sábado, 22 de maio de 2021

O “Júlio Verne militar”: Émile Driant alias Capitão Danrit


Do blog Theatrum Belli, 22 de fevereiro de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de maio de 2021.

Com o Centenário da Grande Guerra, as grandes figuras do conflito vão gradativamente sendo destacadas pelos historiadores e pela mídia. Uma figura desconhecida está sendo destacada, a do Tenente-Coronel Émile Driant, que morreu bravamente em combate em 22 de fevereiro de 1916, à frente dos 56º e 59º Batalhões de Chasseurs (Caçadores), no Bois des Caures, na eclosão da grande batalha de Verdun. De seus 1.200 caçadores, apenas cem sobreviveram ao ataque.

O que é ainda menos conhecido é que Émile Driant era genro do General Boulanger e um prolífico escritor de antecipação política e histórias de guerra sob o pseudônimo de capitão Danrit. Amigo de Paul Déroulède e Maurice Barrès, conhecido por sua franqueza, politicamente conservador, católico, anti-maçom (ele criou a Liga Anti-Maçom em 1904 após o escândalo do Caso das Cartas [Affaire des Fiches]) Driant foi impedido de avançar em sua carreira militar, apesar de um registro brilhante de serviço. Aos 50 anos, deixou o exército no final de 1905 para entrar na política e defender a instituição como parlamentar. Ele vai retomar o serviço em 1914 como tenente-coronel, mantendo seu mandato como deputado.

Entrevista com as Edições Gribeauval que decidiram reeditar grande parte da obra do Capitão Danrit.

Theatrum Belli: O Tenente-Coronel Driant é famoso por sua defesa heróica do Bois des Caures no primeiro dia da ofensiva de Verdun, mas poucos conhecem sua carreira de escritor. Como você descobriu sobre essas séries de antecipação militar que você se comprometeu a reeditar?

Edições Gribeauval: Foi Jean Mabire - do qual fui editor - quem me transmitiu o seu entusiasmo pela obra literária do Coronel Driant. Lembro-me que, na única biblioteca na entrada de sua casa no Quai Solidor em Saint-Servan - as outras salas continham muitas outras, já que ele tinha na época de sua morte cerca de 50.000 volumes - se encontra sua coleção de livros do "Capitão Danrit"... Ele desejava dedicar uma biografia a ele e contatou um dos filhos de Driant, que morava não muito longe de Saint-Malo e que mantinha os arquivos do coronel. Infelizmente, ele não os entregou, alegando escrever um livro ele mesmo... que nunca viu a luz do dia. Não sei se esta coleção de livros de Driant foi transmitida a Jean Mabire por seu pai, que pertencia à geração que comprou os fascículos dos folhetins de Driant na época de sua publicação ou se os havia encontrado durante suas longas peregrinações entre as livrarias da Cidade do Livro de Bécherel que ele vasculhou em busca da matéria-prima necessária para escrever os artigos de sua famosa coluna “Que lire?" ("O que ler?")...

TB: É surpreendente que Jean Mabire, um anglófilo ferrenho, pudesse se identificar com o incrível ódio à Inglaterra que animava Driant, um ex-oficial colonial que não havia digerido Fachoda...

EG: É preciso dizer que a política de Delcassé, ao realizar a Entente Cordiale, também possibilitou a Primeira Guerra Mundial e, portanto, a Segunda com a consequência da escravização das duas metades da Europa por uma superpotência extra-européia (ainda que a Rússia tenha sua capital na Europa). A aliança franco-alemã cara ao militante europeísta Jean Mabire só pôde ser alcançada no início do século XX às custas da Inglaterra... Essa foi a linha de Gabriel Hanotaux magnificamente defendida por Driant em seu folhetim A Guerra Fatal (La guerre fatale), que apresenta o confronto franco-inglês em um cenário de Anschluss na Europa Central e uma revolução nacionalista na Irlanda. Mabire era um anglófilo porque considerava a Inglaterra uma possessão normanda desde sua conquista por Guilherme - o bastardo conquistador, como ele chamou um pequeno volume que lhe dedicou - ele era, por outro lado, muito hostil ao liberalismo destrutivo de identidades e povos e, nisso, ele aderiu completamente às visões de Driant que, como todos os nacionalistas de sua geração, estava próximo das teses do catolicismo social. Ele não suportava o marxismo, já que escreveu (com Arnould Galopin) um folhetim sobre uma insurreição bolchevique (La Révolution de demain / A Revolução do Amanhã), mas estava extremamente preocupado com o bem-estar material das classes trabalhadoras... E os livros de Driant muitas vezes terminam com uma revisão política da Europa, indo além dos nacionalismos estreitos. A ideia de uma Europa política teve sua nobreza antes de ser ofuscada pela obsessão da União Européia com o livre comércio, e acredito que Jean Mabire se reconheceu nas projeções políticas de Driant.

