sábado, 11 de julho de 2020

Bem vindo à selva

Soldado canadense armado com o FAMAS F1 equipado de um adaptador de festim no centro de guerra na selva francês, o CEFE, na Guiana Francesa.

Por Ian Coutts, Canadian Army Today, 11 de novembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de julho de 2020.

Como um oficial de intercâmbio brasileiro está ajudando o Exército Canadense a desenvolver sua doutrina de guerra na selva e a treinar futuros especialistas.

Às vezes é realmente uma selva lá fora. E quando é, o Exército Canadense pode ter que responder.

Isso não é fácil. O ambiente da selva é hostil de maneiras particulares. O movimento por terra é difícil. É um mundo perigoso e insalubre, lar de grandes predadores, cobras e insetos venenosos e doenças de arrepiar os cabelos, como a leishmaniose, que pode deixar suas vítimas com lesões faciais desfigurantes. É um ambiente em que um corte aparentemente inconseqüente pode rapidamente se tornar purulento*. E isso tudo antes que as pessoas comecem a atirar em você.

*Nota do Tradutor: Infeccionado, contendo pus ou cheio de pus.

Soldado canadense do Royal 22e Régiment "Vandoos" (R22eR) em treinamento do CEFE, na Guiana Francesa.

Em outubro, um pelotão de soldados da Companhia B do 3º Batalhão, Royal 22e Regiment (3 R22eR), juntamente com alguns soldados de outras unidades da Base de Forças Canadenses (CFB) Valcartier, seguiram para o sul, para a Guiana Francesa. O destino deles era o Centre d´entraînement à la forêt équatoriale (CEFE), a escola de guerra na selva do Exército Francês lá dirigida sob a direção da Legião Estrangeira, onde participaram de um exercício chamado Ex Spartiate Equatoriale.

Acompanhando-os para o passeio de duas semanas, estavam o Sargento Jonathan Bujold, anteriormente membro do batalhão agora ligado ao pelotão de precursores localizado na CFB Trenton, e um oficial brasileiro, o Capitão Ronaldo de Souza Campos. Souza Campos, um instrutor do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), a escola de guerra na selva do Exército Brasileiro, localizada na cidade de Manaus, no extremo sul da Amazônia, está atualmente em uma postagem no Exército Canadense, trabalhando do Centro de Guerra Avançada do Exército Canadense (Canadian Army Advanced Warfare CentreCAAWC) em Trenton.

O objetivo imediato do programa era proporcionar aos soldados no curso experiência em primeira-mão operando em um ambiente de selva - o que não é algo disponível em Valcartier ou mesmo em qualquer lugar no Canadá.


O objetivo maior - e por que Bujold e Souza Campos foram junto - era desenvolver habilidades e conhecimentos para fornecer capacidade futura. Por meio de cursos como esse e com base na experiência de especialistas como Souza Campos e outros, o Exército Canadense quer criar um conjunto de especialistas e uma doutrina escrita para guiá-los, de modo que, se algum dia for comprometido a servir na selva, os soldados estarão prontos.

Treinamento Especializado

Por mais improvável que possa parecer a necessidade do Exército Canadense de habilidades na guerra na selva, ela tem suas origens na experiência em primeira-mão. Em 1999, um contingente de 250 soldados do 3 R22eR foi enviado ao Timor Leste por seis meses como parte de uma força internacional de manutenção da paz. O subtenente Philippe Paquin-Bénard, um membro atual do batalhão e um de seus especialistas residentes em guerra na selva, descreveu sua experiência: "Quase 45% encontraram grandes problemas relacionados ao conhecimento limitado e equipamentos inadequados para esse tipo de ambiente severo e complexo".

Soldado canadense do Royal Montreal Regiment no CEFE, Guiana Francesa.

O Exército Canadense já enviara instrutores para a escola francesa em 1994, mas, disse Paquin-Bénard, "a expertise praticamente desapareceu". No passado, o Exército Canadense também criou seus próprios manuais para a guerra na selva, mas eles não foram revisados desde pelo menos o início dos anos 80.

