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quarta-feira, 13 de julho de 2022

O padre e o soldado moribundo, 1962

Ajuda do padre, 1962.

Do site Rare Historical Photos, 24 de novembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de julho de 2022.

O capelão da Marinha, Luis Padilla, dá os últimos ritos a um soldado ferido por um tiro de franco-atirador durante uma revolta na Venezuela. Desafiando as ruas em meio a tiros de snipers, para oferecer os últimos ritos aos moribundos, o padre encontrou um soldado ferido, que se ergueu agarrado à batina do padre, enquanto as balas mastigavam o concreto ao redor deles.

O fotógrafo Hector Rondón Lovera, que teve que ficar deitado para evitar ser baleado, disse mais tarde que não tinha certeza de como conseguiu tirar essa foto: 

"Encontrei-me em meio a sólido chumbo por quarenta e cinco minutos... Estive achatado contra a parede enquanto balas voavam quando o padre apareceu. A verdade é que não sei como tirei aquelas fotos, deitado no chão.

Rondón fotografou o soldado do governo rastejando até o manto do capelão da Marinha Luis Padilla enquanto Padilla olha na direção do tiroteio rebelde.

As forças do governo rapidamente assumiram o controle da cidade e, durante dois dias, macetaram [com artilharia] os rebeldes restantes, que se esconderam no Castelo de Solano, até a submissão. Um punhado que não foi capturado ou morto conseguiu escapar para a selva.”

Além da bravura do padre, ele também sabe que o inimigo vai pensar muito antes de atirar nele (apenas imagine a propaganda) e os soldados inimigos são católicos e recusariam essa ordem.

A revolta contra o governo venezuelano de Rómulo Betancourt foi rapidamente esmagada, mas não antes de Hector Rondón conseguir capturar essas fotos icônicas.

Prêmio Pulitzer de Fotografia de 1963.

Ainda mais intenso nessa foto é o cenário, ao fundo está uma carnicería (um açougue). Em espanhol, carnicería significa tanto “açougue” quanto “abate, carnificina”.

A frase “fue una carnicería” (“foi uma carnificina”) é muito comum na língua espanhola. O paralelo realmente chama a atenção e aumenta ainda mais o horror da cena.

A foto foi tirada em 4 de junho (1962) por Hector Rondón Lovera, fotógrafo de Caracas, para o jornal venezuelano “La Republica”. Ganhou o World Press Photo of the Year e o Prêmio Pulitzer de Fotografia de 1963. O título original da obra é “Aid From The Padre”.

Em 2 de junho de 1962, unidades lideradas pelos capitães da marinha Manuel Ponte Rodríguez, Pedro Medina Silva e Víctor Hugo Morales entraram em rebelião.

Diferentes histórias que recontam o evento lamentaram pela Venezuela, tomando a rebelião como um ato de guerra injusto e desnecessário.

Apesar do perigo que o cercava, Luis Padilla andava dando os últimos ritos aos soldados moribundos.

El Porteñazo (2 de junho de 1962 - 6 de junho de 1962) foi uma rebelião militar de curta duração contra o governo de Rómulo Betancourt na Venezuela, na qual os rebeldes tentaram tomar a cidade de Puerto Cabello e seu Castelo Solano. A constituição da Venezuela tinha apenas um ano em 1962, mas já houvera duas tentativas de derrubar o governo.

A luta sangrenta entre as forças do governo e os rebeldes guerrilheiros na base naval que contou com o apoio dos moradores de Puerto Cabello foi agressiva. A rebelião foi esmagada em 3 de junho, deixando mais de 400 mortos e 700 feridos, e em 6 de junho a fortaleza dos rebeldes no Castelo de Solano havia caído.

Bibliografia recomendada:

Latin America's Wars:
The Age of the Professional Soldier, 1900-2001.
Robert L. Scheina.

Leitura recomendada:

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

O raro fuzil AR57 na rebelião pró-Guaidó na Venezuela

Soldados pró-Guaidó da Guarda Nacional com lenços azuis no braço.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 17 de fevereiro de 2022.

Em 30 de abril de 2019, durante a crise presidencial venezuelana - com os gigantescos protestos de rua da população -, um grupo de várias dezenas de militares e civis se uniu a Juan Guaidó em seu apelo por um levante contra Nicolás Maduro como parte do que ele chamou de Operación Libertad ("Operação Liberdade"). Como é típico na Venezuela, os soldados apresentaram armamento variado e com a presença de artigos raros - desta vez o AR57.

Nesse mesmo 30 de abril de 2019, Leopoldo López – mantido em prisão domiciliar pelo governo Maduro – foi libertado por ordem de Guaidó. Os dois homens, ladeados por membros das forças armadas venezuelanas perto da Base Aérea de La Carlota, em Caracas, anunciaram um levante, afirmando que esta era a fase final da Operação Liberdade. Guaidó disse:

"Povo venezuelano, é necessário que saiamos juntos à rua, para apoiar as forças democráticas e recuperar nossa liberdade. Organizados e juntos, mobilizar as principais unidades militares. Povo de Caracas, todos para La Carlota".

