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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

VÍDEO: Instrutora de fitness filmou um treino ao vivo durante o golpe de Mianmar


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 3 de fevereiro de 2021.

Uma instrutora de fitness realizou um treino transmitido ao vivo enquanto o golpe de Mianmar (Birmânia) se desenrolava atrás dela sem que ela soubesse. Khing Hnin Wai fez um treino de dança aeróbica na rua da capital birmanesa, Naypyida, enquanto caminhões militares dirigiam em direção ao prédio do parlamento.

Hnin Wai seguiu o treino enquanto a coluna de caminhões e soldados passavam sem lhe chamar a atenção.


O caso inusitado captou a atenção da internet e o vídeo tornou-se "viral", sendo comentado em todas as redes sociais. Mathias Peer, correspondente para o Sudeste Asiático e Índia, assim descreveu a aula:

"Khing Hnin Wai regularmente filma seus vídeos de aeróbica nas estradas desertas da capital de # Mianmar, #Naypyidaw. Esta semana, seu pano de fundo foi um golpe militar."
Bibliografia recomendada:

A função extra-militar do Exército no Terceiro Mundo.

Leitura recomendada:

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Militares de Mianmar tomam o poder e prendem a líder eleita Aung San Suu Kyi


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 1º de fevereiro de 2021.

Os militares de Mianmar tomaram o poder na segunda-feira em um golpe contra o governo democraticamente eleito da ganhadora do Nobel Aung San Suu Kyi, que foi detida junto com outros líderes de seu partido Liga Nacional para a Democracia (NLD) em ataques ocorridos nas primeiras horas da manhã.

A última vez que Mianmar viu sua constituição revogada foi em 1962 e 1988 - quando os militares tomaram o poder e reinstauraram o governo da junta.

Os militares, que governaram o país por quase cinco décadas, se recusaram semana passada a descartar a tomada do poder por suas alegações de fraude eleitoral nas eleições de novembro, vencidas pelo partido Liga Nacional para a Democracia (NLD) de Suu Kyi. O Exército disse que realizou as detenções em resposta à "fraude eleitoral", entregando o poder ao chefe militar General Min Aung Hlaing e impondo um estado de emergência por um ano, segundo um comunicado.

O partido de Suu Kyi disse que ela pediu às pessoas que protestassem contra o golpe militar, citando comentários que teriam sido escritos em antecipação a um golpe. Este golpe descarrila anos de esforços apoiados pelo Ocidente para estabelecer a democracia em Mianmar, também conhecida como Birmânia, onde a vizinha China tem uma influência poderosa.

Aung San Suu Kyi.

Suu Kyi, vista como uma ícone da democracia  - cuja imagem internacional tem sido atacado recentemente por ter lidado com a crise muçulmana rohingya - continua uma figura muito popular na região. Ela passou 20 anos em prisão domiciliar por seu papel como líder da oposição, antes de ser libertada pelos militares em 2010. Ela foi eleita no parlamento do Mianmar em 2012.

Os generais agiram horas antes do parlamento ter se reunido pela primeira vez desde a vitória esmagadora do NLD em uma eleição de 8 de novembro vista como um referendo sobre o regime democrático incipiente de Suu Kyi. As conexões de telefone e internet na capital Naypyitaw foram interrompidas; assim como em Yangon, o principal centro comercial do país. A televisão estatal saiu do ar depois que os líderes do NLD foram detidos.

Resumindo uma reunião da nova junta, os militares disseram que Min Aung Hlaing, que estava se aproximando da aposentadoria, havia prometido praticar um “sistema democrático multipartidário genuíno que floresce a disciplina”. Os militares prometeram uma eleição livre e justa e uma transferência de poder para o partido vencedor, o que foi dito sem informar um prazo. A junta mais tarde removeu 24 ministros e nomeou 11 substitutos para supervisionar os ministérios, incluindo finanças, defesa, relações exteriores e interior.

Suu Kyi, o presidente Win Myint e outros líderes do NLD foram “levados” nas primeiras horas da manhã, disse o porta-voz do NLD, Myo Nyunt.

Um vídeo postado no Facebook por um deputado pareceu mostrar a prisão do legislador regional Pa Pa Han. Seu marido implora aos homens em trajes militares do lado de fora do portão. Uma criança pode ser vista agarrada ao seu peito e chorando.

Tropas e policiais de choque aguardaram em Yangon, onde os residentes correram para os mercados para estocar suprimentos e outros fizeram fila em caixas eletrônicos para sacar dinheiro. Os bancos suspenderam os serviços, mas afirmaram que reabririam na terça-feira.

Empresas estrangeiras, da gigante varejista japonesa Aeon à empresa comercial sul-coreana POSCO International e da norueguesa Telenor, lutaram para entrar em contato com funcionários em Mianmar e avaliar a turbulência. As multinacionais mudaram-se para o país depois que o partido de Suu Kyi estabeleceu o primeiro governo civil em meio século em 2015.

A vitória eleitoral do Prêmio Nobel da Paz após décadas de prisão domiciliar e luta contra os militares, que tomaram o poder em um golpe de 1962 e reprimiram toda dissidência por décadas. Embora ainda seja muito popular em casa, sua reputação internacional foi seriamente prejudicada depois que ela não conseguiu impedir a expulsão de centenas de milhares de rohingyas em 2017.


As detenções aconteceram depois de dias de tensão entre o governo civil e os militares após a última eleição, na qual o partido de Suu Kyi obteve 83% dos votos.

