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quarta-feira, 1 de setembro de 2021

COMENTÁRIO: A morte confirmada da indústria de armas francesa


Comentário do Grupo VaubanLa Tribune, 31 de agosto de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 1º de setembro de 2021.

O Grupo Vauban reúne cerca de vinte especialistas em questões de defesa.

Já há um ano, a tribuna do Grupo Vauban, intitulada a "morte programada da indústria armamentista francesa", desencadeou uma polêmica muito francesa: "estéril e puramente ideológica, no contexto de uma agradável caça às bruxas", segundo o Grupo Vauban. “E, no entanto, um ano depois, quem se atreve, com sinceridade e honestidade, a considerar infundadas nossas críticas, especialmente à Europa e à Alemanha, pois os acontecimentos nos provaram que estamos certos?”, Questionam os cerca de vinte especialistas em defesa.

“Obviamente culpada de corrupção, inevitavelmente auxiliar de ditadores e outros genocidas, inevitavelmente danosa a qualquer sociedade, a indústria de armamentos não deve mais ser financiada, nem para P&D nem para produção e a fortiori para exportação” (Grupo Vauban).

Primeiro, a Europa. Burocrática como de costume, Bruxelas teve o cuidado particular de acumular, em meio à crise sanitária, projetos que, juntos, desfazem, em um belo ímpeto esquizofrênico, os sistemas de defesa dos países membros: em primeiro lugar, essa pantalunata - ai de mim! sério - do tempo de trabalho dos militares. Por um acórdão no início de julho, o Tribunal de Justiça Europeu pura e simplesmente derrubou as forças armadas europeias: ao separar as atividades "normais" dos militares às quais o direito do trabalho europeu deve ser aplicável e as atividades excecionais (operações), como a Comissão e a Alemanha já havia endossado em outro lugar, que ela quebra a singularidade do regime militar cuja nobreza da profissão (e não a singularidade, uma palavra estranha que menospreza a vocação) é servir em todo tempo e em todas as circunstâncias seu país.

O Tribunal, ao inviabilizar assim o trabalho da gendarmaria, dos bombeiros, do serviço médico das forças armadas, etc., tem êxito onde a URSS não teve êxito: derrubar todo o sistema de defesa das nações europeias sem disparar um tiro.

Os fabricantes de armamento na mira


Depois do horário de trabalho, outro golpe violento de Bruxelas - o chamado projeto “Corporate Sustainability Reporting Directive” (Diretriz de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa) - ameaça o braço armado das forças: a indústria de armamentos, sem a qual um aparato de defesa não pode sonhar com independência e eficiência. A transparência que se aplicava à área financeira e depois comercial (Lei Sapin-II) das empresas, passa a abordar as áreas do ambiente, questões sociais e de governança: é assim depois de ter submetido o comércio e a governança das empresas ao seu tirânico opaco e definitivo apelo mas nunca desinteressado, os mesmos atores (ONGs, advogados, fundos éticos, agências de classificação, etc.) agora desejam destruir o próprio cerne de sua existência: o financiamento de atividades industriais e comerciais de defesa.

Necessariamente culpada de corrupção, necessariamente auxiliar de ditadores e outros genocidas, necessariamente danosa a qualquer sociedade, a indústria armamentista não deve mais ser financiada, nem para P&D, nem para produção e, a fortiori, para exportação. Bancos, seguradoras, bolsas de valores: todas essas instituições financeiras agora tremem diante da ONG; pouco importa que seu financiamento seja opaco, que suas campanhas sejam orquestradas apenas nos países onde são toleradas e não nos países que mais precisam delas (China, Coréia do Sul, Turquia, Rússia, Bielo-Rússia, Ucrânia, Sérvia e Israel) e que suas análises e informações são falsas e infundadas quase SISTEMÁTICAMENTE, apenas a imagem conta.

Preferimos a turbina eólica às aeronaves de combate. Nenhum banqueiro, nenhuma seguradora, nenhuma pessoa encarregada dos fundos vai querer se comprometer com os traficantes de armas de que todos querem a pele. Este movimento, já em curso há anos, é agora legitimado pela Comissão com esta proposta de diretiva. Tal como acontece com o tempo de trabalho, a Europa ataca assim uma instituição cuja vocação não é a guerra, mas a paz. Os militares e os fabricantes de armas são os instrumentos desse ditado romano, pilar das nações civilizadas: si vis pacem, para bellum.