Soldados leais ao líder da oposição venezuelana e autoproclamado presidente interino Juan Guaidó tomam posição em frente à base de La Carlota em Caracas, em 29 de abril de 2019.

Os rebelados colocaram lenços azuis nos braços para se identificarem como apoiadores de Juan Guaidó e Leopoldo López. Os soldados tomaram posições nas ruas de Caracas, mas ainda assim o número de aderentes foi ínfimo. A maior parte dos militares da FANB permaneceram leais a Nicolás Maduro e ao regime. O governo de Maduro afirmou que a crise fora um "golpe-de-estado liderado pelos Estados Unidos para derrubá-lo e controlar as reservas de petróleo do país".

Amotinados da Guarda Nacional com braçadeiras azuis, simbolizando o apoio a Guaidó.

Na noite de 30 de abril, Maduro dirigiu-se à nação do Palácio de Miraflores, acompanhado por altos funcionários de seu governo e das Forças Armadas. Maduro afirmou que ocorreu uma tentativa de "golpe de estado" e parabenizou os apoiadores que "lideraram a derrota do pequeno grupo que tentou encher a Venezuela de violência". Segundo Maduro, os acontecimentos do dia foram causados pelos "esforços obsessivos da direita venezuelana, da oligarquia colombiana e do império dos EUA".

Maduro não foi visto durante o dia, mas apareceu com seu ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, na transmissão televisiva daquela noite, e anunciou que substituiria o chefe do Serviço Bolivariano de Inteligência (SEBIN), Manuel Cristopher Figuera, que apoiou publicamente Guaidó. Maduro também expulsou 54 militares das forças armadas. Quatro apoiadores do regime foram feridos enquanto os rebelados sofreram 4 mortos, 230 feridos e 205 presos.




Pelo menos 25 militares que se opuseram a Maduro pediram asilo na embaixada brasileira em Caracas. O presidente Jair Bolsonaro tuitou que o Brasil acompanhava de perto a situação na Venezuela, reafirmando seu apoio à "transição democrática" e que "o Brasil está do lado do povo venezuelano, do presidente Juan Guaidó e da liberdade dos venezuelanos".
O fuzil AR57 "Five Seven"

AR Five Seven com o carregador FN P90.

O AR57 (também conhecido como AR Five Seven) é um fuzil de assalto americano desenvolvido no final dos anos 2000 pela AR57 LLC. Seu conjunto inclui um receptor na parte superior que se encaixa na maioria das armações inferiores da plataforma AR-15 e dois carregadores. A arma de fogo resultante é semelhante ao AR-15, mas com calibrada em 5,7x28mm FN.

Os lábios de alimentação do carregador P90.

O fuzil pode ser alimentado por carregadores FN P90, com um sistema de alimentação montado horizontalmente. O carregador de tipo cofre destacável é montado paralelamente ao cano do armamento, encaixando-se no topo da armação da arma, e contém 50 cartuchos de munição que ficam em duas fileiras voltadas para a esquerda, deslocadas 90° do eixo da câmara. À medida que os cartuchos são empurrados para trás pela pressão da mola e chegam à extremidade traseira do carregador, eles são alimentados como uma única linha em uma rampa de alimentação em espiral e girados 90 graus, alinhando-os com a câmara. O corpo do carregador é composto de polímero e é translúcido para permitir que o atirador veja a quantidade de munição restante a qualquer momento.

O receptor inclui uma empunhadura frontal no guarda-mão e um sistema de trilho para montagem de mira óptica. O poço do carregador na armação é reaproveitado como uma janela de ejeção para estojos, e um carregador oco pode ser adquirido para conter os estojos disparados

O AR57 em uma caixa de feira transbordando com cintas de munição para a MAG ali do lado.

Perfil do AR57.

Leitura recomendada:

Militares da Venezuela: principais questões a saber4 de setembro de 2021.

GALERIA: Armas do golpe militar na Venezuela em 195811 de fevereiro de 2021.

FOTO: Paraquedistas venezuelanos marchando com a sub Hotchkiss14 de fevereiro de 2021.

FOTO: Rara submetralhadora tcheca na Venezuela28 de março de 2021.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Semana crucial para o engajamento francês e europeu no Sahel

A força Takuba (foto), criada para ajudar o Mali na luta contra os jihadistas, inclui tropas de quinze países europeus.
(Thomas/COEX/AFP)

Por David Baché, RFI France, 14 de fevereiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 14 de fevereiro de 2022.

Uma reunião dos ministros das Relações Exteriores da Europa está agendada para segunda-feira, 14 de fevereiro. Precede outras grandes reuniões diplomáticas agendadas para esta semana. São esperados anúncios sobre uma provável retirada de soldados franceses e europeus engajados no Mali e sobre a evolução do sistema militar.

Os Ministros dos Negócios Estrangeiros europeus reúnem-se por vídeo-conferência na segunda-feira, 14 de fevereiro. As intensas consultas iniciadas há mais de duas semanas sobre o futuro da força Takuba, composta por quinze países voluntários, e a missão de treinamento militar da União Européia EUTM, continuarão. “Há quem queira manter uma presença no Mali para não deixar o campo aberto aos russos”, explica uma fonte diplomática, e quem quer sair por completo.

