Por Artyom Lukin e Andrey Gubin, East Asia Forum, 27 de abril de 2021.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de abril de 2021.
Em 1º de fevereiro de 2021, a junta militar do Mianmar declarou estado de emergência e tomou o poder do governo civil liderado por Aung San Suu Kyi. O golpe criou imediatamente uma crise política e resultou em derramamento de sangue em massa, mas a resposta internacional foi dividida.
Enquanto o Ocidente liderado pelos EUA e seus principais aliados asiáticos, como Japão e Coréia do Sul, condenam o golpe e impõem sanções à junta, outras potências importantes são mais ambivalentes. No Conselho de Segurança da ONU, China, Índia e Rússia fizeram esforços para proteger os perpetradores de censuras mais duras e possíveis sanções da ONU.
Desde o início, a Rússia se recusou a condenar o golpe, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros apenas expressando esperança de "uma solução pacífica para a situação por meio da retomada do diálogo político". Na mesma declaração, Moscou observou como um sinal encorajador que os militares pretendiam realizar uma nova eleição parlamentar. A agência de notícias estatal russa RIA Novosti justificou o golpe argumentando que o exército de Mianmar, o Tatmadaw, é o único fiador viável da unidade e paz do país multiétnico.
A manifestação mais visível de apoio russo à junta veio no final de março, quando o vice-ministro da Defesa Alexander Fomin se tornou o oficial estrangeiro de mais alta patente a participar do desfile do Dia das Forças Armadas de Mianmar na capital Naypyidaw. Enquanto os militares reprimiam violentamente os manifestantes, Fomin manteve conversas com o líder da junta, General Min Aung Hlaing. Ele chamou Mianmar de "aliado confiável e parceiro estratégico da Rússia no Sudeste Asiático e na Ásia-Pacífico" e enfatizou que Moscou "adere ao curso estratégico de melhorar as relações entre os dois países".
Existem vários motivos pelos quais a Rússia está emergindo como o apoiador mais destacado do governo militar do Mianmar.
Os laços estreitos de Moscou com Mianmar datam da década de 1950. Visto que durante a maior parte de sua história moderna o país do sudeste asiático foi governado por militares, a Rússia desenvolveu uma relação de trabalho com seus governantes uniformizados. O general incumbente Min Aung Hlaing visitou a Rússia em várias ocasiões, mais recentemente em junho de 2020 para participar do desfile do Dia da Vitória em Moscou, e é conhecido como campeão dos laços entre Mianmar e Rússia.
Sob Min Aung Hlaing, a cooperação militar entre Mianmar e Rússia recebeu um impulso. Depois da China, a Rússia é o segundo maior fornecedor de armas do país, sendo a fonte de pelo menos 16 por cento do armamento adquirido por Mianmar de 2014-2019. As forças armadas do Mianmar estão aguardando a entrega de seis caças Su-30 encomendados em 2019 e, em janeiro de 2021, os dois lados assinaram contratos para um sistema de defesa aérea russo e um conjunto de drones de vigilância.
O general Min Aung Hlaing preside o desfile do exército no Dia das Forças Armadas em Naypyitaw, Mianmar, em 27 de março de 2021. |
Milhares de oficiais militares do Mianmar também receberam treinamento nas academias militares da Rússia. Notavelmente, o comandante-em-chefe do Mianmar mantém uma conta oficial na rede social russa VK enquanto é banido do Facebook e do Twitter. Não é por acaso que o principal interlocutor do Kremlin com Mianmar é o ministro da Defesa, Sergey Shoigu, que visitou o país poucos dias antes do golpe de 1º de fevereiro.
Dada essa relação lucrativa e de longa data com os militares do Mianmar, é lógico que a Rússia não vai condenar o golpe, muito menos sancionar a junta. O presidente russo, Vladimir Putin, nunca foi conhecido por sua simpatia pelos movimentos pró-democracia apoiados pelo Ocidente, e o Kremlin dificilmente vê Aung Sang Suu Kyi, que estudou na Inglaterra e tem dois filhos de nacionalidade britânica, como uma alternativa desejável aos governantes uniformizados.
O apoio de Moscou a uma ditadura militar poderia prejudicar sua reputação internacional, mas com o que já aconteceu entre Putin e o Ocidente, o Kremlin dificilmente poderia se importar menos com as consequências de sua reputação por conta do Mianmar. Em defesa de sua posição sobre Mianmar, a Rússia também poderia apontar para a hipocrisia ocidental - a vizinha Tailândia é governada por generais com credenciais democráticas duvidosas, mas o país permanece nas boas graças do Ocidente por ser um "aliado de tratado" dos Estados Unidos.
Não está claro até que ponto Moscou coordenará suas políticas de Mianmar com Pequim, o principal parceiro estratégico da Rússia e um companheiro autocrático. O governo chinês se absteve de condenar o golpe militar, mas, em comparação com a Rússia, tem sido visivelmente menos favorável - a relação da China com o Tatmadaw sempre foi complicada e Pequim não está nada feliz com o golpe.
Enquanto a relação de Moscou com Mianmar se limita principalmente a laços militares para militares, com poucas interações sociais e econômicas, as relações da China com seu vizinho do sul são mais multidimensionais. Pequim não pode se dar ao luxo de antagonizar segmentos pró-democracia da população do Mianmar, por isso precisa adotar uma abordagem mais complexa.
Moscou e Pequim provavelmente estão discutindo a situação em Mianmar, mas suas estratégias são diferentes. A Rússia é movida pelo desejo de manter contratos militares lucrativos e, possivelmente, ganhar uma posição no Oceano Índico. Por outro lado, Pequim é guiada por interesses estratégicos de longo prazo ditados pela proximidade imediata do Mianmar com a província chinesa de Yunnan.
Vendo-se como uma grande potência global, a Rússia tem interesse em manter uma presença estratégica em Mianmar, um país geopoliticamente importante no Indo-Pacífico. Para manter e expandir os laços da Rússia com Mianmar, o Kremlin apostou nos generais. Resta saber se o cálculo de Moscou será o correto.
Artyom Lukin é Professor Associado do Instituto Oriental, Escola de Estudos Regionais e Internacionais, Universidade Federal do Extremo Oriente, Vladivostok.
Andrey Gubin é Pesquisador Sênior do Instituto Russo de Estudos Estratégicos, Moscou.
Bibliografia recomendada:
DOCUMENTÁRIO: Geopolítica do Sudeste Asiático, 28 de abril de 2021.
VÍDEO: Instrutora de fitness filmou um treino ao vivo durante o golpe de Mianmar, 3 de fevereiro de 2021.
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