sexta-feira, 18 de junho de 2021

HUMOR: Bigodes lendários no Afeganistão

2º Sargento do Exército Nacional Afegão (ANA) empunhando um épico bigode no Centro de Treinamento Militar de Cabul, capital do Afeganistão, 22 de novembro de 2009.

O Afeganistão tem uma longa história de bigodes e barbas épicas, contribuindo para a moda militar e iniciando a moda moderna de "operadores" barbudos e usando shemags.

Motorista afegão com seu glorioso bigode, melhorando assim a capacidade de penetração frontal do seu BMP-1. Atrás dele, um camarada com uma barba também épica ao lado do trilho do míssil9M14 Malyutka.

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FOTO: Tom Celek iraquiano, 20 de agosto de 2020.



GALERIA: Exercício "Shamrakh 1", 12 de março de 2020.


HUMOR: As 4 Fases da Mulher Policial21 de janeiro de 2020.

A Arte da Guerra em Duna, 17 de setembro de 2020.

quarta-feira, 16 de junho de 2021

ENTREVISTA: Ex-espião soviético Viktor Suvorov


Por Luke Harding, The Guardian, 29 de dezembro de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 14 de junho de 2021.

"Eles me perdoariam? Não."
- Viktor Suvorov.

Deserções da agência de espionagem mais poderosa de Moscou são tão raras que acredita-se que haja apenas dois exemplos vivos. Um é Sergei Skripal, que quase morreu este ano. O outro é o entrevistado.

Viktor Suvorov passou oito anos trabalhando para a agência de inteligência militar da Rússia, o GRU. (Sebastian Nevols / The Guardian)

Viktor Suvorov (nascido Vladimir Bogdanovich Rezun, 20 de abril de 1947) estava em casa quando soube da notícia. Um ex-espião russo, Sergei Skripal, foi encontrado envenenado em um banco de parque em Salisbury. Skripal e sua filha Yulia estavam em estado crítico no hospital; não estava claro se eles viveriam.

Viktor Suvorov estava em casa quando soube da notícia. Um ex-espião russo, Sergei Skripal, foi encontrado envenenado em um banco de parque em Salisbury. Skripal e sua filha Yulia estavam em estado crítico no hospital; não estava claro se eles viveriam.

Suvorov ouviu o que aconteceu com os Skripals por meio de “outros canais”, não apenas pelas notícias da BBC, ele me disse. Uma figura travessa de 71 anos, falando comigo nos escritórios de seu agente literário em Londres, uma sala repleta de dezenas de livros, ele é um pouco tímido sobre o que ele pode querer dizer, mas parece haver pouca dúvida de que ele está falando sobre a inteligência britânica. “Não gostaria de discutir isso”, diz ele com um sorriso bem-humorado.

Suvorov passou oito anos trabalhando para a agência de inteligência militar da Rússia, o GRU (Glavnoye Razvedyvatel'noye Upravleniye / Diretório Principal de Inteligência), o antigo serviço de Skripal. Durante a Guerra Fria, Suvorov foi considerado um oficial brilhante, destinado a grandes feitos neste mundo sombrio. Ele passou quatro anos disfarçado na Suíça, onde era seu trabalho procurar agentes estrangeiros em nome do GRU. Ele era muito bom nisso. Então, um dia, em junho de 1978, ele fez um telefonema enigmático para o consulado britânico em Genebra.

Atual brasão do GRU.
Glavnoye Razvedyvatel'noye Upravleniye / Diretório Principal de Inteligência.

Suvorov encontrou-se com um espião britânico fluente em russo em uma floresta. Ele havia trazido com ele sua esposa - também uma oficial da GRU - e seus dois filhos pequenos. Em poucas horas, a inteligência britânica contrabandeou os Suvorovs para fora do país. Ele se encontrou no Reino Unido, um lugar que conhecia apenas dos thrillers de Ian Fleming e cuja língua ele não falava.

Nos tempos comunistas, havia deserções regulares da KGB; ela era voltada para dentro - seu objetivo era esmagar ameaças internas e dissidências. Enquanto isso, o GRU, a agência de espionagem mais poderosa e secreta de Moscou, procurava inimigos externos e estava perpetuamente nas sombras. Deserções do GRU eram extremamente raras. Acredita-se que haja apenas dois exemplos vivos: Suvorov e Skripal.

Mark Urban, autor de "The Skripal Files".

É improvável que Skripal dê entrevistas tão cedo; seu paradeiro desde que deixou o hospital permanece desconhecido, pelo menos fora dos serviços de inteligência. Ao contrário de Suvorov, Skripal não era um desertor, como tal: ele nunca teve a intenção de acabar na Grã-Bretanha. Em 2004, ele foi preso na Rússia por espionar para o MI6 e condenado por traição; ele parece ter traído o GRU por dinheiro. Seis anos depois, ele deixou uma prisão russa para Salisbury, após uma troca de espiões mediada pelos Estados Unidos. Um livro recente do jornalista da BBC Mark Urban o retrata como um nacionalista russo desavergonhado, que aplaudiu a anexação da Crimeia por Vladimir Putin do conforto de seu carro comprado pelo MI6.

