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quinta-feira, 12 de novembro de 2020

A arma excepcional da ação: O FAL em Long Tan no Vietnã

Batalha de Long Tan, 1966.
O relatório oficial pós-ação do exército australiano chamou o FAL de "a arma excepcional da ação".
Ilustração de Steve Noon.

Por Bob Cashner, The FN FAL Battle Rifle, 2013.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 16 de julho de 2019.

As unidades australianas e neozelandesas que lutando ao lado de forças dos EUA, do Vietnã do Sul e outras no Vietnã durante as décadas de 1960 e 1970 foram armadas com o fuzil SLR L1A1 semi-automático feito pela Lithgow; eles o consideraram uma arma confiável para a luta na selva. Apesar da mão-de-obra e artilharia e apoio aéreo muito limitados quando comparados com seus aliados americanos, os australianos e neozelandeses, recebendo treinamento especial na selva, derivado das lições aprendidas nas selvas da Malásia e Bornéu, operaram de uma maneira que o Viet Cong e o NVA chegaram a temer. Pequenas patrulhas australianas e neo-zelandesas movimentavam-se como fantasmas e muitas vezes provavam ser superiores ao inimigo quando se tratava de furtividade e habilidades de campanha. Apesar do desprezo geral dos australianos pela “contagem de corpos” como uma medida de sucesso, as estatísticas fornecem uma considerável defesa dos métodos não convencionais que eles usaram.

SLR L1A1, o FAL australiano e neo-zelandês.

Algumas estimativas afirmam que as tropas americanas gastaram cerca de 200.000 cartuchos de munição de armas portáteis por baixa inimiga; para os australianos e neozelandeses armados com o L1A1, 275 tiros foram gastos por baixa inimiga (Hall & Ross 2009). As razões para isso foram muitas. Primeiro, os soldados australianos e neozelandeses foram treinados em um padrão de pontaria muito acima e além daquele do soldado de infantaria americano. Em segundo lugar, muitos veteranos da 1ª Força-Tarefa Australiana eram veteranos de Bornéu e da Malásia, reforçando o treinamento na selva que as forças australianas e neozelandesas receberam antes de serem desdobradas para o Vietnã. Em terceiro lugar, os australianos e neozelandeses freqüentemente operavam em patrulhas pequenas, silenciosas e furtivas, em vez de em enormes varreduras do tamanho de um batalhão (ou maiores).

O método australiano foi recompensado ao infligir baixas inimigas sem a necessidade de dezenas de aeronaves e milhares de granadas de artilharia por engajamento. Por exemplo, mais de um terço dos contatos inimigos dos australianos foram emboscadas. Em 34% dos casos, os Aussies e os Kiwis emboscaram o Viet Cong/Exército Norte-Vietnamita (VC/NVA), enquanto que em apenas 2% dos contatos o inimigo conseguiu surpreender os ANZACs em suas próprias emboscadas. Um estudo do SAS sobre as ações australianas no Vietnã afirmou que, apesar dos ataques aéreos e de artilharia normalmente bastante oportunos e relativamente pesados que a infantaria ocidental desfrutou na guerra, cerca de 70% das baixas inimigas foram infligidas com armas portáteis de infantaria. Os métodos táticos dos ANZAC também mantiveram o inimigo respondendo a eles em vez de vice-versa, um elemento crítico na guerra de contra-insurgência.

O Soldado Bill Stallan do 6º Batalhão, do Regimento Real Australiano, em patrulha de selva em Phuoc Tuy, 1971.
Embora os fuzis L1A1 australianos fabricados pela Lithgow fossem soberbamente confiáveis e poderosos, os soldados foram inicialmente fornecidos apenas cinco carregadores, os quais deveriam ser recarregados de bandoleiras.
(Imperial War Museum, MH 16767)

Apesar de seu comprimento de 1.143 mm (45 polegadas) dificilmente ser ideal na selva, o SLR obteve notas muito altas por sua robustez e confiabilidade. A batalha de Long Tan em agosto de 1966 ocorreu sob uma forte chuva de monções e lama viscosa, condições que causaram mais do que alguns problemas para as metralhadoras M60 e suas cintas de munição expostas, bem como o punhado dos novos fuzis americanos Armalite M16 usados pelos australianos. O L1A1 resistiu ao teste com notação perfeita; o relatório oficial pós-ação do exército australiano chamou-lhe "a arma excepcional da ação". (Australian Army 1967: 26)

Tal como acontece com o L1A1 britânico, o SLR australiano ofereceu apenas fogo semi-automático. A conservação da munição fornecida pelo modo semi-automático fez uma diferença real em Long Tan. A maioria dos soldados recebia, na melhor das hipóteses, um carregador cheio no fuzil e quatro carregadores sobressalentes em seu equipamento de lona; um total de 100 tiros ou menos não dura muito em um tiroteio de longa duração, mesmo em modo semi-automático. Ainda assim, na selva, geralmente era um procedimento operacional padrão "despejar" o primeiro carregador o mais rápido possível para estabelecer a superioridade de fogo e, em seguida, alternar para o "double-tap" ("tiro duplo") mirado.

