domingo, 30 de agosto de 2020

Mais de 60.000 assinam petição para a França assumir o controle do Líbano

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 30 de agosto de 2020.

Mais de 60.000 pessoas assinaram uma petição pedindo que a França assuma o controle do Líbano após a explosão mortal em Beirute. Os críticos dizem que a causa foi a corrupção e a má gestão do governo libanês.

No momento da publicação deste artigo, 61.431 pessoas assinaram uma petição online para "colocar o Líbano sob um mandato francês pelos próximos 10 anos". A petição, criada no site da comunidade Avaaz, foi supostamente criada por cidadãos libaneses na quarta-feira dia 5 de agosto após a explosão que abalou Beirute na terça-feira, dia 4 de agosto, matando mais de 140 pessoas e ferindo mais de 5.000. No dia 8, a petição já contava com mais de 55 mil assinaturas conforme noticiado por veículos de comunicação como o Deutsche Welle (DW), a Agence France-Presse (AFP) e a Reuters.

A petição direcionada ao presidente francês Emmanuel Macron diz:

"As autoridades do Líbano mostraram claramente uma total incapacidade de proteger e administrar o país. Com um sistema falido, corrupção, terrorismo e milícias, o país acabou de chegar ao último suspiro. Acreditamos que o Líbano deve voltar ao mandato francês a fim de estabelecer um governo limpo e durável".

O Presidente Emmanuel Macron chega a Beirute chega a Beirute, saudado pelo presidente libanês Michel Aun, 6 de agosto de 2020. (D. Nohra/Reuters)

Dima Tarhini, do departamento árabe do DW, disse que a petição tem circulado amplamente nas redes sociais libanesas. “Esse é o tanto que alguns libaneses estão desesperados”, disse ela. "Tanto se perdeu de onde já havia tão pouco. Eles perderam suas casas, perderam suas propriedades, não podem salvar seus filhos. Eles não sabem o que fazer." 

A França controlou o país do Oriente Médio de 1920 a 1945 sob um mandato estabelecido após a Primeira Guerra Mundial, dentro do Acordo Sykes-Picot assinado secretamente em 1916.

Mapa do Acordo Sykes-Picot mostrando o Leste da Turquia na Ásia, Síria e Pérsia Ocidental, e áreas de controle e influência acordadas entre britânicos e franceses. Royal Geographical Society, 1910-15. Assinado por Mark Sykes e François Georges-Picot, 8 de maio de 1916.

A petição foi dirigida ao presidente francês Emmanuel Macron, que na quinta-feira se tornou o primeiro líder estrangeiro a chegar a Beirute desde a tragédia. Macron alertou que o Líbano "continuará afundando" sem reformas quando ele desembarcou em Beirute. Ele prometeu que a França ajudará a mobilizar recursos para a cidade, que viu bilhões de dólares em danos e destruição. Macron disse a multidões furiosas no centro de Beirute que buscaria um novo acordo com as autoridades políticas locais.

“Eu lhes garanto isso - a ajuda não irá para mãos corruptas”, disse Macron aos manifestantes. "Vou falar com todas as forças políticas para pedir-lhes um novo pacto. Estou aqui hoje para propor um novo pacto político a eles".

Multidões protestando nas ruas de Beirute pediram a Macron para ajudar a derrubar a liderança do país. O choque rapidamente se transformou em raiva na cidade, com muitos comentaristas e manifestantes dizendo que a corrupção e a incompetência entre as classes políticas foram responsáveis pela explosão mortal.

Promotores na França abriram uma investigação sobre a explosão. Pelo menos 21 cidadãos franceses ficaram feridos e um morreu na explosão. Mesmo antes da pandemia do coronavírus, o Líbano foi abalado por protestos de pessoas irritadas com o governo e a economia. Uma recente desvalorização da moeda fez com que muitos libaneses perdessem milhares de dólares em economias.

A explosão ocorreu próximo aonde o navio brasileiro da UNIFIL atracava, a Fragata “Independência”, mas felizmente nenhum brasileiro se feriu pois a embarcação se encontrava em alto mar. Dois dias depois, a Fragata Independência enviou uma lancha com equipes médica e de reparos para apoio à Corveta Bijoy, do Bangladesh, que sofreu danos com as explosões; incluindo avarias e feridos.

Marinha do Brasil em ação na região do porto de Beirute, no Líbano, atingida pela explosão.

Líbano sob 'risco de desaparecer' sem reformas, alerta França

O Líbano poderia "desaparecer" sem uma ação mais rápida de sua elite política, disse o principal diplomata da França, o Ministro do Exterior Jean-Yves Le Drian. A potência européia espera que a necessidade de ajuda de recuperação após a explosão do porto de Beirute acelere as reformas.

"A comunidade internacional não vai assinar um cheque em branco se eles [as autoridades libanesas] não colocarem em prática as reformas. Eles devem fazer isso rapidamente... porque o risco hoje é o desaparecimento do Líbano", disse o ministro francês das Relações Exteriores, Jean- Yves Le Drian disse em uma entrevista de rádio da França no dia 27 de agosto.

Por dois anos, a França liderou esforços diplomáticos para persuadir as autoridades da ex-colônia francesa a promulgarem reformas que garantissem ajuda estrangeira crucial para evitar uma crise econômica no país.

O presidente francês Emmanuel Macron planeja retornar a Beirute na próxima semana para promover reformas e reconstrução após o sinistro. Macron voara para Beirute imediatamente após a devastadora explosão portuária em 4 de agosto, que matou mais de 180 pessoas e deixou cerca de 250.000 desabrigados. O presidente francês havia sugerido a possibilidade de ajuda internacional para a reconstrução em uma tentativa de persuadir a elite política do Líbano a implementar um novo governo livre de corrupção.