Um golpe militar colocaria Mianmar "de volta à ditadura", disse Suu Kyi em declaração pré-escrita no Facebook: “Peço às pessoas que não aceitem isso, respondam e protestem de todo o coração contra o golpe das forças armadas”.

Apoiadores dos militares celebraram o golpe, desfilando por Yangon em picapes e agitando bandeiras nacionais. “Hoje é o dia em que as pessoas estão felizes”, disse um monge nacionalista a uma multidão em um vídeo publicado no Facebook. Ativistas pela democracia e eleitores do NLD ficaram horrorizados e furiosos. Quatro grupos de jovens condenaram o golpe em declarações e prometeram “apoiar o povo”, mas não anunciaram ações específicas.

“Nosso país era um pássaro que estava apenas começando a aprender a voar. Agora o exército quebrou nossas asas”, disse o ativista estudantil Si Thu Tun. O líder sênior do NLD Win Htein disse em uma postagem no Facebook que o golpe do chefe do exército demonstrou sua ambição, em vez de preocupação com o país. Na capital, as forças de segurança confinaram membros do parlamento em complexos residenciais no dia em que esperavam ocupar seus assentos, disse o deputado Sai Lynn Myat.

As Nações Unidas emitiram uma condenação do golpe e apelos pela libertação dos detidos e restauração da democracia em comentários amplamente ecoados pela Austrália, Grã-Bretanha, União Europeia, Índia, Japão e Estados Unidos.

“As forças armadas devem reverter essas ações imediatamente”, disse o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken.


No Japão, um grande doador de ajuda humanitária com muitas empresas em Mianmar, uma fonte do partido no poder disse que o governo pode ter que repensar o fortalecimento das relações de defesa com o país como parte dos esforços regionais para contrabalançar a China. A China pediu a todas as partes em Mianmar que respeitem a constituição e defendam a estabilidade em uma declaração que “registrou” os eventos no país, em vez de condená-los expressamente. Bangladesh, que abriga cerca de um milhão de Rohingya que fugiram da violência em Mianmar, pediu “paz e estabilidade” e disse que espera que um processo de repatriamento dos refugiados possa avançar. Refugiados rohingya em Bangladesh também condenaram o golpe militar.


A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), da qual Mianmar é membro, pediu “diálogo, reconciliação e o retorno à normalidade” enquanto em Bangcoc, a polícia entrou em confronto com um grupo de manifestantes pró-democracia em frente à embaixada de Mianmar. “É assunto interno deles”, disse um funcionário do governo tailandês sobre os eventos em Mianmar - uma abordagem direta também adotada pela Malásia e pelas Filipinas.

A votação de novembro enfrentou algumas críticas no Ocidente por privar muitos rohingya de direitos civis, mas a comissão eleitoral rejeitou as queixas de fraude dos militares. Em sua declaração declarando a emergência, os militares citaram o fracasso da comissão em tratar das reclamações sobre as listas de eleitores, sua recusa em adiar novas sessões parlamentares e protestos de grupos insatisfeitos com a votação.

“A menos que esse problema seja resolvido, ele obstruirá o caminho para a democracia e, portanto, deve ser resolvido de acordo com a lei”, disseram os militares, citando uma cláusula de emergência na constituição caso a soberania do país seja ameaçada. O exército de Mianmar tem uma visão pretoriana de guardião do país e demonstrou que não tem quaisquer reservas em agir decisivamente dentro dessa atribuição.

Bibliografia recomendada:

A função extra-militar do Exército no Terceiro Mundo.

Leitura recomendada:

terça-feira, 3 de novembro de 2020

A ascensão, domínio e declínio da monarquia da Tailândia


Por Mark S. Cogan, Geopolitical Monitor, 20 de outubro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 3 de novembro de 2020.

A recente turbulência política na Tailândia quebrou muitos dos tabus que cercam sua monarquia antes reverenciada. O movimento social liderado por jovens que exigiu a renúncia do primeiro-ministro da Tailândia, Prayut Chan-o-cha, também apresentou uma lista de reformas pedindo mudanças substantivas na monarquia, incluindo a revogação de suas leis draconianas de lesa majestade, as quais proíbem o insulto do monarca e têm sido usados como uma arma para silenciar dissidentes. As reformas também exigem mais transparência e responsabilidade, bem como proíbem o monarca de apoiar golpes políticos, o que é uma ocorrência frequente.

Soldados tailandeses patrulhando as ruas no golpe-de-estado de 22 de maio de 2014.

Em uma era em que as normas sociais estão mudando e as velhas instituições de poder estão lutando para manter a legitimidade pública, é importante avaliar como a Tailândia acabou nesse ponto. Como uma monarquia que se tornara uma instituição reverenciada - personificada por um jovem rei carismático, cuja imagem decorava as casas de milhões de tailandeses - se viu em uma crise de legitimidade em tão curto espaço de tempo? Para responder a esta pergunta crítica, é essencial rastrear a ascensão, domínio e o declínio precipitado da monarquia sob o rei Maha Vajiralongkorn.

A restauração da monarquia começou sob o marechal-de-campo Sarit Thanarat, formando uma aliança com Bhumibol Aduledej, construindo um modelo de legitimidade e prestígio para o jovem monarca. Revogando as medidas de reforma agrária de 1954 que enfraqueceram a monarquia sob o reinado anterior de Phibun Phibunsongkhram, Sarit promoveu um culto à personalidade em torno de Bhumibol, trazendo de volta as tradições e práticas reais, como a prostração. A Constituição de 1932, que relegou a dinastia Chakri de uma monarquia absoluta a uma constitucional, foi revogada e substituída por uma versão de 1959, que concedeu ao primeiro-ministro o poder de agir contra qualquer coisa que pudesse perturbar a paz ou minar a segurança do Estado, incluindo o poder de prender e executar qualquer pessoa que o governo considere uma ameaça. Leis draconianas foram implementadas e as atividades políticas reprimidas.