Militares da Companhia B do 2º Batalhão do Regimento Real Australiano, avançam com cuidado após desembarcarem de helicóptero, julho de 1967.
Os ANZACs no Vietnã freqüentemente removiam as alças de transporte dos seus SLR para diminuir o peso, e os quebra-chamas para diminuir a extensão.
(Bettmann/Corbis)

Mesmo assim, uma das maiores lições de Long Tan foi a emissão de muito mais munições e carregadores para o soldado de infantaria. O fornecimento de apenas cinco carregadores, os quais deveriam ser recarregados de bandoleiras, era obviamente insuficiente para um soldado engajado em um tiroteio.

Tal como acontece com os combatentes em todo o mundo, os australianos e os neozelandeses rapidamente também fizeram uso do poder de penetração da munição de 7,62x51mm OTAN. Mais de um soldado inimigo escondido atrás do tronco de uma seringueira encontrou seu abrigo transformado em mera coberta por tiros de 7,62x51mm explodindo através dela.

Soldados do 7 RAR, armados de SLR/FAL, aguardam transporte para Phuoc Hai, em 26 de agosto de 1967.

Uma modificação semioficial do L1A1 no Vietnã, que começou no SAS australiano, foi apelidada de "The Beast" ("A Besta") ou, às vezes, de "The Bitch" ("A Megera"). Este era um L1A1 convertido para fogo totalmente automático com peças do FM L2A1 e o cano, menos o quebra-chama, cortado logo adiante do conjunto do obturador de gás. Com um carregador de 30 tiros, o qual poderia esvaziar em menos de três segundos, era uma arma de curto alcance temível. Um número nada insignificante de soldados de ambos os lados pensaram que a enorme explosão "d'A Besta" parecia uma metralhadora pesada .50, proporcionando um poderoso efeito psicológico junto com poder de fogo extra. O veterano australiano de reconhecimento, Peter Haran, descreveu suas modificações na zona de combate em seu SLR:

No Recce [reconhecimento] tínhamos escolha de arma e voltei para o SLR [ao invés do Armalite], mas fiz alguns ajustes. Substituí a trava de segurança por uma de um SLR de cano pesado L2A1 e limei a armadilha do gatilho e o pino projetado para impedir que a trava de segurança ficasse em "automático". Com uma carregador de 30 tiros em vez de um de 20 tiros, eu agora tinha a arma que queria no mato - um "Slaughtermatic", como eu a chamei: em essência, uma metralhadora totalmente automática de 7,62 mm sem alimentador de cinta, um fuzil leve com soco máximo quando em fogo automático. Considerei que carregadores demais passando sem uma pausa provavelmente derreteriam o cano, mas se algum dia acontecesse esse tipo de luta, eu provavelmente não voltaria para casa de qualquer maneira. (Crossfire: An Australian Reconnaissance Unit in Vietnam, Haran & Kearney 2001: 32)

- Bob Cashner, The FN FAL Battle Rifle, pg. 52-54.

The FN FAL Battle Rifle,
Bob Cashner.

Bibliografia recomendada:

Vietnam ANZACs:
Australian & New Zealand Troops in Vietnam 1962-72.
Kevin Lyles.

Leitura recomendada:

sábado, 31 de outubro de 2020

GALERIA: Guerra na Selva em Okinawa

Fuzileiros navais americanos passando pela pista de maneabilidade do curso de endurecimento em Okinawa, sul do Japão, em março de 2020.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 31 de outubro de 2020.

O Centro de Treinamento de Guerra na Selva (Jungle Warfare Training Center, JWTC) está localizado em Camp Gonsalves, uma área de treinamento do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos (United States Marine Corps, USMC), e foi estabelecido em 1958. Está localizado no norte de Okinawa, no Japão; precisamente entre as aldeias de Kunigami e Higashi. É o maior centro de treinamento americano em Okinawa.