As forças de segurança libanesas ficam de guarda enquanto o ministro francês das Relações Exteriores, Jean-Yves Le Drian, deixa uma escola em Mechref, Líbano, em 24 de julho de 2020. (Reuters)

"Cabe às autoridades libanesas assumir suas responsabilidades. Eles são treinados e competentes, mas fizeram um consenso entre si pela inação e isso não é mais possível", disse Le Drian. "O presidente disse a eles isso quando ele visitou em 6 de agosto e vai repetir quando ele estiver em Beirute na terça-feira."

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COMENTÁRIO: Quando se está no deserto...29 de agosto de 2020.


O SOCOM mostra discrepâncias na aquisição de equipamentos após auditoria

Os pára-resgatistas da Força Aérea dos EUA, designados para o 83º Esquadrão de Resgate Expedicionário, se preparam para embarcar em um CH-47F Chinook do Exército dos EUA durante uma missão de treinamento no Afeganistão em 15 de março de 2018.

Por Jared Keller, Task & Purpose, 18 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 29 de agosto de 2020.

O SOCOM não documentou consistentemente se mais de US$ 800 milhões em equipamentos atendiam às principais métricas de desempenho ou não.

O Comando de Operações Especiais dos EUA (Special Operations Command, SOCOM) ao longo de dois anos não conseguiu rastrear adequadamente se centenas de milhões de dólares em equipamentos especializados atendiam totalmente às principais métricas de desempenho para as operações especiais para as quais foram enviados, de acordo com uma nova auditoria do inspetor geral do Departamento de Defesa (Department of DefenseDoD).

Uma equipe de forças especiais americanas sai de uma aeronave CV-22 Osprey da Força Aérea dos EUA em 26 de fevereiro de 2018.

A auditoria do Escritório do Inspetor Geral do DoD, divulgada publicamente na sexta-feira, examinou se o equipamento de Operações Especiais-Peculiar (Special Operations-PeculiarSO-P) foi completamente avaliado para atender aos requisitos da missão antes de entrar em serviço para as forças de operações especiais do ano fiscal de 2017 ao ano fiscal 2019. O equipamento SO-P refere-se especificamente à tecnologia sofisticada exclusiva das unidades do SOCOM e abrange uma gama de equipamentos de comunicação e vigilância para veículos e aeronaves especializados.

A auditoria cobriu 10 dos programas mais caros do SOCOM, totalizando mais de US$ 1,4 bilhão e incluiu: o Modificação do Pacote de Ataque de Precisão do AC-130J Ghost Rider (AC-130J Ghost Rider Precision Strike Package ModificationUS$ 659,1 milhões); a Rede de Área Local Tática: Dispositivo de Computação de Campanha vestível (Tactical Local Area Network: Field Computing Device, US$ 136,8 milhões); Munição Deslizante Pequena (Small Glide Munition, US$ 53,1 milhões); e Veículos Comerciais Fora do Padrão (Non-Standard Commercial Vehicle, US$ 145,5 milhões); entre outros.

Uma equipe de snipers na Competição de Snipers do Comando de Operações Especiais do Exército dos EUA manobra sobre um obstáculo em Fort Bragg, Carolina do Norte, 19 de março de 2019.

Desses 10 programas SO-P, apenas quatro, avaliados em cerca de US $ 494,1 milhões, foram completamente validados pelo pessoal do SOCOM por meio de testes e avaliação, ou pelo menos preenchidos com suas principais deficiências de desempenho registradas pela equipe do SOCOM para ajustes futuros.

Mas para os seis programas SO-P restantes que culminaram na colocação em serviço de equipamentos novos - avaliados em impressionantes US$ 815,8 milhões - o pessoal do SOCOM "não verificou" se o equipamento havia passado nos testes e avaliações exigidos antes de entrar em serviço para forças de operações especiais, ou seja, o equipamento foi colocado em serviço "sem verificar se o equipamento atende às necessidades do usuário", de acordo com a auditoria.

De acordo com um porta-voz do SOCOM, o equipamento detalhado no relatório do DoD OIG funciona muito bem e é atualmente empregado pelas forças de operações especiais dos EUA em campanha - o comando apenas se esqueceu de documentar de forma consistente os resultados dos testes de equipamento e avaliação para futura revisão pelo cão-de-guarda do Pentágono.

“Todos os programas auditados que estão listados no relatório tiveram requisitos aprovados que confirmam a necessidade de cada sistema para nossas forças operacionais. Validamos que todos os sistemas eram operacionalmente eficazes e adequados por meio do OT&E antes de entrar em serviço”, disse o Tenente Comandante Tim Hawkins, porta-voz do SOCOM, à Task & Purpose. "O que não fizemos foi documentar adequadamente os resultados do cumprimento de alguns dos parâmetros-chave de desempenho individuais. É por isso que o SOCOM concordou com essa descoberta e está tomando medidas para documentar e arquivar mais detalhadamente os resultados dos parâmetros-chave de desempenho para resolver as descobertas da auditoria".

Mestres-de-salto do 320º Esquadrão de Táticas Especiais da Força Aérea dos EUA se preparam para operações de salto em alta altitude e alta abertura (HAHO) em 11 de julho de 2017, sobre a Área de Treinamento da Baía de Shoalwater em Queensland, Austrália durante o exercício Talisman Saber 2017.

