terça-feira, 6 de outubro de 2020

FOTO: Sherman japonês

 

Militar japonesa posando encostada em um M4A3E8 Sherman da nova Força Terrestre de Autodefesa Japonesa (陸上自衛隊, Rikujō Jieitai), cerca de 1968. 

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 30 de setembro de 2020.

Uma soldado japonesa posando ao lado de um tanque Sherman, de fabricação americana. A marcação na torre sugere que este M4A3E8 Sherman pertencia à 12ª Divisão da Força Terrestre de Auto-Defesa, tendo a divisão sido estabelecida em 1962. O novo exército japonês não aceitaria militares do sexo feminino, com a exceção de um punhado de enfermeiras, até 1967, quando começou a recrutar mulheres para funções de apoio.

Contexto

O Japão foi privado de qualquer capacidade militar após ser derrotado pelos Aliados na Segunda Guerra Mundial e foi forçado a assinar um acordo de rendição apresentado pelo General Douglas MacArthur em 1945. Foi ocupado pelas forças dos EUA e tinha apenas uma pequena força policial doméstica com a qual dependiam para a segurança doméstica e contra o crime. As crescentes tensões na Europa e na Ásia devido à Guerra Fria, juntamente com ataques e manifestações de inspiração esquerdista no Japão, levaram alguns líderes conservadores a questionar a renúncia unilateral de todas as capacidades militares. Esses sentimentos foram intensificados em 1950, quando as tropas de ocupação começaram a ser transferidas para o teatro da Guerra da Coréia (1950-53). Isso deixou o Japão virtualmente indefeso, vulnerável e muito ciente da necessidade de estabelecer uma relação de defesa mútua com os Estados Unidos para garantir a segurança externa da nação. Incentivado pelas autoridades de ocupação americanas, o governo japonês em julho de 1950 autorizou o estabelecimento de uma Reserva da Polícia Nacional (警察 予 備 隊, Keisatsu-yobitai), consistindo de 75.000 homens equipados com armas leves de infantaria. Em 1952, a Força de Segurança Costeira (海上 警備 隊, Kaijō Keibitai), a contraparte marítima da NPR, também foi fundada.

Em 1º de julho de 1954, o Conselho de Segurança Nacional foi reorganizado como Agência de Defesa, e a Força de Segurança Nacional foi reorganizada posteriormente como Força de Autodefesa Terrestre do Japão (de facto, o Exército Japonês do pós-guerra), a Força de Segurança Costeira foi reorganizada como a Força de Autodefesa Marítima do Japão (marinha) e a Força de Autodefesa Aérea do Japão (aeronáutica) foram estabelecidas como uma nova força das JSDF. O General Keizō Hayashi foi nomeado o primeiro Presidente do Conselho Conjunto do Estado-Maior; chefe profissional das três forças. A legislação que permitiu isso foi a Lei das Forças de Autodefesa de 1954 (Lei nº 165 de 1954).

Documentário sobre as novas forças de auto-defesa japonesas

Naquele ano, a força real das Forças de Autodefesa Terrestre, Marítima e Aérea atingiu 146.285, armados principalmente com equipamentos americanos da Segunda Guerra Mundial; dando uma aparência americanizada aos antigos inimigos.

Atualmente, as divisões e brigadas das JGSDF são unidades de armas combinadas com unidades de infantaria, blindados e de artilharia, unidades de apoio ao combate e unidades de apoio logístico. Elas são entidades regionais independentes e permanentes. A força das divisões varia de 6.000 a 9.000 militares em 9 divisões ativas (1 blindada e 8 de infantaria). As brigadas giram em torno de 3.000 a 4.000 em 8 brigadas de combate e 9 brigadas de apoio.

Homens da recém-criada Brigada Anfíbia de Desdobramento Rápido das JGSDF com a bandeira do "Sol Nascente".

A questão de novas forças armadas japonesas foi polêmica na Ásia, onde a memória das atrocidades japonesas ainda eram muito frescas e mesmo hoje ainda existe esse tipo de tensão. O Japão cancelou a sua participação em um exercício naval conjunto, em outubro de 2018, quando a Coréia do Sul exigiu que a marinha japonesa não hasteasse a bandeira do "Sol Nascente".