Também conhecido como Área de Treinamento Norte (Northern Training Area, NTA), e desde 1998 como Jungle Warfare Training Center (JWTC), ocupa 17.500 acres (71 kmº) da selva no norte de Okinawa. Os fuzileiros navais treinavam para operações anti-guerrilha na Área de Treinamento do Norte de Okinawa desde pelo menos 1958, mas em maio de 1961 uma nova escola de contra-insurgência foi inaugurada em Okinawa.

Com o apoio da 3ª Divisão de Fuzileiros Navais, o JWTC está em uma transição para se tornar uma escola de Comando de Treinamento e Educação (Training and Education CommandTECOM). A partir de 2017, novos cursos e currículo estão sendo desenvolvidos para incluir: Curso de Rastreamento na Selva, Curso de Trauma na Selva e Curso de Medicina na Selva. Com a ampliação dos cursos vem também o planejamento de salas fechadas, melhores equipamentos didáticos, além de diversos outros prédios e auxílios didáticos. Seus cursos principais são o Curso de Habilidades de Selva (Jungle Skills Course), Curso de Líderes de Selva (Jungle Leaders Course) e o Curso de Endurecimento de Selva (Jungle Endurance Course).








Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

O Japão pode salvar o dia em um conflito EUA-China, 10 de outubro de 2020.

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

A Viabilidade das Operações na Selva à Noite

Por Andy Blackmore, Wavell Room, 16 de abril de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 1º de outubro de 2020.

Hoje existem muitos pontos de inflamação fora da área da OTAN onde, se um conflito eclodir, a guerra na selva pode estar na ordem do dia. Os militares ocidentais tentam operar principalmente à noite e a selva apresenta desafios únicos para isso. Este artigo argumenta que as operações noturnas na selva são possíveis, mas devido a deficiências na doutrina do Reino Unido continuam difíceis e não recomendadas. Se o Exército deseja realizar operações noturnas, então a doutrina requer uma reescrita significativa para permitir um melhor enfoque na coordenação de atividades de equipes pequenas e subunidades nos planos do grupo de batalha.

A selva é um ambiente difícil de se mover e operar e é um desafio para soldados e comandantes. De trepadeiras baixas e vegetação densa a quedas repentinas no terreno, a liberdade de movimento está gravemente degradada. Isso é intensificado durante a escuridão. No entanto, a história dita que um comandante deve planejar e treinar para operações noturnas se quiser continuar a ser a força superior. Como o Marechal-de-Campo Slim observou:

“Para nossos homens, a selva era um lugar estranho e temível: mover-se e lutar nela era um pesadelo. Estávamos muito prontos para classificar a selva como "impenetrável". Para nós, parecia apenas um obstáculo ao movimento; para os japoneses, era um meio bem-vindo de manobra oculta e surpresa. Os japoneses colheram a recompensa merecida... pagamos a pena”.

- Marechal-de-Campo Slim, Defeat into Victory.

"Transformando a Derrota em Vitória", o Marechal-de-Campo Sir William Slim comandou as forças britânicas na Birmânia.

O pensamento tradicional sobre a guerra na selva é que ela é a exclusivamente reservada à infantaria apoiada por algumas armas de artilharia de dorso. Desde a Segunda Guerra Mundial, no entanto, todos os ramos do serviço aprenderam a operar efetivamente na selva. A ideia de que os tanques podem exercer uma influência decisiva, antes tida como idiota, está provada. As comunicações de rádio aprimoradas permitiram que aeronaves de ataque ao solo e artilharia desenvolvessem novas táticas. Os lançamentos aéreos de suprimento permitiram que os exércitos mantivessem o ímpeto de um avanço ou operassem isolados por mais tempo. Equipamento de movimentação de terra converteram a floresta em trilhas transitáveis por transporte motorizado. A medicina preventiva reduziu o risco de doenças e as rações pré-embaladas prolongaram a capacidade do soldado de permanecer operacional por mais tempo em um alcance estendido. O advento do helicóptero proporcionou nova mobilidade aérea e simplificou a evacuação das baixas.

Por causa desses avanços, alguns argumentam que a selva se tornou neutra. [1] No entanto, as lições aprendidas e aplicadas na Birmânia durante a Segunda Guerra Mundial pelo Marechal-de-Campo Slim, devem ser reaplicadas e a doutrina atual deve ser atualizada para que as operações noturnas na selva se tornem viáveis.