Você pensaria que o comando responsável por treinar e equipar as forças de elite das forças armadas americanas poderia prestar mais atenção ao rastreamento da eficácia do seu equipamento caro, mas o relatório do DoD OIG detalha exatamente o quão desleixado o processo de documentação de teste e avaliação para alguns equipamentos realmente é. Considere este pequeno trecho do programa de Comunicações Táticas de Próxima Geração:

"O gerente do programa do USSOCOM para o programa de Comunicações Táticas de Próxima Geração forneceu a documentação T&E para o KPP que consistia em e-mails entre um usuário e o contratante do equipamento em que o usuário declarou que o equipamento "funcionou muito bem". A comunicação por e-mail não forneceu informações ou evidências suficientes de que o KPP foi testado ou passou no T&E; portanto, o USSOCOM não pôde verificar se o KPP foi testado e atende aos requisitos do KPP delineados no documento de capacidade."

Esta não é a primeira vez que o SOCOM tem problemas com o DoD OIG sobre o gerenciamento de seus programas SO-P. Em 2018, uma auditoria separada descobriu que o SOCOM comprou pelo menos US$ 26,3 milhões em equipamentos extras, desde rádios portáteis a óculos de visão noturna.

"Por exemplo, o USSOCOM não identificou que o Comando de Operações Especiais do Exército dos EUA tinha 17.571 rádios portáteis de acordo com seus registros de propriedade, mas foi alocado apenas 13.351 nos documentos de capacidade, para um excesso de 4.220 rádios", relatou o DoD OIG na época. “O USSOCOM não identificou o excesso de equipamento SO-P porque os dados de permissão e alocação autorizados na [Tabela do USSOCOM de Distribuição de Equipamentos e Concessões] não eram precisos ou completos e não podiam ser reconciliados com o estoque.

Treinamento conjunto com os comandos afegãos.

Após anos de má gestão, parece que o SOCOM está finalmente pagando um preço. Conforme observa a National Defense Magazine, a solicitação de orçamento do presidente Donald Trump para o ano fiscal de 2021 incluiu apenas US$ 2,3 bilhões para aquisições para o SOCOM, redução de 12% em relação a 2020 e uma queda de 26% em relação a 2019.

“O orçamento do ano fiscal de 2021 para investimentos [das Forças de Operações Especiais] adquire, moderniza e/ou modifica SOF-peculiar de aviação, mobilidade e plataformas marítimas, armas, munições e equipamentos de comunicação”, disse o DoD em sua visão geral do orçamento, de acordo com o National Defense. “O orçamento do ano fiscal de 2021 sustenta o crescimento e a prontidão das SOF e aumenta a letalidade por meio da modernização e recapitalização, e do investimento em novas tecnologias”.

Parte dessa redução do orçamento é provavelmente devido à reorientação do Pentágono da contra-insurgência e contraterrorismo no Oriente Médio e Norte da África - áreas onde o SOCOM tem servido regularmente como ponta-de-lança - para a chamada "competição de grandes potências" contra adversários mais tradicionais como a Rússia e a China.

Mas, como um especialista corretamente apontou para a National Defense, a redução também significa um foco mais severo sobre como o SOCOM adquire e avalia material e equipamentos novos - e, potencialmente, mais atenção em como o comando falha em avaliar suas necessidades em meio a um cenário de missão que muda lentamente.

“Agora vamos ter que ter muito mais escrutínio para que a compra de equipamentos e o uso de equipamentos que obtivemos tenham que ser úteis em ambas as lutas”, disse o analista da Heritage Foundation e ex-operador das Forças Especiais Steven Bucci ao National Defense. “Essa é a única maneira do SOCOM manter a capacidade de que precisa para fazer as duas [missões]."

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sábado, 29 de agosto de 2020

GALERIA: Os fuzis AK-74M da Síria

Por Stijn Mitzer e Joost OliemansOryx, 19 de fevereiro de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 29 de agosto de 2020.

Da Rússia com amor...

O AK-74M lentamente ganhou seu lugar como o fuzil de assalto mais popular atualmente em uso com as várias facções que lutam pelo controle da Síria. Embora originalmente adquirido apenas em pequenas quantidades pela Síria, as entregas recentes garantiram uma presença sólida deste fuzil no país dilacerado pela guerra. O AK-74M não é popular apenas com as forças do Exército Árabe Sírio e da Guarda Republicana - leais a Assad -, mas também com vários outros grupos que lutam pelo controle do país.

A Síria adquiriu seu primeiro lote de fuzis AK-74M no final dos anos 90, embora em números muito pequenos. Acredita-se que esse primeiro lote tenha sido parte de um acordo fechado com a Rússia em 1996, que renovaria a cooperação militar e tecnológica com a Rússia após esta ter diminuído devido ao colapso da União Soviética.


O acordo previa a entrega de uma ampla seleção de armas portáteis, mísseis anti-carro, equipamentos de visão noturna e munição para armamentos já em uso pela Síria. Incluídos no pacote estavam um grande número de carabinas AKS-74U, um número menor de fuzis AK-74M, lança-rojões RPG-29, granadas PG-7VR para o RPG-7, mas também mísseis guiados anti-carro Konkurs 9M113M (ATGM) e até mesmo mísseis anti-carro lançados de canhões Bastion 9M117M para uso pela Síria, para os então recentemente atualizados T-55MV.

Desentendimentos sobre a insistência da Síria em preços mais baixos e esquemas de pagamento estendidos para compras futuras e sua dívida com a Rússia levaram ao fracasso de um relacionamento aprofundado entre os dois países. No entanto, grande parte do armamento encomendado finalmente chegou à Síria.

