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quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

FOTO: Homens da Legião Indiana da Wehrmacht

Legionários indianos da Wehrmacht sendo inspecionados por generais alemães.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 26 de agosto de 2021.

Homens da Legião Índia Livre, 2 SS-Hauptsturmführers, 3 SS-Obersturmführers e 9 SS-Untersturmführers sendo inspecionados por generais alemães da Luftwaffe. Eles apresentam uniformes alemães com turbantes sikhs e, como os postos indicam, eles já eram parte da Waffen-SS. A Legião Indiana, assim como a Legião Árabe, era uma unidade simbólica para propaganda, sem grandes efetivos e com baixa capacidade de combate. Ela foi usada primariamente em missões contra-guerrilha, cometendo crimes contra partisans e a população civil na Holanda e na França; sendo desprezados pela população local.

A Legião Indiana (Indische Legion), oficialmente a Legião da Índia Livre (Legion Freies Indien) ou 950º Regimento de Infantaria (Indiano) (Infanterie-Regiment 950 (indisches)), foi uma unidade militar criada durante a Segunda Guerra Mundial inicialmente como parte do Exército Alemão e mais tarde da Waffen-SS a partir de agosto de 1944.

Com o objetivo de servir como força de libertação para a Índia governada pelos britânicos, era composta de prisioneiros de guerra indianos e expatriados na Europa. Devido às suas origens no movimento de independência indiana, era também conhecida como "Legião Tigre" e "Azad Hind Fauj" (Exército Nacional Indiano, tal qual o exército pró-japonês). Como parte da Waffen-SS, era conhecida como Legião Voluntária Indiana da Waffen-SS (Indische Freiwilligen Legion der Waffen-SS).

Escudo da Legião Indiana usado no braço.

O líder da independentista indiano, Subhas Chandra Bose, iniciou a formação da legião, como parte de seus esforços para conquistar a independência da Índia travando uma guerra contra a Grã-Bretanha, quando foi a Berlim em 1941 em busca de ajuda alemã. Os recrutas iniciais em 1941 eram voluntários dos estudantes indianos residentes na Alemanha na época, e um punhado de prisioneiros-de-guerra (PG) indianos que haviam sido capturados durante a Campanha do Norte da África. Posteriormente, atrairia um número maior de PG indianos como voluntários.

Embora a legião tenha sido inicialmente criada como um grupo de assalto que formaria o precursor da invasão conjunta alemã-indiana das fronteiras ocidentais da Índia britânica, apenas um pequeno contingente foi colocado em seu propósito original. Outro pequeno contingente, incluindo grande parte do corpo de oficiais indianos e da liderança dos suboficiais, foi transferido para o Exército Nacional Indiano pró-japonês no Sudeste Asiático. A maioria das tropas da Legião Indiana recebeu apenas tarefas não-combatentes na Holanda e na França até a invasão dos Aliados na Normandia. Eles viram ação na retirada diante do avanço Aliado pela França, lutando principalmente contra a Resistência Francesa.

A 9º companhia do 2º batalhão da Legião foi enviada para a Itália em 1944, onde entrou em ação contra as tropas britânicas e polonesas, sendo depois empregada em operações anti-partisans até 1945, se rendendo aos Aliados junto das demais unidades do Eixo na Itália.

Os primeiros voluntários foram feitos prisioneiros em El Mekili, durante as batalhas por Tobruk, na Líbia. No geral, havia cerca de 15.000 PG indianos na Europa, principalmente mantidos na Alemanha em 1943. Enquanto alguns permaneceram leais ao rei-imperador George VI e trataram Bose e a Legião com desprezo, a maioria foi pelo menos um pouco simpática à causa de Bose. Enquanto cerca de 2.000 se tornaram legionários, alguns outros não concluíram o treinamento devido a vários motivos e circunstâncias. No total, o tamanho máximo da Legião era de 4.500 homens formando um regimento.

O Exército Indiano Britânico organizou regimentos e unidades com base na religião e na identidade regional ou de casta. Bose procurou acabar com essa prática e construir uma identidade indiana unificada entre os homens que lutariam pela independência. Consequentemente, a Legião Indiana foi organizada como unidades mistas para que muçulmanos, hindus e sikhs servissem lado a lado. Na época de sua formação, no final de 1942, 59% dos homens da legião eram hindus, 25% eram muçulmanos, 14% eram sikhs e 2% outras religiões. Em relação ao exército indiano britânico, havia mais hindus e sikhs e menos muçulmanos.

Essa visão nacionalista impediu que a Legião Indiana fosse incorporada na Divisão SS Handschar, composta por bósnios e croatas. O próprio Hitler sugeriu que as armas da legião fossem retiradas e entregues às 18ª Divisão Panzergrenadier de Voluntários SS "Horst Wessel", composta por volksdeutsche húngaros, bradando "a Legião Indiana é uma piada!".

Dois legionários indianos, um com turbante sikh, conversam com um legionário árabe ao fundo.
Ilustração de Kevin Lyles para o livro Foreign Volunteers of the Wehrmacht 1941–45, Osprey Publishing.

A legião estava estacionada em Lacanau (perto de Bordéus) na época dos desembarques na Normandia e permaneceu lá por até dois meses após o Dia D. Em julho de 1944, a legião foi incumbida de suprimir a Resistência Francesa e capturar civis para fins de trabalhos forçados. Enquanto suprimia os partisans franceses em agosto de 1944, 25 legionários desertaram para a Resistência Francesa. Apesar da promessa de que seriam entregues às Forças Aliadas, o grupo de legionários foi executado por elementos anarquistas da Resistência.

Em 8 de agosto de 1944, Himmler autorizou a transferência de seu controle para a Waffen-SS, como o de todas as outras unidades de voluntários estrangeiras do exército alemão. A unidade foi renomeada como Indische Freiwilligen Legion der Waffen-SS.

