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sexta-feira, 28 de outubro de 2022

FOTO: Guarda-bandeira da Brigada Franco-Alemã

Soldado francês escudado por alemães,
22 de janeiro de 2020.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 28 de outubro de 2022.

Guarda-bandeira binacional da Brigada Franco-Alemã, todos armados com fuzis FAMAS F1, o famoso bullpup francês. Os soldados usam camuflados dos seus respectivos países, manoplas brancas e a boina azul da brigada que é usada "à inglesa", com o distintivo do lado esquerdo.

Desfile da Brigada Franco-Alemã em Reims em homenagem ao 50º aniversário da amizade franco-alemã, 19 de outubro de 2012.

A criação da Brigada Franco-Alemã foi um dos gestos de aproximação entre a França e a Alemanha depois de quase um século de animosidade permanente. No dia 22 de janeiro de 1963, dezoito anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o presidente Charles de Gaulle e o chanceler alemão Konrad Adenauer assinaram o Tratado do Élysée, estabelecendo a amizade franco-alemã.

A Brigada de mesmo nome foi acionada em 2 de outubro de 1989, sob o comando do General Jean-Pierre Sengeisen; o comando da brigada sendo alternado entre as duas nacionalidades. Seu atual comandante é o General Marc Rudkiewicz, e as tropas são - desde 2016 - provenientes da 1re Division Blindée francesa e a 10. Panzerdivision alemã, formando uma brigada de infantaria mecanizada de 5.980 homens. Seu lema é:

Le devoir d'excellence
Dem Besten verpflichtet
("O dever da excelência")

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Incursões paraquedistas na Indochina: duas incursões francesas no Vietnã

Pelo Tenente-Coronel Albert Merglen, Exército Francês.

Military Review, abril de 1958.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 23 de setembro de 2022.

Durante os oito anos de guerra travada pelo Exército Francês no Vietnã contra as forças comunistas do Viet-Minh, as duas ações militares que obtiveram o maior sucesso material e moral - com o mínimo de perdas e no menor tempo - foram as incursões aerotransportadas em 9 de novembro de 1952 em Phu-Doan, e em 17 de julho de 1953 em Lang Son.

Devido à precisão das informações de inteligência, a surpresa e a bravura das unidades engajadas, essas operações nas áreas de retaguarda do inimigo permitiram a captura ou destruição de importantes depósitos de armamentos e munições que apoiavam toda a atividade Viet-Minh no Vietnã do Norte.

O crescente poder destrutivo das armas nucleares pode muito bem levar a um aumento na possibilidade de mais pequenas guerras de "brush fire" (tiroteio no mato).

É por essa razão que o estudo dessas duas operações aerotransportadas francesas apresenta interesse histórico e didático. Em uma aliança, o conhecimento das experiências de um aliado - "fracassos e sucessos" - é a base do aumento da eficiência.

Após um breve esboço da situação geral no Vietnã em outubro de 1952, o planejamento e a execução das incursões serão analisados para incluir as lições aprendidas durante essas operações.

"Parceiros em futuras alianças devem estar preparados para trabalhar e planejar juntos agora, se quiserem atingir o máximo em cooperação. Isso deve incluir a coordenação da organização, o desenvolvimento técnico e as táticas."

A situação geral

Soldado Viet-Minh segurando uma mina Lunge na rua Hàng Đậu, durante a Batalha de Hanói, em dezembro de 1946.

Quando o ataque surpresa Viet-Minh começou em 19 de outubro de 1946 em Hanói, o Exército Francês tinha apenas cerca de 30.000 homens na Indochina (área de cerca de 300.000 milhas quadradas, população, 29 milhões de habitantes). Inicialmente, de 1946 a 1950, a guerra era do tipo "guerrilheiro". Então, lentamente, devido à organização comunista e à ajuda chinesa, uma luta aberta ocorreu do final de 1950 a 1954.

Quando o Alto Comando Viet-Minh lançou a invasão do país Tai no outono de 1952, um equilíbrio de poder fora alcançado. (Figura 1) Os objetivos da operação eram a conquista de uma linha de partida contra o Laos, a ligação com o Sião [Tailândia] e a captura da preciosa safra de ópio.

Figura 1:
O Vietnã em 1952-1953.

Nessa época, o Exército Viet-Minh incluía, além de 300.000 auxiliares locais e 120.000 "guerrilheiros" provinciais, um Exército Regular com seis divisões de infantaria e uma divisão de artilharia de cerca de 100.000 soldados bem equipados e treinados. Em 23 de outubro de 1952, as divisões vermelhas cruzaram o Rio Negro, movendo-se em direção ao sudoeste. O suprimento para essas tropas veio da área de Tuyen Quang, via Yen Bay.

O Alto Comando francês, em vez de dissipar seus esforços em uma defesa frontal, decidiu atingir a linha de comunicações e depósitos inimigos na zona vital de Phu-Doan, entre Tuyen Quang e a baía de Yen. O ataque à baía de Yen, base avançada da ação ofensiva do Viet-Minh contra o país Tai, teria sido a melhor manobra, é claro. No entanto, os meios disponíveis em unidades terrestres e aéreos não eram suficientes para conduzir uma tal operação. Restava apenas a possibilidade de empreender uma ação contra Phu-Doan, a qual recebeu o codinome Lorraine (Lorena).

Realizada em outubro, Lorraine essencialmente era uma incursão terrestre expandida a qual fora iniciada a partir de Vietri. No início de novembro, uma poderosa força-tarefa de infantaria e blindados havia alcançado uma área a cerca de 32 quilômetros a partir da importante encruzilhada de Phu-Doan, onde estradas e vias fluviais se uniam para permitir o abastecimento da ofensiva do Viet-Minh.

O Tenente Hélie de Saint Marc, Capitão Merglen (autor) e o Capitão Bloch, então comandante do 2e BEP, em Na San, no final de 1952.
(Frans Janssen
 / NLLegioen).