O programa também viu a fabricação de dois tipos de "novos" padrões de camuflagem, ambos cópias exatas do padrão de camuflagem florestal americana M81 Woodland, que também é usado por combatentes do Hezbollah. Além disso, um grande número de coletes à prova de balas e capacetes foram encomendados e entregues da China, e um número limitado de dispositivos de visão noturna para forças especiais foram recebidos de uma fonte desconhecida. O soldado visto abaixo descreve como seria a aparência do produto final. Observe que seu AK-74M vem equipado com uma mira a laser noturna Alpha-7115 e um lança-granadas GP-30M acoplado.


As relações entre Damasco e Moscou são muito antigas, se intensificando com o golpe de estado sírio de fevereiro de 1996, sendo sucedido por um novo golpe de estado em 13 de novembro de 1970, denominado Movimento Corretivo. Este levou o General Hafez al-Assad (o pai do atual ditador) ao poder na Síria, alinhando Damasco com a União Soviética ainda mais. Russo passou a ser ensinado como segunda língua nessa época e milhares de oficiais militares e profissionais qualificados sírios estudaram na Rússia. Em 1971, por meio de um acordo bilateral, a União Soviética teve permissão para abrir sua base militar naval em Tartus, dando à União Soviética uma presença estável no Oriente Médio. Esta base permanece como a única instalação naval da Rússia na região do Mediterrâneo e a única instalação militar restante fora da ex-União Soviética.

Em outubro de 1980, a Síria e a União Soviética assinaram um Tratado de Amizade e Cooperação de vinte anos.



A primeira aparição pública do AK-74M foi em 2000, quando foi flagrado sendo carregado por um guarda em frente à sede da Frente Progressista Nacional (NPF) em Damasco. Este AK-74M pertencia ao primeiro lote e, juntamente com as AKS-74U, foram distribuídos principalmente para unidades especiais e militares guardando locais de alto valor. A quantidade de fuzis AK-74M ainda era muito pequena para permitir uma distribuição mais ampla.

A segunda tentativa de adquirir fuzis AK-74M (em uma escala mais ambiciosa desta vez) ocorreu nos anos que antecederam a Guerra Civil Síria, iniciada em 2011. O Exército Árabe Sírio (SAA) lançou um ambicioso programa de modernização com o objetivo de melhorar a proteção e o poder de fogo de uma parte da sua força de infantaria durante esse período.

General-de-Brigada Nur-Ali Shushtari, da Guarda Revolucionária Iraniana, com um fuzil KH-2002 Khaybar durante uma demonstração.

O SAA testou dois fuzis de assalto como parte deste programa de soldado do futuro em 2008, o AK-74M e o iraniano KH-2002 "Khaybar", calibrados em 5,45x39mm e 5,56x45mm, respectivamente. Para tanto, a Organização das Indústrias de Defesa Iranianas (IDIO ou DIO) enviou dez fuzis KH-2002, um modelo bullpup, junto com vários representantes para a Síria. Todos, exceto dois dos dez KH-2002s, tiveram travamentos durante os testes, resultando em uma risada do lado sírio às custas dos envergonhados representantes iranianos. Sem surpresa, o AK-74M foi, portanto, declarado o vencedor da competição.

Depois que o interesse do Uruguai no KH-2002 também desapareceu, o programa foi cancelado em 2012. O fracasso em atrair encomendas de exportação e a falta de interesse do exército iraniano em comprar o fuzil condenou uma das poucas tentativas sérias de projetar e produzir um fuzil de assalto indígena no Irã.


A Rússia continua a provar que é uma apoiadora leal e confiável do regime de Assad, e a Guerra Civil evidentemente não serve como impedimento para que a Rússia continue entregando todo tipo de material, desde armas portáteis a tanques, vários lançadores de foguetes e até peças de reposição para a Força Aérea Árabe Síria (SyAAF). Para surpresa de ninguém, vários lotes grandes de fuzis AK-74M também encontraram seu caminho a bordo dos navios de desembarque da classe Ropucha da Marinha Russa entregues à Síria nos últimos anos.

Assim que chegaram à Síria, esses lotes permitiram uma ampla distribuição do AK-74M dentro do Exército Árabe Sírio e, em menor grau, na Guarda Republicana. A Força de Defesa Nacional (NDF) ainda tem que se contentar com os velhos AK-47, Tipo-56 e AKM, embora armas de fogo ocidentais ou outros AK adquiridos através do mercado negro no Líbano também estejam disponíveis.

A 104ª Brigada da Guarda Republicana, então sob o comando do Brigadeiro General Issam Zahreddine, recebeu um lote considerável de fuzis AK-74M e AKS-74U ao partir para Deir ez-Zor para enfrentar os combatentes do Estado Islâmico.

O General Issam Jad'aan Zahreddine testando um lança-granadas acoplado em um AK-74M.

O General Issam Zahreddine, "O Leão da Guarda Republicana", posando ao lado do seu guarda-costas Saqr al-Harath. O general era uma celebridade entre os combatentes pró-Assad até sua morte aos 56 anos, quando sua viatura detonou uma mina em Hawija Saqr, próximo a Deir Ezzor, em 18 de outubro de 2017.

O Estado Islâmico é o maior operador de AK-74M dos grupos que lutam pelo controle da Síria. Surpreendentemente, e ao contrário do fluxo normal de armas que vê principalmente fuzis M16 e carabinas M4 capturados transferidos do Iraque para a Síria, vários AK-74M também acabaram nas mãos de combatentes do Estado Islâmico no Iraque.