"Você não pode imaginar o quão relaxante uma sentença de morte pode ser. Você não se preocupa com dinheiro, dores de cabeça ou adoecimento."

Suvorov, ao contrário, abandonou a União Soviética por razões ideológicas; ele se tornou um anticomunista apaixonado. Ele não considera sua deserção como traição: como ele aponta, ele deixou a URSS primeiro - mas todos os outros cidadãos soviéticos o seguiram quando ela deixou de existir. Nos últimos 40 anos, ele viveu sob sentença de morte. “Tenho duas sentenças de morte [do GRU e da Suprema Corte Soviética]”, sorri. “Você não pode imaginar como isso pode ser relaxante. Você não se preocupa com dinheiro, dores de cabeça ou adoecimento. Você pensa consigo mesmo: ‘Não importa! Eu estou morto!'"

O medo, sugere ele, pode ser pior do que a própria coisa, como um paciente que espera por um diagnóstico de câncer que se sente melhor ao receber as más notícias. “De repente, há um tubarão sangrento vindo em sua direção. Quando é desconhecido, é muito assustador. Quando você chega perto, você suspeita que é feito de borracha.”

Icebreaker, seu livro mais famoso.
Trata sobre Stalin tentando usar Hitler como o quebra-gelo da revolução comunista global.

Na primeira noite depois que Suvorov chegou à Grã-Bretanha, ele começou a escrever, diz ele. Ele estava determinado a não viver do Estado e ganhar seu dinheiro de forma independente - se necessário, diz ele, limpando banheiros na estação Paddington. Mas ele se tornou um escritor de sucesso surpreendente, autor de 19 livros em russo, incluindo vários sobre a história da Segunda Guerra Mundial, que juntos venderam mais de 10 milhões de cópias. Ele é famoso na Rússia - embora não tenha voltado desde que desertou - e conhecido em todos os países da antiga Europa Oriental. Seu trabalho apareceu em inglês, mas principalmente em edições há muito tempo esgotadas.

O Reino Unido é o lar de um pequeno grupo de desertores soviéticos e russos. O mais proeminente, Oleg Gordievsky, causou danos incomensuráveis à inteligência soviética, passando 11 anos dentro da KGB como agente duplo britânico. Agora com 80 anos, Gordievsky mora em algum lugar nos condados ao redor de Londres. Suvorov sugere que, desde Skripal, sua própria segurança aumentou.

Em seus livros, Suvorov tornou públicos detalhes sensíveis sobre o GRU, sua estrutura secreta e suas residências estrangeiras ao redor do mundo. Seu romance Aquarium é um relato emocionante do ethos brutal e métodos implacáveis do GRU. Ele começa com novos recrutas vendo imagens de um homem sendo colocado, ainda vivo, em um crematório em chamas. Isso, dizem a eles, é o que acontecerá com eles se traírem o serviço; um veterano comenta que a única saída da agência é pela chaminé do GRU. (Esta morte horrível foi aparentemente inspirada por eventos reais. Foi sugerido que a vítima era Oleg Penkovsky, executado por traição em 1963, embora Suvorov diga que não.)

Oleg Penkovsky.

Ele diz que a agência nunca perdoa quem a deixa. Isso inclui Skripal, que saiu da Rússia segurando um perdão oficial assinado por Putin. “O Estado pode perdoar. O GRU nunca o fará ”, diz Suvorov. No exílio, Skripal tinha um perfil tão baixo que Suvorov confessa que não tinha ouvido falar dele. Mas quando ele soube do destino de Skripal, envenenado por uma super-toxina, ele não teve dúvidas de quem estava por trás disso. “Claro, o GRU”, ele diz, com naturalidade.

O governo britânico fez um relato convincente de como dois assassinos de Moscou trouxeram o terror químico para a província de Wiltshire. Ambos são homens de carreira do GRU, identificados pelo site investigativo Bellingcat como Anatoliy Chepiga e Alexander Mishkin. Mishkin é médico, Chepiga um oficial das forças especiais; ambos foram condecorados como heróis da Rússia em 2014, possivelmente por trabalho secreto na Ucrânia. De acordo com relatos da mídia, a avó de Mishkin mostrou aos vizinhos um retrato emoldurado de seu filho apertando a mão de Putin.

Vladmir Putin, ex-agente da KGB.

A dupla admite ter estado em Salisbury - eles foram filmados pela CCTV - mas dizem que eram meros turistas. Suvorov acredita que este não foi seu primeiro assassinato e que eles pertencem a um “pequeno clube” de assassinos estatais russos. Ele é mordaz sobre seu profissionalismo e competência. “Na minha época, isso não teria sido possível! Tão idiotas!” ele diz. Ele descreve a operação como uma “cadeia de estupidez” que deixa pistas: voar de Moscou, ficar em um hotel e ir duas vezes a Salisbury.

"O chefe do GRU diria: ‘Toc, toc, Sr. Putin. Achamos que agora é a hora [de matar Skripal]. Está ok com você?'"