Anúncios na quarta-feira

Mas a data a recordar é quarta-feira: Emmanuel Macron convida a Paris os chefes de Estado dos países do G5 Sahel: o nigeriano Mohamed Bazoum, o chadiano Mahamat Idriss Déby e o mauritano Mohamed Ould Ghazouani. As autoridades militares de transição de Burkina, resultantes do golpe militar de 24 de janeiro, não foram convidadas. Nem aqueles, podemos especificar, do Mali.

Também são esperados os presidentes da União Africana, o senegalês Macky Sall, da CEDEAO, a ganesa Nana Akufo-Addo, do Conselho Europeu Charles Michel, e o chefe da diplomacia europeia Josep Borrell.

E é no final desta reunião que os anúncios serão feitos. Pelo presidente francês? Junto com líderes europeus e africanos? “Tudo ainda está em discussão, vai depender das decisões”, explica uma fonte diplomática francesa de alto nível, diretamente envolvida.

Partida e reorganização

Se a saída do Mali da força francesa Barkhane parece ter sido registrada, a reorganização do sistema nos países vizinhos do Sahel e sua extensão aos países do Golfo da Guiné levantam muitas questões.

Tal como o destino dos contingentes franceses e europeus integrados na Minusma, a Missão das Nações Unidas no país, ou o dos sistemas de segurança - apoio aéreo em caso de ataque - actualmente disponibilizados aos capacetes azuis mas também às forças malianas , particularmente no norte do Mali.

Finalmente, no dia seguinte, quinta-feira, será aberta em Bruxelas uma cimeira União Africana-União Europeia. Se estiver planejado há muito tempo, sobre vários assuntos, os anúncios que acabaram de ser feitos podem ser especificados lá.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Militares jordanianos enviam uma mensagem de segurança e afirmam serem capazes de lidar com qualquer ameaça

 

Foto de arquivo: Rei Abdullah II, comandante supremo das Forças Armadas da Jordânia-Exército Árabe, participando de um exercício tático conduzido pela 60ª Brigada Blindada Real Príncipe El Hassan bin Talal em uma base em Zarqa, a leste de Amã.
(Foto AFP / Palácio Real Jordaniano / Yousef Allan)

Por José María Martín, Atalayar, 6 de abril de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 22 de dezembro de 2021.

Em meio ao clima instável da Jordânia, o exército afirma sua capacidade de manter o controle.

A Jordânia não vive seus dias mais pacíficos após a prisão do ex-príncipe herdeiro Hamza bin Hussein por conspirações contra o rei Abdullah. De acordo com o vice-primeiro-ministro Ayman Safadi, "as investigações detectaram interferências e comunicações, inclusive com entidades estrangeiras, sobre o momento ideal para tomar medidas para desestabilizar a segurança da Jordânia". O ex-príncipe herdeiro está agora sob prisão domiciliar e Sharif Hasan bin Zaid, um membro da família real, e Bassem Awadallah, ex-chefe da casa real, ex-conselheiro do monarca e ex-ministro das finanças, foram detidos e interrogados. E isso não é tudo. Existem pelo menos 20 outros suspeitos que ainda não foram identificados.

O príncipe Hamza disse que permanecerá em prisão domiciliar, mas que o fará temporariamente, pois afirma: "Não vou obedecer quando eles disserem que você não pode sair, não pode tweetar, você não pode se comunicar com as pessoas [e] só tem permissão para ver sua família", disse ele em uma transmissão de áudio no Twitter. No entanto, o exército está calmo e confiante em sua capacidade de lidar com o que quer que aconteça nos próximos dias. O General Yusef al-Hunaiti, presidente do Estado-Maior Conjunto, disse que "as forças armadas e agências de segurança da Jordânia têm capacidade, competência e profissionalismo para lidar com quaisquer desenvolvimentos nas arenas locais e regionais em vários níveis.”

A versão de Hamza está longe do que está sendo explicado tanto pelo governo jordaniano quanto pelo próprio exército. Ele afirma que o chefe do exército veio a sua casa para ameaçá-lo e que possui gravações para comprová-lo, que já estão em poder de alguns parentes e amigos fora das fronteiras da Jordânia. Além disso, diz que se trata de uma perseguição do governo por estar próximo de correntes antigovernamentais, não por qualquer tipo de conspiração contra seu meio-irmão: “Não sou responsável pelo colapso da governança, corrupção e incompetência que tem prevalecido em nossa estrutura de governança nos últimos 15 a 20 anos e isso está piorando. Não sou responsável pela falta de fé que as pessoas depositam em suas instituições”, disse ele em vídeo transmitido pela BBC.

A versão do príncipe não parece ser a mais credível, ou pelo menos é o que disse a grande maioria dos países. Rússia, Marrocos, Arábia Saudita, Irã, Estados Unidos e até mesmo a União Européia foram rápidos em mostrar seu total apoio ao rei Abdullah II. As suspeitas sobre o país que pode estar por trás da ajuda a Hamza bin Hussein estão longe de serem claras e a sociedade internacional rapidamente se posicionou em bloco ao lado do governo jordaniano, tentando evitar ser ligada à conspiração do ex-príncipe herdeiro.