Spencer Chapman, autor, comando e condecorado com a Ordem de Serviços Distintivos.

[1] The Jungle is Neutral, F. Spencer Chapman DSO, 2014.

O que é a selva?

O terreno da selva varia muito, desde montanhas com florestas até áreas de pântano. As áreas tropicais são categorizadas como selva primária, selva secundária ou floresta decídua. Eles podem conter super-crescimento de dossel simples, duplo ou triplo e geralmente contêm vegetação densa. Pode-se dizer que não existe “país típico da selva”. As características comuns a todas essas áreas são a falta de estradas e ferrovias, movimento limitado de veículos em todo o país e visibilidade limitada para forças aéreas e terrestres. [2]

[2] US War department, 1943.

As operações diurnas na selva, por sua natureza, já têm muito em comum com as noturnas: a ênfase na importância do comando e controle (C2), a necessidade de objetivos limitados, a dificuldade em manter a direção, a dificuldade em usar o fogo de cobertura, o confiar no ouvido em vez dos olhos e a necessidade de permitir bastante tempo para uma operação são considerações críticas de planejamento.

Morteiro em ação durante o Exercício Pacific Kukri 19 envolvendo o 2º Batalhão, Os Reais Fuzileiros Gurcas, 2019.

O Manual de Campanha 90-5 (Field Manual 90-5, FM 90-5) americano e o Panfleto Ambiente de Terreno Fechado Tropical (Close Country Tropical Environment, CCTE) do Reino Unido contêm referências limitadas a operações noturnas. O FM 90-5 afirma que “como as operações noturnas, especialmente as emboscadas, são comuns em combates na selva, as unidades devem enfatizar o treinamento noturno”. Ainda assim, os manuais não oferecem considerações de planejamento ou treinamento para auxiliar os comandantes em sua preparação, nem abordam os tipos de operações noturnas que conduzem à luta na selva ou a escala em que devem ser realizadas. O panfleto CCTE contém apenas um capítulo sobre o movimento noturno na selva.

Mais importante ainda, ambos falham em fornecer quaisquer técnicas especiais que possam ajudar na execução de operações noturnas na selva. A suposição predominante é que os riscos associados a ataques deliberados à noite contra qualquer inimigo são altos demais para justificar a operação. Esta é uma tensão entre como as forças ocidentais desejam operar e a doutrina disponível para elas na selva.

Metralhador gurca disparando com o auxílio de NVD.

O C2 é importante

O C2 é o fator mais importante em combates noturnos. Sua função é sincronizar os disparos e o movimento no ponto decisivo para alcançar a surpresa enquanto mantém a segurança, o ritmo e o propósito. O estado final é destruir o inimigo sem cometer fratricídio ou, caso não se ataque o inimigo, usar a noite dentro da selva para explorar uma vantagem de tempo e espaço. Para atingir esse estado final, todos os soldados devem operar de forma tão eficiente à noite como durante o dia.

Soldado gurca com um dispositivo de visão noturna.

Dentro da mesma linha doutrinária, os comandantes devem considerar a capacidade de combate noturno do inimigo antes de executar uma operação noturna na selva. A tecnologia disponível deve ser aplicada de maneira consistente com a situação encontrada. Por exemplo, em um cenário em que o inimigo tem capacidade de visão noturna, um comandante deve escolher os procedimentos e equipamentos de C2 corretos para combater as capacidades de visão noturna do inimigo. Somente em uma situação em que o inimigo não tenha capacidade de visão noturna é possível o uso irrestrito do espectro da visão noturna.

Infelizmente, alguns dos mais fervorosos defensores das operações noturnas na selva não têm experiência em guerra na selva e não possuem nenhuma concepção das complexidades envolvidas. Isso se reflete na atual doutrina da selva do Reino Unido. Olhar para evidências históricas permite uma perspectiva diferente sobre as operações noturnas na selva.

A experiência japonesa: dominando a noite

Soldados imperiais japoneses no Pacífico.

Durante a 2ª Guerra Mundial, os japoneses operaram à noite sempre que possível. Eles eram hábeis no uso de disfarces, movimento silencioso à noite e movimento ao longo de caminhos na selva quando desejavam ficar entre e atrás das defesas inimigas. [3]

[3] U.S. War department, Military Intelligence Division. “Notes on Japanese Warfare”. Boletim de informação nº 8, 1942. 