Tal realidade, tanto histórica como social, não é decentemente negável, que as autoridades europeias, portanto, realmente têm em mente, torpedeando assim em rápida sucessão os fundamentos humanos e financeiros de um sistema de defesa que “ao mesmo tempo" pretendem construir (bússola estratégica, Fundo de Defesa, DG Defesa, etc.)? “Como alguém pode ser europeu”, perguntava-se um Montesquieu moderno, debruçado sobre o nada inspirador caldeirão bruxelês?

Cooperação e exportação: sob o controle de Berlim


Então, a Alemanha, que sem dúvida será o GRANDE assunto nos próximos anos. É claro que as análises desenvolvidas há um ano foram todas verificadas, como as de Bainville que citamos; o divórcio estratégico fundamental entre Paris e Berlim? Salientou, em particular a dissuasão nuclear e o papel da NATO, dois obstáculos fundamentais que irão sempre destruir as esperanças ingénuas dos dirigentes franceses que SEMPRE não compreenderam que nunca se juntarão à Alemanha nestas duas posições.

Cooperação em armamentos? Também aí uma doutrina atlantista e pacifista só pode produzir desilusões, cuja melhor ilustração continua a ser a bofetada alemã que Paris recebeu sem vacilar no avião da patrulha marítima. É menos aqui a substância do que o método alemão que deveria ter chocado Paris, uma vez que, pela segunda vez (e não a última), Berlim não tirou as luvas para infligir isso a seus interlocutores franceses. Já tinha havido, recorde-se, o debate sobre a autonomia estratégica europeia, em que o Ministro da Defesa, embora desacreditado pela incompetência na própria Alemanha, levara o partido a criticar publicamente e por três vezes o Presidente francês com apoio vergonhoso mas apoio real da Chanceler... As dificuldades inerentes aos outros programas - aviões e tanques de combate - mostram bastante que a Alemanha não concebe a cooperação, mas apenas o domínio humano e tecnológico dos grupos europeus. Abandonada porque desprezada, a indústria francesa de armamentos terrestres vive no horário alemão todos os dias.

A exportação de armamento? Com o peso fundamental porque central que os Verdes estão em processo de ganhar na futura coalizão (seja liderada pela CDU ou pelo SPD), exportando armas para a Alemanha, então para o franco-alemão serão os piores. Esta oposição dos Verdes, dos Socialistas e da extrema-esquerda a qualquer exportação de armas não só convenceu a Alemanha, mas seduziu Bruxelas, o que é igualmente pior. O relatório da senhora deputada Neumann (setembro de 2020) já o anunciava: a exportação de armas deixará de ser autorizada a não ser no interior da União Europeia ou da OTAN e, mais uma vez, será preferida a cooperação sob controle estreito da Comissão Europeia. Basta dizer que a indústria armamentista francesa está condenada para a grande alegria de outros países.

Paris resignada


E a França? Apesar das decepções europeias e alemãs, o governo mantém o curso, ou seja, aceita sem pestanejar o curso das coisas como estão planejadas em Bruxelas e Berlim; nenhuma crítica é permitida; nenhuma ordem de resistência ao Tribunal de Justiça; nenhuma isenção pela defesa sob a diretriz da ESG; sem questionar os próprios termos de cooperação com a Alemanha.

Tudo se passa como se a realidade já não tivesse sustentação e, sobretudo, como se a Sra. Goulard, ainda efêmera Ministra da Defesa, tivesse feito triunfar definitivamente a sua doutrina ao anunciar profeticamente no dia 8 de junho de 2017: “Se quisermos fazer a Europe de la Défense (Europa da Defesa), haverá reestruturações para operar, escolhas de compatibilidade e, em última instância, escolhas que poderiam passar inicialmente a acabar em favor de consórcios nos quais os franceses nem sempre são líderes”.

Tudo foi dito há quatro anos: os partidários ferrenhos da Europa da Defesa, tal como está a ser construída perante os nossos olhos, apenas podem apoiar ou manter o silêncio. Mas, e esse é o interesse do período atual, nem tudo se esgota: um sobressalto é possível, e é nisso que se concentrarão nossas próximas tribunas.

Bibliografia recomendada:

L'emergence d'une Europe de la défense:
Difficultés et perspectives.
Dejana Vukcevic.

Leitura recomendada:


sexta-feira, 16 de julho de 2021

Projetos militares da UE enfrentam atrasos, mostra documento que vazou

Durante décadas, a UE foi extremamente cautelosa em passar para o domínio militar.
(Alexander Koerner / Getty Images)

Por Jacopo BarigazziPOLITICO, 12 de julho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de julho de 2021.

Mais de três anos após o lançamento do novo pacto, a maioria dos programas ainda não deu frutos.