O AK-74M em si é uma variante modernizada do AK-74, e entrou em produção em 1991. Ele não apenas oferece mais versatilidade em comparação com o AK-74, mas também é mais leve e apresenta uma nova coronha sintética dobrável rebatível. Isso se opõe aos AKS e AKMS anteriores, que usam a típica coronha dobrável para baixo.


Vários tipos de miras ópticas russas podem ser instaladas no AK-74M para garantir um direcionamento mais preciso. Essas miras são instaladas no trilho de montagem padrão no lado esquerdo da caixa da culatra (receptor). Na Síria, os AK-74M equipados com essas miras são mais comuns do que os AK-74M que usam a mira de ferro padrão. A quantidade de miras ópticas e lança-granadas acoplados recebidos pela Síria nos últimos anos foi grande o suficiente para permitir a instalação em vários AK-47, Type-56 e AKM.

Vários AK-74M também foram equipados com miras de visão noturna NSPU. Apenas um número limitado de tais miras está disponível na Síria, e eles viram uso esporádico ao longo da Guerra Civil.


O AK-74M também pode ser equipado com um lança-granadas de 40mm, dois tipos dos quais foram adquiridos pelo Exército Árabe Sírio até o momento: o GP-25 e o GP-30M. O primeiro destina-se ao uso em fuzis de geração mais antiga, enquanto o GP-30M foi projetado para fuzis de assalto mais modernos, como o AK-74M ou o AK-103. O GP-30M pode engajar alvos em um alcance de 100m a 400m e é capaz de disparar granadas de fragmentação e granadas de fumaça. É apontado por meio de uma mira de quadrante.

O AK-74M é um fuzil temido e amado nos campos de batalha da Síria e que certamente continuará a desempenhar um grande papel no curso da guerra, agora que a paz parece cada vez mais distante.

Bibliografia recomendada:

The AK-47:
Kalashnikov-series assault rifles.
Gordon L. Rottman.

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

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GALERIA: Uso operacional do VSK-94 pelas Forças Armadas Árabes Sírias14 de julho de 2020.

GALERIA: FN49 do contrato egípcio9 de maio de 2020.

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FOTO: Posto defensivo das Spetsnaz do GRU na Síria27 de julho de 2020.

FOTO: Forças Especiais do Exército Livre da Síria em Alepo2 de julho de 2020.

VÍDEO: Emboscada noturna das Spetsnaz na Síria27 de fevereiro de 2020.

COMENTÁRIO: Quando se está no deserto...


Pelo Tenente-Coronel Michel Goya, La Voie de l'Épée, 24 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de agosto de 2020.

Às vezes, imaginamos que nossas operações no exterior seguem grandes projetos e planos bem elaborados com objetivos estratégicos de longo prazo claros. Nada está mais longe da verdade.

Na verdade, agimos, ou mais frequentemente, reagimos simplesmente porque o Presidente da República decidiu que algo tinha que ser feito, geralmente muito rapidamente, para responder, a pedido: um grito de socorro de um chefe de Estado ligado à França, uma forte emoção veiculada pela mídia ou a pedido dos Estados Unidos, muito mais raramente da União Européia. Trata-se sobretudo da imagem que o presidente quer dar de si e / ou da França como "en être" ("ser"), pesar em coalizão, agradar a..., justificar nosso assento permanente no Conselho de Segurança etc. Tudo isso conta mais do que o que você realmente deseja alcançar no terreno, o famoso "estado final desejado" que os militares exigem sem que seja frequentemente satisfeito. No nível político, "fazer" muitas vezes já é um fim em si mesmo e a imprecisão do "por que" é liberdade de ação. Quanto ao horizonte de tempo, raramente ultrapassa um ano, dois ou três no máximo.

Patrulha francesa no Vale de Uzbin, no Afeganistão.

Na prática, então, engajamo-nos e aí vemos, persuadidos em 80% de que o assunto será encerrado rapidamente. Lembremo-nos do Ministro da Defesa, Jean-Yves Le Drian, no início de dezembro de 2013, anunciando um engajamento na República Centro-Africana por seis meses, e depois criticando os “autoproclamados especialistas” que apontaram que estava lá sem dúvida, uma previsão um pouco otimista. Esta operação, Sangaris, finalmente terminará três anos depois. Um erro de fator seis é bastante comum.

O erro de previsão é de fato comum, principalmente quando neste nível de decisão não sabemos a complexidade da região na qual intervimos. Concentrados no problema atual, esquecemos cada vez mais que em torno dele também podem acontecer coisas muito importantes, uma crise econômica, a Primavera Árabe, o colapso de um Estado vizinho em nossa área de atuação, alguma crise séria qualquer que seja no Leste Europeu, um grande ataque terrorista em nosso solo, uma pandemia, etc. Muitas coisas externas, na verdade, vão mudar a situação local. É verdade que raramente estamos interessados ​​em eventos de baixa probabilidade, mesmo que sejam possíveis grandes choques e quando imaginamos sistematicamente que estaremos deixando um teatro de operações no próximo ano, estamos convencidos de que seu ambiente não terá tempo para se mover.

Combatentes da GIA durante a Guerra Civil Argelina (1991-2002).

