domingo, 24 de maio de 2020

O Papel da França na Guerra Revolucionária Americana

Rendição de Yorktown, 1781.

Por Robert Wilde, Thought Co., 23 de setembro de 2019.

Tradução Filipe A. Monteiro, 24 de maio de 2020.

Após anos de tensões em espiral nas colônias americanas da Grã-Bretanha, a Guerra Revolucionária Americana começou em 1775. Os colonos revolucionários enfrentaram uma guerra contra uma das principais potências do mundo, uma com um império que se estendia por todo o mundo. Para ajudar a combater a formidável posição da Grã-Bretanha, o Congresso Continental criou o "Comitê Secreto de Correspondência" para divulgar os objetivos e ações dos rebeldes na Europa. Eles então redigiram o "Tratado Modelo" para orientar as negociações de aliança com nações estrangeiras. Depois que o Congresso declarou independência em 1776, ele enviou um grupo que incluía Benjamin Franklin para negociar com o rival da Grã-Bretanha: a França.

Por que a França estava interessada

"Bataille de Yorktown", óleo sobre tela de Auguste Couder, 1836. O General Conde de Rochambeau, no centro e usando a faixa da Ordem Real e Militar de Saint-Louis, dá diretrizes no planejamento da batalha, ocorrida em 1781.

A França enviou inicialmente agentes para observar a guerra, organizou suprimentos secretos e começou os preparativos para a guerra contra a Grã-Bretanha em apoio aos rebeldes. A França pode parecer uma escolha estranha para os revolucionários trabalharem. A nação era governada por um monarca absolutista que não era solidário com o princípio de "nenhuma tributação sem representação", mesmo que a situação dos colonos e sua luta contra um império dominador empolgasse franceses idealistas como o Marquês de Lafayette. Além disso, a França era católica e as colônias eram protestantes, uma diferença que era uma questão importante e controversa na época e que havia colorido vários séculos de relações externas. 

Mas a França era um rival colonial da Grã-Bretanha. Embora fosse indiscutivelmente o país de maior prestígio da Europa, a França havia sofrido derrotas humilhantes para os britânicos na Guerra dos Sete Anos - especialmente em seu teatro americano, a Guerra Franco-Indígena - vários anos antes. A França estava procurando alguma maneira de aumentar sua própria reputação, enquanto minava a britânica, e ajudar os colonos à independência parecia uma maneira perfeita de fazer isso. O fato de alguns dos revolucionários terem lutado contra a França na Guerra Franco-Indígena foi rapidamente esquecido. De fato, o duque francês de Choiseul havia descrito como a França restauraria seu prestígio da Guerra dos Sete Anos já em 1765, dizendo que os colonos logo expulsariam os britânicos e que França e Espanha teriam que se unir e lutar contra a Grã-Bretanha pelo domínio naval.


Assistência Secreta

As propostas diplomáticas de Franklin ajudaram a suscitar uma onda de simpatia em toda a França pela causa revolucionária, e uma paixão por todas as coisas americanas tomou conta. Franklin usou esse apoio popular para ajudar nas negociações com o ministro das Relações Exteriores da França, Vergennes, que inicialmente desejava uma aliança completa, especialmente depois que os britânicos foram forçados a abandonar sua base em Boston. Então chegaram as notícias das derrotas sofridas por Washington e seu exército continental em Nova York.

Com a Grã-Bretanha aparentemente em ascensão, Vergennes vacilou, hesitando em uma aliança completa, embora ele tenha enviado um empréstimo secreto e outras ajudas de qualquer maneira. Enquanto isso, os franceses entraram em negociações com os espanhóis. A Espanha também era uma ameaça para a Grã-Bretanha, mas estava preocupada em apoiar a independência colonial.

"Por España y por el rey, Gálvez en America", óleo sobre tela de Augusto Ferrer-Dalmau, 2015, representando as forças espanholas lideradas por Bernardo de Gálvez no Cerco de Pensacola, 1781.

Saratoga leva à aliança completa

Em dezembro de 1777, chegaram à França as notícias da rendição britânica em Saratoga, uma vitória que convenceu os franceses a fazer uma aliança completa com os revolucionários e a entrar na guerra com tropas. Em 6 de fevereiro de 1778, Franklin e dois outros comissários americanos assinaram o Tratado de Aliança e um Tratado de Amizade e Comércio com a França. Isso continha uma cláusula que proibia o Congresso e a França de fazerem uma paz separada com a Grã-Bretanha e o compromisso de continuar lutando até que a independência dos Estados Unidos fosse reconhecida. A Espanha entrou na guerra pelo lado revolucionário no final daquele ano.

Exemplos de tropas francesas lutando nas 13 colônias americanas, ilustração de Francis Back, The French Army in the American Independence, Osprey Publishing.

O Ministério das Relações Exteriores da França teve dificuldade em identificar razões "legítimas" para a entrada da França na guerra; eles não encontraram quase nenhuma. A França não podia argumentar pelos direitos que os americanos reivindicavam sem danificar seu próprio sistema político. De fato, o relatório deles só poderia enfatizar as disputas da França com a Grã-Bretanha; ele evitou discussões em favor de simplesmente agir. Razões "legítimas" não eram muito importantes nesta época e os franceses entraram na luta de qualquer maneira.