O pacto de cooperação militar da Europa foi denominado “Bela Adormecida” - e um relatório de progresso obtido pelo POLITICO mostra que a tão alardeada iniciativa está lutando para despertar. O programa, conhecido como Cooperação Estruturada Permanente (Permanent Structured CooperationPESCO), reúne 25 países membros da UE, trabalhando em grupos menores em um total de 46 projetos conjuntos. Os projetos abrangem terra, mar, ar, espaço e ciberespaço e variam de defesa contra drones, vigilância marítima e treinamento de inteligência.

Mas três anos e meio depois que a PESCO foi lançada com grande alarde pelos líderes da UE, muitos dos projetos ainda estão em sua infância e um número significativo está atrasado, de acordo com o relatório anual. O documento, que reúne relatórios de progresso sobre todos os 46 projetos da PESCO, é um lembrete de que, apesar da conversa de alguns líderes e oficiais da UE sobre alcançar "autonomia estratégica", os esforços do bloco no domínio militar ainda têm muitos obstáculos a superar.

O documento de 115 páginas, preparado pelo secretariado da PESCO e enviado aos países membros no mês passado, afirma que atrasos foram relatados para 15 projetos, em comparação com seus cronogramas originais. Em seis casos, a pandemia de coronavírus é citada como motivo do atraso. Em outros casos, nenhum motivo específico é mencionado. O relatório também observa que em 14 casos, o ano em que a “entrega” de um projeto deveria começar “foi transferido para anos posteriores” e em seis casos o ano de “entrega final” também foi adiado. Ao mesmo tempo, “para 8 projetos o início da entrega…. foi puxado para a frente”, afirma o relatório. Mas “nenhum projeto foi relatado como tendo uma entrega final antecipada”.

Diplomatas da UE reconhecem que a PESCO enfrenta problemas. Mas alguns acham que está em seus estágios iniciais e argumentam que a direção da viagem é mais importante do que a velocidade. “O que conta é que o trem saiu da estação”, disse um diplomata sênior. Outro diplomata disse que "alguns dos projetos eram simplesmente imaturos" e acrescentou: "Ainda estamos em uma curva de aprendizado".

Tigres francês e alemão durante exercícios na base militar de Le Luc.

Durante décadas, a UE foi extremamente cautelosa em passar para o domínio militar. Alguns países membros argumentaram que a defesa cabia aos governos nacionais. Alguns observaram que a UE era um projeto de paz e não deveria se envolver na esfera militar. Alguns argumentaram que as questões militares e de defesa deveriam ser reservadas à OTAN. Mas os defensores de uma maior cooperação militar da UE argumentaram que a Europa nem sempre poderia contar com os EUA ou a OTAN e que os países membros poderiam alcançar muito mais juntos do que trabalhando em projetos de forma independente. E a saída do Reino Unido da UE removeu um dos maiores céticos de uma maior cooperação militar dentro do bloco.

A PESCO é a tentativa da UE de aumentar suas capacidades militares sem obrigar todos os membros da UE a participar e evitando a duplicação com a OTAN - uma grande preocupação especialmente para os países do Leste Europeu que vêem a aliança do Atlântico como crucial para rechaçar a agressão russa. A administração Biden parece satisfeita com este modelo limitado, em uma mudança marcante com relação à era Trump. No início deste ano, os EUA até se juntaram a um dos projetos da PESCO, um programa de mobilidade militar liderado pelos holandeses que visa facilitar o transporte de tropas e equipamentos rapidamente pela Europa.

A Bela de Juncker

Guarda-de-honra da Brigada Franco-Alemã.

O ex-presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, foi um grande campeão da PESCO durante seu mandato. Em um discurso em junho de 2017, ele disse que era hora de a UE começar a usar uma cláusula do Tratado de Lisboa que "torna possível a um grupo de Estados-Membros com ideias semelhantes levar a defesa europeia para o próximo nível".

“É hora de acordar a Bela Adormecida”, declarou ele.

Mas o relatório de progresso mostra que, em muitos casos, a bela adormecida mal começou a se mexer. No total, 21 projetos ainda estão em fase de “ideação” - ou seja, a ideia ainda está em desenvolvimento. Outras 17 estão em fase de “incubação”, onde é definido o escopo do projeto. Apenas oito estão na penúltima fase, a execução. Nenhum está na fase final de “fechamento”. No ano anterior, oito projetos passaram da primeira para a segunda fase e quatro da segunda para a terceira fase.