A Operação de Phu-Doan

Figura 2:
A Incursão Aeroterrestre sobre Phu-Doan,
9 de novembro de 1952.

Decidiu-se lançar uma operação aerotransportada de tamanho de equipe de combate regimental (regimental combat team, RCT) em cada lado do rio Song-Chay para assegurar a destruição dos depósitos e instalações do inimigo.  Uma coluna motorizada deveria efetuar a junção com a força aerotransportada (Figura 2).

O conceito da operação foi de, na manhã de 9 de novembro, lançar a força primeiro para tomar o cruzamento da estrada sobre o rio e a encruzilhada, e então destruir os depósitos inimigos. A força-tarefa infantaria-blindados, que iniciara o seu movimento durante a noite anterior, deveria realizar junção com os paraquedistas durante a noite. A totalidade da aérea seria limpa sistematicamente por alguns dias antes do recuo para Vietri. Era sabido que o inimigo possuía forças consideravelmente fortes na região de Phu-Doan.

A força-tarefa aerotransportada incluiu três batalhões (1º e 2º Batalhões Estrangeiros de Paraquedistas da Legião Estrangeira e o 3º Batalhão de Paraquedistas Coloniais), dois pelotões cada um com três canhões sem recuo de 75mm, um pelotão de engenharia com equipamento de cruzamento de rios, e um pelotão de demolição. Disponíveis para a operação estavam 53 aviões C-47 Dakota, os quais fariam duas missões cada, e usariam Hanói como aeródromo de partida.

O plano previa o lançamento simultâneo de dois batalhões às 09:30, um deles com o quartel-general da força em um zona de lançamento (ZL) ao norte do rio Song-Chay, e o outro em uma zona de lançamento ao sul do rio. O lançamento seria realizado após a neutralização das aldeias limítrofes por aviões de combate e sob a proteção de bombardeiros B-26 que circulavam sobre a área durante a operação. Às 12:30, outro batalhão deveria ser lançado na zona de lançamento do norte. A altitude do salto foi de 600 pés. As zonas de lançamento seriam marcadas com granadas de fumaça lançadas por um avião de busca três minutos antes do vôo dos primeiros seriados.

A condução da operação

Velames enchem o céu,
Visão comum na Indochina.

A operação ocorreu conforme o planejado - 2.354 paraquedistas capturaram a cabeça-aérea ao custo de um morto e 16 feridos. Às 17:00h foi feita a ligação com a força-tarefa motorizada, a qual assumiu o comando da força aerotransportada. 

Importantes depósitos de armamento, munição e suprimentos foram encontrados. O seguinte material foi recuperado:

  • 34 morteiros
  • 30 lança-foguetes antitanque
  • 14 metralhadoras
  • 40 submetralhadoras
  • 250 fuzis
  • dois canhões sem recuo de 57mm

Pela primeira vez, um caminhão russo "Molotova" foi capturado. Os paraquedistas realizaram a limpeza da área, destruíram fábricas de armamento e depósitos de alimentos e enviaram patrulhas de longo alcance na direção de Yen Bay com bem poucas perdas. Em 6 de novembro, após uma semana de operação, eles foram trazidos de volta em caminhões para Hanói.

Lançamento de paraquedistas de aviões Dakota, 1952.

Infelizmente, este belo sucesso foi limitado por um revés de última hora. Quando a força-tarefa terrestre da Operação Lorraine se retirou dois dias depois, conforme planejado, a retaguarda foi emboscada por dois regimentos Viet-Minh e perdeu os homens e material.

Esta operação destacou o fato de que, embora a captura de depósitos nas áreas de retaguarda do inimigo seja relativamente fácil por uma operação aerotransportada, é muito perigoso ficar lá por muito tempo, exposto a um contra-ataque concentrado pelas reservas inimigas. A Operação Lorraine, realizada com forças fracas, conseguiu apenas atrasou a ofensiva do Viet-Minh no país Tai, e não a deteve. A capital, Son La, foi capturada pelo inimigo antes do final de novembro, e o Comando francês foi obrigado a reagrupar suas unidades isoladas ao redor do aeródromo de Na San.

Os batalhões paraquedistas, que haviam saltado em Phu-Doan, foram transportados por via aérea para Na San dois dias após seu retorno a Hanói. O General Gilles, comandante das forças aerotransportadas no Vietnã do Norte, assumiu o comando das forças de defesa. Três divisões do Viet-Minh tentaram em vão tomar de assalto Na San e foram forçadas a se retirar do país Tai com pesadas perdas.

A Operação de Lang Son

Caporal-chef Auguste Apel, da Legião Estrangeira,
em Na San, 13 de dezembro de 1952.

Durante a primavera de 1953, uma nova ofensiva do Viet-Minh no Laos falhou em uma campanha na qual os batalhões paraquedistas novamente se destacaram. Um grau de equilíbrio de poder foi alcançado. As forças do Viet-Minh, no entanto, estavam recebendo crescente assistência da China comunista. Para cortar esse fluxo logístico, foi planejada uma operação aerotransportada, chamada Hirondelle (Andorinha). O objetivo da operação era Lang Son, uma importante instalação de estoque de suprimentos na área de retaguarda do inimigo (Figura 3).

O problema era capturar a cidade e os depósitos bem guardados, e destruir materiais e instalações. Tudo isso teria que ser realizado e a força aerotransportada retornada ao território amigo, antes que as tropas do Viet-Minh pudessem reagir. O terreno, montanhoso e arborizado com poucas estradas e trilhas, apresentava dificuldades adicionais.

Paraquedista do 3e BPC é atingido durante o assalto ao ponto de apoio 24 em Na San, 1º de dezembro de 1952.