Consequentemente, o 3 R22eR foi utilizado para desenvolver conhecimentos em guerra na selva, um processo que vem avançando com passos de bebê há mais de uma década. Uma troca de 2008 do pelotão de reconhecimento do batalhão com os Royal Gurkha Rifles, em Brunei, demonstrou que, apesar de seu alto nível geral de condicionamento físico e conhecimento militar, era necessário trabalhar em habilidades específicas necessárias à guerra na selva antes que os voluntários a candidatos aparecessem.


Isso significou o envio de indivíduos para cursos especializados, como o curso internacional Jaguar de 10 semanas no CEFE (que Paquin-Bénard participou com um colega em 2014), o Curso de Instrutor de Guerra na Selva do Exército Britânico em Bornéu (do qual Bujold é um graduado), ou cursos similares na escola brasileira de Manaus. Os soldados do 3 R22eR também visitaram a Escola de Guerra na Selva do Exército Francês na Martinica em 2014 e 2016. A idéia era criar um grupo nuclear de instrutores que pudessem preparar o resto para o que enfrentariam na selva.

Em 2013, os exércitos brasileiro e canadense concluíram um acordo em que um oficial de intercâmbio brasileiro foi enviado ao norte para o CAAWC em um destacamento de dois anos para ajudar a desenvolver a doutrina de guerra na selva. Souza Campos, o atual oficial de intercâmbio, é um veterano de 16 anos do Exército Brasileiro que atuou anteriormente como instrutor no CIGS. (Bujold é seu segundo-em-comando especialista no assunto.)


Além de treinar militares e policiais brasileiros, o CIGS atrai regularmente estudantes de todo o mundo que fazem um curso especial de sete semanas, ministrado em inglês. Desde 2016, um grupo do tamanho de uma seção do 3 R22eR viaja para Manaus todos os anos para participar de uma competição de guerra na selva no centro. (Os exércitos canadense e brasileiro renovaram recentemente esse contrato por mais quatro anos.)

Definindo Novos Padrões

Homens do 3º Batalhão do Royal 22e Régiment "Vandoos" (3 R22eR) na Guiana Francesa.

Muita coisa mudou desde que o 3º batalhão iniciou seu intercâmbio com os gurcas em 2008. Antes de partir para a Guiana Francesa, todos os soldados que participavam do curso passavam por um processo de seleção de dois dias para garantir que possuíam as habilidades físicas necessárias, principalmente natação, para garantir que eles pudessem fazer o curso, disse Paquin-Bérnard. Seguiram-se algumas semanas de treinamento para prepará-los para o ambiente de selva, incluindo instruções sobre a flora e a fauna que provavelmente encontrariam.

Além disso, "uma ênfase significativa foi colocada em... higiene e atendimento médico individual", disse ele. O batalhão agora possui esse tipo de conhecimento internamente.

Para Souza Campos e Bujold, a viagem foi uma oportunidade para ver se os padrões que eles e os antecessores de Souza Campos estão desenvolvendo para a doutrina de guerra na selva do Exército Canadense estão sendo cumpridos no treinamento e se esses padrões podem, de fato, precisar serem modificados em face das condições de campanha.

Alunos do CEFE na pista de obstáculos.

A curto prazo, o objetivo será criar um manual conciso ou livreto que possa ser entregue aos soldados que estejam em um curso de guerra na selva. A longo prazo, o objetivo é criar um conjunto de padrões, conhecido como Quality Standard Training Plan (Plano de Treinamento de Padrão de Qualidade), ou QSTP, que descreverá quais padrões qualquer soldado deve atender para ter uma qualificação completa na selva.

Além disso, disse Bujold, existe um sonho ainda mais ambicioso: atualmente, o Exército Francês não permite que canadenses qualificados instruam em sua escola. "O que estamos tentando fazer a longo prazo é encontrar outro lugar no mundo, talvez com o Reino Unido ou o Brasil, onde nossos instrutores serão capazes de ensinar".

Nossa própria localização, nossa própria doutrina e nossos próprios instrutores treinados. Nas palavras do Guns 'n' Roses, "Bem-vindo à selva".

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sexta-feira, 10 de julho de 2020

COMENTÁRIO: Era uma vez a BERKUT

A unidade BERKUT na praça Maidan.
(Imprensa ucraniana)

Por Eric SOF, Spec Ops Magazine, 6 de outubro de 2012.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de julho de 2020.