O relatório observou que “nenhum recurso financeiro nacional foi alocado até agora” para 20 projetos. No entanto, nem todos os projetos exigem que os governos abram suas carteiras. E algumas, como a maioria das iniciativas de treinamento, planejam contar também com o financiamento da UE e o envolvimento da indústria, de acordo com o relatório.

O relatório também mostra que os funcionários da UE às vezes têm dificuldade em obter uma visão geral adequada de um projeto. Um projeto liderado pela Alemanha, o Crisis Response Operation Core (Núcleo de Operação de Resposta a Crises) do EUFOR, visa fornecer à UE informações oportunas e confiáveis sobre as forças que podem ser mobilizadas para responder a uma emergência. Mas, ironicamente para um projeto que visa dar aos planejadores melhor visibilidade, o relatório observa que o ano de conclusão do projeto "não foi identificado". E um projeto liderado pela França chamado “co-basing”, que visa ajudar os membros da UE a fazerem uso comum das bases militares nacionais, parece estar em sérios problemas. O relatório diz que o projeto “precisa de atenção especial ou escrutínio particular”, nenhum recurso foi alocado até agora e não tem datas-alvo para execução ou conclusão.

Boina e distintivo do Eurocorps.

O relatório diz que há “baixo interesse” dos membros da PESCO no projeto, pois eles já estão engajados no trabalho de co-base. Diz que os coordenadores estão pensando em “fechar o projeto” ou usar o trabalho feito até agora para outro projeto na mesma área. Existem, no entanto, alguns pontos positivos para os oficiais de defesa da UE - por exemplo, no domínio virtual, onde o relatório observa que um projeto liderado pela Lituânia para criar um "kit de ferramentas cibernéticas comum" foi colocado em movimento em 2020. O relatório diz que uma indústria um consórcio para apoiar o projeto está sendo estabelecido e deve ser totalmente implementado no próximo ano. Outro projeto que deve dar frutos em breve é um comando médico europeu liderado pela Alemanha, colocado em ação em 2019 e com entrega total prevista no próximo ano.

Um documento separado sobre a situação da PESCO, um relatório de 39 páginas do chefe de política externa da UE, Josep Borrell, apresenta uma visão otimista. “Em relação aos projetos, a tendência geral é positiva. A maioria dos projetos da PESCO continua a se desenvolver de acordo com seus roteiros”, diz o relatório, apresentado nos últimos dias e visto pelo POLITICO. No entanto, continua a ser importante “que os Estados-Membros participantes envidem esforços para obter resultados tangíveis conforme planeado”, afirma o relatório.

Questionado sobre os relatórios, Peter Stano, porta-voz da política externa da UE, respondeu: “Como os documentos a que você se refere são documentos internos confidenciais e até classificados, não é possível comentá-los em público”.

Leitura recomendada:




A estratégia da Polônia, 5 de junho de 2021.


quinta-feira, 15 de julho de 2021

VÍDEO: Desfile do Dia da Bastilha


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 15 de julho de 2021.

O Dia da Bastilha, conhecido oficialmente na França como fête nationale française e também como 14 juillet, é o feriado nacional da República Francesa. Foi instituído pela lei Raspail de 6 de julho de 1880, para comemorar a tomada da Bastilha em 14 de julho de 1789, símbolo do fim da monarquia absoluta, bem como a Fête de la Fédération de 1790, símbolo da união da nação. A lei não menciona qual evento é comemorado: “A República adota o dia 14 de julho como feriado nacional anual” (artigo único).

Este ano contando com 5.000 participantes, incluindo 4.300 soldados a pé, 73 aviões, 24 helicópteros, 221 veículos e 200 cavalos da Guarda Republicana. A edição de 2021 do desfile foi produzida visando a idéia de um retorno à normalidade, após uma edição reduzida de 2020, devido à crise sanitária. O desfile viu os veículos blindados Griffon pela primeira vez, antes do seu desdobramento no Sahel. Os espectadores também puderam ver outro gigante das areias: o novo caminhão-pipa Carapace, já desdobrado no Sahel.

Força-tarefa multinacional européia Takuba.

Os operadores marcham com os rostos cobertos e os fuzis HK 416.

De especial destaque foi a homenagem à força-tarefa Takuba: este grupo de forças especiais européias que lutam contra grupos terroristas no Sahel. Os operadores desfilaram com os seus próprios uniformes, porém armados com os novos fuzis HK 416 recém-adquiridos pelo Exército Francês; os operadores também cobriram os rostos durante a parada (45 minutos do vídeo). O destacamento foi liderado por um oficial do 1er RIPMa SAS.