O inimigo tinha disponível em Lang Son um batalhão local e duas companhias provinciais, além de algumas unidades antiaéreas leves na fronteira chinesa, a uma distância de cerca de 13 quilômetros. Elementos de uma divisão de infantaria, localizada perto de Thai Nguyen, poderiam estar disponíveis em aproximadamente 48 horas. Entre Lang Son e Tien Yen, oito companhias provinciais estariam em condições de reagir durante o primeiro dia, e de quatro a seis batalhões no segundo dia. Era, portanto, imperativo que a operação fosse completada o mais rápido possível.

O conceito da operação

Figura 3:
Incursão Aeroterrestre sobre Lang Son,
17 de julho de 1953.

O conceito da operação, anunciado pelo General Gilles, era executar um ataque aerotransportado na manhã de 17 de julho [de 1953] para capturar e destruir os depósitos próximos a Lang Son e a encruzilhada sobre o rio Song-Ky-Cung. Esta travessia, nas cercanias de Loc-Binh, constituía o ponto essencial para a retirada. Uma ação terrestre auxiliada por unidades atacando a partir de Tien Yen deveria ocorrer de 17 a 21 de julho para permitir o recuo da força paraquedista através de Loc-Binh e Dinh-Lap, para Tien Yen.

A força-tarefa aerotransportada incluía um quartel-general, três batalhões (6º e 8º Batalhões de Paraquedistas Coloniais, e o 2º Batalhão Paraquedista da Legião Estrangeira), e um pelotão de engenharia com 14 botes pneumáticos. As colunas de coleta ou junção consistiam de três batalhões de infantaria, três "comandos" [batalhões de comandos], um pelotão de tanques e uma companhia de engenharia com três escavadeiras. Um batalhão paraquedista e uma bateria de canhões sem-recuo de 75mm (aerotransportada) foram mantidos em reserva nos aeródromos de partida em Hanói.

Durante a Operação "Hirondelle", três pára-quedistas coloniais (incluindo o "melhor caçador do batalhão", no meio) do 8º GCP (Groupement de Commandos Parachutistes) posam ao pé de um poste de sinalização em Lang Son.

O sucesso da operação dependeria da completa surpresa quanto a data e local da incursão. Por esta razão, todo o planejamento preparatório foi realizado no máximo sigilo pelo comandante da força, auxiliado apenas por um oficial do G2 [inteligência]. As ordens do G3 [operações] foram dadas por escrito em 15 de julho; as unidades foram alertadas às 14:00h em 16 de julho e confinadas aos quartéis. Às 15:00h de 16 de julho, as instruções dos comandantes de batalhão foram realizadas.

Dado que os batalhões paraquedistas podiam levar consigo apenas armas leves e equipamentos orgânicos, o apoio aéreo foi planejado cuidadosamente. Aviões de caça deveriam atacar todas as instalações e postos de observação detectados em fotografias aéreas, os quais poderiam intervir nas zonas de lançamento. Esta ação deveria ocorrer 15 minutos antes da hora do salto. Apoio de fogo aéreo durante o salto e a subsequente reorganização deveria ser fornecidoAlém disso, provisão foi feita para cobertura de metralhamento e bombardeamento contínuos e para iluminação noturna por chamada por bombardeiros seriados.

O médico-chefe do 6e BPC, o Tenente Rivière, observa o lançamento de paraquedistas às 8:10h da manhã de 17 de junho de 1953, durante a Operação Hirondelle, em Lang Son.

A incursão começou em 17 de julho às 08:10h quando o quartel-general e dois batalhões foram lançados de 56 transportes C-47 próximo a Lang Son. Às 12:00h, próximo a Loc-Binh, o terceiro batalhão com o pelotão de engenharia anexado saltou de 29 transportes C-47.

A operação ocorreu conforme o planejado. As unidades Viet-Minh foram completamente surpreendidas. A polícia local e as companhias provinciais fugiram. Apenas os destacamentos de guarda dos depósitos resistiram resolutamente. Depósitos importantes foram descobertos e preparados para destruição por equipes especiais. Uma grande quantidade de material foi capturada.

Às 16:00h, os depósitos foram destruídos e todas as estradas levando para o sul e o norte foram minadas. Os dois batalhões em Lang Son iniciaram a sua retirada. Enquanto isso, o batalhão de Loc-Binh havia assegurado a travessia do rio Song-Ky-Cung e estava protegendo o flanco contra movimentos vindos da fronteira chinesa.

Retirada das unidades paraquedistas que participaram do ataque aos depósitos do Viet-Minh em Lang Son, passando por colunas de civis.
Durante a incursão, cerca de 200 civis de Lang Son aproveitaram a inesperada presença dos paraquedistas franceses para fugir sob sua proteção da região que estava sob administração do Viet-Minh desde 1950.

Às 23:00h de 18 de julho, os primeiros batedores da força aerotransportada encontraram, nas cercanias de Dinh-Lap, a coluna terrestre lutando desde Tien Yen. Os engenheiros foram capazes de reparar a estrada sinuosa para um certo grau e caminhões levaram os paraquedistas de volta nas últimas horas de luz de 19 de julho. Na manhã de 20 de julho, as unidades aerotransportadas foram embarcadas em LCT (Landing craft tank / embarcação de desembarque para tanques) para serem trazidos de volta para Haiphong, e então de caminhão novamente para Hanói. Dos 2.001 paraquedistas que saltaram na operação, as perdas foram extremamente leves: um morto, um desaparecido, três morreram de exaustão durante a marcha, e 21 feridos.

Este notável sucesso, considerando as pequenas forças engajadas, tiveram uma repercussão profunda no Vietnã do Norte. O esforço de guerra Viet-Minh foi dificultado de forma notável na área vital do Delta do Rio Vermelho. Uma onda de confiança se espalhou pela população amigável e o exército.

Lições Gerais

Militares do 6e BPC durante a incursão de Lang Son.
Da esquerda para a direita: Sergent-Chef Balliste, Sergent Gosse e o Adjudant Prigent (todos os três morreram mais tarde em Dien Bien Phu), e o cabo Cazeneuve, que seria um dos poucos sobreviventes da 12ª Companhia.