Em suma, sempre anunciamos algo rápido buscando no curso da ação o fim que justificará que este será curto. Nossa atual campanha militar no Sahel não é exceção. Pequeno passo para trás. Tudo começou em 2008 quando nosso inimigo local, a Al-Qaeda no Magrebe Islâmico (Al-Qaida au Maghreb islamique, AQIM), ex-Grupo Salafista para a Pregação e Combate (Groupe salafiste pour la prédication et le Combat, GSPC) e, em parte, o ex-Grupo Islâmico Armado (Groupe Islamiste Armé, GIA) que planejava esmagar um avião comercial em Paris, e ataques organizados e assassinatos de franceses na França e na Argélia, decide trazer a luta contra nós para o Sahel. A AQIM era então baseada no norte do Mali, a zona cega da região em uma aceitação mais ou menos tácita de Argel e Bamako, desde que a organização visasse os outros. Na região, a AQIM assassina e, especialmente, sequestra cidadãos europeus e, em particular, franceses.

A tendência geral da França, então, é claramente para o abandono militar da África, a fim de voltar os olhos mais promissores para as monarquias do Golfo. No entanto, uma exceção foi feita para enfrentar a AQIM ao decidir reforçar a guerra secreta do DGSE* por um dispositivo do Comando de Operações Especiais (Commandement des opérations spéciales, COS), cujo ex-comandante é o chefe de gabinete privado do presidente Sarkozy. Esta campanha discreta inclui primeiro um componente de ajuda e reforço dos exércitos locais, a Mauritânia aceita e dará as boas-vindas enquanto o Mali se recusa. Em 2010, um pequeno grupo de forças especiais, Sabre, foi destacado para Burkina Faso para uma ação direta contra a AQIM.O dispositivo é leve e discreto. Parece adaptado ao contexto. Com a aproximação da eleição presidencial, provavelmente esperamos ter resultados decisivos, libertando concretamente o maior número possível de reféns, nos próximos dois anos, e tanto quanto possível para prejudicar a AQIM.

*Nota do Tradutor: Direction générale de la sécurité extérieure (DGSE), a Direção Geral da Segurança Exterior, o serviço secreto francês. Sucessor do antigo Serviço de Documentação Exterior e de Contra-Espionagem (Service de documentation extérieure et de contre-espionnage, SDECE) da Guerra Fria, e conhecido coloquialmente como "2e Bureau".

Ato pró-Assad em Damasco, capital da Síria, durante a Primavera Árabe, 28 de novembro de 2011.

E então as coisas mudam muito rapidamente desde o final de 2011 em grande parte devido a, voltamos a isso, turbulências do ambiente e não particularmente à Primavera Árabe. O principal fenômeno, então, é o rápido aumento do poder dos grupos armados, que, coincidentemente, estão se desenvolvendo especialmente no norte do Mali. Podemos ver tanto a volta do movimento nacionalista tuaregue, quanto um retorno ao significado original desde o fim do regime do coronel Kadafi, com a criação do Movimento Nacional pela Libertação de Azawad (Mouvement national de libération de l’Azawad, MNLA) e a formação de organizações jihadistas que recrutaram mais localmente do que os argelinos da AQIM, como o Movimento pela Unicidade e Jihad na África Ocidental (Mouvement pour l’unicité et le jihad en Afrique de l’Ouest, MUJAO) ou Ansar Dine. Essas pessoas não são psicopatas vindos do planeta Marte, são movimentos políticos com um estabelecimento necessariamente local, muitas vezes seguindo o padrão daquele estado, e um exército de voluntários que se juntam às fileiras por múltiplas razões. E enquanto elas existirem, essas razões fornecerão voluntários.

Eles também não são superpotências militares. Cada uma dessas organizações tem pouco mais de mil combatentes permanentes, mas diante do vácuo, pouco já é muito. Cada uma das katibas* desses grupos, colunas PKMR (Pick-up, Kalashnikovs, Metralhadoras, RPG-7) de cerca de 200 combatentes bastante motivados, competentes e adaptados ao ambiente, possui vários níveis táticos de lacuna em tudo que as Forças Armadas Malinenses (Forces Armées MaliennesFAMa) podem alinhar do lado oposto. Ou seja, cada luta será automaticamente uma derrota, às vezes contundente, para as FAMa. O Mali, seu estado paralisado e corrupto, seu exército logicamente no mesmo estado, estão, portanto, em uma posição extremamente vulnerável. Pior, o estado do Mali está sofrendo de "inércia consciente". Ele vê os problemas, mas o esforço para lidar com eles é muito grande. Assim, ele observa a catástrofe acontecer, mas não pode se mover para evitá-la.

*NT: Uma katiba é uma formação tradicional da África do norte e Sahel, geralmente uma formação ligeira valor companhia, com uma centena de homens, ou pelotão - com 30 homens - variando em número e composição. Seu nome ficou famoso na Guerra da Argélia por ser a unidade de base da ALN (o braço armado da FLN), e foi adotado pelos grupos insurrecionais magrebinos. O nome Katiba também serviu de título para o romance de Jean-Christophe Rufin, de 2010, em referência à AQMI.

Katiba.
De Jean-Christophe Rufin, 400 páginas, 2010.

A esta altura, poderíamos ter feito algo, nós franceses? Somos então monopolizados pela eleição presidencial e pela corrida entre os candidatos para acelerar a retirada do Afeganistão. Depois das experiências do Iraque e do Afeganistão, a tendência não é mais para as intervenções. Para os europeus que são por natureza cautelosos com as operações militares, o tempo para grandes intervenções, mesmo as mais brandas, acabou, elas não se repetirão. Para os europeus menos cautelosos, leia-se os britânicos, os danos diretos ou indiretos dessas experiências deixaram sua ferramenta militar em um estado ainda pior do que o nosso. Mesmo os americanos estão mais hesitantes sob a presidência de Obama. Não foi bem compreendido na época, mas somos os últimos entre os países ocidentais a não sermos inibidos por experiências recentes. Pelo contrário, guerrear e lutar, depois do Afeganistão, não são mais palavras ruins.

