sábado, 19 de setembro de 2020

Redefinindo a política de serviço nacional

Novas tensões geopolíticas e profundas divisões sociais empurraram os programas de serviço nacional obrigatório para os debates políticos mais uma vez.

Por Courtney Goldsmith, European CEO, 12 de fevereiro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de setembro de 2020.

Os países europeus estão cada vez mais revivendo planos há muito extintos para o serviço nacional obrigatório. Diante das divisões sociais e das crescentes tensões regionais, Courtney Goldsmith pergunta qual impacto essas novas políticas poderiam ter.

O fim da Guerra Fria em 1991 trouxe um consenso de que os exércitos em grande escala eram coisa do passado. Com armamento moderno e de alta tecnologia e a evaporação de ameaças militares urgentes, os países da Europa começaram a abandonar os programas de serviço militar obrigatório em favor de grupos menores de recrutas profissionais altamente treinados.

Ao longo da década de 1990 e início de 2000, o recrutamento militar foi eliminado em países como França, Itália, Espanha, Bélgica, Portugal e Holanda. Outras nações seguiram depois disso: a Lituânia suspendeu seu programa de serviço nacional em 2009, seguida pela Suécia em 2010 e Alemanha em 2011.

Mas hoje, apenas algumas décadas depois que muitas nações declararam o recrutamento militar obsoleto, novas tensões geopolíticas e profundas divisões sociais empurraram os programas de serviço nacional obrigatório para os debates políticos mais uma vez.

Esses programas não são pequenas empreitadas. Os orçamentos de defesa já estão sob pressão em toda a Europa, e o pessoal militar é levado ao limite, sem a introdução de dezenas de milhares de novos recrutas para treinar. Além do mais, um esquema mal-projetado pode deixar cicatrizes econômicas e sociais duradouras.

Curando divisões

Nas últimas décadas, um pequeno punhado de países europeus resistiu aos apelos para rasgar seus programas de serviço nacional, alegando que estimulam a coesão social. Na Suíça, por exemplo, os cidadãos votaram decisivamente contra os planos de eliminar o alistamento militar três vezes no último quarto de século.

Os proponentes dizem que o recrutamento cria unidade em um país inerentemente dividido por seus vários idiomas oficiais. Os austríacos também rejeitaram esmagadoramente os planos de encerrar um programa de recrutamento militar de seis a nove meses em 2013, que apoiadores disseram que incutiu um senso mais ativo de cidadania nos jovens.

Reservistas do exército.

Outros estão embarcando em uma missão para trazer de volta o serviço nacional obrigatório, a fim de reparar divisões sociais. O presidente francês Emmanuel Macron foi o mais recente a reviver esse programa na esperança de promover a unidade em seu país.

O recrutamento na França tem uma história longa e irregular, mas a forma moderna de serviço nacional universal remonta a 1905. Embora tenha sido cancelada por volta de 1996, uma pesquisa do YouGov em fevereiro de 2018 revelou que a maioria dos franceses - 60 por cento - era a favor de serviço nacional obrigatório de três a seis meses.

Macron anunciou um novo plano de serviço nacional no verão de 2018 que era “muito leve no lado militar”, de acordo com Elisabeth Braw, pesquisadora associada do Royal United Service Institute, um think tank independente para estudos de defesa e segurança. Ela disse ao European CEO: “É essencialmente um esforço para fazer com que os adolescentes façam algo pela sociedade”.

Reservistas da força aérea.

O programa de serviço nacional planejado de Macron inclui uma colocação de um mês para todos os jovens de 16 anos, seguida por uma segunda fase opcional de uma colocação entre três e 12 meses nas forças armadas ou em uma instituição de assistência social. Um teste será realizado em 2019.

O plano da França está longe de ser perfeito, no entanto. Os críticos disseram ao Daily Telegraph que mesmo uma versão diluída do programa seria extremamente cara, mas ofereceria poucos benefícios e, potencialmente, até prejudicaria as operações de defesa francesas. Os generais, entretanto, descreveram como uma “loucura”.

Mas o governo insiste que o plano vai imbuir os adolescentes com um senso de identidade nacional e responsabilidade. William Galston, pesquisador sênior do grupo de pesquisa americano Brookings Institution, disse que os esquemas de serviço nacional promovem a coesão social ao reunir pessoas de diferentes classes econômicas, ideologias e etnias.