Outros destaques foram a tripulação do submarino Emeraude, que retornou de uma missão de 8 meses no Indo-Pacífico e o Comando Espacial, que está comemorando seus dois anos de existência.

Desfile completo


Bibliografia recomendada:

A História Secreta das Forças Especiais.
Éric Denécé.

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terça-feira, 22 de junho de 2021

LIVRO: Repensando a cultura estratégica da Alemanha

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 22 de junho de 2021.

No dia 9 deste mês foi publicado o livro The Responsibility to Defend: Rethinking Germany's Strategic Culture (A Responsabilidade de Defender: Repensando a Cultura Estratégica da Alemanha) de Bastian Giegerich e Maximilian Terhalle, que trata da análise atual da cultura estratégica alemã. O livro vem numa hora absolutamente oportuna, quando o Ocidente vem sendo desafiado por pressões multipolares, especialmente da parte da China e do mundo islâmico. Os especialistas alemães analisam o problema estratégico alemão e a visão não é nada bonita.

De forma resumida, os alemães vivem em uma falsa sensação de segurança, de onde podem desprezar suas obrigações militares enquanto as terceirizam para os Estados Unidos e seus aliados, enquanto revertem os investimentos em desenvolvimento social. Esta é a teoria, e colocou Berlim em uma posição de total desamparo estratégico em várias ocasiões.

"[A Alemanha] revela um desejo de desfrutar dos benefícios duma ordem mundial Ocidental sustentada pelo poder militar americano sem contribuir de forma significativa para a defesa dessa ordem."

"[E]m um nível social uma proporção notável do discurso atual da Alemanha sobre política de segurança, especialmente no domínio público, permanece caracterizado por uma falta de seriedade fundamental."

Primeiro na Guerra Fria, com a Alemanha Ocidental com um exército sem capacidades estratégicas fora de suas fronteiras, e renunciando à missões militares de aconselhamento no estrangeiro, enquanto seu congênere socialista - o National Volksarmee (NVA) - operava agressivamente na Ásia e na África. Com a unificação alemã em 1989 e a dissolução da União Soviética em 1991, houve o de facto desmonte da Força de Defesa alemã, a Bundeswehr. Com nenhuma capacidade militar real sem aliados, tropas acima do peso e sendo, de fato e de direito, funcionários públicos com limitações de "dias de trabalho" que os impedem de participar de muitos dias de manobra consecutivos com a OTAN, Berlim teve um despertar violento quando percebeu que não podia ser opor aos movimentos unilaterais da Federação Russa de Putin.

A ascensão ou ressurgimento de poderes revisionistas, repressivos e autoritários ameaça a ordem internacional ocidental liderada pelos Estados Unidos da América, sobre a qual a segurança e a prosperidade da Alemanha no pós-guerra foram fundadas. Com Washington cada vez mais focado na ascensão da China na Ásia, a Europa deve ser capaz de se defender contra a Rússia e dependerá das capacidades militares alemãs para isso. Anos de negligência e subfinanciamento estrutural, no entanto, esvaziaram as forças armadas alemãs. Grande parte da liderança política em Berlim ainda não se ajustou às novas realidades ou percebeu a urgência com que precisa fazê-lo.


Bastian Giegerich e Maximilian Terhalle argumentam que a cultura estratégica atual da Alemanha é inadequada. Ela informa uma política de segurança que não consegue atender aos desafios estratégicos contemporâneos, colocando assim em perigo os aliados europeus de Berlim, a ordem ocidental e a própria Alemanha. Eles afirmam que:
  • A Alemanha deve abraçar sua responsabilidade histórica de defender os valores liberais ocidentais e a ordem ocidental que os sustenta.
  • Em vez de rejeitar o uso da força militar, a Alemanha deveria casar seu compromisso com os valores liberais a uma compreensão do papel do poder - incluindo o poder militar - nos assuntos internacionais.
Os autores mostram por que a Alemanha deveria buscar fomentar uma cultura estratégica que fosse compatível com as de outras nações ocidentais importantes e permitir que os alemães percebam o mundo através de lentes estratégicas. Ao fazer isso, eles também descrevem os possíveis elementos de uma nova política de segurança.

"[P]oucos observadores concordariam que os alemães 'fazem melhor'. Enquanto muitos alemães podem considerar a abordagem do seu país para a política de segurança - marcada por uma aversão reflexiva à belicosidade percebida - mais avançada do que aquela dos seus aliados, uma descrição mais precisa seria de 'imatura'."