As duas incursões aerotransportadas brevemente descritas foram cumpridas em um teatro de operações de um tipo particular. É, portanto, difícil de tirar delas lições gerais válidas para todos os tipos de guerra. Entretanto, alguns pontos são dignos de ênfase e poderiam ser aplicados em outros teatros.

Primeiro, inteligência é extremamente importante e deve ser centralizada no mais alto nível de comando para que possa ser adaptada a situação, sempre em mudança. Devido a uma pesquisa minuciosa combinada com um questionamento de milhares de refugiados, a agência de inteligência em Hanói obtivera sucesso em desenhar uma imagem exata, precisa e detalhada das zonas de lançamento e suas proximidades, e da localização e força das unidades inimigas. Os oficiais de inteligência têm uma tremenda responsabilidade em operações desse tipo.

Segundo, se a informação é correta, é relativamente fácil operar nas áreas de retaguarda do inimigo. É muito difícil para o alto comando inimigo ter uma apreciação clara da situação, particularmente se os incursores aerotransportados não permanecerem no mesmo lugar, mas se moverem imediatamente. O problema mais difícil é aquele de retornar ao território amigo. Em algumas circunstâncias, e em zonas difíceis, é possível dividir a força aerotransportada em pequenos grupos para ou permanecer em território inimigo, ou para retornar a território amigo.

Paraquedistas do 8e GCP cobrindo uma esquina com um fusil-mitrailleur 24/29 durante a incursão de Lang Son.

Terceiro, todos os objetivos são adequados para um ataque aéreo, sejam eles militares, políticos ou econômicos. A sabotagem de uma usina de pesquisa industrial pode ser tão importante para a vitória final quanto a eliminação de um governo "quisling" (colaboracionista).

Quarto, deve-se ter em mente que as variadas possibilidades de ataques aéreos só podem ser realizadas quando os meios necessários – isto é, unidades aerotransportadas treinadas e aviões em qualidade e número necessários – estiverem disponíveis. O Alto Comando Francês no Vietnã sempre teve consciência da vantagem de usar paraquedistas. Em dezembro de 1950 eram 6.000; em 1951 cerca de 11.000; e em 1954 mais de uma dúzia de batalhões escolhidos, metade deles no exército vietnamita, estavam disponíveis com unidades de apoio aéreo de artilharia, engenheiros, sinais e corpo médico. A maior escassez foi em aeronaves. Esta é uma lição a ser lembrada: não basta ter muitas unidades aerotransportadas bem treinadas quando o número correspondente em aviões não está garantido. Quinto, a incursão aerotransportada envolve um risco calculado. No entanto, se realizada com imaginação e ousadia, os benefícios superam em muito o risco envolvido.

Conclusão

Uma incursão aerotransportada tem muitas vantagens no caso de uma guerra localizada e particularmente no início de um conflito. O exército que é provido de tropas aerotransportadas treinadas e aviões de assalto e transportadores de tropas suficientes possui grande flexibilidade. Uma operação aerotransportada ou um grande número de incursões aerotransportadas podem muito bem permitir a realização de objetivos vitais que de outra forma exigiriam grandes forças terrestres e extensas operações. Para atingir o máximo em cooperação, os parceiros em futuras alianças devem estar preparados para trabalhar e planejar juntos agora. Um esforço comum de organização, de desenvolvimento técnico e de compreensão doutrinária seria de grande benefício. Os paraquedistas franceses, com muitas ações galantes em seu nome, estão prontos e imbuídos do lema: Quem ousa, vence!

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"Novos recursos de poder de fogo e mobilidade, além de novos e aprimorados meios de controle, permitem ampla flexibilidade na seleção do plano de manobra. As táticas devem ser projetadas para localizar o inimigo, determinar sua configuração, lançar fogos apropriados em alvos adquiridos e explorar as situações resultantes com forças altamente móveis. Em um nível estratégico, as forças devem ser organizadas e equipadas para que possam ser entregues por transporte aéreo ou de superfície a qualquer área do mundo para engajamento em situações atômicas ou não-atômicas em qualquer tipo razoável de terreno. Deve ser fornecido transporte aéreo e de superfície adequados. O tempo de intervenção inicial, particularmente em guerras limitadas, pode ser tão importante quanto o tempo necessário para cercar uma força considerável."

- General-de-Brigada T. F. Bogart.

Bibliografia recomendada:

Histoire des Parachutistes Français:
La guerre para de 1939 à 1979,
Henri Le Mire.

Leitura recomendada:

O primeiro salto da América do Sul13 de janeiro de 2020.

ARTE MILITAR: Cenas da Guerra da Indochina por Filip Štorch, 2 de maio de 2021.

GALERIA: Escola de paraquedismo indochinesa17 de março de 2022.

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GALERIA: Bawouans em combate no Laos, 28 de março de 2020.

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GALERIA: Treinamento de salto do SAS francês na Inglaterra29 de junho de 2021.

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FOTO: As cobiçada asas paraquedistas30 de janeiro de 2020.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Demonstração das Forças Especiais estonianas e francesas no Mali


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 12 de setembro de 2022.

Operadores especiais franceses e estonianos no Mali durante uma apresentação de capacidades em abril de 2021; a qual incluiu CQB, patrulhas de longa distância motorizadas e embarque helitransportado. O foco da apresentação foi o pelotão de Forças Especiais estoniano, que desdobrou uma força considerável de 95 comandos.

O Comando de Operações Especiais (Erioperatsioonide väejuhatusESTSOF), geralmente traduzido como Força de Operações Especiais, foi criado em 8 de maio de 2008, e teve seu batismo de fogo no Afeganistão como parte da ISAF em 2012. Seu objetivo principal é o desenvolvimento de capacidades para a guerra não-convencional, e tem a tarefa de planejar, preparar e executar operações especiais. Estas incluem reconhecimento e vigilância especiais, apoio militar e ação direta (ação de comandos). A ESTSOF é aquartelada na rua Juhkentali 58, 15007, na capital Tallinn, e está sob o comando direto do Comandante das Forças de Defesa da Estônia.

