terça-feira, 27 de outubro de 2020

Entre Tradição e Evolução: Caçadores Alpinos usando mulas no combate de montanha no século XXI


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 4 de setembro de 2020.

Em retorno aos valores tradicionais e ao estilo rústico para ganhar em liberdade de ação. Libertando-se da restrição do terreno íngreme e sem usar meios pesados, tais como caminhões ou helicópteros, os caçadores do 7e BCA (7e bataillon de chasseurs alpins, 7º Batalhão de Caçadores Alpinos) se mantêm nas alturas com mulas de carga, em 4 de setembro de 2020.

Em 1975, as mulas desapareceram definitivamente dos efetivos do exército francês. Esses animais, famosos por sua robustez, prestaram serviços inestimáveis às tropas francesas por mais de um século. Eles participaram nas campanhas de colonização, nas duas guerras mundiais e depois na descolonização e conheceram seu último uso operacional durante a Guerra da Argélia. 

Em terrenos difíceis, forneciam parte importante do transporte logístico, permitiam a evacuação de inúmeros feridos e serviam de montaria para a infantaria. As unidades com esses animais deram a eles um lugar de destaque em suas insígnias tradicionais ou por meio de seu lema, ou por meio do humor que sempre esteve presente.


Insígnias: parte do imaginário coletivo

Quando as tropas alpinas foram criadas na Europa entre 1870 e 1890, a mula foi naturalmente necessária para armar o trem regimental dos recém-formados batalhões de caçadores alpinos. Os caçadores tiveram a oportunidade de se familiarizar com o animal durante a conquista do Norte da África. Cada companhia, portanto, tinha uma dotação de 7 mulas. Surpreendentemente, no entanto, o animal deixou algumas marcas nas insígnias dos caçadores alpinos. De fato, o 86º Batalhão é o único a usar a mula como figura simbólica de sua insígnia, que existe em duas versões: esmaltada e não-esmaltada. Observe que a mula está aqui equipada com seu pacote de carga.


No âmbito do desenvolvimento das tropas de montanha, as peças de artilharia são especialmente desenvolvidas e concebidas para serem transportadas no dorso de mulas em cargas diversas ou, para as mais pesadas, rebocadas por mulas. O canhão 65 é frequentemente apresentado com o tubo na posição de transporte nas costas de uma mula. As unidades de artilharia de montanha ou do Exército da África dotados dum grupo de montanha são mais "gratos" ao animal por dar-lhes uma parte importante no seu simbolismo regimental.

Essas insígnias de artilharia também costumam ser muito bem-sucedidas tanto visualmente quanto do ponto de vista de realização, por exemplo aquelas dos 56º, 93º, II/96º, 385º regimentos de artilharia e do 2º Grupo do Regimento de Artilharia Colonial do Levante que combinava a mula, o canhão e uma paisagem montanhosa. Hoje, a 3ª Bateria do 93º Regimento de Artilharia perpetua hoje a memória das mulas através da sua insígnia fortemente inspirada na antiga insígnia regimental.


Já na Primeira Guerra Mundial, o trem montou companhias independentes de mulas responsáveis pelo abastecimento nos Vosges e na Frente Oriental. O trem também trará pequenos burros do Norte da África para a França continental, para que possam se mover pelas trincheiras a salvo de tiros. Encontramos a insígnia de uma dessas companhias de carregadores de burros através de um artigo do boletim dos exércitos da República. 

As companhias de mulas criadas posteriormente, por sua vez, adquirem emblemas que, dada a sua especialidade, utilizam a mula no trabalho equipada com a sua mochila. Estas companhias também optam por divisas alinhadas com a sua ocupação central, tais como: "bien faire laisser braire" ("deixe que zurrem"), "o 157º passa por tudo", "menos que um cavalo, mais que um burro", ou ainda usando o lema de Nicolas Fouquet "Quo non ascendam".

142e Compagnie de Muletières Alpines, "Quo non ascendam". 

Algumas unidades do serviço de saúde destinadas a divisões alpinas ou companhias de mulas de coleta sanitária também foram abastecidas com esses animais. Estes são então usados para o transporte de equipamentos sanitários ou para a evacuação de feridos usando macas dobráveis ou cacolets (assentos de metal) fixados à estrutura da cangalha do animal. 

Com fama de difícil por natureza (leva vários meses para educar uma mula contra algumas semanas para um cavalo), o simbolismo militar não deixou de sublinhar essa característica da mula e as expressões da língua francesa que dela decorrem. Assim, o emblema do Grupo Sanitário Divisionário 86 (1940) ou da 30ª Divisão de Infantaria (1956) ilustra o coice da mula. Enquanto a 15ª Companhia de Mulas obviamente escolheu ilustrar a expressão "tourner en bourrique" ("sair correndo por aí como um burrico") com a insígnia mostrando o muleteiro envergonhado e a sua mula dando risada.


O grupo veterinário 541 de Tarbes será a última unidade não só a ser equipada com mulas operacionais, mas também a tê-las figurando em sua insígnia. Esta lembra as campanhas de libertação e o sofrimento compartilhado dos homens e seus fiéis animais de carga. No entanto, até 2014, o exército francês contava apenas com uma única mula em suas fileiras. Na verdade, "Bistouille", uma mula aposentada das tropas de montanha alemãs, era o mascote do 110º Regimento de Infantaria - agora dissolvido.

Uso operacional: do deserto à montanha

Atiradores argelinos (tirailleurs algériens) do Corpo Expedicionário Francês conduzindo duas mulas no terreno montanhoso da Itália, em 1944.

As primeiras unidades montadas em mulas do exército francês foram provavelmente os dois batalhões de infantaria de tirailleurs algériens do Coronel Yusuf em julho de 1843, quando a smala (bando armado vivendo em tendas) do famoso rebelde muçulmano Abd El-Kader foi capturada, encerrando a primeira fase de resistência anti-colonial indígena contra os franceses no que se tornaria a Argélia. Mas isso não teve consequências e as unidades foram vistas apenas como uma improvisação temporária, sendo dissolvidas.

Durante a fase final da Intervenção no México, o Regimento Estrangeiro organizou-se em uma força de armas combinadas para apoiar a retirada progressiva em direção ao porto de Veracruz. Uma companhia montada de infantaria com mulas foi formada no início de 1866 e serviu como unidade móvel contra-guerrilha até ser dissolvida quando da evacuação final em 27 de fevereiro de 1867.