Ele não tem dúvidas de que o presidente da Rússia teria aprovado pessoalmente sua missão. “O chefe do GRU diria: ‘Toc, toc, Sr. Putin. Achamos que agora é a hora [de matar Skripal]. Tudo ok, senhor?' Há uma dimensão internacional. Ninguém correria tal risco sem a aprovação de Putin. Não é possível.”

Nos últimos anos, Skripal costumava viajar para o exterior. Isso levou a especulações de que ele ainda pode ter estado operacionalmente ativo - e que isso selou seu destino. Na opinião de Suvorov, Skripal foi envenenado pour décourager les autres*: para lembrar aos funcionários do GRU que a penalidade por cooperar com a inteligência inimiga é uma morte dolorosa e aterrorizante.

*Nota do Tradutor: francês, "por encorajar os outros", sentença de fuzilamento usada em desertores na Primeira Guerra Mundial.


Ele sugere que os assassinatos do Kremlin funcionam em um espectro. Existem as operações em que a vítima morre sem problemas, talvez por “ataque cardíaco”. E depois há os assassinatos mais exóticos, deliberadamente elaborados para criar barulho e escândalo - o assassinato de Trotsky com um picador de gelo é um exemplo clássico. A operação Skripal deveria ser mais próxima da primeira, ele pensa, embora todos no GRU entendam a mensagem.

Claro, não funcionou bem assim. Os Skripals sobreviveram e a trama desastrada foi descoberta. No mês passado, o Kremlin anunciou que o homem encarregado do GRU, Igor Korobov, havia morrido após uma “longa doença”. Suvorov acha que isso é verdade? “Não sei, mas meu instinto de espião me diz que Korobov foi assassinado”, diz ele. “Todos os que estão dentro do GRU entenderiam isso, 125%.” Ele teria sido morto, acrescenta Suvorov, para apagar uma testemunha que poderia provar ser culpada se ele pulasse para a vizinha Estônia usando um passaporte falso do GRU.

O banco em que os Skripals desabaram.

Uma questão intrigante é se a embaixada russa em Londres estava envolvida na operação de Salisbury. Ele saberia sobre novichok, o veneno deixado na porta da frente de Skripal, ou Moscou o teria mantido no escuro? Suvorov acredita que a embaixada pode ter dado apoio logístico, sem estar totalmente informada. Quem sabe tenha formado um pequeno círculo, ele suspeita. Incluiria os assassinos, um especialista técnico e um punhado de altos funcionários do Kremlin.

Como um espião rápido na Suíça dos anos 1970, Suvorov às vezes era solicitado a ajudar “ilegais” - agentes disfarçados que viviam no exterior. Ele nada sabia de suas atividades. Ele foi obrigado a verificar se havia uma marca de batom vermelho em um monumento no parque Mon Repos de Genebra, perto do apartamento de sua família. Todos os dias, sua esposa passava com seus filhos, sua filha e seu filho bebê em um carrinho de bebê. O batom significava um desejo de um ilegal de fazer contato.

Suvorov é uma figura de estatura médio-pequena, vestida com paletó de tweed e gravata roxa, que coloca para posar para fotos. Falamos em inglês e russo; ele se parece mais com um professor emérito do que com o recruta do GRU que uma vez saltou de pára-quedas ao lado de pelotões de inteligência militar e que atravessou incontáveis quilômetros de neve em noites congeladas.

Sergei Skripal.

Skripal - um “cara grande e esportivo”, como Suvorov o descreve - se assemelha melhor ao oficial típico do GRU. Ex-paraquedista, serviu disfarçado no Afeganistão e na China antes de ser destacado como “diplomata” em Malta e Espanha. Suvorov, entretanto, trabalhou em estreita colaboração com as Spetsnaz - forças especiais de elite soviéticas - procurando rotas de fuga para unidades de inteligência militar e recrutando informantes.

Skripal e Suvorov nunca se encontraram e parece improvável que algum dia se encontrem. A inteligência britânica desencoraja seus ativos de Moscou de confraternizarem, disse Suvorov, uma regra que surgiu após o assassinato de Alexander Litvinenko em 2006, depois que ele conheceu ex-agentes da KGB e bebeu chá radioativo. Suvorov diz que ele era um "amigo muito bom" de Litvinenko e falou com ele depois que foi levado ao hospital. Inicialmente, ele não acreditava que Litvinenko tivesse sido envenenado, mas durante uma ligação, a voz de Litvinenko vacilou "como um gramofone", diz ele, e o celular caiu de suas mãos. “Um cara tão legal. De repente ele foi morto. Uma morte terrível.”

Ruslan Boshirov e Alexander Petrov


Conheci Suvorov em 2015. Na época, um inquérito público estava em andamento sobre o assassinato de Litvinenko. Concluiu que Putin “provavelmente” aprovou a operação, juntamente com o chefe do FSB, órgão que sucedeu ao KGB. Os homens identificados pela investigação como os assassinos, Andrei Lugovoi e Dmitry Kovtun, eram assassinos horríveis: eles deixaram um rastro fantasmagórico de polônio em Londres e jogaram a arma do crime na pia do banheiro.

"As agências de espionagem de Moscou estão perdendo o controle? Suvorov diz que houve uma grande queda desde os dias de glória."