"Em suas manifestações menos edificantes, talvez marcadas menos pela ingenuidade do que o cinismo, ela [a Alemanha] revela um desejo de desfrutar dos benefícios duma ordem mundial Ocidental sustentada pelo poder militar americano sem contribuir de forma significativa para a defesa dessa ordem."

“A Alemanha já possui uma ‘cultura estratégica’ (…) infelizmente, essa cultura é insuficientemente estratégica por natureza”.

O livro é dividido da seguinte forma:
  1. Introdução
  2. As fontes da conduta alemã
  3. Política de segurança problemática da Alemanha
  4. Aquisições, tecnologia e indústria de defesa
  5. Uma nova mentalidade estratégica
  6. Elementos de uma nova política de segurança
A Responsabilidade de Defender: Repensando a cultura estratégia da Alemanha.

Sobre os autores:


Dr. Bastian Giegerich é Diretor de Defesa e Análise Militar do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (International Institute for Strategic StudiesIISS). Anteriormente, ele trabalhou para o Ministério da Defesa da Alemanha Federal em funções de pesquisa e política, e é o autor e editor de vários livros sobre questões de segurança e defesa europeias.

Professor Maximilian Terhalle é afiliado ao King’s College London. Entre 2019 e 2020, ele atuou como conselheiro sênior do Ministério da Defesa do Reino Unido. Anteriormente, ele lecionou em programas de segurança das universidades de Columbia e Yale e realizou trabalho de campo na China e no Egito. Seu trabalho se concentra em segurança, estratégia e ordem mundial; ele escreveu ou editou sete livros e publicou amplamente em jornais e revistas internacionais. Ele é tenente-coronel (res.) na Bundeswehr.

Bibliografia recomendada:

Desinformação: Ex-chefe de espionagem revela estratégias secretas para solapar a liberdade, atacar a religião e promover o terrorismo,
General Ion Mihai Pacepa.

Leitura recomendada:


segunda-feira, 31 de maio de 2021

ALEMANHA: Soldados do Infortúnio

O título parafraseia o famoso termo "Soldado da Fortuna".
Ilustração de Brett Affrunti para POLITICO.

Por Matthew KarnitschnigPOLITICO, 15 de fevereiro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 31 de maio de 2021.

BERLIM - Caças e helicópteros que não voam. Navios e submarinos que não podem navegar. Grave escassez de tudo, desde munições até roupas íntimas.

Se parece um exagero comparar a Bundeswehr da Alemanha com "A Gangue que Não Conseguia Atirar Direito" (The Gang That Couldn't Shoot Straight, 1971), basta olhar para o fuzil de assalto padrão do exército, o G36 da Heckler & Koch. O governo decidiu descartar a arma depois de descobrir que ela erra o alvo se estiver muito quente.


Fuzil HK G36.

“Não há pessoal nem material suficientes, e muitas vezes se confronta a escassez acima da escassez”, concluiu Hans-Peter Bartels, um membro do parlamento social-democrata encarregado de monitorar a Bundeswehr para o parlamento, em um relatório publicado no final de janeiro. “As tropas estão longe de estarem totalmente equipadas.”

Outrora uma das forças de combate mais ferozes (e mais brutais) do planeta, o exército alemão de hoje se parece cada vez mais com um corpo de bombeiros voluntário - no mês passado, tropas de montanha foram enviadas para retirar a neve dos telhados da Baviera - do que uma máquina militar moderna.

Tropas de montanha limpando telhados na Baviera, fronteira com a Áustria, 2019.

Em uma recente viagem à Lituânia, onde cerca de 450 soldados alemães estão estacionados como parte de uma missão da OTAN para deter a agressão russa, as autoridades americanas ficaram consternadas ao descobrir o pessoal da Bundeswehr se comunicando em telefones móveis inseguros devido à falta de equipamento de rádio seguro.

“Não importa para onde você olhe, há disfunção”
- Oficial alemão de alto escalão no quartel-general da Bundeswehr.

Menos de 20% dos 68 helicópteros de combate Tigre da Alemanha e menos de 30% de seus 136 jatos Eurofighter poderiam voar no final de 2018. Os pilotos, frustrados por não poderem voar, estão indo embora.

“Não importa para onde você olhe, há disfunção”, disse um oficial alemão de alto escalão na sede do Bundeswehr em Berlim.

Embora o aparelho militar alemão esteja em estado de abandono há algum tempo, o relatório Bartels e uma série de revelações recentes sobre a má gestão no topo do Ministério da Defesa sugerem que a condição da força é pior do que até mesmo os pessimistas acreditavam.