Tropas do Real Exército Siamês durante o golpe, 24 de junho de 1932.

Os militares e a monarquia estavam agora simbioticamente ligados, envoltos em um manto de anti-comunismo e se afastando cada vez mais dos ideais de uma geração atrás. A aliança militar-monárquica criou laços mais profundos com os Estados Unidos, que injetaram bilhões em melhorias de desenvolvimento e infraestrutura na Tailândia. O início dos anos 1960 deu início a uma era de ouro para a economia tailandesa, onde as exportações dispararam e famílias e empresas ricas foram protegidas da devastação da competição, enquanto os pobres foram instruídos a viver com humildade e simplicidade. Foi o início de uma economia que hoje coloca a Tailândia no topo da lista dos países com a pior desigualdade de riqueza.

O marechal-de-campo Sarit, que bebia muito, faleceu logo em 1963, mas seu breve mandato alterou o curso da monarquia e estabeleceu um sistema que a Tailândia passou a conhecer muito bem. Ele desenvolveu um sistema iliberal, com poder ilimitado para fazer mudanças constitucionais e institucionais, controlado por uma rede de monarquistas com tentáculos espalhados por setores da sociedade tailandesa. Ele foi imediatamente substituído por Thanom Kittikachorn, que naquela época não poderia se igualar à estatura de Sarit ou do Rei Bhumibol, que havia acumulado capital político e moral significativo.

A difícil gestão de Thanom como primeiro-ministro coincidiria com o anti-comunismo violento e o aumento do descontentamento popular. Citando a necessidade de suprimir a ameaça do comunismo, ele deu um golpe contra seu próprio governo e se tornou o chefe do seu próprio Conselho Executivo Nacional. A rebelião logo seguiria na forma de protestos liderados por estudantes, que se espalharam para o público em geral. O povo tailandês, assim como hoje, pediu um retorno a uma forma de governo mais democrática e um novo Parlamento. A revolta de 14 de outubro de 1973, que viu estudantes fugindo de uma resposta brutal do governo aos protestos, também viu a estatura do Rei Bhumibol aumentar ainda mais por meio de sua dissolução do regime de Thanom e sua icônica abertura dos portões do Palácio Chitralada para os estudantes que fugiam da repressão do governo.

Repressão militar durante a revolta popular de 14 de outubro de 1973.

A restauração do regime democrático na Tailândia não durou muito, já que o retorno de Thanom em 1976 como monge budista alarmara os alunos que trabalharam diligentemente e com grande custo para derrotá-lo. Os temores anti-comunistas da monarquia também levaram à disseminação de propaganda de direita e à formação de grupos paramilitares como os Village Scouts (Escoteiros das Vilas), que deveriam fornecer uma defesa cidadã contra as ameaças comunistas. No auge, em 1978, 2,5 milhões de tailandeses, ou 5% da população total, haviam concluído o treinamento necessário para se tornar escoteiros. A monarquia endossou e apoiou os escoteiros, que estiveram fortemente envolvidos no combate aos protestos pró-democracia de meados dos anos 1970. Seu envolvimento no massacre da Universidade Thammasat em 1976 não pode ser esquecido.

O rei Bhumibol, após os eventos de 1976, tornou-se o árbitro principal das crises políticas que duraram muito durante seu governo de mais de sete décadas. A Tailândia caiu em um padrão repetitivo de golpes e contra-golpes em 1977, 1981, 1985 e 1991, mas o monarca não interferiu em nenhum deles.

Coluna de tanques de soldados leais ao governo tailandês em frente à antiga casa do parlamento de Bangkok após a supressão do golpe, 9 de setembro de 1985. 

Isso mudou durante os sangrentos eventos do “Maio Negro” de 1992, que ocorreram depois que Suchinda Kraprayoon derrubou o governo de Chatichai Choonhavan. Formando o Conselho Nacional de Manutenção da Paz, Suchinda acabou se nomeando primeiro-ministro. Seguiram-se protestos públicos, liderados pelo general aposentado Chamlong Srimuang e Bangkok se aproximou do caos com feias demonstrações de violência. No entanto, foi o rei Bhumibol quem resolveu a disputa, chamando Chamlong e Suchinda diante de si em uma palestra pública na televisão. Suchinda renunciou e a crise foi evitada. O papel da monarquia como árbitro principal nas crises políticas foi mantido e a estatura e autoridade moral de Bhumibol foram mais uma vez confirmadas.

O momento que abalou uma nação: os generais rivais, Suchinda Kraprayoon (centro) e Chamlong Srimuang (esquerda), ajoelhando-se diante do rei Bhumibol após os distúrbios em 22 de maio de 1992.

Embora Bhumibol aprovasse os golpes que derrubaram as eras Thaksin e Yingluck Shinawatra na política tailandesa em 2006 e 2014, seu governo seria caracterizado principalmente como uma "monarquia em rede", onde o monarca governava por meio de uma série de representantes em vez de diretamente. O avanço da idade e o declínio da saúde fizeram com que Bhumibol logo se retirasse da vida pública até sua morte em outubro de 2016. Os anos de cultivo de uma imagem pública reverenciada e exaltada não foram imediatamente transferidos para Vajiralongkorn, que tem um estilo muito diferente de seu pai.