Em 2016, uma década após o assassinato de Litvinenko, uma equipe de oficiais do GRU invadiu os servidores do Partido Democrata dos EUA, de acordo com Robert Mueller, promotor especial que investiga conluio entre a campanha de Trump e a Rússia. A divulgação desses e-mails roubados pelo WikiLeaks prejudicou Hillary Clinton e ajudou seu oponente, que agora está na Casa Branca. A operação pode ser considerada uma grande vitória do Kremlin, mas dificilmente foi clandestina. Em julho, Mueller expôs a trama do GRU em uma acusação forense, constrangendo Putin e Trump.

As agências de espionagem de Moscou estão perdendo o controle? Suvorov diz que houve uma grande queda desde os dias de glória do GRU, nos anos 30 e 40, quando seus agentes roubaram os segredos atômicos dos Estados Unidos. Essa decadência é parte de uma degradação geral, ele pensa, afetando tudo na Rússia pós-comunista, da construção de foguetes ao jornalismo. O país está “desmoronando lentamente”, diz ele; aqueles que podem estão se mudando para o exterior.

O Homem: Ex-espião e autor de bestsellers

Suvorov foi recrutado pelo GRU em 1970. Seus livros foram publicados em 27 idiomas.
(Sebastian Nevols / The Guardian)

Viktor Suvorov é um pseudônimo literário: ele nasceu Vladimir Bogdanovich Rezun na Ucrânia soviética; seu pai um oficial militar, sua mãe uma enfermeira. (Suas raízes ucranianas são outro motivo pelo qual o Kremlin pega no seu pé, segundo fontes em Moscou.) Seu pai era um bolchevique convicto que acreditava que a URSS poderia florescer se não fosse pelos "bandidos do topo" e Suvorov cresceu um “comunista fanático”. Ele frequentou a escola militar, ingressou no Exército Vermelho e participou da invasão da Tchecoslováquia em 1968. Um oficial notável, ele treinou sargentos de reconhecimento tático e serviu na divisão de inteligência do quartel-general do distrito militar do Volga - uma experiência que Suvorov descreve em Aquarium.

Em 1970 ele foi recrutado pelo GRU. Ele agora fazia parte de uma organização de elite que era um grande rival da KGB. Sua desilusão com o sistema soviético começou apenas quando ele chegou a Genebra, diz ele, onde foi designado para a missão da ONU. Suvorov diz que foi convocado ao aeroporto um dia para assistir à chegada de um avião de transporte Ilyushin-76 de Moscou. Quando sua rampa foi abaixada, barras de ouro foram retiradas do compartimento de carga - para comprar comida da América. “Não podíamos nos alimentar”, diz ele.

Outra desilusão veio quando ele e sua “maravilhosa esposa espiã” Tatiana saíram de férias. Eles pegaram o trem de Basel e viajaram pela Alemanha Ocidental até Berlim Oriental, passando pelo muro. “Eram as mesmas pessoas, a mesma história, os mesmos malditos alemães. [Mas] é um Mercedes aqui e é um Trabant ali”, lembra ele com uma risada. Ele leu A Revolução dos Bichos de George Orwell. “A princípio pensei: ‘Estes não são porcos russos, são porcos de Berkshire’. Então percebi que era sobre as pessoas no Kremlin. Eles proibiram o livro dentro da União Soviética porque se reconheceram.”

"A Revolução dos Bichos" e "1984", clássicos de George Orwell.

Ele leu 1984. “Orwell nunca foi comunista, mas foi próximo deles. Ele entendeu que o estado totalitário tem que ser assim. Ele nunca visitou a URSS, mas percebeu tudo melhor do que qualquer um poderia imaginar”, diz Suvorov. Ele diz que sua esposa - filha de um oficial de inteligência - concordou em desertar com ele. Eles estão casados há 47 anos. “É uma conquista”, diz ele.

De sua nova casa no Reino Unido, Suvorov escreveu um dos livros mais influentes da era da perestroika, Icebreaker (Quebra-gelo). Quando foi publicado em 1988, seu argumento era herético: que Stalin havia planejado secretamente uma ofensiva contra a Alemanha de Hitler e teria invadido em setembro de 1941, ou o mais tardar em 1942. Stalin, escreveu ele, queria que Hitler destruísse a democracia na Europa, na forma de um quebra-gelo, abrindo caminho para o comunismo mundial. O livro minou a ideia de que a URSS era uma parte inocente, arrastada para a segunda guerra mundial. Os liberais russos apoiaram a tese de Suvorov; agora tem ampla aceitação entre os historiadores.

Ao todo, os livros de Suvorov foram publicados em 27 idiomas. Seu primeiro livro, The Liberators (Os Libertadores), foi um relato pessoal vívido da vida no exército soviético, e suas cartilhas sobre a inteligência militar soviética tornaram-se textos convencionais. Em uma entrevista anterior, ele apontou que existe uma tradição na literatura russa de oficiais militares transformarem suas experiências em livros - Tolstoi, Lermontov e Solzhenitsyn. Suvorov não se classifica entre esses grandes nomes, mas observa que a guerra oferece um rico material. “Há uma sensação de romance na batalha”, diz ele.