Com o governo do [então] presidente dos Estados Unidos Donald Trump pressionando intensamente Berlim para gastar mais em defesa e cumprir suas obrigações com a OTAN, o lamentável estado das forças militares alemãs deve estar em alta neste fim de semana, quando os líderes políticos e militares dos Estados Unidos e da Europa se reunirem para seu congresso de segurança anual em Munique.

A ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen, faz uma excursão ao Gorch Fock por seu comandante, Nils Brandt, em janeiro. O custo da revisão do navio icônico aumentou de € 10 milhões para € 135 milhões, de acordo com a última estimativa. (Mohssen Assanimoghaddam / DPA)

Se o governo de Angela Merkel está preparado, ou mesmo capaz, de enfrentar os problemas é outra questão. O bloco de centro-direita de Merkel supervisionou o ministério da defesa por quase 15 anos, e os críticos colocam a responsabilidade pelos problemas da Bundeswehr diretamente aos pés do partido no poder.

“Esta é uma batalha em várias frentes”, disse a ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, no mês passado, enquanto tentava se defender das críticas. “Eu também gostaria que as coisas acontecessem mais rapidamente, mas 25 anos de retração e cortes não podem ser revertidos em apenas alguns anos.”

Nas últimas semanas, von der Leyen foi pego em um furor por consultores externos, incluindo McKinsey e Accenture, que receberam centenas de milhões de euros para limpar a bagunça do exército. Até agora, os consultores têm pouco a mostrar por seus esforços.

Preocupações com o papel dos estranhos levaram o parlamento a formar um comitê investigativo especial no mês passado para investigar irregularidades envolvendo aquisições e acusações de que os consultores foram oferecidos negócios superfaturados e muita influência.

A pressão está crescendo de todos os lados sobre von der Leyen, que é ministra da Defesa desde 2013. Marie-Agnes Strack-Zimmermann, vice-líder dos democratas livres de oposição, alertou que se a ministra não pode limpar o ar rapidamente, seria hora de perguntar “se o ministério está sendo liderado pelas pessoas certas”.

Longe de estar em ordem

Retorno do Gorch Fock ao porto de origem de Kiel após um cruzeiro de treinamento, 2009.

Os olhos da maioria dos alemães ficam vidrados e sem interesse com a menção dos problemas perpétuos da Bundeswehr, mas um caso envolvendo o Gorch Fock, o navio de treinamento naval de três mastros da marinha, chamou sua atenção.

Lançado em 1958 para ensinar uma nova geração de recrutas navais da Alemanha Ocidental, o imponente navio de 81 metros, que leva o nome do pseudônimo de um popular autor marítimo alemão, é mais do que apenas um navio de treinamento; para muitos, o Gorch Fock - cuja semelhança foi gravada em algumas notas do marco alemão - é um símbolo do renascimento da Alemanha no pós-guerra.

Verso da nota de 10 marcos alemã, 3ª série.

O status icônico do navio é um dos motivos pelos quais poucos se opuseram quando a Bundeswehr anunciou em 2015 que ele precisava de uma grande reforma. Até, é claro, o preço explodir de uma projeção inicial de € 10 milhões para € 135 milhões, de acordo com a estimativa mais recente.

Autoridades da Bundeswehr alegaram que a profundidade dos problemas do navio só ficou clara quando ele estava em doca seca, mas poucos estão acreditando em tais explicações. “Quando os reparos custam mais do que um navio novo, algo está obviamente errado”, disse Bartels, o superintendente parlamentar da Bundeswehr, em uma entrevista.

"Dado o tamanho e o poder econômico da Alemanha, a atenção de Berlim à segurança é surpreendentemente superficial."

O Gorch Fock "é um sintoma dos problemas mais amplos da Bundeswehr", disse Bartels. “Tudo demora muito e custa muito dinheiro. É como se tempo e dinheiro fossem recursos infinitos e, no final, ninguém assume a responsabilidade.”

Quase da noite para o dia, o navio passou de orgulho e alegria para a piada da vez. Na semana passada, o semanário alemão Der Spiegel retratou o Gorch Fock em sua capa com o título “Navio dos tolos” (Das Narrenschiff).

"O Navio dos Tolos" é uma sátira alegórica germânica publicada em 1494 na Suíça.

É uma metáfora apropriada para o corpo político da Alemanha também. Dado o tamanho e o poder econômico da Alemanha, a atenção de Berlim à segurança é surpreendentemente superficial; cidadãos e políticos freqüentemente parecem alheios aos desafios que o país enfrenta. Embora a Alemanha enfrente ameaças crescentes à segurança tanto da Rússia quanto da China, ninguém saberia disso rondando a capital alemã.