Em um curto espaço de tempo, Vajiralongkorn mudou-se para estabelecer o controle sobre bilhões de dólares dos ativos do Crown Property Bureau e assumiu o comando do 1º e 11º Regimentos de Infantaria, baseados em Bangkok. Ele adquiriu participações em grandes empresas tailandesas, como Siam Commercial Bank e Siam Cement, bem como em vastas extensões de terras. A legitimidade pública não pode ser transferida tão facilmente quanto um título real. Vajiralongkorn não cultivou a mesma imagem pública, em parte devido à sua preferência pelo governo direto e sua ausência pública da Tailândia, passando um tempo considerável na Alemanha.

A erosão da legitimidade pública não pode simplesmente ser atribuída a Vajiralongkorn, mas à aliança militar-monárquica como uma instituição conjunta. O povo tailandês se acostumou e frustrou-se com o padrão interminável de interferência nos assuntos políticos, especialmente durante os períodos de governo democrático. A derrubada de Thaksin em 2006 gerou protestos políticos e uma resposta violenta do Estado. A agitação política em 2014 foi outra justificativa para a intervenção militar, o que levou a respostas brutais do Estado à dissidência. As constituições democráticas foram substituídas por versões autoritárias, que favoreciam tanto os militares quanto a monarquia. A raiva pública cresceu quando o Future Forward Party (Partido para o Futuro Adiante), que atraiu muitos jovens seguidores, foi banido junto com seu jovem líder carismático, Thanathorn Juangroongruangkit.

Thanathorn Juangroongruangkit, líder do Future Forward Party. 

Com a atual impopularidade do governo Prayut e de Vajiralongkorn, pode ser facilmente interpretado erroneamente que os manifestantes querem acabar com a monarquia de uma vez, mas isso seria uma descaracterização grosseira. As ansiedades são impulsionadas pela percepção de que a Tailândia sob Vajiralongkorn poderia retornar à sua forma absoluta, como evidenciado por discursos de líderes dos protestos. Embora os desafios sejam raros com Bhumibol, eles estão sempre presentes e provavelmente permanecerão sob Vajiralongkorn, que precisará adaptar a instituição para se ajustar à dinâmica de mudança. Intervenções extra-constitucionais, personificadas por endossos reais de golpes militares, não serão mais toleradas. A legitimidade só pode ser restaurada por meio da transparência, responsabilidade e trabalho em conjunto com uma sociedade civil tailandesa democrática, e não contra ela. Já se foi o tempo em que formas extremas de nacionalismo tailandês, expressas como anti-comunismo ou a restauração da “felicidade”, podiam subjugar a sociedade civil tailandesa. Para sobreviver, a monarquia da Tailândia deve se adequar aos novos tempos.

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sexta-feira, 16 de outubro de 2020

GALERIA: Um batalhão de Tirailleurs Senegaleses no Camboja

Grupo de tirailleurs do 2/6e RIC sentados na traseira de um caminhão cujas laterais foram removidas da carroceria para facilitar um rápido desembarque em caso de emboscada, setembro de 1952.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 16 de outubro de 2020.

O 2º batalhão de Tirailleurs Senegaleses do 6e RIC (6e Régiment d'Infanterie Coloniale/ 6º Regimento de Infantaria Colonial) na região de Trapéang Phlong, durante a campanha no Camboja. A reportagem de Bouvet Robert para o ECPAD apresenta uma missão de reconhecimento sob o comando do Major Marlic e a vida cotidiana no acantonamento ao retornar da missão.

Grupo de sargentos do 2/6e RIC reunidos para a refeição.

O "bep" (faz-tudo) preparando as refeições dos oficiais do batalhão supervisiona a preparação de um prato.

Tirailleur Sénégalais é o nome genérico dado a todos os soldados africanos continentais (os malgaxes de Madagascar são Tirailleurs Malgaches), contendo senegaleses, camaroneses, malinenses etc sob um mesmo título de "senegaleses". Na Indochina serviu o 24e Regiment de Marche de Tirailleurs Sénégalais (24º Regimento de Marcha de Atiradores Senegaleses), além de vários batalhões independentes que foram anexados a regimentos de infantaria colonial. A última unidade de Tirailleurs Sénégalais foi dissolvida em 1964. O 6e RIC, a unidade parental do 2º Batalhão Tirailleurs Sénégalais, seria dissolvido em 1955, sendo reativado em 1958 para lutar na Argélia. O tirailleur mais famoso foi Jean-Bédel Bokassa, o futuro auto-proclamado imperador da República Centro-Africana.

Seguindo o conselho do seu pai e do seu avô, Bokassa ingressou nos tirailleurs em 19 de maio de 1939. Servindo no 2º Batalhão de Marcha, ele foi promovido a cabo em julho de 1940. Ele participou da tomada de Brazzaville pelas Forças Francesas Livres em 24 de outubro de 1940. Em setembro de 1941, Bokassa foi promovido a Sargento-Chefe. O futuro imperador tomou parte no desembarque anfíbio na Provença em 15 de agosto de 1944, durante a Operação Dragoon; combatendo no sul da França e na Alemanha até o fim da guerra na Europa em 1945. Ele permaneceu no exército, onde estudou rádio transmissão em Fréjus. Ele foi enviado para a escola de oficiais Prytanée militaire de Saint-Louis. Em 7 de setembro de 1950, Bokassa foi enviado para a Indochina como o oficial especialista de comunicações do batalhão Saigon-Cholon. Bokassa casou com uma vietnamita de 17 anos chamada Nguyễn Thị Huệ, com quem teve uma filha, a qual Bokassa registrou com cidadania francesa. Em 1953, o jovem capitão foi transferido da Indochina para a França afim de ensinar na escola de rádio transmissão de Fréjus. Ele deixou a mulher e a filha na Indochina pois acreditava que voltaria.