Em 15 de agosto, a unidade deixou Lacanau para retornar à Alemanha. Foi na segunda etapa desta jornada, de Poitiers a Châteauroux, que ela sofreu sua primeira baixa em combate (Tenente Ali Khan) enquanto enfrentava forças regulares francesas na cidade de Dun. A unidade também se envolveu com blindados Aliados em Nuits-Saint-Georges enquanto recuava através do Loire para Dijon. Foi regularmente assediado pela Resistência Francesa, sofrendo mais duas baixas (Tenente Kalu Ram e Capitão Mela Ram). A unidade moveu-se da Remiremont através da Alsácia para o Campo Heuberg na Alemanha no inverno de 1944, onde permaneceu até março de 1945.

Com a iminente derrota do Terceiro Reich em maio de 1945, o restante da Legião Indiana estacionada na Alemanha buscou refúgio na neutra Suíça. Eles empreenderam uma marcha desesperada de 2,6 quilômetros ao longo das margens do Lago de Constança, tentando entrar na Suíça pelas passagens alpinas. A legião foi capturada pelas forças americanas e francesas, no entanto, e entregue às forças britânicas e indianas na Europa. Há algumas evidências de que algumas dessas tropas indianas foram fuziladas por tropas francesas marroquinas na cidade de Immenstadt após sua captura, antes que pudessem ser entregues às forças britânicas. As tropas capturadas seriam posteriormente enviadas de volta para a Índia, onde alguns seriam julgados por traição.

Depois do alvoroço que os julgamentos de indianos que serviram no Eixo causaram entre civis e militares da Índia britânica, os julgamentos dos membros da legião não foram concluídos; seu status como traidores ou heróis da independência permanecendo ambíguo.

Bibliografia recomendada:

Foreign Volunteers of the Wehrmacht 1941–45.
Carlos Caballero Jurado e Kevin Lyles.

Leitura recomendada:

Jornal saudita chama a Irmandade Muçulmana de "nazistas", 13 de abril de 2020.

GALERIA: O Steyr AUG e os fuzis bullpup na Índia, 28 de julho de 2020.

FOTO: O mais novo voluntário da Legião Francesa de Voluntários contra o Bolchevismo, 18 de dezembro de 2020.

FOTO: Soldado russo da Wehrmacht, 31 de outubro de 2020.

VÍDEO: As Osttruppen eram apenas bucha de canhão?, 12 de fevereiro de 2021.

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

COMENTÁRIO: A Vitória de Pirro do Paquistão no Afeganistão


Por Husain Haqqani, Foreign Affairs, 22 de julho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de agosto de 2021.

O establishment de segurança do Paquistão está aplaudindo os recentes avanços militares do Talibã no Afeganistão. Os linha-dura do país canalizaram apoio ao Talibã por décadas, e agora eles podem imaginar seus aliados firmemente instalados em Cabul. O Paquistão conseguiu o que desejava - mas se arrependerá. A tomada do Talibã deixará o Paquistão mais vulnerável ao extremismo em casa e potencialmente mais isolado no cenário mundial.

O fim da guerra de 20 anos dos Estados Unidos no Afeganistão também promete marcar uma virada em seu relacionamento com Islamabad. O Paquistão há muito velou suas ambições no Afeganistão para manter relações com Washington, mas esse ato de equilíbrio - visto em Washington como um jogo duplo - será impossível no caso de um emirado islâmico reconstituído ser estabelecido em Cabul. Esta não seria a justificativa que os militares do Paquistão estão esperando: o Talibã tem menos probabilidade de ceder ao Paquistão em seu momento de triunfo, e os americanos provavelmente não se reconciliarão com o grupo a longo prazo. O cenário de pesadelo do Paquistão seria encontrar-se preso entre um Talibã incontrolável e demandas internacionais para controlá-los.

A vitória do Talibã terá um efeito igualmente desastroso na paz e segurança interna do Paquistão. O extremismo islâmico já dividiu a sociedade paquistanesa em linhas sectárias, e a ascensão de islâmicos afegãos na vizinhança apenas encorajará os radicais em casa. Esforços para forçar a mão do Talibã podem resultar em uma reação violenta, com o Talibã do Paquistão atacando alvos dentro do Paquistão. E se a luta entre o Talibã e seus oponentes piorar, o Paquistão terá que lidar com um novo fluxo de refugiados. Uma guerra civil na porta ao lado prejudicaria ainda mais a economia em dificuldades do país. Os críticos paquistaneses do envolvimento de seu país com o Talibã há muito temem e previam esse cenário. Mas os generais do Paquistão vêem o Talibã como um parceiro importante em sua competição com a Índia. Enquanto isso, líderes civis fracos em Islamabad concordaram com uma política que prioriza a eliminação da influência real ou percebida da Índia no Afeganistão.

Por décadas, o Paquistão jogou um jogo arriscado, apoiando ou tolerando o Talibã e também tentando permanecer nas boas graças de Washington. Funcionou por mais tempo do que muitos poderiam esperar, mas nunca seria sustentável a longo prazo. O Paquistão conseguiu chutar a lata pela estrada por muito tempo. Em breve, porém, chegará ao fim da estrada.

A Obsessão com a Índia

O sistema de segurança do Paquistão há muito tempo está obcecado em impor um governo amigo em Cabul. Essa fixação está enraizada na crença de que a Índia está conspirando para dividir o Paquistão ao longo de linhas étnicas e que o Afeganistão será a plataforma de lançamento para insurgências antigovernamentais nas regiões do Baluchistão e Khyber Pakhtunkhwa do Paquistão. Esses temores têm suas raízes no fato de que o Afeganistão reivindicou partes do Baluchistão e das regiões pashtun do Paquistão na época da criação do Paquistão em agosto de 1947. O Afeganistão reconheceu o Paquistão e estabeleceu relações diplomáticas alguns dias depois, mas não reconheceu a Linha Durand, desenhada pelos britânicos como uma fronteira internacional até 1976. O Afeganistão também permaneceu amigo da Índia, levando o Paquistão a permitir que os islâmicos afegãos se organizassem em seu território antes mesmo da ocupação soviética do Afeganistão em 1979.