Além disso, existem membros mais radicais na intelligentsia japonesa, civis e militares, que são reacionários e mais agressivos (ao ponto de serem até negacionistas) que desprezam o sistema de "auto-defesa" e desejam uma postura mais independente e agressiva; incluindo despencando para o negacionismo da culpa japonesa, argumentando que o Japão foi, na verdade, a vítima da Segunda Guerra Mundial. O clássico de Tom Clancy da série Splinter Cell: Chaos Theory (Splinter Cell: Teoria do Caos, 2005) tratou justamente dessa questão, com um líder rebelde - o Almirante Otomo - criando uma força especial que violava os termos de desmilitarização japonesa, a Força de Autodefesa de Informação (Information Self-Defense Force, ISDF).

Splinter Cell: Chaos Theory

Novas diretrizes militares, anunciadas em dezembro de 2010, redirecionaram as Forças de Autodefesa do Japão do seu foco da Guerra Fria contra a União Soviética para um novo foco, a China, especialmente no que diz respeito à disputa sobre as Ilhas Senkaku. Isto levou à criação de uma brigada anfíbia moldada na Unidade Expedicionária de Fuzileiros Navais americana (Marine Expeditionary Unit, MEU) em 7 de abril de 2018. A Brigada Anfíbia de Desdobramento Rápido (水陸機動団, Suirikukidōdan) atualmente conta com cerca de 2.100 homens, com o objetivo de atingir 3 mil.

Uma força de fuzileiros navais, ela pertence ao exército - que tem o domínio sobre todo o espectro terrestre conforme o seu nome oficial - por causa das duras lições da completa falta de cooperação entre o exército e marinha durante a guerra (atualmente a única academia militar forma oficiais para as três forças justamente para ensinar cooperação logo no berço). Sendo uma brigada expedicionária, portanto, para projeção de poder, ela é vista com suspeita e desconforto pelos vizinhos como uma arma unicamente ofensiva.

Bibliografia recomendada:




Leitura recomendada:

GALERIA: Caça-Tanques Japoneses em ação, 1º de julho de 2020.

PERFIL: Akihiko Saito, o samurai contractor, 2 de fevereiro de 2020.

FOTO: Colegial japonesa com uma LAW17 de abril de 2020.

Forças aéreas asiáticas recrutam mulheres pilotos de caça19 de fevereiro de 2020.

Tanked Up: Carros de combate principais na Ásia12 de agosto de 2020.

"Tanque!!": A presença duradoura dos carros de combate na Ásia6 de setembro de 2020.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A Viabilidade das Operações na Selva à Noite

Por Andy Blackmore, Wavell Room, 16 de abril de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 1º de outubro de 2020.

Hoje existem muitos pontos de inflamação fora da área da OTAN onde, se um conflito eclodir, a guerra na selva pode estar na ordem do dia. Os militares ocidentais tentam operar principalmente à noite e a selva apresenta desafios únicos para isso. Este artigo argumenta que as operações noturnas na selva são possíveis, mas devido a deficiências na doutrina do Reino Unido continuam difíceis e não recomendadas. Se o Exército deseja realizar operações noturnas, então a doutrina requer uma reescrita significativa para permitir um melhor enfoque na coordenação de atividades de equipes pequenas e subunidades nos planos do grupo de batalha.

A selva é um ambiente difícil de se mover e operar e é um desafio para soldados e comandantes. De trepadeiras baixas e vegetação densa a quedas repentinas no terreno, a liberdade de movimento está gravemente degradada. Isso é intensificado durante a escuridão. No entanto, a história dita que um comandante deve planejar e treinar para operações noturnas se quiser continuar a ser a força superior. Como o Marechal-de-Campo Slim observou:

“Para nossos homens, a selva era um lugar estranho e temível: mover-se e lutar nela era um pesadelo. Estávamos muito prontos para classificar a selva como "impenetrável". Para nós, parecia apenas um obstáculo ao movimento; para os japoneses, era um meio bem-vindo de manobra oculta e surpresa. Os japoneses colheram a recompensa merecida... pagamos a pena”.