Os fundamentos japoneses para o sucesso das operações noturnas eram simplicidade, manutenção da direção, controle e surpresa. Estas foram mantidas atribuindo objetivos limitados e desenvolvendo um plano simples. A direção era mantida por bússola, guias, escolhendo características naturais e artificiais inconfundíveis para marchar, e às vezes por 5ª colunistas que acenderiam fogueiras para servir de pontos de marcha. O controle foi mantido selecionando objetivos em características de terreno bem definidas, como topos de colinas. Furtividade, movimento silencioso e engano foram usados para facilitar a surpresa.

Os japoneses também dedicaram um tempo significativo às manobras noturnas durante o treinamento. Eles fizeram um esforço concentrado para fazer com que cada soldado de combate saísse pelo menos uma vez por semana em algum tipo de problema noturno com os comandantes enfatizando exercícios individuais, de grupo de combate e de pelotão. Mesmo durante o treinamento básico, os soldados foram encarregados de realizar movimentos noturnos individuais através da selva densa, a fim de se familiarizar com as condições de escuridão. Por exemplo, as tropas japonesas designadas para o ataque a Hong Kong dedicaram mais da metade das seis semanas de treinamento preparatório intensivo às operações noturnas.

Em contraste, os exércitos ocidentais parecem ter adotado uma mentalidade diferente. Durante a Segunda Guerra Mundial, as táticas de selva americanas eram geralmente estáticas: atacando com força durante o dia e depois se abrigando à noite. Para um observador "eles atiravam em qualquer coisa que se movesse após o anoitecer, incluindo não apenas o inimigo, mas búfalos e soldados fora do perímetro".[4] Embora esta não seja uma descrição totalmente precisa, ela descreve apropriadamente a natureza defensiva das táticas de selva noturnas americanas durante a Segunda Guerra Mundial . Esses parâmetros mudaram com a invenção dos dispositivos de visão noturna.

[4] Bushmasters, Anthony Arthur, 1987.

Bushmasters: America's Jungle Warriors of World War II.

O papel da visão noturna

Já se passou um quarto de século desde que os dispositivos de visão noturna, ou NVDs, foram declarados a "maior incompatibilidade individual" da Guerra do Golfo. Desde então, a tecnologia subjacente permaneceu praticamente inalterada. Isso deixou os soldados com óculos de proteção analógicos volumosos que, em grande parte, perderam a revolução digital. NVDs poderosos estão agora disponíveis para adversários estatais e não-estatais, anulando vantagens potenciais nas operações de selva. Os seguintes pontos devem ser considerados na preparação e seleção de dispositivos de visão noturna para uso na selva:

Intensificação de imagem (II): é eficaz, mas requer luz ambiente para funcionar de forma eficaz. Com o dossel da selva espessa ou uma lua sobreposta, eles terão um desempenho muito ruim. Tochas IR e cialumes IR também precisam ser equilibrados em relação à imagem tática.

Imagem térmica (TI): este sistema usa uma escala em preto e branco para diferenciar entre assinaturas quentes e frias. No entanto, esses dispositivos não podem ver através de vegetação densa.

Óculos montados na cabeça: Os dispositivos de fixação podem ser extremamente degradantes para a consciência situacional e aumentar o risco de fadiga e lesões por calor. Além disso, as montagens da cabeça estão propensas a ficarem presas na folhagem da selva e nas vinhas, especialmente durante o contato e o fogo e movimento.

Soldados neo-zelandeses em patrulha noturna nas selvas do Timor Leste, década de 90.

O investimento é necessário... mas?

A vantagem tecnológica do Ocidente à noite acabou. Os combatentes do ISIS, especialmente aqueles que foram recrutados no exterior, entendem completamente o poder da visão noturna e, em alguns casos, eles obtiveram seus próprios dispositivos. O Departamento de Estado dos Estados Unidos tentou reprimir a disseminação de NVDs no mercado negro controlando as exportações, mas quando a internet tem dezenas de diferentes lunetas e monóculos de visão noturna em estoque, há um limite para o que o governo pode fazer. Os próprios contratados do Pentágono são conhecidos por se desviar; a ITT Corp, com sede em Nova York, por exemplo, foi multada em US$ 50 milhões depois que foi descoberta a venda de tecnologia sensível para a China, Cingapura e Reino Unido.

Mas a melhor maneira de reafirmar as vantagens monumentais na visão noturna não é controlar as exportações, é desenvolver novos sistemas e táticas. Entre as novidades mais significativas está o desenvolvimento de óculos que combinam intensificação de imagem e imagens térmicas. Outra melhoria potencial é a tecnologia que conecta um conjunto de óculos de visão noturna com a mira de uma arma, permitindo que um soldado aponte uma arma em uma esquina e acerte um alvo sem se expor ao fogo inimigo à noite. Mas as questões permanecem se essa tecnologia sobreviverá às demandas da selva.