Apesar da ampla cooperação EUA-Paquistão no Afeganistão durante a Guerra Fria, os dois países nunca reconciliaram verdadeiramente seus interesses divergentes no país. Os Estados Unidos enviaram armas e dinheiro para os mujahideen através do Paquistão como parte de uma estratégia global para sangrar a União Soviética, mas mostraram pouco interesse no futuro do Afeganistão depois que os soviéticos partiram. As autoridades paquistanesas, por outro lado, viram a jihad anti-soviética como uma oportunidade de transformar o Afeganistão em um estado satélite. Eles favoreciam os mujahideen mais fundamentalistas na esperança de que um futuro governo sob seu controle rejeitasse a influência indiana e ajudasse a suprimir o nacionalismo étnico Baloch e Pashtun ao longo de sua fronteira comum.

Essas diferenças não resolvidas apodreceram nas décadas seguintes. Mesmo depois que o Paquistão se tornou o centro logístico para as forças dos EUA no Afeganistão após o 11 de setembro, as autoridades em Islamabad se preocuparam com a influência da Índia em Cabul. Os militares do Paquistão apoiaram o Talibã, argumentando que o grupo representava uma realidade que seu país, como vizinho do Afeganistão com uma população etnicamente sobreposta, não poderia ignorar. Para simpatizantes islâmicos, incluindo aqueles dentro do establishment, também havia um prazer perverso em causar dor aos Estados Unidos.

A vitória do Taleban terá um efeito desastroso na paz e segurança interna do Paquistão.

O General Hamid Gul, ex-chefe da Inteligência Inter-Serviços (Inter-Services Intelligence, ISI) do Paquistão, expôs publicamente em 2014 como o ISI usou a ajuda fornecida pelos Estados Unidos após o 11 de setembro para continuar financiando o Talibã e como se beneficiou da decisão dos EUA de inicialmente ignorar o grupo islâmico afegão em favor de sua perseguição à Al Qaeda. Ele disse a uma audiência de televisão em 2014: “Quando a história for escrita, será declarado que o ISI derrotou a União Soviética no Afeganistão com a ajuda da América. Então haverá outra frase. O ISI, com a ajuda da América, derrotou a América.”

Mais recentemente, altos funcionários paquistaneses também se gabaram do fracasso dos EUA em eliminar o Talibã. O envolvimento diplomático de Washington com o grupo islâmico, eles acreditam, equivale a uma aceitação tácita de sua influência no Afeganistão. Após a assinatura do acordo EUA-Talibã em Doha em fevereiro de 2020, que abriu o caminho para a retirada das tropas americanas, Khawaja Muhammad Asif, um ex-ministro da Defesa e ministro das Relações Exteriores do Paquistão, tuitou uma foto dos Secretário de Estado americano Mike Pompeo em reunião com o líder talibã Mullah Abdul Ghani Baradar. Ele acrescentou um comentário: “Você pode ter a força do seu lado, mas Deus está conosco. Allah u Akbar!”

Como ministro das Relações Exteriores, Asif insistiu que as relações do Paquistão com o Talibã apenas refletiam o reconhecimento de sua força política no Afeganistão. Ele também criticou os Estados Unidos por transformarem o Paquistão em um "menino chicoteado" por não conseguirem destruir o grupo. Mas ele não sentiu necessidade de uma dupla fala diplomática neste momento de triunfo. Para paquistaneses como Gul e Asif, a vitória iminente do Talibã também é uma vitória das operações secretas do Paquistão.

O Brigadeiro Dogbar, do ISIS, posando em Gardez, no Afeganistão, enquanto uma unidade soviética é emboscada por mujahideens, metade dos anos 1980.

É provável que esse triunfalismo saia pela culatra. Os americanos nunca reconheceram como séria a percepção do Paquistão de uma ameaça existencial da Índia, e é por isso que eles nunca entenderam a preferência do Paquistão por islamistas pashtuns em relação aos nacionalistas afegãos. As autoridades paquistanesas, ao longo dos anos, optaram por negar categoricamente as ações do Paquistão no Afeganistão ou explicá-las. Isso gerou acusações de fraude por parte dos americanos, gerando ainda mais desconfiança nas relações bilaterais. As relações com a Índia e o resto do mundo também sofreram, e o Paquistão passou a depender excessivamente da China.

De sua dívida externa de US$ 90 bilhões, o Paquistão deve 27% - ou mais de US$ 24 bilhões - a Pequim. Também foi forçado a confiar em tecnologia militar chinesa de qualidade inferior depois de perder a assistência militar dos EUA.

Longe de ser "normal"

Trinta anos de apoio à jihad também alimentaram a disfunção interna do país. Sua economia tem lutado, exceto em anos de generosa ajuda americana. Radicais islâmicos locais incitaram a violência esporádica, como ataques terroristas a minorias religiosas e rebeliões exigindo a expulsão do embaixador francês por suposta blasfêmia na França contra o profeta Maomé. Os direitos das mulheres têm sido questionados e ameaçados publicamente, e as redes sociais e convencionais são regularmente censuradas para acomodar às sensibilidades islâmicas radicais. O governo foi forçado a “islamizar” o currículo em detrimento dos cursos de ciências e pensamento crítico.

Ironicamente, a retirada americana do Afeganistão ocorre em meio a promessas de reverter essas tendências. Quatro anos atrás, o atual chefe do exército do Paquistão, General Qamar Javed Bajwa, declarou que queria transformar o Paquistão em um "país normal". Desde então, ele também falou sobre a necessidade de melhorar as relações com a Índia e reduzir a dependência do Paquistão da China.

Essa visão de transformação incluiu um esforço para possibilitar um acordo no Afeganistão. O Paquistão começou a cercar a longa e porosa fronteira com seu vizinho, fez aberturas ao governo de Cabul e prometeu ajudar os Estados Unidos a chegar a um acordo de paz. Bajwa indicou a disposição do Paquistão de expandir seus parceiros no Afeganistão para incluir facções não-talibãs. O ISI organizou reuniões entre negociadores americanos e alguns líderes do Talibã, levando ao Acordo de Doha, que definiu um cronograma para a retirada militar dos EUA em troca de vagas promessas do Talibã de iniciar negociações de paz com outros afegãos e evitar que territórios controlados por eles fossem usados para lançar ataques terroristas contra os Estados Unidos.