- Marechal-de-Campo Slim, Defeat into Victory.

"Transformando a Derrota em Vitória", o Marechal-de-Campo Sir William Slim comandou as forças britânicas na Birmânia.

O pensamento tradicional sobre a guerra na selva é que ela é a exclusivamente reservada à infantaria apoiada por algumas armas de artilharia de dorso. Desde a Segunda Guerra Mundial, no entanto, todos os ramos do serviço aprenderam a operar efetivamente na selva. A ideia de que os tanques podem exercer uma influência decisiva, antes tida como idiota, está provada. As comunicações de rádio aprimoradas permitiram que aeronaves de ataque ao solo e artilharia desenvolvessem novas táticas. Os lançamentos aéreos de suprimento permitiram que os exércitos mantivessem o ímpeto de um avanço ou operassem isolados por mais tempo. Equipamento de movimentação de terra converteram a floresta em trilhas transitáveis por transporte motorizado. A medicina preventiva reduziu o risco de doenças e as rações pré-embaladas prolongaram a capacidade do soldado de permanecer operacional por mais tempo em um alcance estendido. O advento do helicóptero proporcionou nova mobilidade aérea e simplificou a evacuação das baixas.

Por causa desses avanços, alguns argumentam que a selva se tornou neutra. [1] No entanto, as lições aprendidas e aplicadas na Birmânia durante a Segunda Guerra Mundial pelo Marechal-de-Campo Slim, devem ser reaplicadas e a doutrina atual deve ser atualizada para que as operações noturnas na selva se tornem viáveis.

Spencer Chapman, autor, comando e condecorado com a Ordem de Serviços Distintivos.

[1] The Jungle is Neutral, F. Spencer Chapman DSO, 2014.

O que é a selva?

O terreno da selva varia muito, desde montanhas com florestas até áreas de pântano. As áreas tropicais são categorizadas como selva primária, selva secundária ou floresta decídua. Eles podem conter super-crescimento de dossel simples, duplo ou triplo e geralmente contêm vegetação densa. Pode-se dizer que não existe “país típico da selva”. As características comuns a todas essas áreas são a falta de estradas e ferrovias, movimento limitado de veículos em todo o país e visibilidade limitada para forças aéreas e terrestres. [2]

[2] US War department, 1943.

As operações diurnas na selva, por sua natureza, já têm muito em comum com as noturnas: a ênfase na importância do comando e controle (C2), a necessidade de objetivos limitados, a dificuldade em manter a direção, a dificuldade em usar o fogo de cobertura, o confiar no ouvido em vez dos olhos e a necessidade de permitir bastante tempo para uma operação são considerações críticas de planejamento.

Morteiro em ação durante o Exercício Pacific Kukri 19 envolvendo o 2º Batalhão, Os Reais Fuzileiros Gurcas, 2019.

O Manual de Campanha 90-5 (Field Manual 90-5, FM 90-5) americano e o Panfleto Ambiente de Terreno Fechado Tropical (Close Country Tropical Environment, CCTE) do Reino Unido contêm referências limitadas a operações noturnas. O FM 90-5 afirma que “como as operações noturnas, especialmente as emboscadas, são comuns em combates na selva, as unidades devem enfatizar o treinamento noturno”. Ainda assim, os manuais não oferecem considerações de planejamento ou treinamento para auxiliar os comandantes em sua preparação, nem abordam os tipos de operações noturnas que conduzem à luta na selva ou a escala em que devem ser realizadas. O panfleto CCTE contém apenas um capítulo sobre o movimento noturno na selva.

Mais importante ainda, ambos falham em fornecer quaisquer técnicas especiais que possam ajudar na execução de operações noturnas na selva. A suposição predominante é que os riscos associados a ataques deliberados à noite contra qualquer inimigo são altos demais para justificar a operação. Esta é uma tensão entre como as forças ocidentais desejam operar e a doutrina disponível para elas na selva.

Metralhador gurca disparando com o auxílio de NVD.