Operador estoniano demonstrando o recarregamento tático com pistola.

Distintivo de ombro do ESTSOF.

Em março de 2020, a Estônia anunciou que as suas forças especiais se juntariam à Força-Tarefa Takuba no Mali para trabalhar ao lado das forças especiais francesas, que apoiavam as forças de segurança malianas. Em julho, o pelotão de forças especiais estoniano iniciou sua missão em Gao, onde já estavam sediadas as tropas das Forças Armadas da Estônia, que participavam da Operação Barkhane. O pelotão especial estoniano empregou quatro veículos blindados Jackal emprestados do Reino Unido para a missão. 

O esforço estoniano foi considerável, com uma força de 95 operadores em serviço de combate (em oposição a serviço de estado-maior e apoio, por exemplo) dado que a Estônia é um país pequeno. A Força-Tarefa Takuba é um projeto francês de defesa integrada européia e, em março de 2021, contava de 600 homens, com 300 deles sendo franceses. A demonstração mostra os estonianos com operadores franceses e outros europeus, como os dinamarqueses.


Em fevereiro de 2021, a Estônia anunciou que se retiraria do Mali por causa da presença dos mercenários russos do Grupo Wagner. A junta militar maliana se aproximou da Rússia de forma intransigente, de tal forma que exigiu a retirada da França e dos seus aliados europeus em 2022. Em 30 de junho de 2022, a Força-Tarefa Takuba encerrou sua missão no Mali durante a retirada em andamento das forças francesas envolvidas na Operação Barkhane, e mudou-se para o Níger, onde continua a luta contra o Estado Islâmico no Grande Saara (État islamique dans le Grand Sahara, EIGS) na Operação Solstice.













Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história,
Alessandro Visacro.

Leitura recomendada:

sexta-feira, 9 de setembro de 2022

FOTO: Cachorros táticos do RAID


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de setembro de 2022.

Foto de comunicação social mostrando operadores e cães do RAID posando juntos, 12 de setembro de 2019. Os europeus fazem uso intensivo de cachorros táticos em suas operações, chamados "cães de assalto" no sistema francês (chien d'assaut).

Na foto estão estão 3 pastores belgas Malinois do RAID, com Leïko à esquerda especializada na busca de explosivos, assim como Meska no centro e Jackady à direita, um dos cães de assalto da unidade. Ao garantir uma certa eficiência e utilidade, o cão é essencial dentro do grupo.

O RAID (Recherche, Assistance, Intervention, Dissuasion / Busca, Assistência Intervenção, Dissuasão) é a unidade de intervenção especial da Polícia Nacional francesa, o equivalente ao famoso GIGN fundado em 1985. Sua primeira missão foi um resgate de reféns no tribunal de Nantes pouco tempo depois, em dezembro de 1985.

Bibliografia recomendada:

European Counter-Terrorist Units 1972-2017,
Leigh Neville e Adam Hook.

Leitura recomendada:




FOTO: Sniper na chuva16 de setembro de 2020.


sábado, 27 de agosto de 2022

ENTREVISTA: Camille, da Guarda ao Grupo


Por Antoine Faure, GendInfo, 8 de março de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 27 de agosto de 2022.

A única mulher que passou nos testes de seleção e nos testes de pré-estágio do GIGN em 2021, Camille está atualmente em um curso de treinamento com seus 18 companheiros selecionados. Ela será brevetada em dezembro próximo e se juntará à Força de Observação de Pesquisa. Portfolio.

Da vela do brasão de Paris, que adorna o emblema da Guarda Republicana, ao retículo de mira, mosquetão e pára-quedas que se misturam no brasão do Grupo Nacional de Intervenção da Gendarmaria (GIGN), havia um grande passo a dar. Especialmente para uma mulher porque, embora o GIGN as integre regularmente na sua Força de Observação e Pesquisa (Force observation rechercheFOR), continua a ser um desafio para elas imporem-se neste mundo tipicamente masculino.

“Estava um pouco apreensiva”, admite Camille, a única sobrevivente do seu “campo” a ter superado com sucesso os muitos obstáculos, para poder juntar-se ao GIGN este ano. “Mas quando eu era pequena, gostava de competir com meninos. E na Guarda Republicana também havia cabeças fortes! Acredito que os candidatos rapidamente esquecem esse lado feminino. Claro, provoca muito bem, mas estamos todos alojados no mesmo barco".

"Essa ideia em um canto da minha cabeça."

Por telefone de Pau, onde segue o estágio paraquedista, poucos dias depois de se mudar para Satory em seu novo alojamento, Camille nos conta sobre sua extraordinária trajetória na gendarmaria, que começa com uma primeira experiência como reservista, dentro de um esquadrão departamental de segurança rodoviária (EDSR) e duma brigada, em Cher. Nenhum traço de azul em sua família, "mas um forte desejo de se dedicar aos outros" atrelado ao corpo. “Eu hesitei entre a gendarmaria e os bombeiros, mas gostei muito de ser reservista". O ponto é, portanto, atribuído aos gendarmes.

Em 2015, ela passou no concurso SOG e entrou na Escola de Suboficiais em Tulle. Durante seu treinamento, ela passou nos testes de cavalaria. "Eu tinha um Galop 7 (o nível mais alto em equitação, fora de competição, nota do editor), mas você tinha que se destacar, mostrar sua determinação". Camille é um dos 17 gendarmes selecionados, entre 50 candidatos, e quando ela sair da escola, um lugar a espera no Quartier des Célestins, dentro do 1º esquadrão de cavalaria. "Havia uma grande diversidade de missões, e eu adorava estar na Guarda, mas estava faltando alguma coisa, um pouco de adrenalina talvez, e principalmente o fato de ultrapassar meus limites. Na escola, um instrutor me falou sobre o FOR. Eu sempre mantive essa ideia no fundo da minha mente."