“Quando as pessoas estão envolvidas em atividades compartilhadas entre essas linhas de divisão, é mais provável que pensem nos outros como parte da  sua 'equipe', definida por seus propósitos compartilhados em vez de diferenças de histórico”, disse Galston ao European CEO. Braw concordou que tais programas são “certamente uma boa maneira de criar mais coesão” entre uma sociedade dividida. E enquanto a França luta com uma das maiores taxas de desemprego juvenil da Europa, um senso de comunidade e solidariedade certamente será crítico para manter a nação unida nos próximos anos.

A maneira da Noruega

O Rei Harald e o Príncipe Herdeiro Haakon visitando soldados do Batalhão de Artilharia da Brigada Nord, Noruega. (Thorbjørn Liell/ NTB scanpix)

Embora mais países estejam adotando políticas de serviço nacional obrigatório, cada um tem uma razão única para fazê-lo. Por exemplo, em 2015, a Lituânia trouxe de volta o recrutamento por razões de segurança nacional, enquanto a Suécia reviveu seu programa depois de apenas sete anos no início de 2018 porque o país não conseguiu recrutar soldados voluntários suficientes.

O novo sistema da Suécia foi modelado naquele da Noruega, que se baseia em uma mistura de voluntários e recrutas. A Noruega, que foi o primeiro país da OTAN a convocar homens e mulheres, tem um programa muito bem-sucedido, segundo Braw, por causa da sua solução simples para um problema persistente.

Embora o país precise de soldados voluntários para preencher seu exército, recrutar todos os jovens de 19 anos sobrecarregaria seus recursos. Assim, a cada ano o governo norueguês seleciona 10.000 dos mais promissores jovens de 19 anos de um grupo de cerca de 60.000. Isso dá aos selecionados para o programa uma sensação de realização.

“Se você o prestou serviço nacional, é uma grande vantagem para o seu currículo, porque significa que foi selecionado pelo governo como um dos melhores e mais brilhantes do seu grupo”, disse Braw. “Eu acho que é absolutamente a maneira de fazer isso”.

Outras políticas de conscrição têm menos sucesso. A Grécia, por exemplo, tem alistamento universal, o que significa que todos os homens de uma certa idade são recrutados por um ano. Mas ter um grupo tão grande de recrutas apenas esgota os recursos militares e deixa os jovens envolvidos se sentindo desiludidos e infelizes.

Quando um programa é mal elaborado, os participantes ficam com a sensação de que perderam seu tempo, o que desacredita o próprio governo por trás da política, disse Galston.

No modelo norueguês, as forças armadas contratam os melhores recrutas sem impor muito peso às forças armadas. Mas muito ainda depende da cultura política de um determinado país, Galston disse: "Sociedades mais solidárias tenderão a responder favoravelmente a um mandato universal, enquanto muitos indivíduos em sociedades mais liberais se ressentirão da coerção e considerarão o mandato como uma violação da sua liberdade."

Além disso, os pesquisadores passaram décadas analisando o impacto econômico que o recrutamento tem sobre os indivíduos e a sociedade em geral. Um estudo de 1995 publicado no Journal of Business and Economic Statistics avaliou o custo do recrutamento na Holanda e descobriu que servir nas forças armadas era aproximadamente equivalente ao custo de perder um ano de potencial experiência de trabalho.

Outro estudo no IZA Journal of Labor Economics em 2015 descobriu que um sistema de serviço militar obrigatório reduziu a probabilidade de um recruta obter um diploma universitário em quase quatro pontos percentuais. Também teve um efeito negativo e duradouro sobre os ganhos de um indivíduo: os recrutas perderam cerca de três a quatro por cento dos seus salários servindo nas forças armadas.

“Um sistema de serviço nacional obrigatório é um grande empreendimento”, disse Galston. Projetar um sistema adequado envolve um grande número de pessoas, uma enorme quantidade de organização e administração cuidadosas e despesas consideráveis.

Um novo modelo

O serviço nacional obrigatório poderia certamente ser uma ferramenta útil para unificar as sociedades em um momento que parece mais dividido do que nunca. Os políticos estão certos em considerar tirar a poeira dessas políticas e alterá-las para se adequar a uma nova geração de recrutas em potencial. Braw disse: “A realidade é que, se você não tem o serviço nacional, não tem nada que reúna as pessoas".

Mas o serviço nacional não deve ser confundido com o serviço militar. Os sistemas de recrutamento militar universal, se mal projetados, podem deixar os recrutas e as forças armadas que devem treiná-los com a sensação de que perderam seu tempo e dinheiro. Embora seja possível defender o modelo de serviço nacional da Noruega, seguir o exemplo de um país como a Grécia poderia resultar em implicações negativas de longo prazo tanto para o indivíduo quanto para um nível econômico mais amplo.

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