O C2 é importante

O C2 é o fator mais importante em combates noturnos. Sua função é sincronizar os disparos e o movimento no ponto decisivo para alcançar a surpresa enquanto mantém a segurança, o ritmo e o propósito. O estado final é destruir o inimigo sem cometer fratricídio ou, caso não se ataque o inimigo, usar a noite dentro da selva para explorar uma vantagem de tempo e espaço. Para atingir esse estado final, todos os soldados devem operar de forma tão eficiente à noite como durante o dia.

Soldado gurca com um dispositivo de visão noturna.

Dentro da mesma linha doutrinária, os comandantes devem considerar a capacidade de combate noturno do inimigo antes de executar uma operação noturna na selva. A tecnologia disponível deve ser aplicada de maneira consistente com a situação encontrada. Por exemplo, em um cenário em que o inimigo tem capacidade de visão noturna, um comandante deve escolher os procedimentos e equipamentos de C2 corretos para combater as capacidades de visão noturna do inimigo. Somente em uma situação em que o inimigo não tenha capacidade de visão noturna é possível o uso irrestrito do espectro da visão noturna.

Infelizmente, alguns dos mais fervorosos defensores das operações noturnas na selva não têm experiência em guerra na selva e não possuem nenhuma concepção das complexidades envolvidas. Isso se reflete na atual doutrina da selva do Reino Unido. Olhar para evidências históricas permite uma perspectiva diferente sobre as operações noturnas na selva.

A experiência japonesa: dominando a noite

Soldados imperiais japoneses no Pacífico.

Durante a 2ª Guerra Mundial, os japoneses operaram à noite sempre que possível. Eles eram hábeis no uso de disfarces, movimento silencioso à noite e movimento ao longo de caminhos na selva quando desejavam ficar entre e atrás das defesas inimigas. [3]

[3] U.S. War department, Military Intelligence Division. “Notes on Japanese Warfare”. Boletim de informação nº 8, 1942. 

Os fundamentos japoneses para o sucesso das operações noturnas eram simplicidade, manutenção da direção, controle e surpresa. Estas foram mantidas atribuindo objetivos limitados e desenvolvendo um plano simples. A direção era mantida por bússola, guias, escolhendo características naturais e artificiais inconfundíveis para marchar, e às vezes por 5ª colunistas que acenderiam fogueiras para servir de pontos de marcha. O controle foi mantido selecionando objetivos em características de terreno bem definidas, como topos de colinas. Furtividade, movimento silencioso e engano foram usados para facilitar a surpresa.

Os japoneses também dedicaram um tempo significativo às manobras noturnas durante o treinamento. Eles fizeram um esforço concentrado para fazer com que cada soldado de combate saísse pelo menos uma vez por semana em algum tipo de problema noturno com os comandantes enfatizando exercícios individuais, de grupo de combate e de pelotão. Mesmo durante o treinamento básico, os soldados foram encarregados de realizar movimentos noturnos individuais através da selva densa, a fim de se familiarizar com as condições de escuridão. Por exemplo, as tropas japonesas designadas para o ataque a Hong Kong dedicaram mais da metade das seis semanas de treinamento preparatório intensivo às operações noturnas.

Em contraste, os exércitos ocidentais parecem ter adotado uma mentalidade diferente. Durante a Segunda Guerra Mundial, as táticas de selva americanas eram geralmente estáticas: atacando com força durante o dia e depois se abrigando à noite. Para um observador "eles atiravam em qualquer coisa que se movesse após o anoitecer, incluindo não apenas o inimigo, mas búfalos e soldados fora do perímetro".[4] Embora esta não seja uma descrição totalmente precisa, ela descreve apropriadamente a natureza defensiva das táticas de selva noturnas americanas durante a Segunda Guerra Mundial . Esses parâmetros mudaram com a invenção dos dispositivos de visão noturna.

[4] Bushmasters, Anthony Arthur, 1987.

Bushmasters: America's Jungle Warriors of World War II.