Grande parte da mídia agora retrata os EUA como uma ameaça à segurança no mesmo nível da Rússia. As atitudes públicas mudaram em uma direção semelhante. As discussões sobre segurança são conduzidas por um punhado de analistas de think tank com opiniões parecidas que parecem passar a maior parte do tempo no Twitter, preocupados com a possibilidade de Trump puxar o plugue da OTAN.

Mais alemães acreditam que a China é um parceiro melhor para seu país do que os EUA, de acordo com uma pesquisa publicada na semana passada pelo Atlantik Brücke, um grupo de lobby transatlântico com sede em Berlim. Cerca de 80 por cento dos entrevistados consideram as relações EUA-Alemanha como "negativas" ou "muito negativas".

Em tal ambiente, é fácil esquecer que os EUA têm 33.000 soldados estacionados na Alemanha e que Washington garantiu a segurança alemã desde o fim da Segunda Guerra Mundial.

Soldados poloneses e americanos durante um exercício da OTAN na Alemanha.

No entanto, essa história pode ser o problema central quando se trata das atitudes alemãs em relação à defesa. Muitos alemães parecem felizmente inconscientes de que sua segurança, e por extensão sua prosperidade, depende em grande parte da presença do escudo nuclear americano.

Em breve, eles terão um rude despertar. Os envelhecidos caças Tornado da Alemanha, os únicos aviões que o país possui capazes de transportar ogivas nucleares, serão desativados nos próximos anos. Berlim precisa encontrar um substituto para cumprir suas obrigações de acordo com sua estratégia de defesa nuclear de décadas com os Estados Unidos.

Fazer isso pode não ser tão fácil, pelo menos politicamente. Na esteira do colapso de um tratado de armas nucleares da era da Guerra Fria entre os EUA e a Rússia [em fevereiro de 2019], alguns funcionários do Partido Social Democrata, o parceiro menor da coalizão de Merkel, começaram a questionar se Berlim deveria manter seus compromissos nucleares com relação aos EUA.

O SPD, que tem lutado para reverter um colapso nas pesquisas, provavelmente está apenas testando as águas. Os democratas-cristãos de Merkel permanecem solidamente a favor da aliança nuclear com os EUA, e qualquer movimento para acabar com isso provavelmente aceleraria o colapso do governo.

No entanto, a retórica do SPD reflete um ceticismo mais amplo de todas as coisas militares na Alemanha, que sugere que rejuvenescer a Bundeswehr é tanto mudar a mentalidade do público quanto gastar mais dinheiro.

A rejeição automática do engajamento armado pelos alemães pode estar enraizada em sua história do século XX, mas também é evidente que décadas sob a proteção americana embalaram o país em uma falsa sensação de segurança.

O serviço militar traz consigo pouco orgulho na Alemanha. (Sean Gallup / Getty Images)

Diante disso, há pouca vantagem para os políticos abraçarem abertamente o exército como uma instituição democrática essencial. O fato da Bundeswehr ser ativa em missões estrangeiras perigosas, como no Mali ou no Afeganistão, recebe pouca atenção, por exemplo.

Relatos de tropas mal equipadas em perigo são mais prováveis de desencadear humor negro do que indignação. Em um país onde o serviço militar traz pouco orgulho, o destino dos soldados é pouco preocupante.

Em Berlim e em outras cidades alemãs, alguns militares da Bundeswehr dizem que preferem não usar uniforme ao viajar para o trabalho, a fim de evitar olhares agressivos e comentários rudes. E em Potsdam, uma capital regional perto de Berlim, os políticos locais têm debatido se é apropriado que os bondes da cidade exibam anúncios de recrutamento para a Bundeswehr.

Até Merkel tem dado pouco amor à Bundeswehr ultimamente. A chanceler não visita tropas na Alemanha desde 2016. “A chanceler se preocupa com a Bundeswehr?” O diário de circulação em massa Bild perguntou em uma manchete na semana passada.

Se ela o faz ou não, pode ser irrelevante neste estágio. Com Merkel em seu caminho de saída, consertar a Bundeswehr provavelmente dependerá de seu sucessor. Até então, os planos de um “Exército Europeu” que inclua a Alemanha têm quase tantas chances de decolar quanto a Força Aérea Alemã.

Brigada Franco-Alemã com fuzis FAMAS franceses.

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Bibliografia recomendada:

Death of the Wehrmacht: The German Campaigns of 1942,
Robert M. Citino.

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