sábado, 17 de outubro de 2020

Os fuzis Yat-Thai do Estado Shan, em Mianmar

Por Miles Vining, The Hoplite (ARES), 19 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 17 de outubro de 2020.

Com a escassez de armas portáteis produzidas convencionalmente no Estado Shan, no leste de Mianmar (anteriormente conhecido como Birmânia), armas artesanais e montadas localmente têm se mostrado importantes para o Exército do Estado Shan (Shan State Army, SSA). Um fuzil automático tipo AK montado localmente, conhecido como Yat-Thai na língua Shan, está entre os mais comuns deles. Construídos com componentes de fuzis estrangeiros e birmaneses, esses fuzis são montados e modificados por produtores artesanais locais na cidade de Loi Tai Leng - sede do SSA - na base da cordilheira Yat. O Yat-Thai é usado em um número significativo por combatentes Shan indígenas.

Vista de perfil do lado direito de um fuzil Yat-Thai típico. Observe a coronha de madeira produzida localmente com a protuberância pronunciada que faz a interface da coronha com o munhão traseiro dentro do receptor. A produção de móveis de madeira para armas portáteis nas áreas de fronteira está bastante avançada, com armeiros locais freqüentemente reproduzindo coronhas completas em uma ampla gama de armas portáteis datando desde a Segunda Guerra Mundial até os dias atuais. (ARES)

Vista de perfil do lado esquerdo de um fuzil Yat-Thai típico. Observe a empunhadura de pistola curva, o retém da bandoleira no lado esquerdo da coronha e a falta de um guarda-mão superior. (ARES)

Entrevistas de campo do ARES com ex-combatentes do SSA indicam que a produção estava em andamento até recentemente, com os primeiros exemplos de fuzis documentados no oeste em meados de 2011. Desde então, houve apenas avistamentos ocasionais do fuzil por meio de fontes abertas, no entanto, o ARES rastreou vários exemplos por meio de fontes confidenciais em Mianmar. Até o momento, pouco foi publicado sobre essas armas e uma série de equívocos têm circulado. A pesquisa de campo do ARES conduzida no final de 2018 permitiu uma compreensão muito mais aprofundada do fuzil.

O fuzil Yat-Thai resolve dois dos principais problemas enfrentados por muitas das chamadas organizações armadas étnicas (ethnic armed organisations, EAOs) na Birmânia no que diz respeito à sua capacidade limitada de capturar, comprar ou montar armas e munições para uso em seus conflitos internos em curso contra o Tatmadaw de Mianmar (forças armadas) ou outros EAOs no país.

Dois fuzis Yat-Thai entre um esconderijo de armas supostamente capturado do Exército Arakan nas proximidades de Paletwa, no sul do Estado Chin. O retém da bandoleira instalado no lado esquerdo da coronha é típico. (Mídia social birmanesa via banco de dados ARES CONMAT)

O primeiro é um problema conhecido com munição 5,56x45mm de fabricação birmanesa e fuzis automáticos da série MA. Embora a munição de 5,56mm seja obtida pelo SSA com alguma freqüência, esses cartuchos não funcionam de forma confiável com os fuzis da série M16 também encontrados no país (estes estão predominantemente em serviço com as forças do Exército de Libertação Nacional Karen, embora também sejam usados por outros EAOs). Apesar disso, os fuzis birmaneses da série MA funcionam de forma confiável com munição estrangeira de 5,56mm (especificação da OTAN).

Além disso, o SSA está equipado com um grande número de armas calibradas para outros cartuchos, especialmente o cartucho 7,62x39mm. Como resultado, a munição birmanesa 5,56 mm capturada pode nem sempre ser compatível com as armas mantidas pelo SSA - mesmo aquelas calibradas para cartuchos 5,56mm OTAN.

Um carregador municiado com cartuchos birmaneses DDI 5,56x45mm usados com um fuzil Yat-Thai examinado no teatro. Esta munição tem problemas operacionais conhecidos quando usada com fuzis M16. (ARES)

A estampa identificadora em um cartucho de 5,56x45mm produzido pela DDI na Birmânia. Observe o selante vermelho no anel da cápsula e o padrão de crimpagem característico. O ano de produção (2010) e calibre (5,56) são marcados em algarismos birmaneses (‘၂၀၁၀’ e ‘၅.၅၆’, respectivamente), e a estampa identificadora também incorpora a crista do triângulo DDI. (ARES)

Em segundo lugar, há um excedente de armas portáteis que se tornaram inutilizáveis ou indesejáveis devido à quebra de peças, manutenção deficiente, falta de confiabilidade e outros problemas. Embora haja munição de 5,56mm disponível, não há fuzis adequados disponíveis neste calibre. Muitos dos fuzis M16 no teatro são variantes iniciais do M16A1, que se originam de estoques excedentes no Camboja e em outros lugares.