Pós-Skripal, ele escreveu um novo livro sobre o GRU, atualmente sendo traduzido do russo para o inglês e com publicação programada para o próximo ano. Ele diz que seus treinadores na academia GRU em Moscou nunca mencionaram explicitamente novichok para ele; a URSS desenvolveu o poderoso agente nervoso na década de 1970 e parece ser uma das muitas substâncias letais à disposição do GRU. Mas seus instrutores deixaram claro que, “de vez em quando”, o GRU tem que eliminar seus inimigos. Disseram-lhe: “Quando você fizer essa operação, um especialista irá encontrá-lo. Ele explicará pessoalmente como fazer.” O GRU tem sua própria diretoria de produtos químicos, diz ele.

Kontrol (Controle, 1994).
O primeiro de uma trilogia de sucesso sobre o período stalinista.

Além da tentativa de assassinato em Salisbury, o Kremlin interferiu na política britânica ao ajudar na votação do Brexit? Suvorov admite que não tem informações privilegiadas aqui, mas, com base em seu conhecimento dos métodos de Moscou, ele acha que era uma oportunidade: "Se houver qualquer tipo de problema interno no campo de seu inimigo, tente explorá-lo."

Apesar de nossa atual turbulência política, ele continua sendo um admirador da Grã-Bretanha, descrevendo-a como um lugar de grande “imaginação criativa”. E quanto a seus espiões? Ele se recusa a dizer muito sobre o MI6, a organização que o levou para uma nova vida, exceto que está cheio de pessoas “inteligentes” e “profissionais”.

Box da trilogia Controle (Контроль / Kontrol, 1995), Escolha (Выбор /Vybor, 2005) e Comedor de cobras (Змиеядеца /Zmiyeyadetsa, 2010). A trilogia foi cotada para uma adaptação no cinema.

Conheci muitos russos que vivem no exílio. Eles incluem desertores da KGB querendo ajuda com suas memórias, oligarcas que brigaram com Putin e oponentes políticos do regime em Moscou. Alguns se adaptam ao exílio; outros não. Suvorov é, sem dúvida, o mais feliz que encontrei. Ele ainda está em um casamento amoroso. Seus filhos adultos são inteligentes e bem-sucedidos, diz ele, e ele tem dois netos.

Ainda há toda a possibilidade do GRU tentar matá-lo, diz ele. Isso apesar do fato de que seus livros têm - até certo ponto - lisonjeado o GRU e servido como um anúncio de suas atividades subterrâneas. “Eles vão me perdoar? Não. Não é uma questão de saber se eles gostam ou não de mim. É um exemplo para todos os outros. Sim, você pode escapar. Sim, eles gostam dos seus livros. Mas eles vão se lembrar de você, sempre.”

Antes de apertarmos as mãos e seguirmos nossos caminhos separados, faço a Suvorov uma pergunta final e delicada. Não quero revelar o endereço da sua casa - não sei - mas onde devo dizer que ele mora? Suvorov ri novamente. “Diga Inglaterra. Ou talvez no País de Gales. Ou talvez Grã-Bretanha.”

Vídeo recomendado:


Bibliografia recomendada:

A KGB e a Desinformação Soviética: A visão de um agente interno,
Ladislav Bittman.

Leitura recomendada:









domingo, 13 de junho de 2021

FOTO: Crianças guerrilheiras no Tonquim

"Jovens guerrilheiros usam granadas no cinto, preparando-se para lutar contra as forças invasoras do Viet-Minh no Delta do Rio Vermelho, norte do Vietnã, 1954."
(Howard Sochurek / The LIFE Picture Collection)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 13 de junho de 2021.

A foto tirada por Howard Sochurek para a LIFE Magazine mostra uma das muitas instâncias da brutalidade dos mais de 30 anos da guerra no subcontinente da Indochina. Três crianças-soldados, dois meninos e uma menina, levemente equipados e assumindo responsabilidades militares. Até a queda de Saigon em 1975, os dois lados usariam combatentes em idades inferiores a 15 anos (a idade militar mínima segundo a ONU).

Tania Sochurek, viúva do fotógrafo Howard Sochurek:

O conflito no Vietnã durou quase 20 anos. Howard era fotógrafo da equipe da LIFE no início dos anos 1950, quando foi designado para cobrir os combates no que então era a Indochina. Ele esteve presente na queda brutal - e histórica - de Dien Bien Phu, que marcou o fim do envolvimento francês na região.

É uma loucura pensar que essas três crianças com granadas estavam partindo para lutar contra o exército Viet-Minh. Infelizmente, eles provavelmente morreram rapidamente na guerra. Esta é uma foto que Howard achou muito poderosa.

Em 1954, Howard estava novamente em missão no Vietnã quando foi chamado para casa em Milwaukee para ficar com sua mãe, que estava com uma doença terminal. O aclamado fotógrafo Robert Capa veio para substituí-lo e cobrir o combate. Pouco tempo depois, Capa foi morto por uma mina terrestre enquanto estava em missão com as tropas americanas. Com o passar dos anos, Howard costumava contar essa história e se lembrar com tristeza de que Capa morrera cobrindo sua missão. Ele estava imensamente orgulhoso de receber o prêmio Medalha de Ouro Robert Capa Robert por "fotografia superlativa que exige coragem excepcional e iniciativa no exterior" do Overseas Press Club em 1955.