La Montée

A utilização moderna e consistente de mulas pelos franceses se inicia quando o Coronel Oscar de Négrier assume o comando da Legião Estrangeira em julho 1881. Este duro e energético oficial comandou por apenas dois anos mas revigorou a Legião de diversas formas, sendo responsável por muito do mito e tradições que permanecem até hoje. Em outubro e novembro de 1881, de Négrier liderou os 1º e 2º batalhões estrangeiros contra os Ahmours - uma tribo marroquina que cruzou a fronteira na Argélia - e os Ouled Selim. Combates violentos foram travados nas montanhas de Beni-Smir e Mir-Djébel. Em dezembro outra coluna foi formada com zuavos, tirailleurs e os 3º e 4º batalhões da Legião. Esta coluna incorporou pela primeira vez um novo tipo de unidade que não apenas tornar-se-ia intimamente ligada com a identidade da Legião, mas que também daria maior poder de fogo e mobilidade às expedições francesas na África. Em cada um dos três regimentos da coluna foi colocada uma companhia suprida de mulas, chamada de "compagnie montée" (companhia montada).

O General de Négrier, pioneiro do uso moderno de mulas no campo militar.

De Négrier revisara a ordem de marcha das suas tropas visando a problemática de forçar os ágeis cavaleiros árabes a combaterem os franceses. O sistema de guerra árabe na região consistia em incursões rápidas contra alvos isolados ou frágeis, como postos de fronteira ou tribos aliadas aos franceses, causar destruição, saquear os espólios e retroceder antes que o adversário pudesse reagir. A infantaria e artilharia francesas eram modernas e possuíam poder de fogo considerável, mas eram muito lentas para alcançar os cavaleiros levemente equipados. A cavalaria francesa colonial era rápida o suficiente mas carecia da resistência e poder de fogo para lutar isolada do apoio dos fuzis emassados da infantaria. As companhias montadas forneciam uma força de ação rápida capaz de navegar longas distâncias com material pesado o suficiente para fazer frente aos guerrilheiros árabes e fixá-los no lugar até a chegada da infantaria. Já em 14 de dezembro de 1881, 50 legionários montados em mulas cobriram quase 160km em 48 horas e atacando de surpresa o campo do chefe rebelde Si Sliman, um dos principais aliados do líder Abu Amama, capturaram todo o seu rebanho.

Apesar da vitória, foi uma péssima ideia dar a cada homem uma mula. Durante uma ação de retaguarda contra cavaleiros árabes, uma unidade de legionários tentou enfrentá-los montados em suas mulas como se fossem cavalos - foi um desastre. Os 50 homens foram mortos e mutilados pelos incursores árabes. Isto levou de Négrier a seguir o exemplo do Major Marmet, comandante do 2e RTA (2e Régiment de Tirailleurs Algériens), e reduziu o número de mulas pela metade, com os soldados se alternando na sela à cada hora. Isso martelava incessantemente na cabeça dos soldados que eles eram infantaria e deveriam lutar como tal. Além disso, uma vantagem acidental foi que apenas 1 homem em 8 era imobilizado como segurador de mula durante o combate.

Binômio da companhia montada. Os dois soldados iam trocando de lugar a cada uma hora. (Museu da Legião Estrangeira)

As tropas coloniais usavam mulas, cavalos e camelos de forma complementar, mas as companhias montadas acabaram se tornando companhias de elite, sendo a unidade de intervenção por excelência. A mula viaja a uma velocidade próxima àquela de um homem, ou seja, a uma velocidade média entre 5-6km/h. A mula também é forte o bastante para carregar a bagagem de dois homens e bem adequada para a “terra de sede” do bléd saariano. Além disso, a mula se alimenta de 3kg de cevada por dia, contra os 5kg necessários para o cavalo. O camelo também é muito forte e adequado para regiões quentes e arenosas, mas em comparação com a mula, não é utilizável nas cordilheiros dos djébels norte-africanos. A companhia montada geralmente podia marchar de 10 a 15 horas por dia, cobrindo 40-50km. Em caso de emergência, os homens com suas mulas podiam manter uma marcha diária de 70 a 80km por vários dias.

Em 1884, as companhias montadas tornaram-se uma especialidade da Legião, com as companhias de zuavos e tirailleurs sendo dissolvidas. As companhias montadas eram buscadas por legionários mais audazes, em busca de aventura e glória, da mesma forma que soldados modernos se voluntariam para unidades paraquedistas. O ritmo de operações nas muitas "La Montée" era tão intenso que os homens só podiam servir até 2 anos em uma companhia montada, tamanho o peso sobre a sua saúde.

Companhia montada em marcha e em combate. Os seguradores de mulas eram escolhidos entre os mais veteranos, se encarregando de 4 bestas cada um. Segurar mulas agitadas com o movimento, barulho e apreensão de perigo era uma tarefa que exigia auto-controle e força física.

De Négrier chamava sua infantaria muleteira de "groupe légère" (grupo ligeiro) embora fosse o dobro do tamanho de um grupo. A definição do exército francês no período para as subunidades de infantaria era:
  • Compagnie (companhia), cerca de 200 homens liderados por um capitão e dois subalternos.
  • Peloton (meia-companhia), cerca de 100 homens comandados por um subalterno.
  • Section (pelotão), cerca de 50 homens comandados por um ajudante.
  • Groupe (grupo), cerca de 25 comandados por um sargento.
  • Demi-groupe (meio-grupo), cerca de 12 homens comandados por um cabo.
Os legionários eram escolhidos entre os voluntários mais robustos, com a força sendo aumentada para 215 homens, 120 mulas e 3 cavalos. Os oficiais iam a cavalo; os ajudantes (subtenentes) tinham uma mula individual enquanto o resto da companhia dobrava ao comando de "Changez, montez!". O mais veterano do binômio era responsável pelo cuidado com a mula.

Até hoje, o 2e REI (2e Régiment Étranger d'Infanterie/ 2º Regimento Estrangeiro de Infantaria) tem uma ferradura no seu distintivo em homenagem às companhias montadas.

Enquanto isso, na metrópole...

Antigo cartão postal mostrando dois Chasseurs Alpins, "Équipage Muletier".

Na Europa, os italianos decidiram criar unidades alpinas em 1872 para o controle de fronteiras com a França e a Áustria-Hungria. Em 1888, os Alpini italianos equiparam cada companhia com 8 mulas, fuzis modernos de repetição Vetterli-Vitali mod. 70/87 e canhões leves de artilharia de montanha. Temendo uma invasão italiana pelos Alpes, os franceses criaram 12 batalhões de chasseurs alpins (caçadores alpinos) e 12 baterias alpinas formando setores de defesa ao longo da fronteira italiana, pela lei de 24 de dezembro de 1888. Os artilheiros operavam os canhões de Bange 80mm modèle 1877.