O papel da visão noturna

Já se passou um quarto de século desde que os dispositivos de visão noturna, ou NVDs, foram declarados a "maior incompatibilidade individual" da Guerra do Golfo. Desde então, a tecnologia subjacente permaneceu praticamente inalterada. Isso deixou os soldados com óculos de proteção analógicos volumosos que, em grande parte, perderam a revolução digital. NVDs poderosos estão agora disponíveis para adversários estatais e não-estatais, anulando vantagens potenciais nas operações de selva. Os seguintes pontos devem ser considerados na preparação e seleção de dispositivos de visão noturna para uso na selva:

Intensificação de imagem (II): é eficaz, mas requer luz ambiente para funcionar de forma eficaz. Com o dossel da selva espessa ou uma lua sobreposta, eles terão um desempenho muito ruim. Tochas IR e cialumes IR também precisam ser equilibrados em relação à imagem tática.

Imagem térmica (TI): este sistema usa uma escala em preto e branco para diferenciar entre assinaturas quentes e frias. No entanto, esses dispositivos não podem ver através de vegetação densa.

Óculos montados na cabeça: Os dispositivos de fixação podem ser extremamente degradantes para a consciência situacional e aumentar o risco de fadiga e lesões por calor. Além disso, as montagens da cabeça estão propensas a ficarem presas na folhagem da selva e nas vinhas, especialmente durante o contato e o fogo e movimento.

Soldados neo-zelandeses em patrulha noturna nas selvas do Timor Leste, década de 90.

O investimento é necessário... mas?

A vantagem tecnológica do Ocidente à noite acabou. Os combatentes do ISIS, especialmente aqueles que foram recrutados no exterior, entendem completamente o poder da visão noturna e, em alguns casos, eles obtiveram seus próprios dispositivos. O Departamento de Estado dos Estados Unidos tentou reprimir a disseminação de NVDs no mercado negro controlando as exportações, mas quando a internet tem dezenas de diferentes lunetas e monóculos de visão noturna em estoque, há um limite para o que o governo pode fazer. Os próprios contratados do Pentágono são conhecidos por se desviar; a ITT Corp, com sede em Nova York, por exemplo, foi multada em US$ 50 milhões depois que foi descoberta a venda de tecnologia sensível para a China, Cingapura e Reino Unido.

Mas a melhor maneira de reafirmar as vantagens monumentais na visão noturna não é controlar as exportações, é desenvolver novos sistemas e táticas. Entre as novidades mais significativas está o desenvolvimento de óculos que combinam intensificação de imagem e imagens térmicas. Outra melhoria potencial é a tecnologia que conecta um conjunto de óculos de visão noturna com a mira de uma arma, permitindo que um soldado aponte uma arma em uma esquina e acerte um alvo sem se expor ao fogo inimigo à noite. Mas as questões permanecem se essa tecnologia sobreviverá às demandas da selva.

No entanto, considerando que a maioria dos adversários provavelmente possuirá algum tipo de óptica noturna, seria uma decisão ousada tentar conduzir um ataque à noite na selva. Especialmente contra uma posição fortificada; as posições estáticas defendidas sempre terão a vantagem e a capacidade de identificar e se defender contra o movimento identificado. Isso significa que um defensor provavelmente sempre terá uma vantagem em operações noturnas na selva, a menos que sua ótica possa ser cegada.

Um menino soldado achinês brandindo um fuzil AK47 durante treinamento militar na selva do distrito de Pidie, em Achem, na Indonésia.

A experimentação britânica moderna

O Exército Britânico, por meio dos Royal Gurkha Rifles (Reais Fuzileiros Gurcas), conduziu extensas experiências na selva. A principal conclusão é que as operações na selva à noite até o nível do grupo de batalha são possíveis; mas não recomendadas. Para tornar essas operações mais bem-sucedidas, opções de investimento mais ousadas devem ser consideradas.

Conclusão

Operar à noite é possível e oferece oportunidades para surpreender o inimigo e manobrar as forças para uma posição de vantagem no momento de nossa escolha. Mas a selva é um ambiente único e há restrições ao que é possível e alguma atividade, ao equilibrar ameaças e oportunidades, não daria a uma força uma vantagem marcante.