Príncipe jordaniano Hamzah Bin al-Hussein. Um ex-assessor real da Jordânia foi um dos vários suspeitos presos em 3 de abril de 2021, quando o exército advertiu o príncipe Hamzah bin Hussein, meio-irmão do rei Abdullah II, a não prejudicar a segurança do país.
(Khalil Mazraawi / AFP)

A sociedade jordaniana não teme muito pela resolução de toda a controvérsia em torno da prisão domiciliar do príncipe. O jornal governamental Al-Rai afirma que "os jordanianos não têm pressa em obter os resultados da investigação. O importante é que seu país evitou um capítulo de agitação com a sofisticação da liderança e dos serviços de segurança jordanianos e ensinou traidores na Jordânia uma lição através da qual eles podem identificar a linha vermelha que eles não podem cruzar".

O que eles também estão bem cientes é que a prisão de certos indivíduos que fizeram parte da suposta conspiração, assim como a identificação de outros, não é o fim do problema que a Jordânia enfrenta. Todos esses eventos são apenas o início de uma crise profunda que ainda tem um longo caminho a percorrer. Ahmed Awad, diretor do Centro de Estudos Econômicos e Informáticos de Phoenix, acredita que o que é "exigido de todas as estruturas do Estado é priorizar primeiro a implementação da constituição e, em segundo lugar, realizar reformas nas políticas da administração estadual". No entanto, o governo jordaniano nunca perdeu de vista os possíveis atores estrangeiros que poderiam estar ajudando Hamza bin Hussein, e é claro que eles não desistirão de suas intenções.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Por que as forças armadas da África são tão decepcionantemente ruins?


Por Michela Wrong, Foreign Policy, 06 de junho de 2014.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de outubro de 2021.

Como a história, a ganância e o nepotismo estão impedindo o continente de se proteger contra o al-Shabab, Boko Haram e outras ameaças.

O slogan otimista "Africa Rising" (Ascensão da África) tem parecido um pouco cansado ultimamente, já que seus críticos apontam que taxas de crescimento mais altas não necessariamente geram empregos ou redução da pobreza. Tem havido menos foco em outra área onde a narrativa da "Africa Rising" também parece estar falhando: segurança aprimorada para 1,1 bilhão de habitantes do continente.

Civis fugindo durante o ataque terrorista no shopping Westgate, em Nairóbi, setembro de 2013.

No ano passado, assistiu-se a uma série de lapsos de segurança doméstica de grande visibilidade e extremamente embaraçosos em duas das principais economias da África Subsariana, cada uma considerada no Ocidente como parceiros de confiança e estados âncora regionais. A noção de que o continente estava se tornando cada vez mais capaz de se autopoliciar sofreu um impacto durante o cerco de Westgate no Quênia em setembro passado, no qual 67 pessoas morreram. Mais recentemente, as forças armadas da Nigéria foram humilhadas publicamente pelo fracasso em libertar mais de 200 estudantes feitas reféns por militantes do Boko Haram e uma série de ataques crescentes na esteira daquele seqüestro.

O que é surpreendente sobre os dois episódios, em lados opostos do continente, é que envolveram exércitos nacionais normalmente considerados entre os melhores do continente. Na esteira do genocídio de Ruanda em 1994, os africanos estavam determinados a assumir a responsabilidade por sua própria segurança, eliminando gradualmente a dependência de intervenções armadas pagas e montadas pelo Ocidente. Nigéria e Quênia são vistos como cruciais nesse esforço.

Criança corre durante o ataque terrorista ao shopping Westgate.

A Nigéria, que recentemente suplantou a África do Sul como a maior economia do continente, há muito fornece o músculo para intervenções regionais abençoadas pela Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), servindo tanto na Libéria quanto em Serra Leoa. Sua Força-Tarefa Conjunta (Joint-Task ForceJTF) contribuiu para operações internacionais de manutenção da paz na ex-Iugoslávia e em Timor Leste, e despachou soldados para a Somália, Darfur, República Democrática do Congo e Mali. Enquanto isso, as Forças de Defesa do Quênia (Kenya Defence ForcesKDF), amplamente atribuídas por terem mantido o país unido após as eleições de 2007 explodirem em partidarismo étnico, são vistas em Washington como um baluarte vital da África Oriental contra a infiltração do al-Shabab pelo norte. A KDF tem atualmente mais de 3.000 homens destacados no sul da Somália.

No entanto, ambos os exércitos fracassaram em intervenções domésticas importantes quando as crises aconteceram, expondo fraquezas que levantam questões fundamentais sobre a confiabilidade operacional.

Quando terroristas islâmicos atacaram o shopping Westgate no centro de Nairóbi em setembro passado, as tropas da KDF atiraram em membros da unidade paramilitar de contra-inteligência de elite que já havia assegurado a área; uma disputa sobre jurisdição de repente passou a ter precedência sobre a segurança da área. A KDF então dedicou grande parte do cerco de quatro dias que se seguiu a abrir cofres de proprietários de lojas, esvaziar geladeiras de cerveja e saquear lojas de estilistas - removendo ternos masculinos, joias, telefones celulares e roupas íntimas com babados enquanto os sobreviventes se agachavam em banheiros, esperando para serem libertados.