No entanto, considerando que a maioria dos adversários provavelmente possuirá algum tipo de óptica noturna, seria uma decisão ousada tentar conduzir um ataque à noite na selva. Especialmente contra uma posição fortificada; as posições estáticas defendidas sempre terão a vantagem e a capacidade de identificar e se defender contra o movimento identificado. Isso significa que um defensor provavelmente sempre terá uma vantagem em operações noturnas na selva, a menos que sua ótica possa ser cegada.

Um menino soldado achinês brandindo um fuzil AK47 durante treinamento militar na selva do distrito de Pidie, em Achem, na Indonésia.

A experimentação britânica moderna

O Exército Britânico, por meio dos Royal Gurkha Rifles (Reais Fuzileiros Gurcas), conduziu extensas experiências na selva. A principal conclusão é que as operações na selva à noite até o nível do grupo de batalha são possíveis; mas não recomendadas. Para tornar essas operações mais bem-sucedidas, opções de investimento mais ousadas devem ser consideradas.

Conclusão

Operar à noite é possível e oferece oportunidades para surpreender o inimigo e manobrar as forças para uma posição de vantagem no momento de nossa escolha. Mas a selva é um ambiente único e há restrições ao que é possível e alguma atividade, ao equilibrar ameaças e oportunidades, não daria a uma força uma vantagem marcante.

É provável que as operações noturnas na selva continuem sendo o conjunto de habilidades de pequenas equipes especializadas que conduzem operações em nome de uma força maior em busca de uma vantagem durante o dia. Isso não quer dizer que as operações noturnas em grande escala sejam impossíveis; a história mostra que elas são. Em vez disso, em quase todos os exemplos, as vantagens do defensor provavelmente não justificam o risco. A doutrina e o equipamento atuais não fornecem a um comandante os princípios para superar essas restrições percebidas.

Se o Reino Unido quiser se destacar novamente à noite na selva, deve haver investimento nas capacidades e equipamentos mais adequados. A doutrina deve ser mudada para permitir melhor a coordenação de ações táticas de pequenas e subunidades em atividades coerentes de grupos de batalha. Também é necessário um foco maior na execução de patrulhamento noturno em curtas distâncias como rotina; emboscada em defesa, reconhecimento e movimento protegido e em operações ofensivas. O Exército tem experiência para fazer isso. A questão é: o Exército tem vontade de fazer isso?

O Major Andrew Blackmore é o Chefe do Estado-Maior da Brigada de Gurcas. Anteriormente, ele foi oficial de comando da Companhia C (Tamandu) do 2º Batalhão, O Regimento dos Reais Fuzileiros Gurcas (The Royal Gurkha Rifles) com base em Brunei. Durante sua missão no comando, o Major Blackmore passou longos períodos de tempo desdobrado nas selvas de Bornéu conduzindo atividades de subunidades e quadros de liderança subalterna. Durante esse tempo, ele conduziu extensas operações de experimentação noturna para entender e testar a validade das operações noturnas na selva.

Bibliografia recomendada:

World War II Jungle Warfare Tactics.
Dr. Stephen Bull e Steve Noon.

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domingo, 23 de agosto de 2020

FOTO: Conferência de selva com o Exército Americano no Panamá

O Tenente Carlos César Leal de Albuquerque, um representante brasileiro, inspeciona um lançador anti-carro M72A2 durante um exercício de fogo real na Conferência de Operações de Selva no Fort Sherman, no Panamá, em 10 de dezembro de 1982.

O soldado brasileiro tem o cobiçado emblema da onça. Na época, este brevê era emitido para os alunos do Curso de Operações na Selva e de Ações de Comandos (COSAC), atual CIGS.

O Fort Sherman operava o Centro de Treinamento de Operações na Selva (Jungle Operations Training Center, JOTC), que foi fundado em 1951 para treinar as forças norte-americanas e aliadas da América Latina em guerra na selva, com um recrutamento de cerca de 9.000 por ano. O JOTC também ministrou um Curso de Sobrevivência de Tripulação Aérea (Air Crew Survival Course) de 10 dias, aberto a todos os ramos de serviço, e um Curso de Engenharia de Guerra na Selva (Engineer Jungle Warfare Coursede quatro semanas. Após a conclusão do curso, o aluno recebia o brevê de Especialista de Selva (Jungle Expert Patch).