TB: Por que você começou a reedição de "Captain Danrit" com A Invasão Negra?

EG: Os livros de Driant pertencem ao gênero - que ele pode ter inventado - de antecipação militar. Ele encena possíveis conflitos em curto prazo, ele escreve para alertar... Se no final de sua vida, pouco antes de se “realistar" no início da Grande Guerra, a única atividade civil - junto a de escritor - que encontrou à sua medida foi ocupar o cargo de parlamentar na Comissão de Guerra não é um acidente. Teve as qualidades de Ministro da Guerra, trabalhou com o sogro, o General Boulanger, quando ocupou o cargo. Isso foi o que travou, e até mesmo abalou, sua carreira - o tema de oficiais que não obtêm a promoção que merecem é um tema recorrente nos livros de Driant - tornando-o um político e não mais apenas um homem de guerra. Sua visão é sempre técnica e política. Técnico, porque aquele que chamamos de “Júlio Verne militar” traz em seus romances armas futurísticas, como o balão metálico na Invasão Negra (l’Invasion Noire) ou o submarino de dupla propulsão térmica e elétrica na Guerra Fatal (Guerre Fatale). Político, porque imagina as convulsões que se avizinham no mapa mundial.

O que é extraordinário sobre A Invasão Negra é que Driant sentiu, cento e vinte anos atrás, quando os europeus estavam dividindo a África como um bolo, que o Islã poderia cristalizar politicamente o ressentimento das populações colonizadas...

TB: Como Driant estrutura seu enredo para tornar um cenário muito improvável crível na época do folhetim?

EG: O desejo de vingança de um sultão turco deposto em favor de uma revolução palaciana e refugiado na África negra, a descoberta de minas de ouro (Driant não havia pensado em poços de petróleo: para ele, os automóveis cujo uso se tornaria generalizado seriam elétricos!) que lhe permitem financiar a compra de armas necessárias ao equipamento de populações ansiosas por vingarem-se dos europeus que os humilhavam, tudo sob a bandeira de Maomé... O enredo funciona perfeitamente e tem o mérito da originalidade em 1895 quando a maioria dos oficiais franceses tem os olhos fixos na linha azul dos Vosges... Obviamente, é uma história menos surpreendente hoje, com o surgimento do grupo Estado Islâmico e seus várias franquias locais que estão se espalhando pela metade norte da África, e o leitor não tem mais a impressão de folhear ficção científica. Dito isso, Driant tinha imaginação, mas não a ponto de supor que o exército muçulmano do qual ele pressentia a futura criação pudesse ser importado diretamente para o solo deles pelos europeus... Na lógica de sua época, ainda era necessário derrotar militarmente um país para conquistá-lo, e muito o teríamos surpreendido ao lhe dizer que, cem anos depois de sua morte, os grupos armados que fariam incursões assassinas no meio de Paris seriam compostos por cidadãos franceses!*

*Nota do Tradutor: Muçulmanos etnicamente norte-africanos de segunda ou terceira geração com cidadania francesa.


TB: Por que A Invasão Negra não foi reeditada por mais de um século?