Soldados quenianos da KDF no cerco ao shopping Westgate, em Nairóbi.

Tudo isso foi feito no coração de Nairóbi, a poucos metros de onde a mídia mundial estava assistindo e esperando. Se a KDF se comportava assim em casa, o que, perguntavam-se muitos quenianos, ela era capaz quando não havia olhos curiosos por perto? Uma captura simultaneamente draconiana e malfeita de milhares de somalis suspeitos de viverem ilegalmente no distrito de Eastleigh em Nairóbi, ordenada no início de abril pelo governo, provavelmente fez mais para radicalizar a comunidade muçulmana do Quênia do que o al-Shabab jamais conseguiu, segundo grupos de direitos humanos.

Na Nigéria, quinze dias depois, vários pais das meninas sequestradas ficaram tão exasperados com as garantias do exército de que a situação estava sob controle, que recorreram a explorar a floresta Sambisa, onde o Boko Haram estaria escondendo as crianças. As manifestações antigovernamentais em Abuja estão ficando mais furiosas, as campanhas no Twitter e as denúncias contra o governo e a elite militar cada vez mais ruidosas - mas continuam a chegar relatos de soldados fugindo quando os combatentes do Boko Haram atacam ou sequer entrando em posição.

Terroristas do Boko Haram posando com técnicas e com a bandeira do Estado Islâmico.

Os especialistas afirmam também que a JTF desempenhou um papel na criação da crise atual. Em 2009, quando o Boko Haram assumiu uma forma bem menos radical, o exército entregou seu líder espiritual capturado Mohammed Yusuf à polícia, que o executou sumariamente. Desde então, a JTF alienou a comunidade muçulmana do nordeste da Nigéria com a detenção indiscriminada de centenas de moradores.

Por que duas forças-chave africanas estão se mostrando tão decepcionantes? E o que suas falhas sinalizam para a ambição há muito alardeada da União Africana de usar tropas regionais para impedir o genocídio, caçar jihadistas e neutralizar piratas, entre outras coisas, enquanto reduz a dependência da África da ONU e das forças militares de antigas potências coloniais amigáveis?

As respostas, infelizmente, oferecem poucos motivos para otimismo.

Soldados nigerianos celebrando.

A relação da África com seus militares pode ser definida como uma relação de intimidade incômoda e de longa data. Os visitantes ocidentais que chegam pela primeira vez muitas vezes são atingidos por duas coisas: quanta camuflagem eles vêem ao seu redor e a resposta automática dos habitantes locais aos homens em uniforme, que são vistos não como símbolos reconfortantes da lei e da ordem, mas como predadores em potencial.

Essas atitudes vêm da era pós-independência, quando o golpe militar se tornou um método padrão para alternar o poder executivo. Os novos Estados-nação eram fracos, partidos políticos inexperientes em disputa e instituições embrionárias. Os exércitos africanos estabelecidos pela França, Grã-Bretanha e Portugal, que as potências coloniais usaram como forragem durante as duas guerras mundiais, passaram facilmente a dominar suas sociedades, representando tanto ameaças possíveis quanto interesses velados clamando por atenção.

"O Ocidente tem esse modelo de exército disciplinado e neutro que fica à margem, independente da política interna", explica Jakkie Cilliers, do Instituto de Estudos Estratégicos (ISS), com sede em Pretória. "Mas o modelo africano é de um militar que é usado internamente e é parte integrante da política interna e da alocação de recursos."

Presidentes como Mobutu Sese Seko do Zaire, que ele próprio encenou dois golpes bem-sucedidos, evitaram as prováveis repetições ao manter deliberadamente os exércitos nacionais divididos e dominados pelas facções. Mobutu acreditava muito na construção e depois na eliminação das forças de elite concorrentes, contando com paraquedistas ocidentais e mercenários brancos para lutar por ele em uma crise real.

Mobutu Sese Seko com uniforme camuflado estilo leopardo e asas de paraquedista francesas durante a crise de Kolwezi, 1978.

Em outras partes do continente, governos civis frágeis e agitados frequentemente encorajavam os generais que temiam a se tornarem empresários de fato, com surtidas estrangeiras vistas como formas particularmente lucrativas de distração. Nada disso incentivou a disciplina, nem foi saudável para o moral das tropas.

Durante sua intervenção na Libéria na década de 1990, por exemplo, o exército da Nigéria tornou-se firmemente associado ao contrabando de diamantes e tráfico de drogas. Depois de resgatar Laurent Kabila em 1998, os generais do Zimbábue ficaram profundamente envolvidos na mineração de ouro e diamantes da República Democrática do Congo.

Esses cenários estão datados agora. Hoje, a União Africana (UA) não vê com bons olhos os golpistas, as potências regionais viraram ombros frios e unidos contra as juntas e os líderes golpistas aprenderam rapidamente a abraçar a retórica da democracia multipartidária. Mas muitas cicatrizes permanecem, explicando o que podem parecer níveis desconcertantes de confusão e incompetência nas forças de segurança do continente.

O legado das décadas de 1960 e 1970 em muitos países africanos é: até que ponto você pode confiar que seus militares não ameaçarão o governo? ", Disse Knox Chitiyo, um membro associado do programa da África de Chatham House.