É improvável que os Estados Unidos perdoem tão cedo o Paquistão por seu apoio de décadas ao Talibã.

Em vez de estimular o retorno à normalidade no Paquistão, este acordo apenas agravará os desafios do país. Dada a ideologia de linha dura do Talibã, não era realista para os negociadores americanos esperar que o grupo fizesse um acordo com outros afegãos, especialmente o governo de Cabul. E embora o Paquistão tenha facilitado este acordo na esperança de que melhorasse sua posição com os Estados Unidos, agora é provável que seja culpado pela recusa do Talibã em parar de lutar e concordar com o compartilhamento do poder. O desejo declarado de Bajwa de mudar o curso foi impedido pelas políticas anteriores do Paquistão. Dado o relacionamento ruim do Paquistão com quase todos os outros grupos no Afeganistão, ele pode ter pouca escolha a não ser ficar com o Talibã no caso de uma nova guerra civil na fronteira noroeste.


O acordo também não alcançará os objetivos de contraterrorismo de Washington. Um relatório do Conselho de Segurança da ONU publicado em junho concluiu que o Talibã não rompeu laços com a al-Qaeda e que altos funcionários da al-Qaeda foram recentemente mortos "ao lado de associados do Talibã enquanto co-alocados com eles". O relatório também identificou a rede Haqqani, um grupo que os militares americanos uma vez descreveram como um "verdadeiro braço do ISI do Paquistão", como a principal ligação do Talibã com a al-Qaeda. “Os laços entre os dois grupos permanecem próximos, com base no alinhamento ideológico, relações forjadas por meio de lutas comuns e casamentos mistos”, diz o relatório.

O secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, enquanto isso, disse que a al-Qaeda poderia se reconstituir no Afeganistão dentro de dois anos de uma retirada americana. Nenhum desses fatos mudou o compromisso do presidente Joe Biden de retirar as forças americanas.

O Paquistão está antecipando uma vitória do Talibã, embora seus líderes continuem a falar da necessidade de reconciliação entre os afegãos. Embora as declarações públicas de Islamabad continuem a descrever o desejo de paz do Paquistão, as autoridades americanas dificilmente acreditarão nos protestos do Paquistão de que não quer uma tomada militar talibã. O relacionamento dos dois países parece prestes a se tornar ainda mais não confiável nos próximos anos.

Cuidado com o que deseja

Para os paquistaneses que vêem o mundo pelo prisma da competição com a Índia, uma vitória do Talibã oferece algum consolo. O Paquistão não tem se saído bem na competição com a Índia na maioria das frentes, mas seus representantes no Afeganistão parecem estar tendo sucesso - mesmo que o Paquistão não possa controlá-los totalmente.

Mas é uma vitória de Pirro. Esses acontecimentos afastarão ainda mais o Paquistão de se tornar um “país normal”, perpetuando disfunções em casa e prendendo-o a uma política externa definida pela hostilidade em relação à Índia e dependência da China. O longo envolvimento mútuo de Washington e Islamabad no Afeganistão ameaça enfraquecer ainda mais a relação EUA-Paquistão. É improvável que os Estados Unidos perdoem tão cedo o Paquistão por seu apoio de décadas ao Talibã. Nos próximos anos, os paquistaneses discutirão se valeu a pena o esforço para influenciar o Afeganistão por meio de representantes talibãs quando, depois do 11 de setembro, o Paquistão poderia ter garantido seus interesses se aliando totalmente aos americanos.

Bibliografia recomendada:

Elite Forces of India and Pakistan.
Kenneth Conboy e Paul Hannon.

Leitura recomendada:

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

O futuro dos cadetes afegãos na Índia é incerto

Soldados do Exército Nacional Afegão praticam tiro ao alvo no campo de tiro, outubro de 2010.

Por Jakub Wozniak, Overt Defense (OVD), 18 de agosto de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de agosto de 2021.

Enquanto o governo afegão desmorona diante do avanço do Talibã e a comunidade internacional se apressa para evacuar seus cidadãos e aliados afegãos de Cabul, o futuro dos militares afegãos treinando e estudando  na Índia permanece incerto. O jornal Indian News 18 relatou que mais de 150 soldados e cadetes estão presos no país; seu destino é incerto.

A Índia apoiou as forças armadas afegãs durante anos, fornecendo equipamento e treinamento. Entre 2015 e 2016, a Índia forneceu ao Afeganistão quatro helicópteros Mi-35 e, em 2019, três helicópteros leves Cheetah. Mais de 700 soldados receberam treinamento na Índia todos os anos em programas “feitos sob medida” de curta duração em várias instituições de defesa indianas, com milhares recebendo treinamento ao longo dos anos em áreas como coleta de informações cibernéticas e de inteligência. O The Times of India citou um oficial dizendo que:

“Além disso, 80-100 cadetes vinham para o treinamento de pré-comissionamento na IMA [Academia Militar Indiana], OTA [Academia de Treinamento de Oficiais] e NDA [Academia de Defesa Nacional] todos os anos. Embora treinemos cadetes de muitos outros países, desde Butão, Bangladesh e Sri Lanka até Vietnã, Mianmar e Tadjiquistão em nossas academias militares, os afegãos constituem a maior parte dos cadetes estrangeiros.”

Os cadetes do IMA estão tão preocupados com suas famílias em casa quanto com eles próprios. O Hindustan Times citou um oficial falando sob condição de anonimato:

“Os jovens cadetes estão preocupados com suas famílias em casa... Seus treinadores e professores estão constantemente os apoiando e tentando manter seu moral alto. […] Mesmo que seu futuro pareça incerto, já que o ANA [Exército Nacional Afegão] parece ter entrado em colapso, o IMA não está interrompendo seu treinamento”.

 Arindam Bagchi é o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia.

Enquanto os cadetes aguardam notícias sobre seu futuro, os militares indianos estão lutando para evacuar cidadãos e pessoal de Cabul, com o embaixador supostamente saindo em um avião da Força Aérea em 17 de agosto. O governo também afirmou, de forma polêmica, que priorizará os vistos de emergência para afegãos hindus e sikhs.

A mídia indiana compartilhou imagens do helicóptero MI-35 oferecido ao Afeganistão caindo nas mãos do Talibã:


Bibliografia recomendada:

I Am Soldier:
War stories from the Ancient World to the 20th century.
Robert O'Neil e Richard Holmes.

Leitura recomendada:

Como a China vê a retirada dos EUA do Afeganistão,  21 de maio de 2021.

COMENTÁRIO: A Vitória de Pirro do Paquistão no Afeganistão, 19 de agosto de 2021.

Expansão das forças de operações especiais do Afeganistão: dobrando seu sucesso ou diluindo ainda mais sua missão?, 19 de junho de 2021.

Corpo de Comandos do Exército Nacional Afegão14 de julho de 2020.


FOTO: Raide dos Comandos Afegãos na província de Farah, 3 de setembro de 2020.

FOTO: Soldados americanos e afegãos observam uma explosão, 17 de janeiro de 2020.

FOTO: Fuzis variantes do SVD Dragunov, 21 de junho de 2021.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Por que a Rússia realmente interrompeu seu fornecimento de S-400 para a China

Primeiro-ministro Narendra Modi, presidente da China Xi Jinping, presidente russo Vladimir Putin na Cúpula do G20, 2016.

Por Probal Dasgupta, The Print, 12 de novembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de dezembro de 2020.

A Rússia quer ter um papel maior no sul da Ásia agora. Mesmo que atrapalhe o relacionamento com a China.

Enquanto a disputa Índia-China grassava no Himalaia ao longo deste ano, ambos os lados correram para estocar sistemas de mísseis e aeronaves. Mas, embora a Rússia tenha confirmado que estava a caminho de entregar cinco esquadrões de sistemas de defesa aérea S-400 Triumpf à Índia, não fez a mesma promessa à China. Moscou decidiu suspender o fornecimento dos S-400 para a China.

O S-400 é um moderno sistema de defesa antimísseis superfície-ar capaz de interceptar e destruir mísseis e aeronaves inimigas com um alcance de até 400km.

Em 2018, apesar da ameaça de sanções dos EUA, a Índia escolheu corretamente o S-400 da Rússia em vez dos mísseis americanos Patriot Advanced Capability (PAC-3) e THAAD (Terminal High Altitude Area Defense). Seguiu-se uma explosão previsivelmente ultrajante do presidente Donald Trump contra a decisão da Índia. Este ano, porém, sob uma série de negócios de armas, foi enterrada uma notícia que levantou algumas sobrancelhas. Os S-400 prometidos pela Rússia à China não chegaram. Correram boatos de que a Covid-19 pode ter sido o motivo do atraso. Mas parece que Moscou tomou uma posição deliberada.

Em fevereiro de 2020, Valery Mitko, um dos principais cientistas árticos da Rússia, foi preso sob a acusação de, alegadamente, passar segredos sobre tecnologia de detecção de submarinos para a China. Mais tarde, em junho, após investigações, um tribunal da Rússia estendeu sua prisão domiciliar. Cientistas russos têm estado sob uma nuvem por causa de ligações com a China nos últimos dois anos e o incidente de Mitko agravou uma crescente suspeita que paira sobre uma colaboração de conveniência entre a China e a Rússia. Um mês após a decisão do tribunal sobre Mitko, a Rússia optou por suspender o fornecimento de mísseis à China.

Manifestação anti-chinesa na Índia.

Rivalidade China-Rússia

Na Ásia, a China se encontra em uma vizinhança hostil de estados litorâneos no Mar da China Meridional, piorada com a entrada dos Estados Unidos no Indo-Pacífico com seus aliados. A conversa sobre o renascimento do Quad envolvendo os EUA, Japão, Índia e Austrália é um exemplo. Dado seu status de isolado, um relacionamento estável com a Rússia assumiu uma importância crítica para a China. Uma China desconfiada, entretanto, sente que sua dependência da tecnologia de armas russa a torna vulnerável. O que pode ter levado à espionagem na Rússia e provavelmente no caso Mitko. Moscou, por outro lado, precisa de investimentos chineses para desenvolver portos e infraestrutura na região ártica, mas teme que Pequim possa reduzir sua influência na indústria de defesa e na Ásia Central.

No início da década de 1990, o colapso da União Soviética coincidiu com a ascensão da China. À medida que os EUA consolidavam seu status de única superpotência, Pequim e Moscou se uniram para desafiar a hegemonia americana. Os interesses russos, porém, estavam restritos à Ásia Central e ao Oriente Médio - visto que a natureza da postura militar na região se adequava ao manual russo tipicamente intrusivo. Seus interesses no Leste Asiático, dominado pela China, permaneceram principalmente marginais. No entanto, a deterioração das relações na vizinhança em torno do Mar da China Meridional e do Sul da Ásia pode fazer com que uma indústria de armamentos russa interessada entre na ponta dos pés. Enquanto uma rivalidade oculta limita sua colaboração com a China, a Rússia discretamente aumenta suas apostas de negociação no Leste Asiático.

Oficiais chineses e indianos na fronteira.

Em vez de seu alcance político-militar arquetípico que poderia perturbar a China, a Rússia usou uma rota de comércio de poder suave para fortalecer seu relacionamento com o Japão e a Coréia do Sul. Em 2017, o Japão e a Coréia do Sul representaram 7 por cento das exportações russas (contra 11 por cento para a China).

De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Stockholm International Peace Research InstituteSIPRI), a Rússia aumentou substancialmente seu fornecimento de armas para o Sudeste Asiático nesta década. O ex-PM Dmitry Medvedev usou plataformas multilaterais como a ASEAN para se reunir com líderes do Laos, Tailândia e Camboja no ano passado. O presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, chamou Vladimir Putin de “meu herói favorito”. E para regimes autoritários como o Camboja, a Rússia é uma presença menos exigente do que o Ocidente.