É provável que as operações noturnas na selva continuem sendo o conjunto de habilidades de pequenas equipes especializadas que conduzem operações em nome de uma força maior em busca de uma vantagem durante o dia. Isso não quer dizer que as operações noturnas em grande escala sejam impossíveis; a história mostra que elas são. Em vez disso, em quase todos os exemplos, as vantagens do defensor provavelmente não justificam o risco. A doutrina e o equipamento atuais não fornecem a um comandante os princípios para superar essas restrições percebidas.

Se o Reino Unido quiser se destacar novamente à noite na selva, deve haver investimento nas capacidades e equipamentos mais adequados. A doutrina deve ser mudada para permitir melhor a coordenação de ações táticas de pequenas e subunidades em atividades coerentes de grupos de batalha. Também é necessário um foco maior na execução de patrulhamento noturno em curtas distâncias como rotina; emboscada em defesa, reconhecimento e movimento protegido e em operações ofensivas. O Exército tem experiência para fazer isso. A questão é: o Exército tem vontade de fazer isso?

O Major Andrew Blackmore é o Chefe do Estado-Maior da Brigada de Gurcas. Anteriormente, ele foi oficial de comando da Companhia C (Tamandu) do 2º Batalhão, O Regimento dos Reais Fuzileiros Gurcas (The Royal Gurkha Rifles) com base em Brunei. Durante sua missão no comando, o Major Blackmore passou longos períodos de tempo desdobrado nas selvas de Bornéu conduzindo atividades de subunidades e quadros de liderança subalterna. Durante esse tempo, ele conduziu extensas operações de experimentação noturna para entender e testar a validade das operações noturnas na selva.

Bibliografia recomendada:

World War II Jungle Warfare Tactics.
Dr. Stephen Bull e Steve Noon.

Leitura recomendada:

Um soldado americano se forma na selva brasileira, 30 de setembro de 2018.

FOTO: Conferência de selva com o Exército Americano no Panamá23 de agosto de 2020.

Alguns soldados estão agora autorizados a usar o novo brevê de selva do Exército Americano23 de maio de 2020.

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Bem vindo à selva11 de julho de 2020.

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Chineses buscam assistência brasileira com treinamento na selva9 de julho de 2020.

sábado, 3 de outubro de 2020

GALERIA: Operação Brochet no Tonquim


Um posto de comando do 2e BEP foi instalado em uma aldeia. Entre os equipamentos acoplados à cabana, está um fuzil de coronha dobrável US M1A1 e um transceptor SCR 536. Um operador de rádio (em pé) presta serviço à estação transceptora PRC 10, a qual carrega nas costas.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 3 de outubro de 2020.

A Operação "Brochet" (Peixes Predadores) se desenrolou no setor de Hung-Yen, de 24 de setembro a 13 de outubro de 1953, com o  objetivo de destruir os regimentos (Tieu Doan) 42 e 50 do Viet-Minh e suas bases, localizadas ao norte do Canal de Bambus, no Tonquim (norte do Vietnã), ocorreu em diferentes fazes (Brochet I-IV) envolvendo 18 batalhões franceses e vietnamitas. Fotos de Ferrari Pierre para o ECPAD tiradas em setembro, em sua totalidade focando nos dois batalhões da Legião Estrangeira Francesa presentes na operação.

Participaram da operação em 24 de setembro:
  • O 2º BEP (2e Bataillon Étranger de Parachutistes2º Batalhão Estrangeiro de Paraquedistas), 
  • O II/5º REI (2e bataillon du 5e Régiment Étranger d’Infanterie2º Batalhão do 5º Regimento Estrangeiro de Infantaria), 
  • O 8º BPC (8e Bataillon de Parachutistes de Choc8º Batalhão de Paraquedistas de Choque), - o GM 3 (3e Groupe Mobile, 3º Grupo Móvel), 
  • O RICM (Régiment d’Infanterie Coloniale du MarocRegimento de Infantaria Colonial do Marrocos), 
  • Além de artilharia e consideráveis forças da Marinha.

Supletivos vietnamitas

Um legionário-paraquedista de 2ª classe, originário de Hanói, do 2e CIPLE, a companhia de supletivos nativos.