Bokassa ainda serviria na Argélia antes de ser transferido para o novo exército centro-africano em 1960, com o posto de chef de bataillon (major), tornando-se o primeiro coronel do país em 1º de dezembro de 1964. Ele se tornaria o presidente do país e depois se auto-proclamaria Imperador Bokassa I; destacando-se pelas excentricidades e brutalidade até ser derrubado pelos franceses na Operação Barracuda, em 21 de setembro de 1979. Jean-Bédel Bokassa foi condecorado durante o seu serviço militar com a Légion d'Honneur e a Croix de Guerre.

Retorno da operação ao pôr do sol de uma companhia de tirailleurs do 2/6e RIC.

Tirailleurs do 2/6e RIC cozinham um porco no espeto.

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GALERIA: Construção de um posto no Camboja16 de outubro de 2020.

GALERIA: Legionários reparadores no Camboja, 8 de outubro de 2020.

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GALERIA: Operação de limpeza com blindados em Tu Vu25 de abril de 2020.

GALERIA: Retomado do rochedo de Ninh-Binh pelos Tirailleurs Argelinos16 de outubro de 2020.

Como construir melhores forças armadas na África: as lições do Níger8 de outubro de 2020.

domingo, 9 de agosto de 2020

Os Mercenários e o Ditador: Ex-Boinas Verdes americanos são condenados por golpe fracassado quixotesco na Venezuela

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de agosto de 2020.

Segundo a BBC, um tribunal venezuelano condenou dois ex-soldados americanos a 20 anos de prisão por tentarem derrubar o presidente Nicolás Maduro.

Luke Denman e Airan Berry foram considerados culpados de conspiração, tráfico ilícito de armas e terrorismo. Os dois estavam entre as 13 pessoas presas em maio quando tentavam entrar na Venezuela por mar vindos da Colômbia.

O procurador-geral Tarek William Saab disse que o processo continuará contra outros acusados de ajudar na operação. Em um tweet, Saab compartilhou imagens de veículos, armas e documentos de identidade, e disse que os "mercenários" americanos "admitiram sua responsabilidade pelos fatos".

O presidente dos EUA, Donald Trump, há muito um oponente do presidente socialista Maduro, negou as acusações da Venezuela de que ele estava por trás do incidente. Os EUA apóiam o líder da oposição Juan Guaidó e o reconhecem como o líder legítimo do país.

Pano de fundo

Mercenários Luke Denman, acima, e Airan Berry, baixo, presos com os mercenários venezuelanos.

Denman, 34, e Berry, 41, são ex-militares das forças especiais do exército americano, os famosos Boinas Verdes, que apareceram em um vídeo mostrado na TV estatal venezuelana no início deste ano. No vídeo, Denman parece confessar seu envolvimento na "Operação Gideon" (Gideão) - uma conspiração para matar o presidente Maduro ou sequestrá-lo e levá-lo para os Estados Unidos.

Ele explicou que foi contratado para treinar venezuelanos na Colômbia antes de retornar a Caracas e assumir o controle de um aeroporto para permitir que Maduro fosse retirado do país. Denman disse que ele e Berry foram contratados por uma empresa de segurança com sede na Flórida, a Silvercorp USA, para realizar a operação. A empresa é chefiada por Jordan Goudreau, um veterano militar americano que admitiu abertamente seu envolvimento na operação.


O Washington Post publicou um documento que diz ser um contrato entre a Silvercorp e a oposição venezuelana no valor de US$ 213 milhões para invadir a Venezuela e derrubar o presidente Maduro. O líder da oposição, Juan Guaidó, negou ter qualquer relação com Goudreau.

A débâcle

Tropas venezuelanas com os mercenários capturados, 4 de maio de 2020.

“Às 17 horas, um ousado ataque anfíbio foi lançado da fronteira da Colômbia até o coração de Caracas. Nossos homens continuam lutando agora mesmo.”

Com essas palavras, o ex-boina verde e idealizador do desastre venezuelano, Jordan Goudreau, deixaria o mundo saber que seus homens estavam prontos para capturar o ditador venezuelano Nicholas Maduro.

Mas os eventos acabaram ditando o contrário e em 4 de maio, as autoridades venezuelanas prenderam os dois ex-operadores e demais mercenários quando eles tentavam se infiltrar no país.

Militares venezuelanos com os dois mercenários capturados no dia 3.

Os dois mercenários americanos, Airan Berry e Luke Denman, foram presos ao lado de seis outros homens enquanto tentavam uma infiltração à luz do dia por um barco de pesca. Eles faziam parte de uma segunda onda de mercenários. A primeira onda havia sido comprometida poucas horas antes, no domingo, 3 de maio, resultando na morte de seis e na prisão de dois homens.