Reverso e anverso da Medalha de Ouro Robert Capa.
Howard Sochurek foi seu primeiro recipiente.

Outro correspondente famoso, Bernard Fall - até hoje referência sobre a Guerra da Indochina e a cultura no Vietnã, Camboja e Laos - também morreu no Vietnã enquanto cobria o conflito na "fase americana", em 21 de fevereiro de 1967. Ironicamente o bastante, ele morreu na "Rua Sem Alegria" (La rue sans joie / Street Without Joy), na região da Rota Colonial/Nacional 1 entre Hue e Quang Tri, e que dá nome ao seu livro mais famoso:

Street Without Joy:
The French Debacle in Indochina.
Bernard B. Fall.

O Vietnã permanece envolvido em conflito intermitente - com muitos períodos de conflito permanente - da invasão japonesa de 1940 até a queda de Saigon em 1975, os expurgos comunistas no Sul conquistado, na guerra do Camboja e na invasão chinesa de 1979.

O caráter provinciano e localizado das vilas vietnamitas e montanhesas - minorias "Moi" ("selvagem") vivendo nas terras elevadas - favorecia esse tipo de ocorrência. Esse tipo de organização tribal é comum na Ásia, com a ideia de proteção da infância uma característica especificamente ocidental. Em uma ocasião narrada pelo general sul-vietnamita Lam Quang Thi, uma aldeia montanhesa foi atacada por vietcongues. A força de auto-defesa da vila entrou em ação e segurou o ataque. Durante a batalha, uma menina de 4 anos pegou um cunhete de munição e correu para o pai que operava a metralhadora da vila, cruzando pesado fogo inimigo para fazê-lo.

A ação da menina foi essencial para a defesa da vila.

Bibliografia recomendada:

Meninos soldados:
Quando as crianças vão à guerra.
Jimmie Briggs.

Leitura recomendada:




FOTO: Medindo a saia

Um policial sul-coreano mede o comprimento da saia de uma mulher, 1973.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 13 de junho de 2021.

Nesse período, roupas muito curtas ou, por exemplo, homens com cabelo comprido eram proibidas. Nas culturas asiáticas orientais é colocada muita ênfase na apresentação, especialmente em pessoas públicas ou que representam o Estado.

Um problema semelhante foi enfrentado pela polícia russa, com as policiais usando saias excessivamente curtas.

O Comando da polícia russa precisou ordenar tamanhos mínimos para as saias policiais.

Leitura recomendada:

HUMOR: As 4 Fases da Mulher Policial, 21 de janeiro de 2020.




FOTO: Armada & Perigosa, 11 de fevereiro de 2021.

FOTO: Prisioneiros de guerra bem penteados, 5 de maio de 2021.

FOTO: J.E. O'Toole, Serviço Feminino Rodesiano1º de março de 2020.


sexta-feira, 11 de junho de 2021

COMENTÁRIO: Desengajar-se de um atoleiro


Pelo Ten.-Cel. Michel Goya, La Voie de l'Épée, 9 de junho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de junho de 2021.

“Faz-se a guerra quando se quer, termina-a quando se pode."
Nicolas Machiavelli.

Lançada em dezembro de 2013, a operação francesa Sangaris tinha como objetivo apoiar as forças interafricanas para acabar com a "falência total da ordem pública, a ausência do Estado de Direito e as tensões inter-religiosas" no país. Anunciada há seis meses, a operação não saiu conforme o planejado. Não houve nenhum efeito espantoso ao avistar os soldados franceses, nem um influxo maciço de nações europeias e africanas que se ofereceram para participar na missão, e as forças envolvidas foram notoriamente insuficientes. O problema é que as forças francesas também estiveram engajadas no Sahel e logo seriam lançadas em duas outras "operações cujo fim não vemos"no Levante em setembro de 2014 e nas ruas da França com a Operação Sentinela. É fácil para o executivo na França engajar as forças armadas, mas muitas vezes é muito mais difícil para ele pôr fim a esses mesmos compromissos.


Como no Xadrez ou no Go, o fim das campanhas militares tem uma lógica própria diferente de “aberturas”, sempre mais fáceis de apreender, e “ambientes de campo” onde o emaranhamento das ações dialéticas está no seu máximo e o desfecho ainda incerto. Uma das diferenças entre as operações externas e o Xadrez ou Go, porém, reside no fato de serem realizadas no mínimo três com um poder interveniente associado a um poder local, geralmente um Estado, enfrentando também pelo menos um inimigo local. Do ponto de vista do poder interveniente, este fim da campanha só é realmente problemático quando já não está claro qual pode ser o resultado ou quando aquele que surge não é favorável.