De 1778 a 1783

Agora totalmente comprometida com a guerra, a França fornecia armas, munições, suprimentos e uniformes. Tropas francesas e poder naval também foram enviados para a América, reforçando e protegendo o Exército Continental de Washington. A decisão de enviar tropas foi tomada com cuidado, pois a França não tinha certeza de como os americanos reagiriam a um exército estrangeiro. O número de soldados foi cuidadosamente escolhido, alcançando um equilíbrio que lhes permitia ser eficaz, embora não fosse tão grande que irritasse os americanos.* Os comandantes também foram cuidadosamente selecionados - homens que podiam trabalhar efetivamente com os outros comandantes franceses e americanos. O líder do exército francês, o Conde Rochambeau, no entanto, não falava inglês**. As tropas enviadas para a América não eram, como já foi relatado, a própria nata do exército francês. Eles eram, no entanto, como comentou um historiador, "para 1780... provavelmente o instrumento militar mais sofisticado já enviado para o Novo Mundo".

*Nota do Tradutor: O Império Brasileiro fez exatamente o mesmo cálculo na Guerra do Prata (1851-1852) contra Oribe e Rosas, com uma divisão selecionada lutando na Argentina na Batalha de Monte Caseros (1852).

**NT: A língua franca da época era o francês e a elite americana falava francês.

Tropas navais francesas, ilustração de Francis Back, The French Army in the American Independence, Osprey Publishing.

Houve problemas em trabalhar juntos a princípio, como o general americano John Sullivan descobriu em Newport quando navios franceses se afastaram de um cerco para lidar com navios britânicos, antes de serem danificados e terem que recuar. Mas, no geral, as forças americanas e francesas cooperaram bem, embora muitas vezes fossem mantidas separadas. Os franceses e americanos certamente foram bastante eficazes quando comparados aos problemas incessantes experimentados no alto comando britânico. As forças francesas tentaram comprar tudo dos habitantes locais que eles não podiam enviar [da Europa], em vez de requisitá-lo [tomá-lo]. Eles gastaram um valor estimado em US$ 4 milhões em metais preciosos ao fazê-lo, sendo estimados ainda mais pelos americanos.

Batalha Naval de Chesapeake, óleo sobre tela de V. Zveg para o Comando de História e Tradição da Marinha dos Estados Unidos, 1962. A frota francesa sob o Almirante Conde de Grasse (à esquerda) enfrentou e derrotou a frota britânica sob o Almirante Barão Thomas Graves em 5 de setembro 1781, cercando totalmente o General Cornwallis em Yorktown.

Indiscutivelmente, a principal contribuição francesa para a guerra ocorreu durante a campanha de Yorktown. As forças francesas sob Rochambeau desembarcaram em Rhode Island em 1780, o qual fortificaram antes de se unir a Washington em 1781. Mais tarde naquele ano, o exército franco-americano marchou 700 milhas (1.126,5km) ao sul para cercar o exército britânico do General Charles Cornwallis em Yorktown, enquanto a marinha francesa cortou os britânicos de suprimentos, reforços e evacuação desesperadamente necessários para Nova York. Cornwallis foi forçado a se render a Washington e Rochambeau. Este provou ser o último grande engajamento da guerra, quando a Grã-Bretanha abriu discussões de paz logo depois, em vez de continuar uma guerra global.

A Ameaça Global da França

Os EUA não eram o único teatro de uma guerra que, com a entrada da França, se tornou global. A França ameaçou o transporte marítimo e o território britânico em todo o mundo, impedindo que seu rival se concentrasse totalmente no conflito nas Américas. Parte do ímpeto por trás da rendição da Grã-Bretanha após Yorktown foi a necessidade de impedir que o restante de seu império colonial fosse atacado por outros países europeus, como a França. Houve batalhas fora da América em 1782 e 1783, quando as negociações de paz ocorreram. Muitos na Grã-Bretanha achavam que a França era seu principal inimigo e deveria ser o foco; alguns chegaram a sugerir sair totalmente das colônias americanas para se concentrar no vizinho do Canal da Mancha.


A Paz

Apesar das tentativas britânicas de dividirem a França e o Congresso durante as negociações de paz, os aliados permaneceram firmes - auxiliados por mais um empréstimo francês - e a paz foi alcançada no Tratado de Paris em 1783 entre a Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos. A Grã-Bretanha teve que assinar novos tratados com outras potências européias envolvidas.

Consequências

A Grã-Bretanha abandonou a Guerra Revolucionária Americana, em vez de travar outra guerra global com a França. Isso pode parecer um triunfo para a França, mas, na verdade, foi um desastre. As pressões financeiras que a França enfrentou na época só foram agravadas pelo custo de ajudar os americanos. Esses problemas fiscais logo ficaram fora de controle e tiveram um grande papel no início da Revolução Francesa em 1789. O governo francês pensou que estava prejudicando a Grã-Bretanha ao atuar no Novo Mundo, mas apenas alguns anos depois, foi prejudicado pelos custos financeiros da guerra.

Fontes

Kennett, Lee. The French Forces in America, 1780–1783. Greenwood Press, 1977.

Mackesy, Piers. The War for America 1775–1783. Harvard University Press, 1964.

Bibliografia recomendada:

O Exército Francês na Guerra de Independência Americana, de René Chartrand, Osprey Publishing.

Tropas Americanas Legalistas 1775-84, René Chartrand, Osprey Publishing.

Os Homens que Perderam os Estados Unidos da América: Liderança britânica, a Revolução Americana e o destino do Império, Andrew Jackson O'Shaughnessy, Yale University Press.

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