A bagunça é resultado do recente estrelismo das forças de operações especiais americanas, completamente refasteladas com louvores do público, mídia e vídeo games, que os leva a terem uma visão fantasiosa da suas próprias capacidades, o que tem levado a tantos problemas de indisciplina. A operação prosseguiu mesmo contando com apenas 20% dos recursos inicialmente previstos, nenhuma segurança de informação e foi classificada por Stavros Atlamazoglou, um editor da revista SOFREP, um portal internacional sobre operações especiais, como "imprudente e arrogante, para dizer o mínimo":

"Batizada de Operação Gideon, a missão foi organizada e coordenada por Goudreau, CEO da Silvercorp USA, uma empresa de segurança privada com sede na Flórida. O plano era imprudente e arrogante, para dizer o mínimo. Em 1º de maio, um artigo da Associated Press havia dado com a língua nos dentes. Apesar dessa brecha de segurança, a operação continuou. Se isso não bastasse, Goudreau até mesmo twittou sobre a infiltração enquanto ela estava ocorrendo, certificando-se de listar o número de pessoas envolvidas e também etiquetar o presidente Trump. Segurança operacional levada para o máximo nível..."

"Incursão de uma força de ataque na Venezuela. 60 venezuelanos e 2 ex-boinas verdes."

De acordo com Goudreau e Denman, os mercenários deveriam se infiltrar na Venezuela, prender Maduro e levá-lo para os Estados Unidos. O Departamento de Justiça americano colocou uma recompensa de US$ 15 milhões pela cabeça do ditador Maduro, que foi rotulado como narcoterrorista pela Casa Branca.

Cartaz oferecendo 15 milhões de dólares pela cabeça do ditador Nicolás Maduro.

Alguns dias depois, o exército americano divulgou algumas informações adicionais sobre os três americanos que se sabe estarem envolvidos em todo o caso. Goudreau, Berry e Denman pareciam se conhecer desde o tempo que passaram juntos no 10º Grupo de Forças Especiais (10th Special Forces Group, 10th SFG), no qual todos haviam servido na companhia da Força de Resposta à Crises (Crisis Response Force, CRF). Os Boinas Verdes são especialistas em guerra não-convencional (unconventional warfareUW), um tipo de guerra baseado em ações não-lineares e trabalho íntimo com forças locais. 

As CRF, entretanto, se concentram em Ação Direta (Ação de Comandos), Resgate de Reféns e Contraterrorismo (CT). Cada Grupo de Forças Especiais possui uma companhia da CRF (que, inclusive, foram reduzidas em tamanho recentemente). Os operadores que servem nas CRF, portanto, não têm um conhecimento tão aprofundado dos princípios e da aplicação da UW em comparação com seus irmãos nas outras companhias; embora ainda sejam operadores das Forças Especiais.

O maior problema que os dois infelizes boinas verdes capturados no ato parecem não ter percebido em seu tempo em uniforme, é a enorme cauda logística necessária para manter um grupo de combate ou pelotão de forças especiais operando em território hostil com seus aliados nativos. Nenhum dos três operadores implicados na triste comédia - que serve ao discurso governamental de Caracas - têm qualquer experiência de organização além das pequenas unidades, e nenhuma experiência em planejamento de operações desse tipo em nível superior conforme as informações do exército americano.

Os Operadores

Goudreau, centro, ao lado de dois outros operadores.
(Instagram da Silver Corp)

Jordan Goudreau serviu no Exército de 2001 a 2016 como operador de morteiro da infantaria (Indirect Fire Infantryman, 11C) e mais tarde como Sargento Médico das Forças Especiais (Special Forces Medical Sergeant, 18D), eventualmente alcançando o posto de Sargento de Primeira Classe (Sergeant First Class, E-7). Ele teve dois desdobramentos de combate no Iraque e outros dois no Afeganistão. Durante seu serviço, ele foi premiado com três estrelas de bronze e o brevê Ranger; um currículo invejável. Goudreau também foi aprovado na Avaliação e Seleção da Força Delta (Assessment and Selection, A&S). Ele foi, no entanto, dispensado durante o Curso de Treinamento de Operadores (Operator Training Course, OTC) subsequente. Ele foi o idealizador da cruzada trapalhona.

Airan Berry, de blusa azul na foto superior à direita.

Berry serviu no Exército de 1996 a 2013 como Sargento Engenheiro das Forças Especiais (Special Forces Engineer Sergeant, 18C), saindo com o posto de Sargento (Sergeant, E-5) - com 17 anos em uniforme, seu posto indica que ele foi rebaixado alguns postos por um ou mais delitos. Ele participou da Operação Viking Hammer, na qual o 10º SFG e os combatentes curdos atacaram do norte e conseguiram imobilizar forças iraquianas muito maiores durante a Invasão do Iraque em 2003. Ele completou três missões de combate no Iraque. Berry tem o brevê Ranger e também foi mergulhador de combate. Ele foi capturado no dia 4 de maio por tropas venezuelanas.

Denman serviu no Exército de 2006 a 2014 (os últimos três anos nas Reservas do Exército) como Sargento de Comunicações das Forças Especiais (Special Forces Communications Sergeant, 18E). Ele fez um tour de combate no Iraque e também recebeu a Medalha de Comenda do Exército (Army Commendation Medal).

Resultados

Em termos de ameaça ao governo ditatorial socialista do presidente Maduro, a Operação Gidean foi completamente nula. Os mercenários da primeira infiltração foram logo neutralizados e aqueles da segunda infiltração entraram em um tiroteio de 45 minutos com helicópteros militares venezuelanos, snipers e mesmo pescadores "irritados" leais ao regime. Os que sobreviveram tentaram fugir para uma ilha holandesa próxima, mas em vez disso o barco acabou deixando membros em diferentes áreas ao longo da costa, onde as autoridades venezuelanas acabaram os prendendo eventualmente. O assalto anfíbio improvisado deixou 8 mortos na praia e 13 prisioneiros.