Antigo brevê de selva americano.
O atual contém apenas a palavra "Jungle".

Em 1999, o exército americano fechou a escola, acreditando que a expertise não era mais necessária; não foi até 2014 que o JOTC foi reaberto no Havaí e o brevê de selva foi revitalizado como um brevê autorizada para uso por soldados que concluem o curso e são atribuídos à área de responsabilidade do Exército dos EUA no Pacífico (U.S. Army Pacific Command, USARPAC). Este novo brevê contém apenas a palavra "Jungle" e foi aprovado apenas em maio de 2020.

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Relatório Pós-Ação de participação na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro, 5 de janeiro de 2020.

sábado, 11 de julho de 2020

Bem vindo à selva

Soldado canadense armado com o FAMAS F1 equipado de um adaptador de festim no centro de guerra na selva francês, o CEFE, na Guiana Francesa.

Por Ian Coutts, Canadian Army Today, 11 de novembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de julho de 2020.

Como um oficial de intercâmbio brasileiro está ajudando o Exército Canadense a desenvolver sua doutrina de guerra na selva e a treinar futuros especialistas.

Às vezes é realmente uma selva lá fora. E quando é, o Exército Canadense pode ter que responder.

Isso não é fácil. O ambiente da selva é hostil de maneiras particulares. O movimento por terra é difícil. É um mundo perigoso e insalubre, lar de grandes predadores, cobras e insetos venenosos e doenças de arrepiar os cabelos, como a leishmaniose, que pode deixar suas vítimas com lesões faciais desfigurantes. É um ambiente em que um corte aparentemente inconseqüente pode rapidamente se tornar purulento*. E isso tudo antes que as pessoas comecem a atirar em você.

*Nota do Tradutor: Infeccionado, contendo pus ou cheio de pus.

Soldado canadense do Royal 22e Régiment "Vandoos" (R22eR) em treinamento do CEFE, na Guiana Francesa.

Em outubro, um pelotão de soldados da Companhia B do 3º Batalhão, Royal 22e Regiment (3 R22eR), juntamente com alguns soldados de outras unidades da Base de Forças Canadenses (CFB) Valcartier, seguiram para o sul, para a Guiana Francesa. O destino deles era o Centre d´entraînement à la forêt équatoriale (CEFE), a escola de guerra na selva do Exército Francês lá dirigida sob a direção da Legião Estrangeira, onde participaram de um exercício chamado Ex Spartiate Equatoriale.

Acompanhando-os para o passeio de duas semanas, estavam o Sargento Jonathan Bujold, anteriormente membro do batalhão agora ligado ao pelotão de precursores localizado na CFB Trenton, e um oficial brasileiro, o Capitão Ronaldo de Souza Campos. Souza Campos, um instrutor do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), a escola de guerra na selva do Exército Brasileiro, localizada na cidade de Manaus, no extremo sul da Amazônia, está atualmente em uma postagem no Exército Canadense, trabalhando do Centro de Guerra Avançada do Exército Canadense (Canadian Army Advanced Warfare CentreCAAWC) em Trenton.

O objetivo imediato do programa era proporcionar aos soldados no curso experiência em primeira-mão operando em um ambiente de selva - o que não é algo disponível em Valcartier ou mesmo em qualquer lugar no Canadá.


O objetivo maior - e por que Bujold e Souza Campos foram junto - era desenvolver habilidades e conhecimentos para fornecer capacidade futura. Por meio de cursos como esse e com base na experiência de especialistas como Souza Campos e outros, o Exército Canadense quer criar um conjunto de especialistas e uma doutrina escrita para guiá-los, de modo que, se algum dia for comprometido a servir na selva, os soldados estarão prontos.

Treinamento Especializado

Por mais improvável que possa parecer a necessidade do Exército Canadense de habilidades na guerra na selva, ela tem suas origens na experiência em primeira-mão. Em 1999, um contingente de 250 soldados do 3 R22eR foi enviado ao Timor Leste por seis meses como parte de uma força internacional de manutenção da paz. O subtenente Philippe Paquin-Bénard, um membro atual do batalhão e um de seus especialistas residentes em guerra na selva, descreveu sua experiência: "Quase 45% encontraram grandes problemas relacionados ao conhecimento limitado e equipamentos inadequados para esse tipo de ambiente severo e complexo".