"Eu vivia o G.I., eu respirava o G.I."

Também é preciso dizer que em 2015, os ataques de 13 de novembro mudaram a situação. A ameaça está mais do que nunca dentro de nossas fronteiras e, para muitos soldados, isso muda tudo. “Queria servir meu país, lutar contra seus inimigos”, confirma Camille.

Depois de cinco anos na Guarda Republicana, sua decisão está tomada. Ela quer entrar no GIGN, "engajar-se pelo resto da vida", segundo o lema da unidade. Ela atende ao chamado de voluntários e se prepara para o combate. No programa: corrida, crossfit, ciclismo, musculação, natação... E livros, e mais livros, sobre a história, organização e funcionamento do GIGN. "Eu estava vivendo o G.I., eu estava respirando o G.I., 24 horas por dia."

Em maio de 2021, ela está no bloco de partida para a prova de natação, a primeira da semana de provas de seleção reservadas à FOR. Este mergulho em água clorada marca o início de uma longa jornada, durante a qual Camille superará os obstáculos um a um, superando esses famosos limites, físicos e mentais, todos os dias.

Ela se lembra em particular da terrível provação da lavanderia, alternando passagens na água a 10°C com séries de flexões, polichinelo e prancha, para o qual ela usou a técnica de visualização positiva. "Condicionei-me mentalmente a dizer a mim mesma que ia me fazer bem, que era uma sessão de crioterapia, sob um céu estrelado!"

Outro momento inesquecível: o dia do pré-estágio que ela e seus companheiros batizaram de “as 24 horas do inferno”. "Foi terrível. Só de falar me dá calafrios. Lembraremos disso por toda a vida. Foi uma chuva torrencial naquele dia, estávamos encharcados da cabeça aos pés. No final do dia, não tínhamos mais forças. O instrutor então chegou na nossa frente e disse simplesmente: "Mochila... Bolsa no chão... Mochila... Bolsa no chão..." Por 1 hora e 20 minutos! Jamais esquecerei o som de sua voz..."

Dentro de alguns meses, em dezembro, Camille estará brevetada e, assim, ingressará oficialmente no GIGN, com 18 homens ao seu lado. Ela pode ter uma lembrança da menina que gostava de competir com os meninos.

Bibliografia recomendada:

GIGN:
Nous étions les premiers.
Christian Prouteau e Jean-Luc Riva.

Leitura recomendada:

sábado, 30 de julho de 2022

A continuação da política por outros meios: a França na Segunda Guerra Mundial

Por Lorris Beverelli, The Strategy Bridge, 30 de setembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de julho de 2022.

Introdução

Quando se trata da França na Segunda Guerra Mundial, a maioria dos estudos natural e compreensivelmente se concentra em sua dramática derrota em 1940. No entanto, o público em geral parece esquecer um resultado mais duradouro: como a França conseguiu ganhar um lugar entre os vencedores da guerra. De fato, apesar de ter perdido seu status pré-guerra como potência internacional principal, sofrendo uma derrota dolorida em 1940, levando à ocupação e anexação alemãs, e sendo um ator secundário durante a guerra, a França em 1945 garantiu um lugar entre os vencedores. O General Charles de Gaulle e a França Livre, através de sua agudeza militar e política, juntamente com sua perseverança implacável, conseguiram realizar essa façanha. Isso foi feito principalmente graças ao uso das ferramentas militares à sua disposição – incluindo inteligência – que foram diretamente instrumentalizadas para obter ganhos políticos concretos.

Todo estudante de estratégia militar sabe que a guerra é a continuação da política; a força deve ser usada na busca de um ou vários objetivos políticos mais ou menos específicos. Consequentemente, a forma como a força é usada varia com base em tais objetivos. Charles de Gaulle e a França Livre demonstraram bem esses princípios. Este artigo irá primeiro detalhar como eles usaram a inteligência, antes de mostrar como eles usaram as forças armadas na busca de objetivos políticos. Ao fazê-lo, este artigo visa fornecer um exemplo concreto que ilustra o mais famoso princípio de Clausewitz.

O General Charles de Gaulle durante a Segunda Guerra Mundial.

O Bureau Central de Renseignements et d'Action: coletando inteligência para influência política

Depois de fugir para Londres após o desastre de 1940, o General de Gaulle criou sua entidade política, a França Livre. Seu objetivo era continuar lutando contra o Eixo e, eventualmente, libertar a França.

Entre suas instituições estava um serviço de inteligência que tinha vários nomes, mais conhecido como Bureau central de renseignements et d’action, ou Bureau Central de Inteligência e Ação. Com meios limitados em 1940, os fundadores desse serviço de inteligência inicialmente viram na ação clandestina a melhor maneira de participar ativamente do conflito e afirmar a futura afirmação de que a França era uma vencedora da guerra.[1] Seu líder, André Dewavrin, também conhecido como Coronel Passy, queria colocar a inteligência a serviço direto da política e desejava que o Bureau Central de Inteligência e Ação se tornasse mais do que um mero serviço de inteligência fornecendo informações. Ele queria negociar com os Aliados, inteligência militar por influência política.[2] Eventualmente, foi isso que aconteceu.

O papel político do Bureau Central de Inteligência e Ação centrou-se na Resistência Francesa. A Resistência, nos planos da França Livre, teve que ser o catalisador do Gaullismo e foi usada tanto como alavanca para os Aliados quanto como meio de exercer influência política na França.[3] O serviço de inteligência, consequentemente, procurou organizar e controlar os múltiplos movimentos da Resistência. Organizá-los e controlá-los tinha vários propósitos.