A história de golpes militares da Nigéria remonta a 1966, dois anos após a independência da Grã-Bretanha. Só terminou em 1999 com a eleição do presidente Olusegun Obasanjo. Um dos primeiros movimentos de Obasanjo foi tentar tornar o exército à prova de golpe, aposentando 400 oficiais superiores considerados mais interessados em política do que em campanhas militares, trazendo as forças armadas de volta ao comando civil.

Essa história torna a relutância do governo civil em atender às demandas dos generais por novos equipamentos - o motivo, muitos oficiais agora afirmam, de sua incapacidade de controlar o Boko Haram - completamente compreensível. "O exército tem sido um fator importante na Nigéria", diz Cilliers, "e se for muito bem administrado e eficaz, existe o perigo de se tornar um grande problema em casa."

A floresta de Sambisa na fronteira noroeste da Nigéria.

Alguns especialistas militares argumentam que é fácil subestimar os desafios logísticos enfrentados pelas tropas que tentam localizar as meninas sequestradas. "Os três Estados que o Boko Haram atacou com mais frequência cobrem uma área geográfica cinco vezes maior que a Suíça", disse Max Siollun, historiador militar nigeriano. "A floresta de Sambisa também é vasta. Seria difícil para qualquer exército rastrear meninas em uma floresta com o dobro do tamanho da Bélgica."

Incomodados com a crueldade do radicalismo que estão enfrentando, os soldados se sentem sitiados. "É provável que o Boko Haram tenha sido mais hábil em se infiltrar nas forças de segurança do que o contrário. Há frustração em algumas unidades de que os soldados estão sendo abatidos por combatentes aparentemente invisíveis do Boko Haram que têm um conhecimento suspeito dos movimentos dos militares", diz Siollun.


Outros descartam isso como desculpa, colocando a ênfase para as falhas do exército em décadas de "vazamento" orçamentário em um país rotineiramente classificado como um dos mais venais do mundo. Mesmo antes do sequestro colocar o Boko Haram no radar de Michelle Obama, a mídia nigeriana estava contando como os soldos não-pagos, as rações miseráveis e as condições de vida espartanas estavam minando o moral dos soldados - que reclamaram que os militantes foram para a batalha muito mais bem equipados do que eles.

Em um quartel em Maiduguri, um foco de ataques do Boko Haram, os soldados se amotinaram duas vezes só em maio, com os recrutas em uma ocasião abrindo fogo contra o carro de um major-general.

Observadores dizem que os soldados que guarnecem bloqueios de estradas muitas vezes não têm rádios que lhes permitam se comunicar com os colegas, e a JTF não tem capacidade para transportar forças pelo ar para zonas de conflito, condenando as tropas a dias de viagem para chegar até o nordeste da Nigéria.

"Gastamos bilhões de libras por ano no exército nigeriano, mas você tem que subornar o arsenal para conseguir uma bala para o seu AK47", disse o blogueiro nigeriano Kayode Ogundamisi a uma audiência no clube Frontline de Londres esta semana. "A corrupção, sejamos francos, está no cerne desta questão."

Em contraste, no Quênia, as forças armadas há muito são respeitadas por sua postura apolítica e eficiência operacional. Mas analistas dizem que o profissionalismo foi lentamente corroído por um padrão de nomeações étnicas sob o presidente Daniel arap Moi, um kalenjin étnico, e depois seu sucessor, o presidente Mwai Kibaki, um kikuyu étnico. "Depois de 2007, Kibaki se certificou de que todos os cargos estratégicos, todos os cargos importantes, estivessem nas mãos dos Kikuyu", disse um analista de segurança de Nairóbi que prefere permanecer anônimo.

Escândalos gigantescos de compras, como o recente golpe de US$ 1 bilhão do Anglo Leasing, que envolveu 18 inchados contratos militares e de segurança assinados pelos ministros de Kibaki, também sangraram fundos do tesouro estatal, sem fazer nada para fornecer às forças armadas o equipamento necessário para a guerra moderna. "Se você está entrando em ação com equipamentos inúteis e sabe que seu general gordo está sentado em sua mesa tendo um bom lucro comprando aquele lixo, bem, isso não é muito motivador, não é?" diz o analista de segurança. (Duas das empresas envolvidas na Anglo Leasing foram recentemente pagas pelo governo depois de ir a tribunal, uma ironia amarga para os quenianos que sentem que a segurança em cidades-chave nunca foi pior.)

Esquema de um ataque nigeriano a um complexo do Boko Haram na floresta de Sambisa, 16 de maio de 2021.

Em um eco dos conflitos africanos anteriores, a KDF hoje também é acusada por um grupo de monitoramento da ONU de investir no comércio de carvão na Somália - um negócio que, ironicamente, beneficia os próprios militantes do al-Shabab contra a qual a KDF está lutando.

Outra questão que surgiu é o estado da polícia doméstica do Quênia, corroída por décadas de degradação sistêmica e favoritismo étnico. Uma boa força policial é a interface entre o aparato de segurança de um Estado e o público, fornecendo-lhe os dados que permitem o monitoramento de base eficaz das comunidades. Mas no Quênia, bloqueios de estradas são usados principalmente para extrair subornos, não informações.