A dificuldade de questionar


Esse ponto de inflexão nem sempre é muito fácil de entender, especialmente em operações complexas entre populações. Indicadores numéricos podem ser usados, mas podem ser enganosos por si próprios. Na primavera de 2004, no Iraque, os ataques às tropas americanas diminuíram consideravelmente em comparação com o outono de 2003. Concluiu-se que a situação estava melhorando. Na realidade, essa diminuição correspondeu tanto a uma ação mais clandestina dos rebeldes quanto aos riscos menores assumidos pelas forças americanas algumas semanas antes do socorro. Nos relatórios apresentados, a situação era boa, na realidade ela estava piorando. Em abril de 2004, a resistência de Fallujah, a revolta xiita mahdista, o colapso das novas forças de segurança iraquianas e a revelação dos abusos na prisão de Abu Ghraib foram surpresas muito desagradáveis. Se esses indicadores são úteis, eles devem ser escolhidos entre si e acima de tudo apoiarem as avaliações de pessoas que conhecem o ambiente perfeitamente, esperando que eles não sejam distorcidos pelo desejo de dizer o que se quer ouvir.

No entanto, apesar de um bom feedback, aceitar as coisas ainda pode levar algum tempo. A Força Multinacional de Segurança de Beirute (Force multinationale de sécurité de BeyrouthFMSB), que reunia três contingentes europeus e um contingente americano, foi enviada à capital libanesa em setembro de 1982 com a missão de apoiar as Forças Armadas Libanesas (FAL) na segurança da cidade. No verão de 1983, os ataques da milícia xiita Amal e depois do Partido Socialista Progressivo contra as FAL revelaram a contradição entre querer apoiar uma força armada engajada no combate, mas se recusar a entrar no combate também. Apesar de sua neutralidade declarada, a FMSB foi então objeto de vários ataques e 15 soldados franceses foram mortos de junho a outubro de 1983. A constatação de tal crise operacional deveria logicamente ter levado a uma revisão das condições de execução da missão e uma escolha de ruptura, seja no sentido de uma transformação radical dos meios e métodos, seja no sentido do abandono. No entanto, na maioria das vezes é a continuação da operação sem grandes mudanças que é decidida.


Estamos continuando na mesma direção, antes de mais nada, simplesmente porque poucos tomadores de decisão, de oficiais de campo ao presidente-executivo, raramente se questionam. Mudar radicalmente é admitir que erramos. É ainda mais complicado porque estamos atuando em coalizão e a prévia mobilização da opinião pública tem sido forte. É difícil anunciar que vamos desistir de lutar com inimigos que apresentamos como maus e que prometemos destruir. A duração das guerras entre as populações muitas vezes supera a dos turnos operacionais e dos mandatos eleitorais, por isso é sempre tentador quando se percebem dificuldades de deixar o cuidado da ruptura para os sucessores. Muitas adaptações são feitas, mas geralmente são mais destinadas a reduzir os riscos, mantendo tropas em bases, por exemplo, ou convocando forças aéreas, o que reduz ainda mais a capacidade de influenciar os eventos.

Durar e esperar


Ao minimizar o risco e a exposição à mídia, pode ser possível durar muito tempo sem nenhum efeito, mas também com poucas perdas. Na melhor das hipóteses, o contexto político local pode mudar drasticamente ou uma missão das Nações Unidas pode estar disposta a assumir o fardo. É então possível recuar na honra ou, na falta disso, permanecer no segundo escalão. No pior dos casos, a situação piora. Persistir sem mudar radicalmente é esperar o desastre. No início de outubro de 1983, o presidente Mitterrand declarou novamente às Nações Unidas que "a França não tem inimigos no Líbano". Poucos dias depois, em 23 de outubro, dois ataques suicidas mataram 58 soldados franceses e 241 americanos.

Assim, fica difícil admitir diante da opinião pública que as coisas estão indo na direção certa e o incentivo para mudar de postura torna-se muito forte. Paradoxalmente, esta nova pressão exerce-se sim também aí, pelo menos inicialmente, no sentido de uma continuação em nome do princípio dos custos irrecuperáveis ​​que incita à continuação de uma atividade, mesmo negativa, porque já se pagou para poder realizar esta mesma atividade. Em termos militares, isso significa considerar que os soldados caídos não devem ter morrido à toa. A isso costuma-se adicionar, como também após um ataque terrorista, o desejo de vingança. A menos que você esteja satisfeito com operações aéreas seguras (e às vezes sem alvos), isso equivale a derrubar soldados sem ressuscitar aqueles que já estão mortos. A história mantém o nome do ajudante-chefe Franck Bouzet, o último soldado a cair em ação no Afeganistão em 7 de julho de 2012, quando as forças francesas estavam se retirando. Na verdade, ele foi apenas o mais recente em uma série de mortes que se tornaram desnecessárias quando o escalão político entendeu que a continuação da operação não daria resultados políticos e que nenhuma mudança radical seria necessária.

Adjudant-chef Franck Bouzet.

Quando a retirada realmente começa, os "mortos para nada" não são mais os do passado, mas os do futuro. Ocorre então uma espécie de fuga, entre aliados de uma coalizão e até mesmo dentro do país, à pressão política interna. A data do fim da missão francesa em Kapisa-Surobi passou assim de 2014 para 2012 de acordo com a licitação dos candidatos presidenciais.