Tropas venezuelanas guardam a área da costa e um barco no qual o grupo mercenário desembarcou, em plena luz do dia, na cidade portuária de La Guaíra, Venezuela, em 3 de maio de 2020.

A Silvercorp USA também fez o favor de tuitar sobre a missão em 3 de maio, o dia em que os barcos foram interceptados pelas autoridades venezuelanas. Desnecessário dizer que anunciar uma tentativa de golpe antes que ela realmente tivesse começado não era a melhor maneira de manter o elemento surpresa. “É tão surpreendentemente estúpido que achei que fosse um equívoco”, disse Ephraim Mattos, um ex-operador SEAL que hoje trabalha com consultoria.

Segundo Mattos, Jordan Goudreau "prometeu demais e entregou de menos", com a operação não contando com qualquer ligação com o governo americano, mas Goudreau fez parecer aos envolvidos como se ele fosse tal ligação.

O ditador Maduro ridicularizou os boinas verdes capturados, dizendo que eles estavam "brincando de Rambo na Venezuela", e a internet reagiu com vários memes comparando o fracasso com a auto-imagem americana cultivada em Hollywood.

Robert Colina Ybarra (codinome Pantera), o ex-capitão que supostamente dirigia um dos campos de treinamento dos mercenários em Riohacha, foi morto em combate. Adolfo Baduel, filho do ex-ministro da Defesa de Chávez, Raúl Baduel, estava entre os detidos. Outros três mercenários foram capturados no dia 6. Chamar de operação amadora seria muito, muito generoso”, disse Fernando Cutz, ex-diretor para a América do Sul no Conselho de Segurança Nacional de Trump.

O material capturado incluíam fardas venezuelanas, rádios, óculos de visão noturna, documentos e, para adicionar à hilaridade da situação, uma arma de airsoft e sete camisinhas.

O governo venezuelano fez máximo proveito da publicidade gratuita. O procurador-geral venezuelano Tarek William Saab anunciou posteriormente que 25.000 soldados foram mobilizados em uma missão militar venezuelana chamada "Escudo Bolivariano" para proteger o país de tentativas semelhantes; dando credibilidade à linha retórica do governo bolivariano.

O ex-capitão Javier Nieto Quintero, um dos organizadores da operação, disse no dia 7 de maio que os eventos eram apenas um "reconhecimento tático avançado" e que o grupo Carive contava com 3.000 soldados. A mídia venezuelana e a Reuters também informaram que as Forças de Operações Especiais (SSO) da Rússia estavam auxiliando soldados venezuelanos na vigilância de veículos aéreos não-tripulados; dando ainda mais credibilidade às diatribes do ditador socialista.

Parabéns aos envolvidos!

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada:

Certos “aspectos culturais” das forças especiais dos EUA explicariam problemas de disciplina7 de abril de 2020.

O plano da Marinha de criar mais pelotões SEAL parou em meio a problemas disciplinares29 de maio de 2020.

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Um olhar mais profundo sobre a interferência militar dos EUA na Venezuela4 de abril de 2020.

quinta-feira, 23 de abril de 2020

FOTO: Os amotinados e o mistério do FAMAS na Papua Nova Guiné

Os soldados amotinados da PNG no quartel de Taurama entregam as armas para simbolizar o fim da tentativa de golpe.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 23 de abril de 2020.

O motim da Força de Defesa da Papua Nova Guiné (Papua New Guinea Defence Force, PNGDF) em 2012 ocorreu em 26 de janeiro de 2012, quando um grupo de militares chefiados pelo coronel aposentado Yaura Sasa ocupou o quartel de Murray (Murray Barracks), o quartel-general da PNGDF por conta da disputa pelo posto de primeiro ministro da Papua Nova Guiné entre o ex-ministro Sir Michael Somare, iniciada dezembro de 2011, quando o Supremo Tribunal da Papua-Nova Guiné ordenou que Somare fosse restabelecido como primeiro-ministro, enquanto o parlamento do país apoiava O'Neill.

Às 3:00 da manhã de 26 de janeiro, cerca de 20 soldados do 1º Batalhão do Real Regimento das Ilhas do Pacífico (Royal Pacific Islands Regiment,1 RPIR) prenderam Agwi e dois outros oficiais considerados leais ao ministro O'Neill, depois de surpreenderem guardas em Taurama Barracks, o quartel do 1º Batalhão do RPIR, nos subúrbios da capital da PNG, Port Moresby. Vários tiros foram disparados durante esta operação. O grupo então transportou Agwi para o quartel de Murray, perto do centro da cidade, onde ele foi colocado em prisão domiciliar. 

Então comandante da PNGDF, General-de-Brigada Francis Agwi, em junho de 2011.

O Coronel Sasa anunciou que a ação não era um motim ou um golpe, pois Samore era o primeiro-ministro legítimo do país. Através de sua filha, o ex-premier Samore confirmou ter ordenado o motim chamando o governo de ilegal. A rebelião não tinha o apoio da maior da PNGDF, com apenas 30 homens leais ao golpe no quartel de Murray. Em 27 de janeiro os amotinados continuavam armados, com o impasse institucional imobilizando a todos - o comandante da polícia se recusou a intervir, alegando que as atitudes do coronel eram uma questão interna das forças armadas.