Em 1º de abril de 1910, as baterias alpinas de Grenoble e Nice formaram respectivamente os 1º e 2º regimentos de artilharia de montanha (Régiment d'Artillerie de Montange, RAM), equipados com os canhões de 65mm Schneider modèle 1906 de dorso. Este canhão de tiro rápido era transportável em quatro fardos, pesando 400kg e com alcance de 5.000m. Os artilheiros de montanhas serviram-se do Schneider 1906 por 40 anos, equipando vários RAM que lutaram nas Primeira Guerra Mundial nos Vosgues, Champanha, Verdun, na Itália (inclusive em função anti-aérea); mas seu valor foi realmente comprovado na frente oriental de Salônica.

Canhão Scheinder-Ducrest 65mm modèle 1906 em bateria.

O Armée d'Orient francês usou o Mle 1906 contra as forças das Potências Centrais nas montanhas da Macedônia, com 72 canhões Mle 1906 durante o rompimento aliado da cabeça-de-ponte de Salônica em 15-29 de setembro de 1918. O sucesso inicial desta ofensiva aliada levou a Bulgária a capitular em 9 de outubro de 1918, mais tarde em outubro de 1918 a Sérvia foi libertada e, finalmente, a Áustria-Hungria capitulou em novembro de 1918, quando confrontada simultaneamente com a invasão das forças italianas vindas do Isonzo.

Isto não terminou a carreira do Schneider 65mm, canhão símbolo das tropas de montanha na Grande Guerra, tendo sido usado ainda nas colônias, como na Guerra do Rif (guerra esta retratada no filme "Legionário" de 1998, estrelando Jean-Claude Van Damme) com o 93e RAM e na Batalha da França em 1940. Seus últimos tiros com o exército francês foram feitos durante a libertação da França em 1945. Eles ainda seriam usados por Israel na sua guerra de independência em 1948-49, com o apelido de Napoleonchik.

Muares ao lado de blindados

Em um campo de tiro ao redor de Tananarive (hoje Antananarivo), tirailleurs do 1e RTM (1er Régiment de Tirailleurs Malgaches/ 1º Regimento de Tirailleurs Malgaxes) descarregam as mulas carregando os canhões e munições da 3ª bateria do 7e RAC (7e Régiment d’Artillerie Coloniale), Madagascar, 1907-09.

As operações do Entre-Guerras são majoritariamente operações coloniais no Levante (Síria e Líbano), Marrocos, Argélia e Soud-Oranais. O fraco calibre dos obuses de 65mm leva à adoção do Schneider modèle 1919, fabricado em dois calibres: 75mm desmontável em sete fardos, e em 105mm desmontável em oito fardos. A adição de um escudo em frente ao canhão permite proteger os artilheiros dos tiros diretos da infantaria e dos projéteis do campo de batalha.

O fogo de obuses de alto explosivo, combinado com a possibilidade de adaptação das cargas contidas nos invólucros e cartuchos, responde ao desafio de fogo de barragem com precisão em terrenos íngremes, fortemente escarpados. Por outro lado, o peso da arma (660 a 750kg) e da munição a ser transportada, limitam a produção e o uso dessas armas, especialmente o 105. Essas duas armas, modernizadas em 1928, tiveram uma curta carreira operacional. Elas são notavelmente empregadas na frente dos Alpes, enfrentando a Itália em junho de 1940 e enfrentando os alemães durante a Batalha de Voreppe, onde dois canhões de 75 da section do Tenente Régnier do Centro de Organização da Artilharia de Montanha e de Posição (Centre d'Organisation de l'Artillerie de Montagne et de Position, COAMP) de Grenoble, contribuíram para repelir as tentativas alemãs de penetrar na vila.

Embarque de uma mula do CEFS (Corps expéditionnaire français en Scandinavie/ Corpo Expedicionário Francês na Escandinávia) no porto de Brest, com destino à Noruega, 28 de abril de 1940.

Em 1923, o Exército Brasileiro encomendou vários canhões Schneider mle 1919 75mm de montanha, que foram entregues em 1925. Pelo menos 3 deles estão agora em exibição no Museu do Forte de Copacabana no Rio de Janeiro, Brasil.

No período confuso pós-armistício, a França se viu com duas forças combatentes: as de Vichy, do governo colaboracionista reconhecido internacionalmente, e as Forças Francesas Livres do general rebelde Charles de Gaulle, que não tinham reconhecimento internacional e basicamente tiveram que se erguer do zero. Tragicamente, estas duas forças cruzariam espadas em uma luta fratricida no mandato do Levante (Síria e Líbano) em 1941, enfrentando o terreno montanhoso e desértico durante a invasão britânica partindo do Mandato da Palestina e do reino do Iraque. O famoso "Canhão de Kufra", o único canhão disponível para tomar a formidável fortaleza italiana de Kufra, na Líbia, foi um 75mm de montanha.

Os canhões de montanha foram importantes no terreno escarpado da Tunísia, com a precisão da artilharia francesa sendo notada por aliados e inimigos, apesar da idade das peças. O Exército Francês Livre conseguiu acesso a material militar americano, o que incluiu uma motorização impressionante com jipes, caminhões e blindados - incluindo obuseiros auto-propulsados. Mas mesmo assim, a necessidade de transpor terrenos acidentados ditou a manutenção de ativos arcaicos: os muares.

Artilheiros do 67e RA (regimento de artilharia) lidando com uma mula brava carregando um canhão de dorso 65mm modelo 1906. O 67e estava combatendo na batalha do maciço de Ousseltia, na Tunísia, em abril de 1943.

Um grupo de tirailleurs conduz um grupo de mulas para a linha de frente no setor de Maktar, na Tunísia, em março de 1943.

O primeiro passo na libertação da Europa Ocidental foi a invasão da Itália, com terreno de montanha abundante, onde os muares, canhões e tropas de montanha mostraram o seu verdadeiro potência: a habilidade das tropas de montanha francesas foi essencial para romper o dispositivo inimigo e abrir o caminho para Roma. 

O terreno italiano era freqüentemente escarpado.

Coluna automotiva francesa "Made in USA" negociando uma estrada italiana.

Tirailleurs argelinos passam por uma coluna mecanizada alemã capturada. O blindado à frente é uma peça de assalto italiana Semovente da 75/18, designada StuG M42 mit 7,5 KwK L 18(850)(i) em serviço alemão.