Uma das características do cerco de Westgate, dizem alguns especialistas em segurança, foi a ausência de informações anteriores que indicassem um ataque iminente. Este foi um sinal não apenas de que os sistemas de inteligência haviam falhado, mas que a rede de postos de imigração e delegacias de polícia do país era funcionalmente inútil.

“Você poderia argumentar que a África não precisa de forças militares, mas de gendarmerias”, diz Cilliers. "Mas entramos nesse padrão em que o exército é chamado automaticamente, porque ninguém confia na polícia."

Por sua vez, Knox Chitiyo, da Chatham House, acredita que um problema mais fundamental foi recentemente exposto: a natureza mutante dos desafios de segurança de hoje está pegando desprevenidos o que, no fundo, são ex-exércitos coloniais antiquados, criados e treinados em linhas tradicionais. “Esses exércitos são bons em lidar com a guerra convencional ou contra-insurgência”, diz Chitiyo. “Mas agora você tem uma nova dinâmica, um nexo de terrorismo doméstico - rural e urbano - se juntando à contra-insurgência, e eles não estão equipados para lidar com esse novo tipo de guerra”.

Tanto o caso Westgate quanto o sequestro na escola, ele argumenta, destacam a necessidade crescente de forças especiais africanas, ostentando habilidades sofisticadas em negociações e extração de reféns. No momento, essas habilidades costumam vir do exterior: a Nigéria, por exemplo, as aceitou após uma reunião internacional organizada em Paris pelo presidente François Hollande. Peritos antiterror e especialistas em negociação de reféns da França, Grã-Bretanha e Estados Unidos estão agora na Nigéria, usando vigilância aérea e outras para tentar localizar as meninas.

Soldado nigeriano com um RPG-7.

Mas essa cooperação aumenta o risco de prolongar a dependência contínua do continente. "Os governos africanos terão que confiar no Ocidente novamente e por quanto tempo?" pergunta Chitiyo, alertando sobre "questões delicadas de soberania".

A UA tem planos para uma Força de Reserva Africana de 25.000 pessoas, destinada a preencher o papel de, de várias maneiras, as forças das Nações Unidas e americanas, francesas e britânicas. Será baseado nas forças nacionais existentes e, apesar dos recentes desastres internos, a incompetência das tropas africanas no estrangeiro não está de forma alguma garantida. Quando transportados de avião para uma zona de crise africana pela ONU e fornecidos com salários ocidentais, kit decente, apoio de inteligência sofisticado e linhas de comando claras, as forças africanas de capacete azul podem aumentar dramaticamente seus jogos. Os generais de Uganda, por exemplo, foram acusados de prolongar desnecessariamente a guerra contra o Exército de Resistência do Senhor no norte de seu próprio país, para melhor embolsar salários fantasmas, administrar hotéis e se envolver no comércio de madeira. Mas o desempenho do exército na Somália como parte da missão da UA lá tem sido exemplar.

Ainda assim, os episódios da Nigéria e do Quênia claramente não são um bom presságio para os estrategistas da UA. (O lançamento da força de prontidão foi adiado para 2015 após repetidos reescalonamentos.) "Se você tem problemas associados com subfinanciamento, moral baixo e corrupção em uma força nacional, isso atrapalha todo o resto", diz Cilliers. "Qualquer pessoa que esteja pensando em organizar uma operação de manutenção da paz na África deve estar seriamente preocupada com o que aconteceu nesses dois países."

Leitura recomendada:

Como construir melhores forças armadas na África: as lições do Níger8 de outubro de 2020.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

EXCLUSIVO: Acordo que permite mercenários russos no Mali foi fechado

Malinenses seguram uma fotografia com uma imagem do Coronel Assimi Goita, líder da junta militar do Mali, e a bandeira da Rússia durante uma manifestação pró-Forças Armadas Malinenses (FAMA) em Bamako, no Mali, 28 de maio de 2021.
(REUTERS / Amadou Keita / Arquivo de foto )

Por John Irish e David Lewis, Reuters, 13 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2021.

Sumário
  • Acordo permitindo mercenários russos no Mali - fontes próximas
  • Paris quer evitar que o acordo seja assinado, dizem fontes
  • Pelo menos 1.000 mercenários podem estar envolvidos - duas fontes

PARIS, 13 de setembro (Reuters) - Está fechado um acordo que permitirá que mercenários russos entrem no Mali, estendendo a influência russa sobre os assuntos de segurança na África Ocidental e provocando a oposição da França, ex-potência colonial, disseram sete fontes diplomáticas e de segurança.

Paris deu início a uma campanha diplomática para impedir que a junta militar do Mali promulgasse o acordo, que permitiria que contratados militares privados russos, o Grupo Wagner, operassem na ex-colônia francesa, disseram as fontes.

Uma fonte europeia que rastreia a África Ocidental e uma fonte de segurança na região disse que pelo menos 1.000 mercenários podem estar envolvidos. Duas outras fontes acreditam que o número é menor, mas não forneceram números.