O único intermediário agora

Uma China ambiciosa, sob o comando de Xi Jinping, afirmou-se em regiões fora da Ásia Oriental. Qualquer impulso para a Ásia Central e Oriente Médio preocupa a Rússia, que gostaria de manter um cartão do Leste Asiático mais forte. Isso explica as relações da Rússia com países do Leste Asiático, onde a China tem novos inimigos. Isso também explica por que a Rússia provavelmente manterá a Índia do seu lado. Na frente dos EUA, o novo governo de Joe Biden poderia reabrir divergências anteriores com a Rússia, incluindo na Ucrânia e Bielo-Rússia. O silêncio de Moscou sobre a vitória de Biden nas eleições é um indicador, assim como o silêncio de Pequim indica a expectativa de uma linha americana firme e obstinada.

Tropas russas durante os exercícios militares Vostok-2018 (Leste-2018) no campo de treinamento de Tsugol, não muito longe das fronteiras com a China e a Mongólia na Sibéria, em 13 de setembro de 2018.

A Rússia e a China evoluíram muito em sua relação histórica e, hoje, compartilham o que Parag Khanna chama de “um eixo de conveniência ao invés de uma aliança real”. Cinquenta anos atrás, patrulhas chinesas engajaram um posto avançado soviético em uma ilha ao largo do rio Ussuri. Os soviéticos retaliaram, obliterando uma brigada militar chinesa inteira. Os beneficiários, então, foram os americanos, que acreditavam que o inimigo de um inimigo era seu amigo, e ficaram do lado dos chineses. Meio século depois, enquanto os russos suspeitam que uma China agora poderosa possa enganá-los novamente, estes precisam deles contra a América e seus aliados. Vasily Kashin, do Instituto de Estudos do Extremo Oriente da Academia Russa de Ciências, afirma: "A China não pode se dar ao luxo de alienar um vizinho que é um importante poder militar e de recursos por si só".

Anunciar-se como um mediador ativo entre a Índia e a China não é exatamente o estilo da Rússia, mas ela nunca se esquivou de hospedar cúpulas de paz (Tashkent em 1965 foi um exemplo). Em setembro deste ano, os chanceleres da Índia e da China se reuniram em Moscou e concordaram que os comandantes militares dos dois países precisavam dar continuidade ao diálogo. A Rússia sabe que pode reivindicar maior relevância na região por ser a intermediária, já que é a única potência aceitável para os dois vizinhos em guerra. Em uma região fragmentada e turbulenta da Ásia, uma mão sagaz russa deve desempenhar um papel fundamental.

Probal Dasgupta é um ex-oficial do Exército e autor do livro Watershed 1967: India’s Forgotten Victory over China (Divisor de Águas 1967: a vitória esquecida da Índia sobre a China).

Bibliografia recomendada:


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A Índia pode vencer a China em uma guerra de fronteira?, 21 de junho de 2020.

Chefe do estado-maior indiano não descarta "conflito maior" com a China sobre Ladakh7 de novembro de 2020.

Tanques, navios e fuzis de assalto: a Índia ainda compra a maior parte de suas armas da Rússia25 de fevereiro de 2020.

Os condutores da estratégia russa, 16 de julho de 2020.

Game Changer: A Rússia pode ter o sistema de defesa aérea S-400 na Líbia19 de setembro de 2020.

sábado, 7 de novembro de 2020

Chefe do estado-maior indiano não descarta "conflito maior" com a China sobre Ladakh

Por Laurent Lagneau, Zone Militaire Opex 360, 7 de novembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de novembro de 2020.

Na região montanhosa de Ladakh, considerada estratégica e atravessada pela Linha de Controle Real (Line of Actual ControlLAC), cuja rota é objeto de uma disputa entre Nova Délhi e Pequim, forças indianas e chinesas se enfrentam desde o mês de maio, ainda mais num ambiente que não é dos mais hospitaleiros. Nos últimos meses, os dois países intensificaram a construção de infraestrutura ali, contribuindo para a situação atual, cada um acusando o outro de buscar melhorar o fluxo de tropas na fronteira.

Assim, tudo começou com uma incursão de 250 soldados chineses na área do lago Pangong Tso, parte do Ladakh indiano reivindicado por Pequim.

Este face-a-face degenerou de fato em junho, no vale de Galwan, com confrontos violentos que resultaram em cerca de quarenta mortes entre soldados indianos (e, sem dúvida, cerca de trinta no lado chinês, sem Pequim ter feito uma avaliação oficial).

Desde então, enquanto cada campo fortalece suas posições, o Exército de Libertação do Povo (PLA) tem estado particularmente ativo. Na verdade, foi relatado que desdobrou equipamento militar recente lá, como o tanque leve Tipo 15 que entrou em serviço em 2018, estabeleceu novas bases aéreas e enviou para Kashgar bombardeiros estratégicos H6 com mísseis de cruzeiro KD-63, suscetíveis de ameaçar os principais centros de decisão indianos.

Ao mesmo tempo, as negociações diplomáticas com o objetivo de acabar com essas tensões estão falhando uma após a outra, com Nova Délhi pedindo um retorno às posições pré-crise. Uma nova reunião - a oitava - ocorreu no dia 6 de novembro de 2020, em Chushul, localidade do distrito de Leh, capital de Ladakh.

No entanto, no mesmo dia, o General Bipin Rawat, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas Indianas, descreveu a situação em Ladakh como ainda tensa e que o Exército de Libertação do Povo enfrenta "as consequências imprevistas" da sua "desventura" em Ladakh, que lhe valeu a "resposta firme das forças de defesa indianas". Ele insistiu: "Nossa postura é ambígua: não aceitaremos nenhuma alteração na LAC".