No período recente, em 2012, quando nosso contingente afegão se retirava (sem seus intérpretes), estávamos no escuro. Ninguém nas fileiras imaginava que estaríamos envolvidos em uma operação de guerra de curto prazo em grande escala. Nosso inimigo no momento era o Bercy e para economizar nossos orçamentos, estávamos até começando a falar, com horror, em envolvimento com a segurança interna. A figura imposta das apresentações em PowerPoint da época era a evocação do importante papel do exército japonês na gestão do desastre do tsunami de Fukushima. E então tudo muda.

O Mali começa a explodir no início de 2012. Ato 1, o MNLA, às vezes auxiliado por outros grupos armados, expulsa as FAMa do norte do país e proclama a independência de Azawad. Ato 2, o desastre desencadeia um golpe de Estado que paralisa as instituições por meses. Ato 3 grupos jihadistas expulsam o MNLA e dividem o norte do país, que se torna, antes mesmo do retorno em vigor do Estado Islâmico no Iraque, um primeiro proto e lamentável estado controlado e administrado por jihadistas. E aí percebemos que não há quem realmente se oponha... exceto a França, mas há também o dilema africano: intervimos, somos acusados de intrusão neocolonial; não intervimos, somos acusados de não prestar assistência a um país amigo em perigo. Portanto, estamos relutantes. A solução que surge então é necessariamente africana com o restabelecimento das instituições do Mali sob a égide da CEDEAO*. A CEDEAO também vai formar uma força inter-africana, a Missão Internacional de Apoio ao Mali sob Liderança Africana (Mission internationale de soutien au Mali sous conduite africaine, MISMA), para ajudar as FAMa a restaurar a autoridade do Estado em todo o país. Veremos que é muito superficial, mas parece consistente. O recém-eleito presidente Hollande afirma que a França apoiará a MISMA e as FAMa. Portanto, de volta ao antigo modo de ação de apoio e suporte, como a Operação Noroit em Ruanda ou Manta-Épervier no Chade. Isso funciona se o nível tático das forças apoiadas não estiver muito longe daquele das forças inimigas. Este raramente é o caso.

*NT: Communauté économique des États de l'Afrique de l'Ouest, Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental.

Soldados malinenses, armados e equipados de forma semelhante aos jihadistas, durante a Operação Serval, 2013.

O problema é que a solução da CEDEAO não funciona bem. A MISMA, como todas as forças inter-africanas, leva muito tempo para se estabelecer. Como todas as coalizões, leva muito tempo para discutir a participação de uns e outros, especialmente porque não existe uma “nação-quadro” para fazer 80% do trabalho. Precisamos de alguns equipamentos específicos, para transporte e comando em particular, e acima de tudo um financiamento suficiente que só pode vir de fora, o que pode levar anos. Além disso, fica claro, em retrospecto, que a MISMA foi malfeita e que o plano não teria dado certo.

Todas essas dificuldades para gerar forças são tão recorrentes que eram previsíveis em 2012. Ainda assim, continuamos e, à força da espera, é o inimigo que ataca primeiro.

Em janeiro de 2013, a MISMA ainda não estava lá, o exército malinense não fez nenhum progresso e não consideramos/desejamos/pudemos posicionar um batalhão francês em pontos-chave no centro do país. Portanto, não há nada sólido e a coluna PKMR de Ansar Dine rumo ao sul está destinada a penetrá-lo como manteiga doce e semear a desordem.

Soldados malinense e francês na Operação Serval, 2013.

É o pânico. O presidente interino Dioncounda Traoré pede ajuda diretamente a François Hollande. O Presidente da República aceita e de repente nos reconectamos com tudo o que foi nossa força nas operações das décadas de 1960 e 1970: rápido processo decisório estratégico, proximidade de forças pré-posicionadas, reatividade de forças em alerta e, sobretudo, tomadas de risco e combate assumidas.

É claro que, embora a ajuda dos Aliados com o transporte aéreo, uma de nossas fraquezas recorrentes, seja inestimável, nenhum deles está se juntando a nós na linha de frente. Os países da UE não estão combatendo e, para muitos, não estão interessados na África. No local, empregamos diplomaticamente à frente as FAMa, depois os batalhões africanos da MISMA que chegam com urgência, mas na realidade são os franceses que vão para o camarote, com o corajoso contingente chadiano.

As forças francesas com as forças africanas e as forças armadas do Mali continuam a controlar o anel do Níger e a consolidar o sistema militar nas cidades de Timbuktu e Gao com a instalação de vários elementos da MISMA e das FAMa. Enquanto os ataques aéreos continuam ao norte de Kidal, o exército chadiano entrou na cidade para protegê-la.

Uma coluna das Forças Armadas do Chade servindo no Mali (Forces armées tchadiennes en intervention au Mali, FATIM), em algum lugar entre Kidal e Tessalit. Esses homens desempenharam um papel fundamental na guerra contra a AQMI.

Em três meses, as batalhas mais importantes foram vencidas, todas as cidades foram libertadas e a base da AQIM destruída. É modelo do gênero. No entanto, o inimigo não é destruído, mas sobretudo expulso. No máximo, eliminamos 20% do potencial dos grupos jihadistas, preservando os grupos tuaregues que se mantiveram discretos e até nos ajudaram contra os jihadistas. Foi bom na época, mas gerou críticas depois.