Quatro fontes disseram que o Grupo Wagner receberá cerca de 6 bilhões de francos CFA (US$ 10,8 milhões; US$ 1 = 0,8455 euros) por mês por seus serviços. Uma fonte de segurança que trabalha na região disse que os mercenários treinariam militares malinenses e forneceriam proteção para altos oficiais.

Insígnia não-oficial de caveira do Grupo Wagner.

A Reuters não pôde confirmar independentemente quantos mercenários poderiam estar envolvidos, quanto seriam compensados ou estabelecer o objetivo exato de qualquer acordo envolvendo mercenários russos para a junta militar do Mali.

A Reuters não conseguiu entrar em contato com o Grupo Wagner para comentar. O empresário russo Yevgeny Prigozhin, cujos meios de comunicação, incluindo a Reuters, estão ligados ao Grupo Wagner, nega qualquer conexão com a empresa. Seu serviço de imprensa também diz em seu site de rede social Vkontakte que Prigozhin não tem nada a ver com nenhuma companhia militar privada, não tem interesses comerciais na África e não está envolvido em nenhuma atividade lá.

Seu serviço de imprensa não respondeu imediatamente a um pedido da Reuters para comentar esta história.

Ameaça potencial ao esforço de contra-terrorismo

Mercenários Wagner na Síria.
Notar a insígnia de caveira no braço do homem de pé.

A ofensiva diplomática da França, disseram as fontes diplomáticas, inclui a ajuda de parceiros, incluindo os Estados Unidos, para persuadir a junta do Mali a não levar adiante o acordo, e o envio de diplomatas de alto escalão a Moscou e Mali para conversações.

A França teme que a chegada de mercenários russos prejudique sua operação contra-terrorista de uma década contra a al-Qaeda e os insurgentes ligados ao Estado Islâmico na região do Sahel, na África Ocidental, em um momento em que busca diminuir sua missão Barkhane de 5.000 homens para reformulá-la com mais parceiros europeus, disseram as fontes diplomáticas.

O Ministério das Relações Exteriores da França também não respondeu, mas uma fonte diplomática francesa criticou as intervenções do Grupo Wagner em outros países.

"Uma intervenção deste ator seria, portanto, incompatível com os esforços realizados pelos parceiros sahelianos e internacionais do Mali envolvidos na Coalizão pelo Sahel para a segurança e o desenvolvimento da região", disse a fonte.

Um porta-voz do líder da junta do Mali, que assumiu o poder por meio de um golpe militar em agosto de 2020, disse não ter informações sobre o acordo. "São rumores. As autoridades não comentam rumores", disse o porta-voz, Baba Cisse, que não quis comentar mais.

Um retrato do mercenário russo Maxim Kolganov, morto em combate na Síria, é retratado em um túmulo em sua cidade natal de Togliatti, Rússia, 29 de setembro de 2016.
(REUTERS / Maria Tsvetkova)

O porta-voz do ministério da defesa do Mali disse: "A opinião pública no Mali é a favor de mais cooperação com a Rússia, dada a situação de segurança em curso. Mas nenhuma decisão (sobre a natureza dessa cooperação) foi tomada."

Os ministérios da defesa e do exterior da Rússia não responderam aos pedidos de comentários, nem o Kremlin ou a presidência francesa.

A presença dos mercenários colocaria em risco o financiamento do Mali pelos parceiros internacionais e missões de treinamento aliadas que ajudaram a reconstruir o exército do Mali, disseram quatro fontes diplomáticas e de segurança.

Rivalidade na África

Mercenários Wagner na República Centro-Africana, janeiro de 2021.

Ter mercenários russos no Mali fortaleceria a pressão da Rússia por prestígio e influência globais e seria parte de uma campanha mais ampla para sacudir a dinâmica de poder de longa data na África, disseram as fontes diplomáticas.

Mais de uma dúzia de pessoas com laços com o Grupo Wagner disseram anteriormente à Reuters que o grupo realizou missões de combate clandestinas em nome do Kremlin na Ucrânia, Líbia e Síria. As autoridades russas negam que os contratados da Wagner cumpram suas ordens.

A junta militar do Mali disse que supervisionará uma transição para a democracia que levará às eleições em fevereiro de 2022.

Como as relações com a França pioraram, a junta militar do Mali aumentou os contatos com a Rússia, incluindo o ministro da Defesa, Sadio Camara, visitando Moscou e supervisionando os exercícios com tanques em 4 de setembro.

Uma fonte importante do Ministério da Defesa do Mali disse que a visita foi no "quadro de cooperação e assistência militar" e não deu mais detalhes. O Ministério da Defesa da Rússia disse que o vice-ministro da Defesa, Alexander Fomin, se encontrou com Camara durante um fórum militar internacional e "discutiu projetos de cooperação de defesa em detalhes, bem como questões de segurança regional relacionadas à África Ocidental". Nenhum detalhe adicional foi divulgado.

O principal diplomata africano do Ministério das Relações Exteriores da França, Christophe Bigot, foi enviado a Moscou para conversações em 8 de setembro com Mikhail Bogdanov, representante de Putin no Oriente Médio e na África. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia confirmou a visita.

Bibliografia recomendada:

Bush Wars:
Africa 1960-2010.

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