Muares sendo usados como trem logístico foi algo essencial para o abastecimento de ambos os lados na campanha da Itália.

Sobre a manobra de montanha francesa desbordando o bastião do Eixo no Monte Cassino, escreveu o General Mark Clark, comandante do 5º Exército Americano:

"Entrementes, as forças francesas, transpondo o [rio] Garigliano, haviam-se deslocado para norte, penetrando o terreno montanhoso que jazia ao sul do rio Liri. Não foi fácil. Como sempre, os veteranos alemães reagiram fortemente e houve luta encarniçada. Os franceses surpreenderam o inimigo e capturaram sem demora áreas-chave como os Montes Faito e Cerasola e as alturas vizinhas de Castelforte. A 1ª Divisão Motorizada [Francesa Livre] ajudou a 2ª Divisão Marroquina a tomar o ponto capital de Monte Girofano e, a seguir, avançou rapidamente para o norte até S. Apollinare e S. Ambrogio. A despeito da renitente resistência inimiga, a 2ª Divisão Marroquina penetrou na Linha Gustav em menos de dois dias de combate.

As próximas quarenta e oito horas na frente francesa foram decisivas. Os Goumiers [tropas de montanha marroquinos], manejando destramente a arma branca, esparramaram-se nas montanhas, particularmente à noite, e toda a tropa do General Juin mostrou uma agressividade hora após hora que os alemães não puderam agüentar. Cerasola, San Giorgino, Mt. D'Oro, Ausonia e Esperia foram conquistados num dos mais brilhantes e audaciosos avanços da guerra na Itália, e no dia 16 de maio [de 1944] o Corpo Expedicionário Francês havia jogado seu flanco esquerdo a umas dez milhas para a frente, até Monte Revole, enquanto se verificava um reentrante no resto da linha de contato, para de algum modo ser mantida a ligação com o Oitavo Exército Britânico.

Somente o mais cuidadoso preparo e uma extrema resolução tornaram possível o ataque, mas Juin era desse tipo de combatente. Transporte logístico à base de mulas, peritos em guerra de montanha e homens com energia bastante para realizar marchas noturnas demoradas em terreno traiçoeiro, eis o que foi necessário ao sucesso naquelas escarpas praticamente inexpugnáveis. Os franceses patentearam tudo isso no seu sensacional avanço, que o General-de-Exército Siegfried Westphal, chefe do estado-maior do Kesselring, descreveria depois como uma surpresa completa, tanto em termos de rapidez, quanto em agressividade. Por essa realização, que haveria de constituir a chave do sucesso para a arremetida inteira sobre Roma, serei sempre um admirador agradecido do General Juin e de seu magnífico CEF."

- General Mark Clark, Risco Calculado, 1950 (1970 em português), pg. 360 e 362.

Sherman da 3e DIA (3e Division d'Infanterie Algérienne/ 3ª Divisão de Infantaria Argelina) fazendo fogo contra posições inimigas no setor de Acquafondata, Itália, janeiro de 1944.

Os Corpo Expedicionário Francês foi retirado da Itália para desembarcar no sul da França, avançando pela Provença até a fronteira norte italiana, inclusive realizando junção com a Força Expedicionária Brasileira vindo do Vale do Pó.

A fase final da guerra na Europa viu combates na segunda maior elevação da Europa, ocorridos de fevereiro a maio de 1945 à 3.600 metros de altitude, viram os artilheiros do 93e RAM, sob as ordens do Capitão Lapra, destruírem posições alemãs no setor da cota do Midi, no maciço do Mont Blanc, com os canhões 75mm de montanha Schneider.

Um soldado da 1er DFL (Division Française Libre/ Divisão Livre Francesa) entra na Itália através da passagem da Lombardia, março-maio de 1945.

O novo e o velho: um comboio automotivo da 1er DFL cruza com uma coluna de mulas do Royal Brel Corps britânico na estrada Isola-Vinadio, na Lombardia, em direção à Itália, março-maio de 1945.

Epílogo

Tropas de muares ainda seriam usadas na Indochina, Madagascar e Argélia, atuando em paralelo com as novas forças mecanizadas, paraquedistas e de helitransportadas, mas seriam dissolvidas após a paz de Évian. O exército francês estava se modernizando para uma nova ameaça e seria reformado na década de 1960 para enfrentar a União Soviética, que era um leviatã nuclear mecanizado que, em teoria, irromperia com uma quantidade aterrorizante de blindados pelo Passo de Fulda, fazendo uma corrida relâmpago até Paris e o Canal da Mancha.

A defesa "anti-char" (anti-carro) tornou-se uma obsessão e o novo "exército do futuro" seria uma força sofisticada equipada com blindados e tropas voltados para o combate mecanizado de alta intensidade, apoiados por artilharia e helicópteros armados de mísseis para destruíram os tanques soviéticos, com forças capazes de combaterem em um ambiente QBN (Químico, Biológico e Nuclear); e uma Force de Frappe nuclear francesa própria. Tudo se voltou para o iminente combate nas planícies européias.

Montanheses do 27e BCA (27e Bataillons de Chasseurs Alpins/ 27º Batalhão de Caçadores Alpinos) marchando pesadamente carregados por elevações escarpadas em Kapisa, no Afeganistão.

Esse novo exército participou vitoriosamente da Guerra do Golfo, contra o exército iraquiano de Saddam Hussein, mas o mundo é um lugar imprevisível e novos desafios surgem diariamente, mostrando sempre que os exércitos devem manter-se adaptáveis diante de uma seleção darwiniana. Em 2001, os modernos exércitos da OTAN foram levados a combater no inóspito e... montanhoso Afeganistão. Ninguém na época imaginaria que tropas ocidentais lutariam no Afeganistão e, tal qual aconteceu com os soviéticos, velhas lições tiveram que ser reaprendidas; como a importância do uso de morteiros portáteis pela infantaria ao invés de contar com demorados pedidos de apoio aéreo aproximado (que, inclusive, falhavam em atingir o alvo com freqüência).

Os franceses permaneceram no Afeganistão até 2012, e logo em seguida tiveram que combater nas cadeias montanhosas malinenses, no Adrar des Ifoghas de 18 de fevereiro a 31 de março de 2013; novamente mostrando que os militares jamais devem abandonar velhas fórmulas em prol de soluções tecnológicas.

Legionários do 2e REG (2e Régiment Étranger de Génie/ 2º Regimento Estrangeiro de Engenharia), parte da brigada de montanha francesa, se divertindo com uma mula no Afeganistão. Essa mula não é parte da unidade, é de um cidadão afegão.

Bibliografia recomendada:

The Bear Went Over the Mountain: Soviet Combat Tactics in Afghanistan.

The Soviet-Afghan War: How a superpower fought and lost.

The Soviet-Afghan War 1979-89.

Leitura recomendada:

FOTO: AMX-10 RC em cerimonial

AMX-10 RC em cerimonial com sua carga de combate.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

O Chauchat na Iugoslávia

Homens do Exército Real Sérvio posando em Salônica, 1916-18.
Eles têm coberturas tradicionais sérvias com o FM Chauchat na típica posição de honra (o centro da imagem) com o carregador em meia-lua, calibre 8mm Lebel.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de outubro de 2020.

Prelúdio

A epopéia do Chauchat na Iugoslávia começa quando o Exército Real Sérvio foi reequipado por seus aliados franceses de 1916 a 1918, após a Grande Retirada de 25 de novembro de 1915 a 18 de janeiro de 1916. Isso mudou a sua aparência tornando-os semelhantes aos aliados "poilu", geralmente com o única característica sendo a cobertura tipicamente sérvia (šajkača). Eles agora eram armados com fuzis Lebel e Berthier, granadas de fuzil Viven-Bessières (VB), e fuzis-metralhador Chauchat.

Até 18 de dezembro de 1916, o exército sérvio recebeu 1.962 FMs franceses de 8x50mmR "Šoša" M1915 na forma de ajuda aliada. Na Frente de Salônica, o Exército Sérvio tinha 989 unidades no 1º Exército e 957 Šoša no 2º Exército, um total de 1946 fuzis-metralhadores. Alguns exemplares foram recalibrados em 8mm Mauser, um deles preservados no Museu da Fortaleza de Belgrado - ao lado do Parque Kalemegdan.

Soldados sérvios com o capacete M15 Adrian, usando a águia real sérvia, demonstrando as novas granadas de fuzil VB francesas e o seu bocal (tromblon).

Os sérvios, montenegrinos, gregos, franceses e britânicos vão combater os austro-húngaros e seus aliados búlgaros e alemães na Frente de Salônica até o rompimento atingido na ofensiva final aliada em outubro e setembro de 1918, derrubando a Bulgária e o Império Turco Otomano.

As baixas da Sérvia foram 8% do total de mortes militares aliadas, e 58% do exército regular sérvio (420.000 homens) morreram durante o conflito. De acordo com as fontes sérvias, o número total de vítimas gira em torno de 1.000.000: 25% do tamanho da Sérvia antes da guerra e uma maioria absoluta (57%) de sua população masculina em geral. A maior média da guerra.


Derrotado na Macedônia e no Vittorio Veneto, o Exército Austro-Húngaro saiu da Primeira Guerra Mundial após o Armistício de Villa Giusti assinado com o Reino da Itália em 3 de novembro de 1918, uma semana depois o Império Alemão pediria o armistício. No final de desse ano, uma missão do Exército sérvio liderada por Milan Pribićević, Dušan Simović e Milisav Antonijević chegou a Zagreb para liderar a reorganização do Exército Sérvio e do Exército Nacional de Eslovenos, Croatas e Sérvios em um único novo Exército do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (em sérvio croata: Kraljevina Srba, Hrvata i Slovenaca/ Краљевина Срба, Хрвата и Словенаца; esloveno: Kraljevina Srbov, Hrvatov in Slovencev, KSCS). Isto iniciaria o processo da criação do Reino da Iugoslávia.

Soldados búlgaros posando com fuzis-metralhadores Chauchat capturados na Frente de Salônica, 1918.

Modelo do Museu da Fortaleza de Belgrado

Chauchat M1915/26 iugoslavo em 8mm.




A criação do Exército Real Iugoslavo

Exército Real Iugoslavo com modelos belgas em 7,92x57mm.

Em 1º de janeiro de 1919, um total de 134 ex-oficiais austro-húngaros de alta patente haviam sido aposentados ou dispensados de suas funções. Do final de 1918 até 10 de setembro de 1919, o novo exército esteve envolvido em um confronto militar violento com formações irregulares pró-austríacas na região da Caríntia, na fronteira norte do novo Exército Nacional de Eslovenos, Croatas e Sérvios em um único novo Exército do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos (KSCS). A certa altura, as tropas do KSCS ocuparam brevemente Klagenfurt. Após um plebiscito em outubro de 1920, a fronteira com a Áustria foi fixada e as tensões diminuíram.

O nome oficial do Estado foi alterado para "Reino da Iugoslávia" pelo Rei Alexandre I em 3 de outubro de 1929, com o exército se tornando o Exército Real da Iugoslávia. O termo Iugoslávia significa "Terra dos Eslavos do Sul", mas a proeminência dos sérvios ainda era uma realidade.

Além dos combates ao longo da fronteira austríaca em 1919–20, este novo exército lutou algumas escaramuças nas fronteiras ao sul na década de 1920. As primeiras manobras de qualquer tamanho significativo desde a formação do exército em 1919 foram conduzidas entre as tropas de duas divisões durante 29 de setembro a 2 de outubro de 1927, embora o número de tropas engajadas não excedeu 10.000 e algumas reservas tiveram que ser convocadas para atingir esse número. Antes disso, apenas exercícios locais entre guarnições haviam sido realizados.

Em 1928, quatro novos regimentos de infantaria foram estabelecidos em resposta a um aumento italiano ao longo da fronteira. Eles eram vistos como o núcleo de uma nova divisão de infantaria em potencial. Nesse período, o rei-ditador também adquiriu grandes quantidades de armamento tchecoslovaco que supriram de forma marginal a necessidade de armamentos.

Um chetnik sérvio armado com um FM M37, a versão iugoslava do ZB vz. 26 tcheco, dos quais 1.500 foram entregues.

Em um relatório de janeiro de 1920 e 1921, o adido militar francês Ramon Eugène Delta, que defendia táticas ofensivas com o uso de armas automáticas, observou que as recém-formadas Forças Armadas do Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos tinham 1.900 FM Chauchat à disposição, que sobraram do Exército Sérvio.

Em um esforço para usar os recursos existentes e economizar dinheiro no orçamento, o KSCS tomou uma decisão na época de atingir um compromisso. Durante as negociações em Liège sobre a compra de uma licença de fuzil, a delegação iugoslava-eslovena notou os fuzis-metralhadores deixados para trás após a retirada da Força Expedicionária Americana (American Expeditionary Force, AEF), cuja versão americana era calibrada na munição .30-06 (7,62x63mm M1906) no padrão C.S.R.G.A. 1918 Chauchat 30-06 Modelmas também os fuzis-metralhadores belgas adaptados, que acabaram de ser aperfeiçoados como o FM CSRG Mle 915/27 pela FN.

Chauchat com o carregador em meia-lua.


Os belgas adaptaram todos os FM M1915 recebidos da França como durante a guerra com uma bala doméstica 7.65x54mm M89, que trocou o modelo ogival pelo modelo spitzer (pontiagudo). Como naquela época havia na Iugoslávia grandes quantidades disponíveis de munição alemã 7,9x57mm M88 capturadas, decidiu-se que seria mais rápido e rentável adaptar os "Šoša" belgas para esse calibre. Seriam adquiridos da FN 4.000 FM Chauchat M1915 em 7,65mm, e as adaptações serão confiadas ao Instituto Técnico Militar de Kragujevac.

Em fevereiro de 1927, o Instituto entregou 1.700 exemplares adaptados às unidades sob o novo rótulo "7,9mm M.15/26". No final do mesmo ano, a adaptação dos próximos 2.000 estaria concluída e, no início de 1928, todos os 4.000 FM Šoša M1915/1926 estariam finalizados.

Assim, no arsenal do exército havia 4.000 FM 7,9mm Šoša M1915/1926, bem como 1.900 CSRG Chauchat M1915 originais de 8mm.

Chauchat iugoslavo M1915/26.

Chauchat iugoslavo M15/26.



Nota: Para os próprios alemães, o calibre militar foi designado como 7,9mm (e menos frequentemente os comerciais como 8mm). Por alguma razão, tchecoslovacos, poloneses e romenos adicionaram 0,02mm na década de 1920 e acabou ficando 7,92mm. Os franceses e os gregos referiram-se como 7,90mm e 7,92mm; turcos e sérvios como 7,9mm. Depois da Segunda Guerra Mundial, quase todos começaram a chamar de 7,92mm.

Caixas de munição marcando 7,9mm.

Prelúdio da invasão alemã de 1941

Soldados do Regimento de Ferro de Belgrado desfilando, 1940-41.
(Colorização De Memorabilia)

No início de 1933, houve uma ameaça de guerra com a Itália e a Hungria que preocupou muito o Estado-Maior. O adido militar britânico observou que o exército tinha grande autoconfiança, sua infantaria era forte e sua artilharia bem equipada, mas carecia de áreas significativas exigidas por uma força de combate moderna. As principais deficiências permaneceram nas metralhadoras e nas armas de infantaria, e não havia treinamento com armas combinadas.

O adido observou ainda que, junto com a dominação quase completa dos sérvios nas fileiras gerais, o Estado-Maior também era 90 por cento sérvio, e a "servianização" do exército havia continuado, com jovens croatas e eslovenos instruídos agora relutantes em entrar no exército. O adido viu o domínio sérvio do exército como uma possível fraqueza política da nação, mas também como uma fraqueza militar em tempo de guerra. A defesa do reino também contava com milícias étnicas armadas como forças de auto-defesa. Foi anunciado que manobras em nível de exército seriam realizadas em 1935, pela primeira vez desde a formação do exército em 1918.

Exército Real Iugoslavo.

Apesar dos esforços, o Exército Real Iugoslavo foi invadido por três adversários poderosos, a Alemanha Nazista, o Reino da Itália e o Reino da Hungria, sendo derrotado em uma campanha relâmpago de 6 a 18 de abril de 1941, quando o exército real ainda não havia sequer mobilizado propriamente.

Colaboração e resistência

Homens da Divisão Dinarska (Dinara), uma unidade permanente da milícia chetnik, anti-comunista e monarquista.

Close mostrando o Chauchat.

Combatentes chetnik armados com uma Lewis M.20 holandesa de 6,5mm e um FM Chauchat CSRG M1915/26 de 7,92x57mm, uma modificação iugoslava.
(Mihajlo/ Fórum 
Odkrywca)

A ocupação do país pelos alemães, italianos e húngaros gerou resistência inicial, com a formação de unidades colaboracionistas primeiro pelos italianos e depois pelos alemães; como o Corpo de Voluntários Sérvios (SDK) e a Guarda do Estado Sérvio (SDS).

Essas unidades não eram muito confiáveis e muitas vezes contrabandeavam armas para grupos de resistência (especialmente o Exército da Pátria Iugoslava), portanto, os alemães responderam dando a essas forças fantoches armas em calibres que eram muito raros na Sérvia na época: fuzis MAS 36 franceses, submetralhadoras MAS 38, FM Châtellerault 24/29, submetralhadoras Thompsons M1921 e M1928, metralhadoras Lewis holandesas.

Soldado do Exército Alemão (Heer) com um modelo belga capturado le.Maschinengewehr 126(b) em 7,65mm.

A Alemanha nazista apreendeu Chauchats da Polônia, Bélgica, França, Grécia e Iugoslávia; redesignando as armas por país de origem seguindo o sistema comum às beutewaffen capturadas por toda a Europa: os Chauchats franceses foram designados LeMG 156(f), iugoslavos e poloneses LeMG 147(j), gregos LeMG 156(g) e belgas LeMG 126(b). Estas novas armas foram distribuídas para unidades alemãs e aliadas - como Estados e grupos vassalos.


FM Chauchat, segundo à esquerda sentado.

Chetniks sérvios posando com a foto de Ante Pavelic.
Um fuzileiro-metralhador está ajoelhado com um Chauchat à esquerda.

Chetniks do Corpo Timok.


Partisan iugoslavo com um modelo de 8mm.

Chetniks em Valjevo, 1942.

Chetniks da unidade Costa Pecanac perto da cidade de Seinice, 1942.

Bibliografia recomendada:

Honour Bound:
The Chauchat Machine Rifle.
Gérard Demaison e Yves Buffetaut.

Vídeo recomendado:


Leitura recomendada:



Mausers FN e a luta por Israel, 23 de abril de 2020.

Fuzis de treinamento FAL do Brasil5 de janeiro de 2020.

A submetralhadora MAS-38, 5 de julho de 2020.

domingo, 25 de outubro de 2020

Tudo por alguns palmos da França


Pelo Tenente René Nicolas, 1915.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de outubro de 2020.

Um oficial francês testemunha o caos da batalha na região da Champanha em 1915.

Originalmente com o título "A História do Tenente II e III".

Poilus, soldados franceses, em uma trincheira em 1915.
(Colorizada por Léo Couvoisier)

20 de março.

Encontro-me cedendo ao encanto da nossa vida aqui. Na verdade, é o retorno à natureza e à simplicidade; é físico, quase animal. Os instintos primitivos da raça têm controle total: comer, beber, dormir, lutar - tudo menos amar...

27 de março.

Estou escrevendo meu diário em um grande abrigo subterrâneo, confortavelmente esticado em uma rede que meu antecessor engenhosamente armou com dois lençóis de barraca... Estamos na mesma trincheira que o inimigo - vizinhos de porta na verdade, e nem um pouco corteses. Nada além de uma barricada de sacos de terra nos separa dos boches [alemães]. Perto da barricada estão as sentinelas, atentas e silenciosas. Nenhum som é ouvido em nenhum dos lados, exceto o zunido de granadas que são continuamente lançadas pra lá e pra cá. Mas as sentinelas estão bem protegidas nas laterais da trincheira e desafiam as "tartarugas" alemãs...

Assim, as primeiras linhas alemãs e francesas estão em contato imediato. A razão é que o nosso lado não conseguiu apoderar-se de toda a trincheira, da qual o inimigo ainda ocupa a extremidade oriental. Mas essa situação não vai durar, eu acho, e vamos aumentar nossos ganhos.

A trincheira está limpa, exceto por corpos imperfeitamente enterrados aqui e ali. Não prestamos mais atenção neles; mas o que é realmente deplorável é que muitos cadáveres caem na lama; a lama endureceu e a trincheira tem menos de um metro e meio de profundidade. É impossível aprofundá-la, pois ao menor golpe de uma picareta surge um pedaço de roupa ou um pedaço de carne. Para circular, temos que nos curvar como corcundas. É doloroso e perigoso, então os homens não se movem muito, mas ficam nos abrigos...

Desenho de um poilu mostrando o túmulo de um soldado desconhecido no parapeito da trincheira, 1915.

28 de março.

Que noite agitada!…

A primeira parte da noite transcorreu sem novidades, exceto por uma chuva abominável de granadas que os boches continuavam jogando em nós...

Fui até a barricada e vi que a trincheira [alemã] estava de fato vazia, exceto pelos metralhadores que estavam de plantão ao lado de suas armas. Rapidamente dei ordens para derrubar a barricada e corremos para a trincheira boche. Os homens da minha seção, de acordo com minhas instruções, iniciaram um fogo furioso... Enquanto corríamos, atiramos várias granadas contra os metralhadores, que afundaram antes que pudessem apontar suas armas contra nós.

Num piscar de olhos, chegamos ao fim da trincheira... e por trás da barricada de homens mortos e terra, disparamos três tiros contra os alemães em retirada. Eles foram jogados em um estado de pânico. Muitos devem ter morrido, pois a luz do dia trouxe ao nosso olhar a visão daquela trincheira empilhada de mortos. A coisa toda não durou mais do que dois minutos. Fomos inundados com granadas, um contínuo zip, zip; um dos nossos homens foi morto, três ou quatro feridos. Tudo estava em um tumulto selvagem - foguetes de trincheira subindo, canhões disparando rápido... Arame farpado foi colocado no lugar e a trincheira revertida - minutos de excitação louca e atividade insana. Estávamos sem consciência do perigo, hipnotizados pelo trabalho a ser feito.

Soldados alemães posando em uma trincheira, 1915.

Esperávamos um contra-ataque... Esperamos. Houve falsos alarmes. Um homem que está um pouco nervoso começa a atirar rápido, o vizinho segue o exemplo dele, depois o grupo de combate, depois a seção [pelotão], depois toda a companhia entra num alvoroço. As metralhadoras começam a matraquear, as tropas de segunda linha são alertadas, a artilharia se apresenta com alguns obuses e - os boches do outro lado, confusos com a confusão, mandam... foguetes de trincheira, cujos raios iluminam a grama que cresce verde na primavera, o emaranhado de arame, e vários pobres cadáveres deitados com as mãos estendidas na direção da trincheira oposta, como se apontando o caminho do dever para o que está atrás. O contra-ataque não veio, mas obuses sobre obuses caíram sobre nós... Dei meu cantil de vinho aos meus prisioneiros... Não é nada - 50 metros de trincheira; e, no entanto, são alguns palmos da França tomados de volta.

Quinta-feira Santa.

A coisa que mais me provou foi essa existência de toupeira. Eu que estou sempre desejando uma grande ação e uma luta aberta e intensa com um inimigo que está diante de seus olhos.

Os boches têm bombardeado com bastante violência. É de se esperar, uma vez que é Quinta-feira Santa. Mas, apesar de tudo, houve algo religioso na calma dos elementos nestes últimos dias. A natureza está em suas devoções. Esta noite está excelente. Os obuses explodem em grande número, e a igrejinha de Perthes cambaleia como se estivesse prestes a cair... Cotovias cantam a gargalhadas, sublime hino de vida e alegria. À distância estão os mortos e o cadáver mutilado assustador da vila de Perthes...

Poilus posando com a máscara de gás P2, o primeiro modelo francês, em 1915.

4 de maio.

Para nos protegermos das bombas de gás, recebemos máscaras e óculos horríveis e saídos de um pesadelo colocados em uma espécie de papada de porco ou focinho feito de borracha e contendo uma solução de amônia. Elas fazem se parecer com um animal selvagem, e assim que eu peguei a minha coloquei para o benefício dos meus [soldados]. Eles quase caíram de tanta gargalhada.

Mas a vida em geral é calma, calma até demais. Estou lendo Anna Karenina, que veio pelo correio ontem, e fumando cachimbos intermináveis.

Extrato do diário de campanha do Tenente René Nicolas, que narrou os cinco meses de serviço na Frente da Champanha em 1915. Primeiro publicado em francês em 14 de dezembro de 1915, passagens de livro foram sendo publicadas em inglês como artigos na revista Atlantic em 1917 como "Diário de um oficial francês".

Bibliografia recomendada:

French Poilu 1914-18.
Ian Sumner.

Leitura recomendada:

Rússia e União Soviética: Solzhenitsyn sabia a diferença


Por Ignat Solzhenitsyn, Wall Street Journal, 23 de outubro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de outubro de 2020.

"Não posso me aliar aos comunistas", disse meu pai, mas também não "aos inimigos do nosso país".

“A dificuldade insana da situação é que não posso me aliar aos comunistas, os carniceiros do nosso país - mas também não posso me aliar aos inimigos do nosso país”, escreveu meu pai, Aleksandr Solzhenitsyn, em 1982. “E todo esse tempo eu não tenho um ponto para me apoiar. O mundo é grande, mas não há para onde ir.”