Mas o General Rawat foi ainda mais longe. Embora, disse ele, a "perspectiva de um conflito em grande escala seja improvável", em contraste, confrontos de fronteira, violações da LAC e ações militares táticas "não provocadas" (entenda-se: manobras e movimentos de tropas) provavelmente "se transformarão em um conflito maior". Em todo caso, esse risco não pode ser descartado, insistiu ele durante um evento online organizado pelo National Defense College (Escola Superior de Defesa Nacional).

Tal desenvolvimento poderia resultar em combates em outros pontos da fronteira sino-indiana, como no planalto de Doklam, também objeto de uma disputa entre os dois países, e onde suas respectivas forças se encararam face-a-face tenso em 2017. Isso também pode significar ações em outras áreas de conflito, como o ciberespaço ou espaço, ou mesmo no campo econômico.

Como um lembrete, Índia e China são duas potências nucleares com uma doutrina "sem empregar primeiro". Além disso, Pequim é um aliado próximo de Islamabad, o que pode ter consequências caso a situação em Ladakh piore ainda mais.

Enquanto isso, o general Rawat também enfatizou a necessidade da Índia se tornar auto-suficiente em suprimentos militares (atmanirbhar). “Conforme a Índia se afirma, os desafios de segurança aumentarão proporcionalmente. Devemos nos afastar da constante ameaça de sanções ou da dependência de outras nações para nossas necessidades militares e investir nas capacidades nacionais [...] para ter independência estratégica e poder militar decisivo para responder aos desafios atuais e emergentes”, disse ele.

Bibliografia recomendada:


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O T-14 Armata para a Índia?, 13 de setembro de 2020.

Exército indiano comprará mais 72.000 fuzis de assalto SIG 716 dos EUA, 6 de novembro de 2020.


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Exército indiano comprará mais 72.000 fuzis de assalto SIG 716 dos EUA


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 5 de novembro de 2020.

A Índia havia adquirido o lote anterior dos fuzis sob o programa de aquisição acelerada (FTP), mais um dos programas de compras de emergência indianos.

Em meio à disputa em andamento com a China sobre a questão da fronteira, o Exército Indiano vai fazer outra encomenda de 72.000 fuzis de assalto SIG 716 dos Estados Unidos. A encomenda do segundo lote de fuzis viria depois do primeiro lote de 72 mil fuzis, já entregue ao Exército para uso pelas tropas do Comando Norte e outras áreas operacionais.

"Vamos fazer um pedido de mais 72.000 desses fuzis sob os poderes financeiros concedidos às Forças Armadas", disseram fontes do Ministério da Defesa indiano à agência de notícias ANI.

O SIG 716 G2 Patrol é um fuzil de assalto aprimorado com cano de 16 polegadas, guarda-mão M-LOK e coronha telescópica de 6 posições. As armas estão sendo fornecidas ao Exército Indiano pelas instalações da SIG Sauer em New Hampsire, EUA. O modelo G2 Patrol é calibrado em 7,62x51 mm OTAN.

Soldados indianos no estande com os novos fuzis SIG 716 G2 Patrol.

O Exército Indiano recebeu o primeiro lote de fuzis de assalto SIG Sauer para impulsionar suas operações de contraterrorismo. A Índia havia adquirido os fuzis sob o programa de aquisição acelerada (fast-track procurement, FTP). Os novos fuzis substituirão os fuzis existentes do Sistema de Armas Leves (Indian Small Arms System, INSAS) da Índia, calibrados em 5,56x45mm, e usados pelas forças indianas e fabricados localmente pelo Ordnance Factories Board.

De acordo com o plano, os 144.000 fuzis importados devem ser usados pelas tropas nas operações de contra-terrorismo e nas funções de linha de frente na Linha de Controle (Line of Control, LoC), as forças restantes seriam supridos com os fuzis AK-203, os quais serão produzidos em conjunto pela Índia e pela Rússia na fábrica de munições Amethi. O trabalho no projeto ainda não começou devido a vários problemas processuais enfrentados pelas duas partes.

Indian Small Arms System (INSAS).

O Exército Indiano  vem tentando substituir seus fuzis INSAS por muitos anos, mas as tentativas falharam devido a uma multitude de problemas, geralmente baixo controle de qualidade na produção indiana e falta de recursos para importações.

O Exército Indiano desejava inicialmente 800 mil fuzis, reduzindo a encomenda para 250 mil fuzis em 2018 - apenas um terço de sua necessidade total - devido a restrições orçamentárias e à necessidade de acelerar as entregas. Com forças armadas contando 1,3 milhão de militares, a encomenda de 800 mil fuzis teria custado US$ 2,5 bilhões. Recentemente, o Ministério da Defesa fez um pedido de 16.000 metralhadoras leves Negev de Israel para mitigar a escassez dessas armas, um problema que já se arrasta por um bom tempo.

Índia e China estão em uma posição de impasse no leste de Ladakh, já que o exército chinês (PLA) desdobrou mais de 20.000 soldados na região desde a primeira semana de maio, gerando tensão e choques entre os dois países.

Fuzis "Made in India"

Soldados indianos com fuzis AK-47 romenos em Srinagar.

Em 2017, o Exército Indiano rejeitou os fuzis de assalto Trichy 7,62x39 mm, uma cópia da família AK e produzido localmente, que deveriam substituir os fuzis AK-47 e INSAS. As autoridades disseram que as armas eram de baixa qualidade e apresentavam várias falhas e travamentos, além de um poder de fogo ineficaz.

Este foi o segundo ano consecutivo em que o Exército rejeita um armamento fabricado na Índia. Em 2016, as forças armadas recusaram o uso de armas Excalibur 5,56 mm fabricadas localmente - outra variedade de fuzis de assalto - depois de não cumprirem os padrões exigidos.
Fuzil de assalto Trichy 7,62x39mm.

As armas, construídas pela Fábrica de Fuzis de Ishapore foram rejeitadas pelo Exército depois que falharam miseravelmente nos testes de tiro em julho de 2017. Havia um “número excessivo de falhas” nas armas e foi necessário um “redesenho completo do carregador” para considerá-las seguras para uso pelo Exército, disseram as autoridades. O Exército também observou “flashes e assinatura sonora excessivos” nos fuzis durante os testes. As autoridades disseram que os fuzis apresentavam várias falhas e travamentos que chegaram a mais de 20 vezes o padrão máximo permitido.