Soldado canadense do Royal Montreal Regiment no CEFE, Guiana Francesa.

O Exército Canadense já enviara instrutores para a escola francesa em 1994, mas, disse Paquin-Bénard, "a expertise praticamente desapareceu". No passado, o Exército Canadense também criou seus próprios manuais para a guerra na selva, mas eles não foram revisados desde pelo menos o início dos anos 80.

Consequentemente, o 3 R22eR foi utilizado para desenvolver conhecimentos em guerra na selva, um processo que vem avançando com passos de bebê há mais de uma década. Uma troca de 2008 do pelotão de reconhecimento do batalhão com os Royal Gurkha Rifles, em Brunei, demonstrou que, apesar de seu alto nível geral de condicionamento físico e conhecimento militar, era necessário trabalhar em habilidades específicas necessárias à guerra na selva antes que os voluntários a candidatos aparecessem.


Isso significou o envio de indivíduos para cursos especializados, como o curso internacional Jaguar de 10 semanas no CEFE (que Paquin-Bénard participou com um colega em 2014), o Curso de Instrutor de Guerra na Selva do Exército Britânico em Bornéu (do qual Bujold é um graduado), ou cursos similares na escola brasileira de Manaus. Os soldados do 3 R22eR também visitaram a Escola de Guerra na Selva do Exército Francês na Martinica em 2014 e 2016. A idéia era criar um grupo nuclear de instrutores que pudessem preparar o resto para o que enfrentariam na selva.

Em 2013, os exércitos brasileiro e canadense concluíram um acordo em que um oficial de intercâmbio brasileiro foi enviado ao norte para o CAAWC em um destacamento de dois anos para ajudar a desenvolver a doutrina de guerra na selva. Souza Campos, o atual oficial de intercâmbio, é um veterano de 16 anos do Exército Brasileiro que atuou anteriormente como instrutor no CIGS. (Bujold é seu segundo-em-comando especialista no assunto.)


Além de treinar militares e policiais brasileiros, o CIGS atrai regularmente estudantes de todo o mundo que fazem um curso especial de sete semanas, ministrado em inglês. Desde 2016, um grupo do tamanho de uma seção do 3 R22eR viaja para Manaus todos os anos para participar de uma competição de guerra na selva no centro. (Os exércitos canadense e brasileiro renovaram recentemente esse contrato por mais quatro anos.)

Definindo Novos Padrões

Homens do 3º Batalhão do Royal 22e Régiment "Vandoos" (3 R22eR) na Guiana Francesa.

Muita coisa mudou desde que o 3º batalhão iniciou seu intercâmbio com os gurcas em 2008. Antes de partir para a Guiana Francesa, todos os soldados que participavam do curso passavam por um processo de seleção de dois dias para garantir que possuíam as habilidades físicas necessárias, principalmente natação, para garantir que eles pudessem fazer o curso, disse Paquin-Bérnard. Seguiram-se algumas semanas de treinamento para prepará-los para o ambiente de selva, incluindo instruções sobre a flora e a fauna que provavelmente encontrariam.

Além disso, "uma ênfase significativa foi colocada em... higiene e atendimento médico individual", disse ele. O batalhão agora possui esse tipo de conhecimento internamente.

Para Souza Campos e Bujold, a viagem foi uma oportunidade para ver se os padrões que eles e os antecessores de Souza Campos estão desenvolvendo para a doutrina de guerra na selva do Exército Canadense estão sendo cumpridos no treinamento e se esses padrões podem, de fato, precisar serem modificados em face das condições de campanha.

Alunos do CEFE na pista de obstáculos.

A curto prazo, o objetivo será criar um manual conciso ou livreto que possa ser entregue aos soldados que estejam em um curso de guerra na selva. A longo prazo, o objetivo é criar um conjunto de padrões, conhecido como Quality Standard Training Plan (Plano de Treinamento de Padrão de Qualidade), ou QSTP, que descreverá quais padrões qualquer soldado deve atender para ter uma qualificação completa na selva.

Além disso, disse Bujold, existe um sonho ainda mais ambicioso: atualmente, o Exército Francês não permite que canadenses qualificados instruam em sua escola. "O que estamos tentando fazer a longo prazo é encontrar outro lugar no mundo, talvez com o Reino Unido ou o Brasil, onde nossos instrutores serão capazes de ensinar".

Nossa própria localização, nossa própria doutrina e nossos próprios instrutores treinados. Nas palavras do Guns 'n' Roses, "Bem-vindo à selva".

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