O legionário do 2e CIPLE (2e Compagnie Indochinoise Parachutiste de la Légion Étrangère / 2ª Companhia Indochinesa Paraquedista da Legião Estrangeira) está vestido com um blusão camuflado "à prova de vento" britânico M1942, redimensionado e modificado localmente para a sua estatura mais baixa, apelidado de "peau de saucisson" ("pele de salsicha"). Seu capacete US M1 é modificado "EO" (Extrême-Orient / Extremo Oriente) pela adição de uma jugular produzida localmente, tornando-a adequado ao paraquedismo.

Os supletivos não foram autorizados o képi blanc por não estarem sujeitos às especificidades contratuais dos demais legionários, portando, foram equipados com boinas brancas. Além da questão da exclusão, haveria também o incômodo da necessidade de encomendar quepes brancos em tamanho pequeno.

O Sergent-Chef N'Guyen Van Phong, um desses legionários-supletivos (com o 1er BEP e depois 2e BEP), carregou a mão de madeira do Capitão Danjou no Camerone de 30 de abril de 2017, a maior honra que um legionário pode aspirar. 

Boinas verde e branca dos batalhões paraquedistas da Legião Estrangeira na Indochina (1er BEP e 2e BEP) no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, no sul da França.
(Foto do autor)


Cerimônia em homenagem ao Sergent-Chef N'Guyen Van Phong

Patrulha à pé nos arrozais

Legionários do 3º batalhão do 5º REI durante a operação.
Em primeiro plano, um legionário carrega uma granada ofensiva OF 37 no cinto e um fuzil MAS 36 sobre o ombro. Atrás dele há um legionário com a venerável MAT-49.

Durante a operação, legionários-paraquedistas do 2e BEP avançam por um arrozal.
O primeiro carrega sua submetralhadora na posição de "segurança" (carregador dobrado para evitar uma rajada acidental) e enfiou um maço de cigarros sob o elástico de camuflagem de seu capacete, em vez do maço de bandagens habitual. Ele é seguido por um fuzileiro-metralhador com o tipo 1924/29 Châttellerault.

Travessia de um arroio por paraquedistas do 2º BEP no setor de Hung Yen durante a operação, o homem do centro carrega o fuzil paraquedista MAS 36 CR39 de coronha dobrável.

A rabeira do mesmo grupo cruzando um marcador em pedra no arroio.

Paraquedistas do 2e BEP avançam pelos arrozais.

Estacas punji

Os feridos do 2e BEP foram evacuados por helicóptero Hiller 360.

No período de 1951-1954, 10.820 feridos foram evacuados, incluindo 6.499 outros apenas em 1954, com apenas 32 aeronaves (número alcançado em março de 1954) distribuídas entre Saigon e Hanói. Foi em 1950 que os primeiros dois helicópteros Hiller 360 foram adquiridos por subscrição pública e oferecidos à Força Expedicionária Francesa no Extremo Oriente.

As estacas punji eram uma armadilha colocada em uma prancha na qual estão pregados pregos de aço, escondidos no fundo de um buraco cavado sob o água de um arrozal ou de um arroio. Surpreso à medida que avançava, o soldado empala pesadamente o pé nas pontas, destinadas a agravar a lesão e evitar que o dispositivo seja removido por simples tração. Essas estacas podiam também ser cobertas com fezes humanas para causar infecção grave na vítima.

Legionários paraquedistas do 2e BEP apresentam uma armadilha rudimentar, mas eficaz, do Viêt-Minh, da qual um deles acaba de ser vítima: as estacas punji.

Estacas punji: Armadilha com pontas de aço de 15cm, desenvolvida pelos Viet-Minh.
O legionário posando ao lado calça as famosas botas de selva francesas Pataugas.

Exemplar de uma tal armadilha no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, no sul da França.
(Foto do autor)


Bibliografia recomendada:

French Foreign Legion Paratroops.
Martin Windrow & Wayne Brady, e Kevin Lyles.

