar as funções dos elementos dentro do ataque urbano, seu grande valor é como um modelo claro dos efeitos requeridos; que pode ser usado para examinar sistematicamente como as novas tecnologias podem produzir efeitos comparáveis mais rapidamente, mais baratos e - acima de tudo - com menor risco.

O Dr. Charles Knight, PhD, serviu no Exército Britânico, na RAF e em várias forças estrangeiras e é professor de Terrorismo, Conflito Assimétrico e Operações Urbanas na Universidade Charles Sturt. Ele desenvolveu treinamento no Reino Unido em doutrina urbana soviética, capacidade de reconhecimento subterrâneo e procedimentos de emprego de armas anti-carro guiadas em ambientes urbanos. Ele passou uma década no desenvolvimento de Operações Especiais, comandou o 2/17 Royal New South Wales Regiment (2/17 RNSWR), serviu no 1º Regimento Comando (1st Commando Regiment, 1 Cdo Regt) e desenvolveu a doutrina urbana do Exército Australiano.

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