EG: Para entender a bibliografia de Driant, você tem que saber que muitas vezes, quando você encontra um de seus folhetins em livrarias de segunda mão, este "livro" não apareceu como tal, mas foi feito pelo leitor que, após ter comprado pacientemente os fascículos durante meses e anos, juntou-os ele mesmo. É por isso que encontramos a Guerra Fatal apresentada em um grande volume ou em três menores, um para cada parte. Se coleções concebidas pela editora também existiram, é porque era uma forma de reciclar o restante dos fascículos, o que se chama de "bouillon" (caldo)... A publicação nas bancas d'A Invasão Negra data de 1895 e 1896. Depois disso, Driant escreveu outras sagas e cada folhetim perseguiu a anterior: as pessoas compravam as séries em curso e possivelmente títulos mais antigos em encadernação de editoras. Flammarion reeditou A Invasão Negra apenas uma vez, somente em 1913, e no formato de 12 polegadas (os fascículos originais estão no formato Jesus de 8 polegadas) e, além disso, o texto está truncado, desde as partes 3 e 4 (Em toda a Europa e Arredores de Paris) estão condensados ​​em um único volume chamado “Fim do Islã diante de Paris”… No Entre-Guerras (1918-1939), curiosamente, apesar da forte notoriedade adquirida por Driant após seu sacrifício no Bois des Caures, sua obra está desaparecendo das prateleiras... como se o culto ao herói que se criou em torno do sacrifício de seus caçadores em Verdun não acomodasse a competição duma glória literária póstuma.

TB: O que é mais surpreendente é que nenhuma reedição é feita durante a Ocupação, quando o trabalho do Capitão Danrit toca em todos os temas caros à Revolução Nacional...

EG: Exatamente: na Invasão Negra, por exemplo, para conter a ameaça islâmica, a França, o último bastião ocidental desde que a Europa Central não resistiu ao impulso dos jihadistas e a Inglaterra, cautelosa, espera em sua ilha o desfecho do confronto, livra-se de suas instituições democráticas para colocar seu destino nas mãos de um marechal - descendente da família de Joana d'Arc para garantir! Os ataques à Maçonaria e à imprensa também são recorrentes nos romances de Driant: não se deve esquecer que sua saída do exército no final de 1905 foi o resultado do Caso das Cartas... Talvez um dos motivos de sua falta de visibilidade nos catálogos das editoras seja a impropriedade política com os padrões atuais da obra literária de Driant. Mas, também pode ser, de forma mais simples, um bloqueio de direitos de publicação, como costuma acontecer no mercado editorial. Veremos quais iniciativas editoriais serão tomadas agora que, tendo caído no domínio público, seus livros podem ser publicados por qualquer pessoa (mas não de qualquer um, espero!).

TB: Exatamente, conte-nos sobre sua reedição d'A Invasão Negra e os títulos de Driant que você planeja publicar em breve.

EG: Eu queria fazer algo um pouco original, para combinar com esse folhetim totalmente incrível. Escolhi um formato administrável em relação aos padrões atuais: você não lê mais sentado à mesa: os livros muito volumosos devem, portanto, ser evitados, principalmente para a literatura de lazer, pois, mesmo profético e altamente documentado, um folhetim continua sendo um folhetim. Os volumes têm, portanto, quinze centímetros de largura por vinte e dois de altura. Ao manter um corpo claramente legível (o fiz em Garamond 12), encaixamos cada uma das quatro partes da história (com suas gravuras) em um volume de pouco menos de 400 páginas... Até agora, nada original... Mas quatro volumes, achei que merecia uma caixa. Eu tinha deixado de mandar fazer um recorte e ficar satisfeito com uma caixa de placa gráfica dobrada banal, quando tive a ideia de uma caixa de metal, uma caixa levemente blindada, enfim... Uma caixa capaz de resistir à violência da Invasão Negra... O protagonista não é Léon de Melval, pensando bem, mas sim o balão metálico que prefigura a aviação militar... Este balão, que parece uma espécie de pião, com os seus dois cones invertidos colocados um sobre o outro do outro, é blindado por placas de alumínio rebitadas entre si… Minha caixa obviamente tinha que ser assim! A caixa é, portanto, composta por seis peças de alumínio (idênticas aos pares) rebitadas entre si. Ficou mais ou menos, como se costuma dizer.

TB: Claro! Mas o uso do metal não se limitou à caixa, na sua reedição?

EG: Na verdade, achei divertido homenagear os livros de Júlio Verne, que foi a inspiração para a carreira de Driant como escritor (uma troca de correspondência entre os dois homens figura à testa d'A Invasão Negra) decorando as capas com motivos das famosas caixas de cartão Hetzel, misturados com as gravuras de Paul de Sémant que ilustram a série. Os livros têm capas moles, claro, não são caixas de papelão, mas usamos tinta metálica para tornar os padrões dourados realmente dourados... e não uma simulação de quatro cores. De qualquer forma, acho que o futuro da publicação impressa está em grande parte no livro-objeto bem elaborado, que é mais do que o suporte do texto. Além disso, decidi usar a mesma fórmula para o relançamento da Guerra Fatal, que deve ser lançado na primavera: os três volumes no total representam quase o mesmo número de páginas que os quatro volumes d'A Invasão Negra. Portanto, também os apresentarei em uma versão de caixa de alumínio rebitada desde a máquina-herói, desta vez, é o submarino da classe “implacável” que não tem nada a invejar ao balão d'A Invasão Negra em termos de proteção metálica rebitada! Ainda não decidi sobre a apresentação da trilogia da Invasion Jaune (Invasão Amarela) constituída pelos dois volumes desta, precedida pela Ordre du Tzar (Ordem do Czar), em que alguns dos seus personagens já estavam evoluindo... Talvez do bambu. Preciso encontrar uma ideia e um fornecedor local...


TB: É uma peculiaridade de suas produções: em um momento em que muitos editores realocam sua produção para a Europa Oriental quando ela não é na Ásia, você faz questão de produzir na Bretanha...

LB: Com certeza! O recorte a laser das partes das caixas de alumínio é feito em Lamballe, a montagem por rebites (mais de quarenta por caixa) em nossa oficina ultra-artesanal em Saint-Méen-le-Grand, assim como a impressão e modelagem de livros. Tudo sem pedir um centavo de subsídio à região da Bretanha, que no entanto financia quase todas as pequenas editoras localizadas no seu território... Os princípios são feitos para serem aplicados e não apenas declarados! Deixe-me ser claro: esta produção local e, portanto, cara é possível graças à venda direta: se eu tivesse que dar entre um terço e metade do preço de venda de uma série como A Invasão Negra para um livreiro, nada seria possível. A venda é, portanto, apenas efetuada (para quem não recebe as nossas circulares em papel pelo correio) na nossa loja online comptoirdesediteurs.com...


Principais romances do Capitão Danrit:
  • A Guerra do Amanhã (Flammarion, 1888-1893, 6 volumes, 3 partes: “A guerra da fortaleza”, “A guerra do campo aberto”, “A guerra do balão”);
  • A Guerra no Século XX; A Invasão Negra (Flammarion, 1894, 3 partes: "Mobilização africana", "A grande peregrinação a Meca", "Fim do Islã na frente de Paris");
  • Jean Tapin (série "História de uma família de soldados", I, Delagrave, 1898);
  • Os Afilhados de Napoleão (série "História de uma família de soldados", II, Delagrave, 1900);
  • Pequeno Marsouin (Série "História de uma família de soldados", III, Delagrave, 1901);
  • A Bandeira dos Caçadores a Pé (Matot, 1902);
  • A Guerra Fatal (Flammarion, 1902-1903, 3 volumes, 3 partes: "Em Bizerte", "No submarino", "Na Inglaterra");
  • Evasão do Imperador (Delagrave, 1904);
  • Ordem do Czar (Lafayette, 1905);
  • Rumo a uma Nova Sedan (Juven, 1906);
  • Guerra Marítima e Submarina (Flammarion, 1908, 14 volumes);
  • Robinsons do Ar (Flammarion, 1908);
  • Robinsons Submarinos (Flammarion, 1908);
  • O Aviador do Pacífico (Flammarion, 1909);
  • A Greve de Amanhã (Tallandier, 1909);
  • A Invasão Amarela (Flammarion, 1909, 3 volumes: "A mobilização sino-japonesa", "Ódio dos Amarelos", "Através da Europa");
  • A Revolução de Amanhã (com Arnould Galopin, Tallandier, 1909);
  • O Alerta (Flammarion, 1910);
  • Um Dirigível no Pólo Norte (Flammarion, 1910);
  • Acima do Continente Negro (Flammarion, 1912);
  • Robinsons subterrâneos (Flammarion, 1913, republicado com o título A Guerra Subterrânea).
Bibliografia recomendada:

Conquêtes 1: Islandia.

Leitura recomendada:





A Arte da Guerra em Duna, 17 de setembro de 2020.

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