Aleksandr Solzhenitsyn.

O grande autor, por meio do seu livro "O Arquipélago Gulag" (1973) e discursos inflamados no Ocidente, ganhou sua reputação como o inimigo mais implacável do comunismo. No entanto, como fica evidente na citação acima de suas memórias (agora aparecendo pela primeira vez em inglês), durante a Guerra Fria ele já estava discernindo um perigo novo e imprevisto: a desconfiança russo-ocidental poderia perdurar muito depois da queda do comunismo.

Pule para 2020. As queixas entre a Rússia e o Ocidente foram amplamente catalogadas: programas de armas, expansão da OTAN, Yukos, Kosovo, revoluções coloridas, Ucrânia, Criméia, envenenamentos, eleições.

Então, um relacionamento poderia realmente ser reformulado se essas ofensas imediatas fossem mitigadas? Os dois principais partidos políticos dos EUA nunca puderam se unir em torno de um anticomunismo de princípios durante a Guerra Fria, mas agora cantam o mesmo hinário sobre a ameaça de um nacionalismo russo cada vez maior. Esta circunstância peculiar, no contexto de uma “Paz Fria” que obstinadamente prevaleceu por um quarto de século, expõe uma fenda mais profunda e exige um exame das raízes históricas.

Solzhenitsyn Alexander Isaevich, oficial do Exército Vermelho Soviético, Frente de Briansk em 1943.

No final da década de 1990, quando li pela primeira vez essas memórias dos anos de meu pai no Ocidente, passei por passagens ruminando sobre o conflito Leste-Oeste, assumindo que essas questões eram discutíveis, relegadas ao monte de cinzas da história pela dramática abertura da Cortina de Ferro e queda do Muro de Berlim e a assinatura do tratado de controle de armas Start I.

Mas nos últimos três anos, preparando a primeira edição em inglês desses volumes, passei a ver como Solzhenitsyn foi presciente ao apreender um “eixo de acusações contra a Rússia”. Os emigrados ressentidos da década de 1970 estavam estimulando o Ocidente a espiar seu verdadeiro inimigo não no comunismo, mas em uma Rússia irredimível. A Rússia pré-revolucionária foi criticada pelos progressistas ocidentais da década de 1920 por se opor ao bolchevismo, mas agora que a opinião mudou, ela estava condenada por ter sido escravizada por ele. "Como isso foi acontecer?" Solzhenitsyn pergunta.

Ele argumenta em um capítulo intitulado "A dor russa" que as "ações militares excessivas e sem sentido da Rússia na Europa" nos séculos 18 e 19 colocaram o Ocidente em guarda, enquanto seu aparelho de governo ossificado não conseguiu absorver "lições de abertura" cívicas ocidentais, ou pelo menos justificar suas próprias ações. Enquanto isso, fanáticos revolucionários exilados na Europa traçavam um quadro grosseiramente distorcido da Rússia como uma prisão autoritária e retrógrada de nações - e mesmo seus exageros mais descarados se firmaram na ausência de uma contra-narrativa articulada. No auge do século 20, o agressivo terrorismo revolucionário russo, estimulado por uma intelectualidade bajuladora, foi enfrentado por uma direita nacionalista, que recorreu ao abuso em vez de defender o caminho moderado de evolução social tentado pelo primeiro-ministro reformista Pyotr Stolypin de 1906 até seu assassinato em 1911.

Manifestantes correndo na Rua Nevsky Prospekt logo após ser dispersada por tropas do Governo Provisório, que abriram fogo com metralhadoras, em Petrogrado (São Petersburgo) às 14h, 4 de julho de 1917.

Mais tarde - décadas depois que o "rolo compressor bolchevique" de Lênin esmagou a todos, especialmente os patriotas russos que buscavam defender os valores tradicionais dentro de uma sociedade pluralista - a paródia do patriotismo russo que surgiu nos anos 1960 e 1970 foi um nacionalismo bolchevique pagão que escreveu 'deus' sem maiúscula inicial e 'Governo' com maiúscula”, como diz Solzhenitsyn. O "patriotismo curador, salutar e moderado" de meu pai - livre de ambições imperiais e baseado na "preservação do povo" - nunca teve a chance de se enraizar na Rússia. Sua visão foi odiosamente fundida com aquele “nacionalismo bolchevique”, outra difamação da Rússia por emigrados vingativos aceita prontamente no Ocidente.

Após a queda do comunismo, o apelo de Solzhenitsyn ao arrependimento, por um ajuste de contas histórico no modelo da Vergangenheitsbewältigung* pós-nazista da Alemanha, foi ignorado. E assim, o apoio oficial do governo aos memoriais da repressão comunista e à incorporação do "Arquipélago Gulag" nos currículos do ensino médio paradoxalmente coexiste em alguns setores hoje com uma tendência nociva de que Joseph Stálin - o principal açougueiro dos russos - era um patriota russo, enquanto Solzhenitsyn - o principal inimigo dos opressores da Rússia - era um traidor.

*Nota do Tradutor: Significa "reconciliação com o passado", "luta para superar os [negativos do] passado".

Putin, a cara moderna da Rússia.

Não é de se admirar, então, que o Ocidente tenha confundido qualquer distinção significativa entre a bota militar totalitária da URSS e o autoritarismo brando de uma Rússia comparativamente livre, e confundiu "russo" e "soviético", interpretando mal três séculos de história russa e a essência antinacional do comunismo. “O 'russo ’está para o 'soviético' como o 'homem' está para a 'doença'”, escreveu Solzhenitsyn. Uma consequência não intencional: o consenso russo sem precedentes sobre a sociedade liberal e o governo não-liberal, que pouco concordam, exceto que o Ocidente não gostará da Rússia, não importa o que ela faça.

Se o objetivo dos formuladores de políticas ocidentais continuar sendo trazer a Rússia para a comunidade de nações livres, eles podem atender ao apelo de Soljenitsyn e se envolver com a Rússia de forma equitativa, de acordo com as virtudes ou falhas da política atual, em vez de julgá-la reflexivamente por uma narrativa histórica fictícia e maléfica que impede qualquer caminho a seguir.

Ignat Solzhenitsyn é um maestro, pianista e editor das memórias de Aleksandr Solzhenitsyn, incluindo "Between Two Millstones, Book 2: Exile in America, 1978-1994" (Entre Dois Mós, Livro 2: Exílio nos Estados Unidos, 1987-1994), a ser publicado em novembro de 2020.

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