Leitura recomendada:

sexta-feira, 2 de outubro de 2020

GALERIA: Ratissage dos Tirailleurs Argelinos na Indochina

Soldados do 22e BTA são subitamente "accrochés" ("fisgados") pelo Viet-Minh. Os tirailleurs ripostam (no centro, o atirador com um fuzil-metralhador Châtellerault 24/29 e seu municiador). O combate é tão brutal quanto rápido e terminará à arma branca, o oponente tentando romper a posição com um ataque frontal.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 2 de outubro de 2020.

Operação de “limpeza” dos Giongs realizada pelo 22e BTA (22e Bataillon de Tirailleurs Algériens/ 22º Batalhão de Atiradores Argelinos), de 6 a 8 de outubro de 1950, lançada seguindo os passos de uma formação inimiga que massacrou a guarnição de um posto de observação na região de Tra Vinh, na Cochinchina.

Na região de Tra Vinh, os tirailleurs do 22e BTA revistam as ruínas de um pequeno posto de observação destruído durante a noite pelo Viet-Minh. Em primeiro plano, um tirailleur armado com a submetralhadora MAS 38.

Tirailleurs argelinos procedem à escavação dos escombros do pequeno posto de observação. Os soldados, armados com fuzis MAS 36, espetam a baioneta no chão para sondar o solo e remexer as cinzas cuidadosamente, pois a presença de armadilhas é provável.

O Major Chateaureynaud (à esquerda), chefe do 22e BTA e um dos seus quadros examinam tochas usadas pelo Viêt-Minh para incendiar a infraestrutura e encontradas intactas nas ruínas do pequeno posto ao redor de uma torre de vigia cuja fraca guarnição foi massacrada durante a noite.

Folhetos de propaganda vietnamita abandonados por um "Can Bo" (comissário político encarregado da doutrinação da população) são apreendidos pelos soldados do 22e BTA nas ruínas de um pequeno posto de observação na região de Tra Vinh, para ser encaminhado ao oficial de inteligência do batalhão.

O batalhão realizou a escavação das ruínas das torres do posto que os Viet-Minh explodiram, encontrando folhetos políticos do comissariado Viet-Minh. O batalhão avançou por arrozais e matagais até um ponto suspeito, onde teve início uma emboscada Viet-Minh violenta e muito próxima mas que foi parada de forma abrupta pela resposta dos tirailleurs, terminando em combate corpo-a-corpo. O batalhão se reagrupou, o atendimento aos feridos, investigando cadáveres Viet-Minh, e interrogando guerrilheiros Viet-Minh feitos prisioneiros. Após um momento de descanso, o batalhão fez seu penoso retorno por terreno difícil até realizar a junção com um dos REC (Régiment Étranger de Cavalerie/ Regimento Estrangeiro de Cavalaria) equipado com veículos anfíbios Weasel M29C chamados "Crabes" (Caranguejos), e finalmente seu respectivo retorno ao seu acantonamento.

Uma companhia de tirailleurs argelinos do 22e BTA avança com dificuldade por um arrozal durante a operação.

A base de fogo do grupo de combate, armada com um FM Châtellerault 24/29, despeja fogo supressor para quebrar o assalto dos Viet-Minh.

Os tirailleurs repelem um ataque frontal de elementos Viet-Minh. Um projétil (uma granada de fuzil) explode no arrozal, levantando uma coluna de água.

Os tirailleurs são assaltados frontalmente e abrem fogo para interromper o ataque dos "Du Kich" (guerrilheiros do Viet-Minh).
Uma granada de fuzil francesa explode pouco antes do início do combate corpo-a-corpo.

No final do breve porém violento confronto com o Viêt-Minh, um tirailleur do 22e BTA mata a sede de um dos seus companheiros feridos. Este, deitado em uma maca e enfaixado rapidamente, conservou sua submetralhadora MAS 38 consigo.

Enquanto seus camaradas contemplam a extensão dos danos, um tirailleur do 22e BTA, armado com um fuzil MAS 36, permanece coberto e abrigado nas ruínas do pequeno posto de observação destruído, cuja fraca guarnição foi massacrada e as infraestruturas dinamitadas ou incendiadas.

Bibliografia recomendada:

Street Without Joy:
The French Debacle in Indochina,
Bernard B. Fall.

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