Normalmente estão em más condições e o ARES documentou muitos que não seriam seguros para uso. Os fuzis da série MA de fabricação birmanesa não são favorecidos pelos EAOs, pois têm a reputação de não serem confiáveis e serem imprecisos, além de serem pesados em comparação com outros fuzis em uso. Como resultado do seu padrão de construção de qualidade relativamente baixa e das mudanças iterativas dentro dos modelos, não há fuzis capturados suficientes para permitir componentes intercambiáveis e carregadores sobressalentes.

Vista através da janela de ejeção de um fuzil Yat-Thai. Observe como o cano M16A1 foi encaixado no munhão do fuzil automático AKM padrão original com marcações do seletor MPiKM da Alemanha Oriental. (ARES)

Marcações no cano M16A1 de um fuzil Yat-Thai. A marcação “C MP CHROME BORE” (C MP ALMA CROMADA) foi aplicada aos canos do fuzil M16A1 a partir de 1974, após o fuzil número 4.900.000. Observe também a alça de mira com padrão Kalashnikov adaptada que foi instalada. (ARES)

Os fuzis automáticos Yat-Thai produzidos artesanalmente são uma solução desenvolvida para empregar munições inutilizáveis e reciclar componentes dos fuzis das séries M16 e MA, combinando-os com os fuzis excedentes do tipo Kalashnikov. Um Yat-Thai é composto dos seguintes componentes: o fuzil "base" é do tipo AK, retendo o receptor, ação, tubo de gás, bloco da alça de mira, munhão e posto da massa de mira. Os carregadores são tipicamente aqueles de fuzis da série MA 5,56x45mm (pelo menos um exemplar observado usa um poço de carregador M16 modificado e carregador correspondente). Os canos são retirados de fuzis da série M16 ou MA. A armação de madeira (coronha, empunhadura de pistola e guarda-mão) são produzidos e acabados localmente. Há uma variação considerável entre os exemplares, incluindo variantes de coronha fixa e dobrável.

A produção do Yat-Thai é possibilitada por uma cultura localizada de armeiros que surgiu em torno de Loi Tai Leng. Os armeiros locais provaram ser adeptos do reaproveitamento de componentes de armas portáteis e da produção artesanal de armações de madeira e outras peças. A produção e montagem artesanais semelhantes ocorrem em muitas das áreas étnicas - especialmente entre os Chin, já que o Estado Chin é uma das poucas áreas em Mianmar onde a posse de armas de fogo por civis é permitida, em deferência aos costumes tribais locais. A complexidade e o escopo da produção artesanal variam em todo o país. No Estado Karen, por exemplo, a produção artesanal é principalmente restrita a armas simples, tais como espingardas e escopetas de repetição, mosquetes e fuzis de ferrolho.

Um combatente do Exército do Estado Shan - Sul (SSA-S) armado com um fuzil Yat-Thai com coronha dobrável no início de 2018. O carregador parece ser um de polímero da série MA MK.II fornecido pela Birmânia, atualmente em serviço em todo o Tatmadaw birmanês nas regiões de fronteira. O guarda-mão é diferente de qualquer outro fuzil Yat-Thai visto em serviço ou em campanha. O perfil corresponde àqueles dos primeiros fuzis da série MA equipados com armações de madeira em vez de polímero. (Mídia social Shan via banco de dados ARES CONMAT)

Apesar de ter sido desenvolvido, pelo menos em parte, para evitar o uso extensivo de fuzis da série MA capturados, o Yat-Thai sofre de problemas de confiabilidade próprios. De acordo com um combatente entrevistado pelo ARES, um fuzil automático Yat-Thai em serviço no SSA recentemente sofreu um mau funcionamento quase catastrófico, explodindo a tampa do receptor e ejetando o ferrolho para fora do receptor.

No entanto, quando remontada, a arma continuou a funcionar normalmente. Embora geralmente utilizável, entende-se localmente que não é um substituto para um fuzil de linha de produção. O Yat-Thai é principalmente relegado a unidades de defesa e segurança de retaguarda dentro do SSA, liberando fuzis produzidos industrialmente - mais confiáveis e capazes - para as tropas de combate.

Bibliografia recomendada:

The AK-47:
Kalashnikov-series assault rifles.
Gordon L. Rottman.

Leitura recomendada:

Nikov AN-94: O moderno fuzil automático russo14 de outubro de 2020.

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