Primeiro, permitiria à França Livre minar o regime de Vichy e garantir a legitimidade de Charles de Gaulle.[4] De fato, o general francês queria fazer Vichy parecer nada mais que um pseudo-governo e estabelecer a França Livre como a autoridade central provisória que salvaguardava os interesses franceses. Seria também uma forma de ser reconhecido pelos Aliados como depositário da soberania francesa e pelo povo francês como autoridade pública.[5]

Em segundo lugar, permitiria à França Livre afirmar seu papel e credibilidade entre os Aliados. Charles de Gaulle queria provar que sem a participação da Resistência, que ele controlaria idealmente, a coleta de informações e a ação militar na França seriam efetivamente impossíveis. Era essencial mostrar que o envolvimento da França Livre era necessário para a condução de qualquer tipo de operação aliada na França.[6]

Multidões de patriotas franceses se alinham nos Champs-Élysées para ver tanques franceses livres e meias-lagartas da 2ª Divisão Blindada do General Leclerc passando pelo Arco do Triunfo, depois que Paris foi libertada em 26 de agosto de 1944. Entre a multidão podem ser vistas faixas em apoio a Charles de Gaulle.
(Biblioteca do Congresso/Wikimedia)

Em terceiro lugar, a organização e controle da Resistência seria uma forma do Bureau Central de Inteligência e Ação impedir uma insurreição geral na França antes da libertação do país. O serviço de inteligência da França Livre não queria que tal evento acontecesse, pois poderia levar à destruição de seus ativos no solo, o que deixaria os gaullistas incapazes de apoiar os desembarques aliados. Consequentemente, isso os privaria dos principais meios para gerar um papel entre os vencedores no final da guerra.[7]

Finalmente, o controle centralizado dos movimentos da Resistência foi uma forma de impedi-los de desenvolver suas próprias ambições políticas significativas e de se considerarem atores independentes.[8] Mesmo no final de 1942, grande parte da Resistência não era de forma alguma gaullista, e alguns deles preferiam lidar diretamente com os britânicos ou os americanos sem se referir à França Livre.[9]

Portanto, durante a guerra, o Bureau Central de Inteligência e Ação coletou informações e as usou como alavanca para ganhar influência política na França. A França Livre finalmente conseguiu unificar os movimentos da Resistência sob seu guarda-chuva e dominar o cenário político interno durante a libertação do país. O trabalho do serviço de inteligência da França Livre ajudou a França a conquistar seu lugar entre os líderes da ordem mundial do pós-guerra.

Consequentemente, o Bureau Central de Inteligência e Ação era mais do que um mero serviço de inteligência que se limitava à coleta e exploração de informações. Em vez disso, era uma ferramenta política, no sentido próprio de Clausewitz, e usava a inteligência como meio militar e político para participar diretamente da realização dos objetivos políticos gaullistas

O Exército Francês: ocupando territórios para ganho político

Desfile da 2ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria de Marinha das Forças Francesas Livres (FFL) em Spinay Wood, no Egito, em 17 de outubro de 1940.

O Exército Francês, renovado após sua derrota em grande parte graças à mão de obra proveniente das possessões francesas na África Subsaariana e do Norte da África e ao enorme apoio material americano, foi outra ferramenta para obter ganhos políticos. Como o Bureau Central de Inteligência e Ação, o Exército Francês seria um meio de provar a capacidade de combater o Eixo, libertar o país e ganhar um lugar entre os vencedores da guerra.[10] No entanto, seria uma tarefa delicada para Charles de Gaulle. Durante as campanhas aliadas de libertação, as forças francesas desempenharam principalmente um papel secundário, em parte por causa de seu número limitado. O general francês teve que usar cuidadosamente seus ativos para evitar que a França fosse um súdito impotente dos Aliados. Ele podia contar com dois elementos: a Resistência, que havia sido unificada em parte graças ao trabalho do Bureau Central de Inteligência e Ação, e também tropas regulares sob o comando dos generais Philippe Leclerc e Jean de Lattre de Tassigny.[11]

Na França e na Alemanha, o Exército Francês participou da luta contra o Eixo, permitindo que de Gaulle obtivesse ganhos políticos tanto no âmbito doméstico quanto no de coalizão, liberando e ocupando território. Dois eventos ilustram isso.

Carros M4 Sherman franceses do 501e RCC nos subúrbios de Estrasburgo, 23 de novembro de 1944.

A cidade de Estrasburgo, que fazia parte da região da Alsácia-Mosela, anexada pela Alemanha, foi libertada pelas forças francesas em 23 de novembro de 1944. No entanto, após o início da Batalha do Bulge em dezembro, o General Dwight Eisenhower temeu a frente quebraria. Portanto, ele ordenou que o 6º Grupo de Exército dos Estados Unidos mudasse sua postura em janeiro de 1945. Como consequência, Estrasburgo ficaria indefesa e exposta a uma nova ocupação alemã.[12] Embora a cidade fosse, do ponto de vista militar, relativamente sem importância, representava um valor simbólico para os franceses: eles não podiam simplesmente abandonar uma cidade francesa que não apenas havia sido ocupada, mas também anexada pelos alemães. Charles de Gaulle considerou que deixar Estrasburgo à sua própria sorte sem lutar seria um “desastre nacional irreparável”.[13]

Consequentemente, de Gaulle ordenou que o General de Lattre defendesse Estrasburgo, contrariando as ordens americanas, pois o Primeiro Exército francês fazia parte do 6º Grupo de Exércitos dos Estados Unidos, sob o comando do General Jacob Devers. Eventualmente, graças a conversas entre os generais de Gaulle e Eisenhower, os americanos concordaram em manter sua presença na cidade; eles a abandonariam apenas em caso de absoluta necessidade, e os franceses ficariam encarregados de sua defesa.[14]