Saída com sucesso


Mudar as coisas drasticamente pode significar mudar sua postura e, de repente, engajar muito mais recursos. Na melhor das hipóteses, podemos esperar sucesso e, na pior, negociar em melhores condições. É isso que tenta o general de Gaulle com o "Plano Challe" na Argélia em 1959 ou o presidente Nixon no Vietnã em 1972, apoiando maciçamente o exército sul-vietnamita contra a ofensiva do norte e lançando uma grande operação de bombardeio de Hanói. Se o primeiro caso não dá os resultados políticos esperados (e ainda mantém a cruel ilusão de "ter vencido militarmente"), o segundo permite de fato negociar uma retirada "em honra". O único caso moderno de uma "explosão" bem-sucedida é aquela realizada no Iraque em 2007, com o reforço significativo de 30.000 soldados e a generalização das melhores práticas de contra-insurgência. Acima de tudo, esse engajamento acelerou a transformação do cenário político local ao acompanhar a mudança de aliança dos guerrilheiros sunitas. O equilíbrio de poder foi então suficiente para derrotar os grupos jihadistas e, em seguida, o exército do Mahdi de Moqtada al-Sadr. Isso facilitou a retirada das forças americanas em 2010 do que se tivesse acontecido em 2007, conforme planejado.

Sem poder injetar novas forças, é possível, desde que ainda haja algum espaço de manobra, considerar "onde isso termina?". O envolvimento francês no Chade de 1969 a 1972 pode ser visto como um modelo a esse respeito. A partir de 1971, entendemos que a continuação da Operação Bisonte (Bison) no norte do país não conseguirá destruir a Frente de Libertação Nacional (Front de libération nationaleFrolinat), ou a um custo muito significativo. Estamos, portanto, contentes por termos pacificado o sul do país, reorganizado a administração e as Forças Armadas do Chade (Forces armées tchadiennesFAT). De acordo com o governo local, o presidente Pompidou declara a missão cumprida e marca simbolicamente o fim com uma viagem oficial ao local. As forças francesas são retiradas, com exceção de um pequeno batalhão que permanece por três anos apoiando as FAT. Na realidade, o conflito não acabou, mas as coisas estão estáveis ​​o suficiente para introduzir um "período de decência" que garantirá que uma nova deterioração da situação não possa ser atribuída ao abandono dos franceses.


Na verdade, as forças francesas intervieram novamente seis anos depois com a Operação Tacaud. O contexto político é porém muito mais instável e os sucessos táticos não permitem estabilizar a situação como em 1972. Ao cabo de dois anos, a operação é abandonada, fato excepcional, pelo executivo que a iniciou, facilitada é verdade pela baixa exposição midiática. O mesmo se aplica à Operação Noroît (Vento Noroeste), lançada em Ruanda em 1990 para ajudar as forças armadas ruandesas a lutar contra o grupo Frente Patriótica Ruandesa (Front patriotique rwandaisRPF). A discrição total (a operação ainda não está classificada na lista oficial de operações estrangeiras) permite que seja facilmente desmontada em 1993, após a assinatura dos acordos de Arusha.

Agora é difícil, inclusive para a França, lançar uma operação discreta. Este é um incentivo na melhor das hipóteses para enfrentar coisas de forma realista como o presidente Hollande lançando a Operação Serval no Mali em 2013 ou o presidente Bush quando ele anuncia que 2007 será "sangrento e violento". Mas isso pode encorajar, ao contrário, o recurso à hipérbole, como os discursos do chanceler Laurent Fabius, ou, ao contrário, à busca da invisibilidade total com o uso de forças especiais ou clandestinas. A narrativa inicial é importante porque envolve o futuro, mas a narrativa final também o é. Embora seja raro ser capaz de reivindicar a vitória, como depois da Guerra do Golfo em 1991, pode ser possível demonstrar que a missão, apesar de tudo, foi cumprida.

O sucesso de uma operação reside na transformação favorável de um contexto político local. Isso exige, desde o início, uma correspondência entre o realismo dos objetivos, a adequação dos recursos e a relevância dos métodos. Um exame retrospectivo de todas as operações "travadas" por cinquenta anos tende a mostrar que essa combinação foi possível com uma boa análise inicial da situação. Caso contrário, o déficit analítico deve ser compensado com coragem política, narrativa realista e aceitação de uma mudança radical de estratégia. O mesmo exame tende a provar que é ainda mais raro do que as boas análises iniciais.

Publicado na revista Défense et sécurité internationale (Defesa e Segurança Internacional, DSI) nº 130, julho-agosto de 2017.

Michel Goya, tenente-coronel e editor do Centro de Doutrina de Emprego de Forças (Exército), é responsável por fornecer feedback das operações francesas e estrangeiras na região da Ásia/Oriente Médio. Ele é o autor de La Chair et l'Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução tática do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Este livro foi traduzido como A Invenção da Guerra Moderna pela Bibliex. Goya também foi o autor do livro Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail (traduzido no Brasil como Sob Fogo: A morte como hipótese de trabalho).

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.

Leitura recomendada:




COMENTÁRIO: Por que ler Beaufre hoje?12 de fevereiro de 2021.


A Arte da Guerra em Duna17 de setembro de 2020.