Esta campanha acabou, mas a guerra continua. O que fazer? Poderíamos sair do Mali e voltar à postura ligeira anterior, mesmo que isso signifique fortalecer a nossa capacidade de intervenção regional no caso de um novo problema grave. Escolhemos ficar no Mali, para “unir forças” com as eleições presidenciais do Mali em agosto de 2013, da qual esperávamos muito, depois “a sucessão”.

É uma ilusão. Não medimos (poderíamos, no entanto, não faltaram os alertas) o grau de "inércia consciente" do Mali, depois do vizinho Burkina Faso. Quanto à sucessão, como imaginar que o exército malinense se tornasse subitamente eficaz e legítimo graças aos cursos de formação da missão da União Europeia (European Union Training Mission in MaliEUTM)? Sejamos sérios. Um exército é um conjunto que certamente inclui a aquisição de competências básicas, mas também é uma adaptação ao ambiente de engajamento, equilíbrios, recrutamento, supervisão, gestão de carreira, etc. É impossível separar o funcionamento de um exército do Estado que o emprega. Desde 2013, a EUTM treinou ou retreinou mais de 14.000 soldados malinenses, várias vezes o que grupos irregulares podem formar no total na região. Por qual resultado? Nunca deixamos de ficar espantados (mas não surpreendidos) pela indignação do Almirante Guillaud, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da época, quando um oficial francês da EUTM mencionou a superficialidade da sua missão.

Almirante Édouard Guillaud, Chefe do Estado-Maior dos Exércitos Franceses, discursando na Place de la République em Estrasburgo, em 28 de junho de 2013, durante a mudança de comando no Eurocorps entre os generais Olivier de Bavinchove e Guy Buchsenschmidt.

Plano B: a Missão de Estabilização Multidimensional Integrada das Nações Unidas no Mali (Mission multidimensionnelle intégrée des Nations unies pour la stabilisation au Mali, MINUSMA). Tanto para os meios que são desdobrados com bastante rapidez. As nações voluntárias são sempre numerosas para participar dessas operações em que as Nações Unidas pagam por tudo. Efetivamente, existe o financiamento de um milhão de euros para desdobrar uma força multinacional que acaba por incluir 13.000 soldados, o que é mais uma vez várias vezes o número de combatentes irregulares em linha no Mali. Laurent Fabius, Ministro das Relações Exteriores, falou sobre isso com trêmulos na voz. Ele não sabia, portanto, que a MINUSMA, como todas as missões das Nações Unidas, não teria muita utilidade a um custo muito alto, uma vez que seria incapaz de organizar qualquer operação militar? Pior, a MINUSMA era tão fraca que pedia ajuda aos franceses contra os grupos armados. Como uma sucessão, é um fracasso.

Plano C: a força conjunta do G5-Sahel. Em si, é uma boa ideia criar um estado-maior comum e, a montante, uma escola de guerra comum em Nouakchott, capaz de comandar operações do tamanho de uma brigada. Mas foi só em 2017 que essa força foi oficialmente criada e, três anos depois, ainda está muito pouco operacional, pelos mesmos motivos mencionados acima para o MISMA.

Soldado chadiano e operador das forças especiais franceses em um posto de controle no Mali. As forças especiais francesas estabeleceram 7 destacamentos de ligação e apoio (détachements de liaison et d’appui, DLA) no seio de batalhões africanos da MINUSMA.

Nada que não fosse previsível em tudo isso, mas decidimos ficar no Mali e esperar. Estávamos mesmo tão confiantes de que no final de 2013 nos engajávamos também em uma operação de estabilização na República Centro-Africana (os seis meses descritos acima) que está se revelando mais difícil do que pensávamos, então mais alguns meses mais tarde no Iraque para estar na foto da nova coalizão americana. Poucos meses depois, no início de 2015, 10.000 soldados foram engajados nas ruas da França sem grande visão. Em todo caso, mostrar que estávamos fazendo supera, no espírito do político, a utilidade do fazer. Empilhamos sem nunca saber como retirar. O lado bom é que embora o contexto estratégico não tenha mudado de forma alguma (estava escrito em todos os lugares que um dia haveria ataques na França, pouco antes da linha sobre possíveis pandemias), a política de Defesa muda em tudo.


Obviamente, à força de meios reduzidos de dispersão, não sobra muito para o que tende a se tornar um deserto dos tártaros. Já que você não pode mudar muito a realidade, você começa mudando seu nome. A Barkhane substitui a Serval, mas é apenas uma questão de colocar racionalmente todas as forças da região sob um comando. Para fazer o quê? É fácil quando você tem apenas um martelo como ferramenta, você apenas bate. Além de raides e ataques, a Barkhane bate e espera. Ao custo de perder um soldado a cada dois meses em média e ao custo de um milhão de euros por combatente inimigo eliminado, espera-se depois de sete anos que o Mali deixe de ser inerte, que uma verdadeira força venha sabe-se lá de onde se proponha a nos suceder ou que uma mudança extraordinária remexa tudo de cabeça pra baixo. Com um pouco de sorte, pode nos ser favorável imaginar uma nova aventura em um ano e se ela durar mais tempo, será que teremos caído de novo em uma armadilha ainda previsível.

Michel Goya, tenente-coronel e editor do Centro de Doutrina de Emprego de Forças (Exército), é responsável por fornecer feedback das operações francesas e estrangeiras na região da Ásia/Oriente Médio. Ele é o autor de La Chair et l'Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução tática do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Este livro foi traduzido como A Invenção da Guerra Moderna pela Bibliex. Goya também foi o autor do livro Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail (traduzido no Brasil como Sob Fogo: A morte como hipótese de trabalho).

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