Sasa foi preso por policiais na noite de 28 de janeiro e acusado de motim. Em 30 de janeiro, os soldados que participaram do motim entregaram suas armas em troca da anistia após um desfile no quartel de Taurama diante do Ministro da Defesa Belden Namah, que fez um discurso para cerca de 200 membros do 1 RPIR, incluindo os 30 amotinados, durante o qual afirmou que os soldados que haviam participado do motim receberiam uma anistia no final da tarde; mas no entanto ameaçando que novos rebeldes "enfrentariam o peso total da lei". Apesar das duras palavras, o Coronel Sasa foi solto pelo Supremo Tribunal em 1º de agosto de 2012.


Mas de onde vieram os FAMAS? Alguns grupos de entusiastas na internet começaram a debater como os amotinados conseguiram os fuzis FAMAS vistos nas filmagens e na foto da rendição no dia 30; apresentando as teorias conspiratórias mais mirabolantes de conexões clandestinas com países vizinhos operando o FAMAS.

Os misteriosos FAMAS dos amotinados.

O primeiro candidato mencionado foi Vanuatu, que adquiriu o FAMAS em 1994 e adotando como padrão em 2009. Outro candidato foi a Indonésia, que possui dotação de fuzis FAMAS no exército, marinha e polícia; levando à teoria do golpe ter sido orquestrado por Jacarta. Apesar da Indonésia ser conhecida por sua política violenta de interferência nos países vizinhos, entrando em conflito com os holandeses, com a Commonwealth na Emergência Malásia, e inclusive mantendo uma ocupação violenta no Timor Leste de 1975 a 1999.

A realidade, no entanto, é mais mundana. O PNGDF comprou os fuzis FAMAS legalmente na década de 90. A Força possui 7 quartéis pelo país: Murray, Taurama, Goldie, Lombrum, Igam, Vanimo e Moem. O FAMAS foi colocado no quartel-general de Murray, para funções de segurança e cerimonial; o mesmo quartel onde os amotinados mantiveram o General Agwi.

"Nunca atribua à malícia/maldade o que pode ser adequadamente explicado pela estupidez."

- Navalha de Hanlon.

Operador do KOPASSUS, forças especiais do Exército Nacional Indonésio (TNI-AD), com um FAMAS G2.

Os "entusiastas conspiratórios" alegavam que a PNGDF era armada apenas com fuzis M16 e FAL, mas a PNGDF é conhecida justamente por um número excessivo de armamentos, de várias procedências, e que não são propriamente guardados nos arsenais. Além do fuzil padrão M16A2 (o Constabulário usa o AR15 semi-automático) e do antigo SLR australiano (FAL imperial), há o SIG 540, o SR-88 (Singapore Rifle 88, Fuzil de Cingapura 88), SAR-80 (Singapore Assault Rifle 80, Fuzil de Assalto de Cingapura 80), Galil, HK 33, os modelos bullpup FAMAS, SA-80 Enfield e Steyr AUG.

Um diplomata de defesa comentou que a PNGDF tinha "armas demais para o tamanho de sua força". Os soldados e policiais da Papua Nova Guiné são majoritariamente primitivos e entregam armas dos arsenais governamentais aos parentes de forma a manterem a competitividade das suas famílias nas milhares de mini-guerras tribais que ocorrem simultaneamente na ilha. Os arsenais estão sempre desfalcados, geralmente em cerca 45% (menos da metade). A revisão da Commonwealth observou a "indisciplina, embriaguez e roubo de armas... [e] perdas não investigadas e inexplicáveis [de armas portáteis]" e lamentou a baixa penalidade pela perda de uma arma - PGK 40, meros 13 dólares. É mais fácil para os locais roubarem armas do governo do que contrabandearem do exterior.

Um delegado das Ilhas do Pacífico, falando em um seminário de armas portáteis em Tóquio disse "Eu sou o homem mais poderoso do país. Eu seguro a chave do arsenal". As suas palavras não são exageradas e demonstram as dificuldade institucionais nesses pequenos países.

Em um relatório especial da Small Arms Survey, de Genebra, publicado em 1º de janeiro de 2005, cita uma auditoria feita em agosto de 2004, on cerca de 1.500 armas haviam sumido. O relatório apontou 11 fuzis FAMAS desaparecidos, 3 do modelo F1 e 8 do modelo G2.

A PNGDF é uma instituição com excesso de pessoal, corrupta e ineficaz. Em março de 2001, uma revisão do Grupo de Pessoas Eminentes da Commonwealth (Commonwealth Eminent Persons GroupEPG) recomendou reduzir o número de tropas de mais de 4.000 homens para apenas 1.900 militares, o que foi apreciado pelo primeiro-ministro Sir Mekere MorautaEntre 30 e 50 soldados assumiram o controle do quartel de Moem na cidade de Wewak, forçando o primeiro-ministro a recuar. O porta-voz PNGDF  disse que soldados no quartel de Igam, na cidade de Lae, 155 quilômetros ao norte de Port Moresby, não se juntaram ao motim, mas expressaram simpatia pela questão da redução de custos.

Estes dois eventos não foram os únicos golpes militares na Papua Nova Guiné: A Unidade das Forças Especiais assumiu ilegalmente o controle do centro de operações da PNGDF no quartel de Murray, em 28 de julho de 1997, durante o Sandline Affair (Caso Sandline).


Recentemente, a PNGDF suspendeu o recrutamento por causa de acusações gravíssimas de nepotismo, patronato e suborno na aceitação de voluntários.

Leitura recomendada:

GALERIA: O FAMAS em Vanuatu22 de abril de 2020.

O FAMAS no mercado de exportação4 de novembro de 2019.