O Conselho de Fábricas de Munição (Ordnance Factory Board, OFB), um monopólio da indústria indiana sob o DRDO (Defence Research and Development Organisation, Organização de Pesquisa e Desenvolvimento de Defesa),  vem produzindo armas leves de baixa qualidade há décadas; e mesmo se mostrando incapaz de suprir a demanda de munição. Isto forçou o ministério da defesa indiano a realizar compras de emergência de fuzis e munições de fabricante estrangeiros, onerando sobremaneira o orçamento da defesa.

A adoção do INSAS em 1990 foi uma decisão problemática e, longe de solucionar a padronização indiana, apenas aumentou a diversidade de material (aumentando a dor de cabeça dos intendentes). Ainda usando os obsoletos fuzis Lee-Enfield ferrolhados quase até o século XXI, a Índia teve que adquirir 100.000 fuzis AKM de 7,62x39 mm da Rússia, Hungria, Romênia e Israel de 1990 a 1992 como compras de emergência enquanto a produção local tropeçava, e as entregas dos novos fuzis INSAS apenas começaram em 1997.

INSAS.

O batismo de fogo do INSAS na Guerra de Kargil (1999) não apresentou bons resultados. Os fuzis foram usados nas altas elevações do Himalaia e houve reclamações de engripamento, carregadores rachando devido ao frio e o fuzil entrando no modo automático quando colocado no modo de rajadas de três tiros. Havia também um problema de óleo espirrando no olho do operador. Também foram relatados alguns feridos durante treinamentos de tiro. Uma nova versão foi adotada em 2001 mas pouca coisa mudou.

Segundo o livro Military Industry and Regional Defense Policy: India, Iraq and Israel, de Timothy D. Hoyt (2006):

"No início dos anos 80, o DRDO assumiu o compromisso de desenvolver uma nova série de armas portáteis de 5,56 mm para as forças armadas indianas chamada INSAS. Tanto a Heckler & Koch da Alemanha quanto a Steyr da Áustria se ofereceram para suprir as necessidades imediatas da Índia e transferir tecnologia no valor de US$ 4,5 milhões gratuitamente. Essas ofertas foram recusadas e o DRDO passou a década seguinte, e aproximadamente 2 bilhões (cerca de US$ 100 milhões em 1990), reinventando uma família de armas portáteis baseada fortemente nas tecnologias Steyr e H&K. Enquanto isso, a Índia importou fuzis AK-47 de antigos países do Pacto de Varsóvia para atender aos requisitos. O INSAS finalmente entrou em serviço no final dos anos 90."

No mesmo período, a polícia e demais forças paramilitares indianas compraram 100 mil fuzis AK búlgaros (vários modelos AR-M). Um AK-47 búlgaro com seu distinto acabamento de plástico preto custava apenas 22.000 rúpias indianas em 2011. Isto era significativamente mais barato do que o AK russo feito em Izhmash e 5.000 rúpias a menos do que o fuzil INSAS. O fabricante búlgaro Arsenal executava três turnos por dia para atender à encomenda de emergência indiana.

Em novembro de 2014, o CRPF solicitou a retirada do INSAS como seu fuzil padrão devido a problemas de confiabilidade. O diretor-geral da CRPF, Dilip Trivedi, disse que o INSAS emperrava com mais frequência em comparação ao AK-47 e o X-95; com a substituição ocorrendo em abril de 2015. No início de 2017, foi anunciado que os fuzis INSAS seriam retirados de serviço e substituídos por fuzis calibrados em 7,62x51 mm OTAN.

Comando policial Pradesh com um AK-47 búlgaro.

O Exército Indiano ainda conta com um estoque de 450 mil fuzis AK de várias procedências. Aquisições de modernos fuzis bullpup também foram feitas com modelos Steyr AUG, Tavor TAR-21 e FN F2000. Tentativas de produzir o TAR-21 localmente foram anunciadas em 2016, com a IMI declarando que estava estabelecendo uma joint venture 49:51 com o Punj Lloyd para fabricar componentes de fuzis na Índia.

O SIG 716 na Índia

Soldados indianos armados com os fuzis SIG 716 em exercício conjunto com os franceses.

O novo fuzil de projeto alemão e fabricação americana é conhecido por sua qualidade e uma boa aquisição apesar dos problemas de aquisições de emergência originadas pelo mau planejamento indiano. Devido à urgência a compra foi "da prateleira" e teve que abandonar a iniciativa "Make in India" de fabricação local, enquanto evita a maldição tradicional de compras gradativas e "tapa buraco" provisórias do passado.

Com o primeiro lote de 10.000 fuzis SIG 716 entregue ao Comando Norte do Exército Indiano dezembro de 2019, seguido pelo segundo lote encomendado em julho de 2020 mas acelerados em setembro devido às tensões com a China, o novo fuzil é um excelente substituto ao problemático INSAS.

“A importância global deste contrato para a SIG Sauer é de longo alcance com base no tamanho, localização e força econômica da Índia no mercado global”, disse Ron Cohen, presidente e CEO da SIG Sauer, Inc. “Estamos muito orgulhosos, e honrados que o SIG 716 foi escolhido para uso pelas forças de combate do Exército Indiano, e estamos ansiosos para desenvolver uma forte parceria com o Ministério da Defesa da Índia.”

“Esta foi a primeira grande aquisição de armas de fogo do governo indiano em décadas, e a missão explícita para esta licitação era modernizar os soldados de infantaria do Exército Indiano com o melhor fuzil disponível”, disse Cohen em fevereiro passado. “Concorremos em um concurso público com fabricantes de armas portáteis de todo o mundo. O fuzil SIG 716 passou por um processo abrangente e exaustivo de testes e avaliação, onde superou a concorrência e foi escolhido por atender a todos os critérios, como o melhor fuzil para modernizar o Exército Indiano.”

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