Outro exemplo de de Gaulle usando as forças armadas para atingir diretamente um objetivo político ocorreu mais tarde. Em 28 de março de 1945, o general francês ordenou que suas tropas cruzassem o Reno, contra as ordens de Dwight Eisenhower, que havia atribuído uma missão defensiva aos franceses na margem oeste do rio.[15] Cerca de 200.000 soldados cruzaram o Reno três dias depois.[16] O objetivo era alcançar os estados alemães de Baden e Württemberg, que de Gaulle queria fazer parte de uma futura zona de ocupação francesa.[17] Durante o mês de abril, os franceses ocuparam as cidades alemãs de Karlsruhe, Freiburg e Stuttgart.[18] O General Devers então ordenou que o General de Lattre deixasse Stuttgart em 24 de abril. No entanto, de Gaulle manteve sua posição e ordenou que o Primeiro Exército francês segurasse a cidade, não importando o quê. Ignorando a ordem do General Devers, os franceses permaneceram desafiadores e até entraram em Ulm no mesmo dia, o que abriu caminho para a Áustria, cujo território estava agora em risco de cair nas mãos dos franceses.[19] O Danúbio foi então atravessado em 29 de abril, e as tropas do General Leclerc chegaram a Berchtesgaden em 4 de maio.[20]

Fronteiras e territórios de ocupação de 1945 a 1949.
Zonas de ocupação britânica (verde), francesa (azul), americana (laranja) e soviética (vermelha).

Essa série de movimentos foi uma forma de produzir um resultado político direto e concreto, a existência de uma zona de ocupação francesa claramente delimitada na Alemanha após a guerra. Na época, os Aliados concordaram em princípio com uma zona de ocupação francesa, mas não determinaram seus limites. Até que o pedido fosse atendido, os franceses decidiram que administrariam todo o território alemão ocupado por suas forças.[21] Eventualmente, Eisenhower obedeceu.[22] Apesar de contradizer diretamente as ordens aliadas, a França ganhou uma zona de ocupação na Alemanha, e o Primeiro Exército Francês tornou-se uma força de ocupação após ser dissolvido em 24 de julho de 1945.[23]

Conclusão

Durante a guerra, a França Livre e Charles de Gaulle usaram diretamente a inteligência e meios militares limitados para atingir objetivos políticos concretos. Essas vinhetas ilustram que a guerra é a continuação da política por outros meios. O Bureau Central de Inteligência e Ação e o Exército Francês participaram diretamente na realização de objetivos políticos claramente formulados, na medida em que mesmo objetivos militares táticos, como manter ou capturar uma cidade, serviram diretamente a objetivos políticos estratégicos.

A França é muitas vezes ridicularizada por sua derrota esmagadora de 1940. A verdade é que nenhum exército contemporâneo foi capaz de derrotar as forças terrestres alemãs no início da Segunda Guerra Mundial. Naquela época, a doutrina alemã e a excelência tática em terra permitiam que eles superassem as forças terrestres de todos os outros Estados. O Reino Unido tinha o Canal da Mancha — que permitiu à Força Aérea e à Marinha Reais deterem os alemães —, a União Soviética, uma imensa profundidade estratégica, e os Estados Unidos, o Atlântico. A Noruega tinha um corpo de água que poderia ter ajudado contra os alemães, mas não conseguiu evitar a invasão e foi derrotada. A França não tinha nada disso, assim como Tchecoslováquia, Polônia, Dinamarca, Bélgica, Holanda, Luxemburgo e Grécia.

No entanto, a França conseguiu permanecer uma potência internacional (embora muito diminuída em comparação com seu status pré-guerra), ganhar um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e ser considerada uma vencedora da Segunda Guerra Mundial. Fê-lo apesar da ocupação e anexação alemãs, apesar da existência do regime colaboracionista de Vichy, e apesar da enorme mas necessária dependência do apoio material americano e britânico durante quase toda a guerra. Aqui está a verdadeira vitória da França durante a Segunda Guerra Mundial. Não foi militar. Foi política. E quando se trata de guerra, o aspecto político é o que mais importa.

Sobre o autor:

Lorris Beverelli é um cidadão francês que possui um Master of Arts em Estudos de Segurança com uma concentração em Operações Militares pela Universidade de Georgetown. As opiniões expressas neste artigo são exclusivas do autor e não representam a política ou posições do governo francês ou das forças armadas.

Notas:
  1. Sébastien Albertelli, “Les services secrets de la France Libre : le Bureau Central de Renseignement et d’Action (BCRA), 1940-1944,” Guerres mondiales et conflits contemporains, no. 242 (2011/2), 8.
  2. David De Young De La Marck, “De Gaulle, Colonel Passy and British Intelligence, 1940-1942,” Intelligence and National Security 18, no. 1 (2003), 23.
  3. Neste contexto, “Gaullismo” significa o ethos, ideais e objetivos da França Livre..
  4. Douglas Porch, The French Secret Services: From the Dreyfus Affair to the Gulf War (New York: Farrar, Straus & Giroux, 1995), 225-26.
  5. Albertelli, “Les services,” 11.
  6. Porch, The French Secret Services, 226.
  7. Albertelli, “Les services,” 10.
  8. Ibid., 16-7.
  9. Porch, The French Secret Services, 187.
  10. Claire Miot, “L’armée, meilleure carte politique du Général,” Guerres & Histoire, no. 24 (April 2015), 50.
  11. Olivier Wieviorka, “Démobilisation, effondrement, renaissance 1918-1945,” in Histoire militaire de la France, II. De 1870 à nos jours, editado por Hervé Drévillon, Olivier Wieviorka (Paris: Editions Perrin, 2018), 450.
  12. Ibid., 470.
  13. Miot, “L’armée,” 52.
  14. Ibid.      
  15. Ibid., 53.
  16. Wieviorka, “Démobilisation,” 472.
  17. Miot, “L’armée,” 53.
  18. Wieviorka, “Démobilisation,” 472.
  19. Miot, “L’armée,” 53.
  20. Wieviorka, “Démobilisation,” 472.
  21. Miot, “L’armée,” 53.
  22. Ibid.
  23. Wieviorka, “Démobilisation,” 474.
Bibliografia recomendada:

A Segunda Guerra Mundial:
Histórias e estratégias,
Philippe Masson.

Leitura recomendada: