Legionários em parada na praça d'armas do quartel de la Madeleine, do 9e RIMa, durante a visita da ministra da Defesa, 10 de dezembro de 2020. (Lara Priolet / ECPAD)
Parada noturna com legionários do 3e REI no quartel de la Madaleine na Caiena, a capital da Guiana Francesa, para a visita da ministra da Defesa, Florence Parly, 10 de dezembro de 2020.
O quartel pertence ao 9e RIMa, das tropas navais do exército. O 3e REI é baseado em Kouru e tem por missão a proteção ao programa espacial francês. As duas unidades participam de missões de segurança territorial e ao combate ao garimpo ilegal. As duas unidades possuem treinamento especial de selva e respondem às Forças Armadas Francesas na Guiana.
Bibliografia recomendada:
French Foreign Legion: Infantry and Cavalry since 1945.
Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 12 de dezembro de 2020.
O canal de análises militares Binkov's Battlegrounds, apresentado pela marionete Camarada Binkov, publicou ontem (11/12/2020) um vídeo de análise sobre uma hipotética invasão brasileira à Guiana Francesa, com a reação da França e com o possível desenrolar da guerra com os meios militares de cada um.
A análise segue o procedimento de jogos de guerra, com a distinção dos "players" (jogadores, os combatentes), os objetivos e os meios; estes são o número de tropas no local, número disponível de tropas a serem movidas para o teatro, meios de transporte e equipamentos. Os equipamentos variam em qualidade mas são adotados como em condições de operação. Armas nucleares francesas e aliados para ambos foram excluídos.
Resumidamente, ambos os lados teriam dificuldades em mover tropas para o teatro de operações (TO) e os combates seriam de pequenas unidades na selva, com intervenções de artilharia e aviação. O Brasil iniciou a invasão com um assalto paraquedista de forças especiais e paraquedistas tomando o aeroporto de Caiena, se beneficiando de superioridade local. Essa força inicial seria reforçada por fuzileiros navais e tropas do exército aerotransportadas para a região. A marinha francesa moveria uma força-tarefa anfíbia para o Caribe, onde possui ilhas, e tomaria as águas ao redor, sendo incomodada por sortidas de submarinos brasileiros.
Legionários da 2ª companhia do 3e REI com o míssil AAe Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 5 em Kourou, na Guiana Francesa, em 17 de novembro de 2016.
Os franceses lançariam paraquedistas na Guiana e estes seriam reforçados por desembarques anfíbios de fuzileiros apenas marginalmente mais equipados que os paraquedistas. Uma discussão interessante foi o uso de carros de combate na selva pelos dois lados, assim como artilharia auto-propulsada (o que Binkov nota, o Brasil estaria em vantagem). Uma coisa que Binkov não notou foi o uso de carros de combate sobre rodas, o que é comum nos dois exércitos.
A aviação francesa teria superioridade aérea no mar e sobre o TO, mas não conseguiriam manter um guarda-chuva anti-aéreo o tempo todo e as forças francesas seriam incomodadas por bombardeiros à hélice fazendo sortidas ocasionais. A marinha brasileira seria obliterada e a sua força aérea reduzida à metade, mas o território permaneceria nas mãos brasileiras.
O veredicto foi a França tomando todas as ilhas brasileiras no saliente nordestino mas perdendo a Guiana para o Brasil. Esse resultado é muito otimista e assume que os brasileiros não teriam problemas de suprimentos, mas é provável que os militares brasileiros teriam dificuldade em negociar suas próprias linhas internas, demorando para trazer reforços e suprimentos (comida, munição, peças de reposição, etc) para o campo de batalha. Já a França, trazendo material pelo mar com depósitos posicionados na Martinica teria um acesso mais fácil. Seria interessante que o Camarada Binkov fizesse um segundo vídeo tratando das considerações logísticas de ambos os combatentes.
Vídeo:
A França como adversária do Brasil
Essa idéia veio com a publicação do Livro Branco da Defesa de 2020 que apontou a França como a principal ameaça ao Brasil na região. Essa decisão ecoou no mundo todo, trazendo surpresa à França, que sempre viu o Brasil como aliado. O anúncio não foi tomado como uma agressão vinda do Brasil e não teve maiores repercussões exceto uma "guerra de memes" na internet.
A última vez que o Brasil teve problemas diplomáticos reais com a França foi na "Guerra da Lagosta", uma ocasião onde as duas marinhas se encararam e uma marinha brasileira quase incapaz de fazer a navegação de cabotagem do Rio de Janeiro para o nordeste conseguiu defender os interesses nacionais pelo blefe. A última vez onde forças brasileiras de fato chegaram "às vias de fato" com os franceses foi na intrusão francesa no Amapá, em 1895. Tropas francesas comandadas pelo Capitão Lunier invadiram território brasileiro, sendo repelidos pelo general honorário do exército brasileiro Francisco Xavier da Veiga Cabral. Após a defesa do Amapá, Veiga Cabral se tornou um dos maiores heróis da história do estado. Na época, uma frase foi dita que acabou marcando o sentimento do povo do Amapá em relação a Veiga Cabral:
“Se é grande o Cabral que nos descobriu, maior é o Cabral que nos defendeu!”
Um enfrentamento de maior relevância ocorreu na invasão da Guiana Francesa em 1809, no âmbito das Guerras Napoleônicas. Nessa ocasião, a Brigada Real da Marinha desembarcou nas praias da Caiena, capital da então colônia francesa, sendo seguida por regulares da colônia brasileira e tropas portuguesas e britânicas, ocupando a Guiana Francesa até 1817.
Desembarque em Caiena, 1809. Óleo sobre tela de Álvaro Martins. Essa operação é considerada o batismo de fogo dos Fuzileiros Navais do Brasil.
As forças luso-brasileiras na operação contaram 550 fuzileiros navais (fuzileiros-marinheiros da Brigada Real da Marinha) e 2.700 regulares do exército colonial, e parte da guarnição de marinheiros e fuzileiros navais britânicos do HMS Confiance, enfrentando a pequena guarnição francesa de 450 regulares e 800 milicianos.
Depois das Guerras Napoleônicas, o Brasil e a França têm uma história de estreita amizade, desde o reconhecimento do Brasil por Paris logo cedo até três missões militares de instrução francesas no Brasil (duas na Força Pública de São Paulo e uma no Exército Brasileiro). Aliados nas duas guerras mundiais, a França novamente mandou equipes de instrução durante o regime militar, até mesmo o Brasil recebendo o General de Gaulle durante o governo Castello Branco.
Os dois países também vêm de uma longa história de compras militares e exercícios conjuntos (especialmente entre as duas marinhas). Culturalmente, a França vê o Brasil como o país sul-americano mais interessante e trata com surpresa os turistas brasileiros na França. O Brasil, sempre muito ligado à cultura francesa, vê a França como um país de sofisticação e progresso.
Uma fonte de estudo interessante é o livro do General Aurélio de Lyra Tavares sobre as relações dos dois países até a década de 1970.
Bibliografia recomendada:
Brasil França: Ao longo de 5 séculos. General A. de Lyra Tavares.
Soldado canadense armado com o FAMAS F1 equipado de um adaptador de festim no centro de guerra na selva francês, o CEFE, na Guiana Francesa.
Por Ian Coutts, Canadian Army Today, 11 de novembro de 2019.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de julho de 2020.
Como um oficial de intercâmbio brasileiro está ajudando o Exército Canadense a desenvolver sua doutrina de guerra na selva e a treinar futuros especialistas.
Às vezes é realmente uma selva lá fora. E quando é, o Exército Canadense pode ter que responder.
Isso não é fácil. O ambiente da selva é hostil de maneiras particulares. O movimento por terra é difícil. É um mundo perigoso e insalubre, lar de grandes predadores, cobras e insetos venenosos e doenças de arrepiar os cabelos, como a leishmaniose, que pode deixar suas vítimas com lesões faciais desfigurantes. É um ambiente em que um corte aparentemente inconseqüente pode rapidamente se tornar purulento*. E isso tudo antes que as pessoas comecem a atirar em você.
*Nota do Tradutor: Infeccionado, contendo pus ou cheio de pus.
Soldado canadense do Royal 22e Régiment "Vandoos" (R22eR) em treinamento do CEFE, na Guiana Francesa.
Em outubro, um pelotão de soldados da Companhia B do 3º Batalhão, Royal 22e Regiment (3 R22eR), juntamente com alguns soldados de outras unidades da Base de Forças Canadenses (CFB) Valcartier, seguiram para o sul, para a Guiana Francesa. O destino deles era o Centre d´entraînement à la forêt équatoriale (CEFE), a escola de guerra na selva do Exército Francês lá dirigida sob a direção da Legião Estrangeira, onde participaram de um exercício chamado Ex Spartiate Equatoriale.
Acompanhando-os para o passeio de duas semanas, estavam o Sargento Jonathan Bujold, anteriormente membro do batalhão agora ligado ao pelotão de precursores localizado na CFB Trenton, e um oficial brasileiro, o Capitão Ronaldo de Souza Campos. Souza Campos, um instrutor do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), a escola de guerra na selva do Exército Brasileiro, localizada na cidade de Manaus, no extremo sul da Amazônia, está atualmente em uma postagem no Exército Canadense, trabalhando do Centro de Guerra Avançada do Exército Canadense (Canadian Army Advanced Warfare Centre, CAAWC) em Trenton.
O objetivo imediato do programa era proporcionar aos soldados no curso experiência em primeira-mão operando em um ambiente de selva - o que não é algo disponível em Valcartier ou mesmo em qualquer lugar no Canadá.
O objetivo maior - e por que Bujold e Souza Campos foram junto - era desenvolver habilidades e conhecimentos para fornecer capacidade futura. Por meio de cursos como esse e com base na experiência de especialistas como Souza Campos e outros, o Exército Canadense quer criar um conjunto de especialistas e uma doutrina escrita para guiá-los, de modo que, se algum dia for comprometido a servir na selva, os soldados estarão prontos.
Treinamento Especializado
Por mais improvável que possa parecer a necessidade do Exército Canadense de habilidades na guerra na selva, ela tem suas origens na experiência em primeira-mão. Em 1999, um contingente de 250 soldados do 3 R22eR foi enviado ao Timor Leste por seis meses como parte de uma força internacional de manutenção da paz. O subtenente Philippe Paquin-Bénard, um membro atual do batalhão e um de seus especialistas residentes em guerra na selva, descreveu sua experiência: "Quase 45% encontraram grandes problemas relacionados ao conhecimento limitado e equipamentos inadequados para esse tipo de ambiente severo e complexo".
Soldado canadense do Royal Montreal Regiment no CEFE, Guiana Francesa.
O Exército Canadense já enviara instrutores para a escola francesa em 1994, mas, disse Paquin-Bénard, "a expertise praticamente desapareceu". No passado, o Exército Canadense também criou seus próprios manuais para a guerra na selva, mas eles não foram revisados desde pelo menos o início dos anos 80.
Consequentemente, o 3 R22eR foi utilizado para desenvolver conhecimentos em guerra na selva, um processo que vem avançando com passos de bebê há mais de uma década. Uma troca de 2008 do pelotão de reconhecimento do batalhão com os Royal Gurkha Rifles, em Brunei, demonstrou que, apesar de seu alto nível geral de condicionamento físico e conhecimento militar, era necessário trabalhar em habilidades específicas necessárias à guerra na selva antes que os voluntários a candidatos aparecessem.
Isso significou o envio de indivíduos para cursos especializados, como o curso internacional Jaguar de 10 semanas no CEFE (que Paquin-Bénard participou com um colega em 2014), o Curso de Instrutor de Guerra na Selva do Exército Britânico em Bornéu (do qual Bujold é um graduado), ou cursos similares na escola brasileira de Manaus. Os soldados do 3 R22eR também visitaram a Escola de Guerra na Selva do Exército Francês na Martinica em 2014 e 2016. A idéia era criar um grupo nuclear de instrutores que pudessem preparar o resto para o que enfrentariam na selva.
Em 2013, os exércitos brasileiro e canadense concluíram um acordo em que um oficial de intercâmbio brasileiro foi enviado ao norte para o CAAWC em um destacamento de dois anos para ajudar a desenvolver a doutrina de guerra na selva. Souza Campos, o atual oficial de intercâmbio, é um veterano de 16 anos do Exército Brasileiro que atuou anteriormente como instrutor no CIGS. (Bujold é seu segundo-em-comando especialista no assunto.)
Além de treinar militares e policiais brasileiros, o CIGS atrai regularmente estudantes de todo o mundo que fazem um curso especial de sete semanas, ministrado em inglês. Desde 2016, um grupo do tamanho de uma seção do 3 R22eR viaja para Manaus todos os anos para participar de uma competição de guerra na selva no centro. (Os exércitos canadense e brasileiro renovaram recentemente esse contrato por mais quatro anos.)
Definindo Novos Padrões
Homens do 3º Batalhão do Royal 22e Régiment "Vandoos" (3 R22eR) na Guiana Francesa.
Muita coisa mudou desde que o 3º batalhão iniciou seu intercâmbio com os gurcas em 2008. Antes de partir para a Guiana Francesa, todos os soldados que participavam do curso passavam por um processo de seleção de dois dias para garantir que possuíam as habilidades físicas necessárias, principalmente natação, para garantir que eles pudessem fazer o curso, disse Paquin-Bérnard. Seguiram-se algumas semanas de treinamento para prepará-los para o ambiente de selva, incluindo instruções sobre a flora e a fauna que provavelmente encontrariam.
Além disso, "uma ênfase significativa foi colocada em... higiene e atendimento médico individual", disse ele. O batalhão agora possui esse tipo de conhecimento internamente.
Para Souza Campos e Bujold, a viagem foi uma oportunidade para ver se os padrões que eles e os antecessores de Souza Campos estão desenvolvendo para a doutrina de guerra na selva do Exército Canadense estão sendo cumpridos no treinamento e se esses padrões podem, de fato, precisar serem modificados em face das condições de campanha.
Alunos do CEFE na pista de obstáculos.
A curto prazo, o objetivo será criar um manual conciso ou livreto que possa ser entregue aos soldados que estejam em um curso de guerra na selva. A longo prazo, o objetivo é criar um conjunto de padrões, conhecido como Quality Standard Training Plan (Plano de Treinamento de Padrão de Qualidade), ou QSTP, que descreverá quais padrões qualquer soldado deve atender para ter uma qualificação completa na selva.
Além disso, disse Bujold, existe um sonho ainda mais ambicioso: atualmente, o Exército Francês não permite que canadenses qualificados instruam em sua escola. "O que estamos tentando fazer a longo prazo é encontrar outro lugar no mundo, talvez com o Reino Unido ou o Brasil, onde nossos instrutores serão capazes de ensinar".
Nossa própria localização, nossa própria doutrina e nossos próprios instrutores treinados. Nas palavras do Guns 'n' Roses, "Bem-vindo à selva".
Por Laurent Lagneau, Zone Militaire OPEX360, 3 de abril de 2020.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de abril de 2020.
Dado que o valor de apenas 30 gramas de ouro representa 3 vezes o salário mínimo no Brasil, entendemos o interesse de garimpeiros brasileiros e surinameses em explorar veias desse metal precioso na Guiana. E as ações empreendidas para conter esse fenômeno [falhando em eliminá-lo] estão fadadas a serem constantemente reproduzidas, especialmente se, pela força das circunstâncias, a vigilância vier a relaxar.
Assim, após uma maior coordenação das administrações envolvidas e um envolvimento muito forte das Forças Armadas na Guiana [Forces armées en Guyane, FAG], o garimpo ilegal de ouro declinou em 2018. Somente no ano seguinte, e apesar dos esforços envidados no âmbito da Operação Harpie, subiu novamente [+10%], com 145 locais ilegais identificados em setembro de 2019, incluindo dois terços em Haut-Maroni, 33 no território Camopi e 5 no município de Saül, que passaram depois para "relativamente moderado".
É precisamente neste setor que as FAG e a Gendarmaria Nacional realizaram uma operação de "golpe de mão" contra os garimpeiros ilegais. Este último foi discutido na mais recente "atualização" do Estado-Maior das Forças Armadas [État-major des armées, EMA] para o período de 27 de março a 2 de abril. Mas, a priori, foi realizado no final de fevereiro/ início de março... O que não é mais "novidade". Mas seu registro é bastante eloqüente.
Por exemplo, um helicóptero Puma do esquadrão de transporte [escadron de transport, ET] 68 "Antilhas-Guiana" da Força Aérea desdobrou um "Destacamento Autônomo de Floresta" [Détachement autonome en forêt, DAF] armado por legionários do 3º Regimento Estrangeiro de Infantaria [3e Régiment Étranger d’Infanterie, 3e REI], bem como por gendarmes da Caiena. Os soldados foram enviados "por corda lisa" da aeronave, sob a proteção de apoio de fogo de um EC-145 da Gendarmeria.
Esse procedimento surpreendeu os garimpeiros. "No local, cerca de sessenta pessoas trabalhavam com catorze motores e moto-bombas conectados por aproximadamente 1000 metros de tubo", indica o EMA. A mesma fonte especifica que a "destruição completa" do local foi assegurada pelos gendarmes, enquanto o DAF iniciou uma "busca aprofundada" do setor.
“A perseverança e um profundo conhecimento do terreno por parte dos legionários tornaram possível a alcançar certos locais. Foi nessa fase que o principal cais localizado no Mana pôde ser localizado", diz o EMA, que não diz se foram feitas prisões entre os garimpeiros clandestinos.
Por outro lado, essa operação permitiu apreender um triturador, 7 telefones [incluindo 3 via satélite e 4 GSM], 250 gramas de ouro, "alguns cristais" de um produto entorpecente, mercúrio e munição. A esta lista devem ser adicionados 16 motores com seus corpos de bomba, 10 mesas elevatórias, 2 geradores, 1.100 metros de mangueira, 220 litros de combustível, 30 litros de óleo, 1.370m² de lona, 128kg de alimentos e, especialmente 540kg de ferramentas. Finalmente, 14 carbetos foram destruídos.
"O equipamento necessário para o garimpo ilegal de ouro foi transportado sob o helicóptero Puma para uma área onde poderia ter sido destruído. Uma operação de golpe de mão que freia o garimpo ilegal de ouro na região norte de Saul", afirmou o 3e REI, por seu lado, por meio de redes sociais.
Soldado do Royal Montreal Regiment em instrução de selva com o 3e REI da Legião Estrangeira Francesa no Centre d'entraînement en forêt équatoriale (CEFE).
Por Laurent Lagneau, Zone Militaire OPEX360, 8 de fevereiro de 2020.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 9 de fevereiro de 2020.
Em agosto passado, por ocasião da cúpula do G7, e quando 13,1 milhões de hectares de floresta haviam acabado de ser incendiados na Sibéria e a vegetação ardia na África Central, o Presidente Macron fortemente atacou seu homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, por sua política que levou a um aumento significativo de incêndios na Amazônia, erroneamente descrito como o "pulmão do planeta". Melhor ainda: ele também mencionou conferir "status internacional" à região amazônica, o que causou protestos em Brasília. E, obviamente, esse episódio deixou vestígios, a julgar pelo relato confidencial do Estado-Maior brasileiro "vazado" na imprensa.
De fato, em 7 de fevereiro, o jornal Folha de S. Paulo publicou trechos deste relatório, intitulado "Cenários de defesa 2040", elaborados com base em previsões de 500 oficiais que incorporavam a "elite militar" do país, tendo participado em 11 reuniões durante o segundo semestre de 2019. O relatório visa contribuir para a revisão da “estratégia nacional de defesa” atualmente em andamento.
"O texto de 45 páginas contém considerações geopolíticas realistas e suposições um tanto ilusórias", comenta o jornal brasileiro. Em que categoria isso faz da França a principal - senão a única - ameaça militar ao Brasil? Porque essa hipótese é muito seriamente considerada em um dos quatro principais cenários mencionados neste documento. Assim, este último imagina que Paris poderia "formalizar em 2035 um pedido de intervenção das Nações Unidas" nos territórios da tribo Yanomami", localizada na fronteira com a Venezuela, a fim de apoiar "sem restrição um movimento pela emancipação desse povo indígena." E para acrescentar: "dois anos depois, a França mobilizou suas forças armadas posicionando-as na Guiana", um departamento ultramarino* que compartilha uma fronteira de 730km com o Brasil.
*Nota do Tradutor: Départements d'outre-mer et territoires d'outre-mer (DOM-TOM) são as possessões francesas fora da metrópole (o hexágono europeu). Os DOM-TOM dão à França 11 milhões de km² de águas territoriais, sendo a segunda maior zona econômica exclusiva do mundo.
As relações franco-brasileiras experimentaram algumas tensões no passado. Como em 1961, com o conflito da "lagosta". Na época, o Brasil autorizou os pescadores de lagosta francesa a pescarem em suas águas territoriais.
O escorteurs d’escadre Tartu fotografado pela FAB.
Mas, após uma disputa comercial entre uma empresa americana [ou uma empresa britânica, de acordo com certas fontes] com pescadores franceses, Brasília mudou radicalmente de atitude e a marinha brasileira prendeu cinco barcos de lagosta franceses além dos limites do mar territorial do Brasil. Daí a reação da França, que enviou o escorteurs d’escadre Tartu no local, enquanto um grupo de ataque de porta-aviões formado ao redor do porta-aviões Clemenceau tomou posição na África Ocidental, apenas dias de navegação do litoral brasileiro.
Cruzador C-11 Barroso durante a chamada "Guerra da Lagosta".
A marinha e a força aérea brasileiras foram então colocadas em alerta máximo e se prontificaram para um confronto, enquanto alguns jornais brasileiros sopraram as brasas, transmitindo o que agora é chamado de "infox"*. Finalmente, o assunto foi resolvido por meio de canais diplomáticos... E o general de Gaulle foi até convidado ao Brasil, onde recebeu calorosamente as boas-vindas em outubro de 1964.
*Nota do Tradutor: Neologismo francês para reportagens de informação falsa, deliberadamente projetadas para enganar e serem disseminadas nos meios de comunicação de massa. Tanto para vender jornais quanto para gerar determinados comportamentos de uso político. O atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, designou tais reportagens como "Fake News". Foram os jornalistas brasileiros que cunharam o chavão "Guerra da Lagosta".
Mais recentemente, outro caso poderia ter prejudicado as relações franco-brasileiras, após a explosão, no centro de lançamento de Alcântara, de um lançador VLS-1 V03 que deveria colocar em órbita, em agosto de 2003, dois satélites em nome da Agência Espacial Brasileira.
De fato, o jornal a Folha de S. Paulo [novamente ele!] publicou notas do serviço de inteligência brasileiro [ABIN], segundo as quais a Direção Geral de Segurança Externa [DGSE] era suspeita de ter estado na origem do explosão do VLS-1 V03, que matou 21 pessoas. A França, explicou-se, tinha um motivo: o local de Alcântara poderia sombrear o centro espacial da Guiana em Kourou. Finalmente, a investigação mostrou que o acidente foi causado por "acumulações perigosas de gases voláteis, deterioração dos sensores e interferência eletromagnética."
Legionários da 2ª companhia do 3e REI com o míssil AAe Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 5 em Kourou, na Guiana Francesa, em 17 de novembro de 2016.
Seja como for, e depois de vender o porta-aviões Foch e os Mirage 2000C, a França e o Brasil ficaram vinculados a um acordo de parceria estratégica [assinado em 2006], o qual resultou, em nível militar, na entrega de 50 helicópteros de manobra Caracal e pela construção de cinco submarinos do tipo Scorpène. Além disso, Paris concordou com transferências significativas de tecnologia para permitir à marinha brasileira adquirir um submarino de ataque nuclear [programa PROSUB].
Além disso, foi o que a Embaixada da França no Brasil recordou. "O fato é que o Brasil é nosso principal parceiro estratégico na América Latina e que a França mantém relações de cooperação diárias, próximas e amigáveis com as forças armadas brasileiras há décadas", comentou ela no Twitter.
"Se a França é de fato a maior ameaça futura à sua segurança nacional, o Brasil deve revisar o projeto para construir submarinos movidos a energia nuclear. Caso contrário, o estudo serve apenas como exercício de ficção psicodélica ", disse Hussein Kalout, secretário de assuntos estratégicos do governo do ex-presidente Michel Temer, o antecessor de Jair Bolsonaro.
Quanto aos outros cenários, o relatório menciona notadamente as tensões com a Bolívia [com uma possível intervenção militar do Brasil em Santa Cruz de la Sierra para proteger os agricultores brasileiros lá] e a Venezuela. Para este último, a Folha de S. Paulo escreve que “em uma simulação realista, este país aproveita os mísseis balísticos que recebeu da Rússia e da China e invade a vizinha República da Guiana, que acabaria forçando Brasília a considerar uma operação militar. No entanto, no passado, Caracas já ameaçou seu vizinho por suas reservas de petróleo, afirmando suas reivindicações sobre o território de Essequibo.
Por fim, o documento também se preocupa com a crescente influência da China na América Latina, em meio à crescente rivalidade com os Estados Unidos, com o qual Jair Bolsonaro alinhou sua política externa.
Bibliografia recomendada:
Brasil França: Ao Longo de 5 Séculos. General A. de Lyra Tavares.
Desembarque em Caiena. Óleo sobre tela de Álvaro Martins.
O desembarque em Caiena, capital da Guiana Francesa, em 1809 durante as Guerras Napoleônicas, marca o batismo de fogo dos Fuzileiros Navais do Brasil.
As forças luso-brasileiras na operação contaram 550 fuzileiros navais (fuzileiros-marinheiros da Brigada Real da Marinha) e 2.700 regulares do exército colonial, e parte da guarnição de marinheiros e fuzileiros navais britânicos do HMS Confiance, enfrentando a pequena guarnição francesa de 450 regulares e 800 milicianos.
A força de desembarque foi apoiada por uma poderosa frota portuguesa composta pelos 2 brigues Voador e Infante Dom Pedro, a escuna General Magalhães, as 2 chalupas Vingança e Leão. Do lado francês, a poderosa fragata Topaze com 40 canhões, que era maior e mais poderoso que todos os navios portugueses e o único navio britânico (o HMS Confiance tinha apenas 20 canhões), com o adendo que o grande brigue Infante Dom Pedro havia retornado ao Brasil. Felizmente, o Topaze apenas chegou ao teatro de operações em 13 de janeiro de 1809.
A campanha foi de ações de assalto anfíbio contra fortificações costeiras e ribeirinhas, tomando baterias francesas. O Governador da Guiana, Victor Hughes, foi obrigado a capitular mediante o bloqueio das comunicações da capital, e assinou a rendição em Bourda no dia 12 de janeiro de 1809. Dois dias depois, as tropas portuguesas capturaram a capital Caiena. A colônia francesa foi ocupada pela Coroa Portuguesa até 1817.
Em comemoração à conquista, Dom João VI mandou cunhar uma medalha de prata, em cujo anverso estava a sua figura coroada de louros e, no reverso, a data de 14 de janeiro de 1809, com a inscrição "Caiena tomada aos franceses".
Essa operação é considerada o batismo de fogo dos Fuzileiros Navais do Brasil.
Legionários da 2ª companhia do 3e REI (3º Regimento Estrangeiro de Infantaria) com o míssil AAe Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 5 em Kourou, na Guiana Francesa, em 17 de novembro de 2016.