Berkut era um sistema de unidades especiais da polícia ucraniana dentro do Ministério do Interior e eles eram sucessores das forças especiais soviéticas ucranianas comumente conhecidas como OMON (Unidade Policial de Propósitos Especiais).

Eles eram considerados diretamente designados ao Ministério de Segurança Pública. Berkut era um acrônimo para "Unidade separada para tarefas especiais da milícia" traduzido do ucraniano. Foi dissolvida após as manifestações de Maidan, quando os membros da Berkut eram suspeitos de usar força ilegal contra seus cidadãos. Antes disso, a Berkut tinha uma unidade em todas as principais cidades ou regiões do país. Além de várias outras unidades policiais especiais, a Berkut da Ucrânia tornou-se o nome de todas as unidades especiais da polícia ucraniana. Além disso, o significado de Berkut na tradução pode ser interpretado como a águia dourada.

A unidade BERKUT na praça Maidan.
(Imprensa ucraniana)

A História da Berkut

As ordens para a organização das unidades policiais da OMON para fins especiais na Ucrânia soviética foram emitidas em 28 de dezembro de 1988. As primeiras unidades foram formadas nas cidades de Kiev, Dnipropetrovsk, Odesa, Lviv e Donetsk. Após a queda da União Soviética, foi decidido manter as unidades OMON em todas as principais áreas. Isso aconteceu em 16 de janeiro de 1992. As ordens formariam uma nova unidade de reação rápida chamada Berkut. Ela foi totalmente implementado no início de 1993.

Responsabilidade da Berkut

As principais responsabilidades da unidade Berkut eram a segurança da ordem pública ou a manutenção da ordem civil durante atividades públicas em massa, como manifestações, desfiles, eventos esportivos, shows e muito mais. Também em locais onde há maior atividade criminosa, a Berkut entra em cena. Mais tarde, a Berkut recebeu várias novas responsabilidades, como proteção de VIP (very important person/pessoa muito importante) e proteção de testemunhas para pessoas envolvidas em depoimentos em casos importantes e perigosos.

A unidade BERKUT.
(Imprensa ucraniana)

Organização

A Berkut era uma unidade de reserva do Ministério do Interior da Ucrânia e eles foram divididos em bases regionais dentro dos ministérios regionais. Desde 1997, eles estavam sob supervisão direta da GUBOZ (Diretoria de Combate ao Crime Organizado). Com a formação de outras unidades de resposta rápida denominadas Sokol (Águia) sob a diretiva GUBOZ, a Berkut foi transferida por uma diretiva da Diretoria de Segurança Pública para o Ministério do Interior da Ucrânia.

Membros da BERKUT com suas boinas vermelhas.
(Imprensa ucraniana)

Dependendo da região, os batalhões da Berkut eram numerados entre 50 e 600 membros. Depende também da unidade de deslocamento onde pode ser na forma do regimento. Desde janeiro de 2008, a unidade era composta por dois regimentos, seis batalhões e 19 linhas separadas. Eles tinham aproximadamente 3250 membros. Um regimento estava em Kiev, enquanto o outro estava localizado na Criméia. O principal sinal de reconhecimento para os membros da Berkut era a boina vermelha como parte de seus uniformes cerimoniais.

Distintivo da BERKUT.
(Polícia ucraniana)

A Berkut foi a sucessora da OMON ucraniana soviética e, durante muito tempo, eles foram responsáveis por operações policiais de alto risco envolvendo crises e prisões de reféns, entre as funções acima mencionadas. Eles foram dissolvidos da forma que existiam após os eventos de Maidan. O novo governo responsabilizou a Berkut pela maior parte das cem mortes de civis e o Ministro do Interior ucraniano Arsen Avakov assinou um decreto que dissolveu a agência, a qual foi substituída pela Guarda Nacional da Ucrânia.

Em março de 2014, as unidades Berkut estacionadas na República Autônoma da Criméia e em Sebastopol desertaram para o Ministério do Interior da Rússia durante a anexação da Criméia pela Rússia, depois que os territórios foram aprovados como sujeitos federais.

A Berkut efetivamente se tornou uma agência da Rússia quando as unidades foram autorizadas a preservar seu nome antigo, e agora servem dentro da Guarda Nacional da Rússia como gendarmerie da Criméia.

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FOTO: Gorka do FSB1º de maio de 2020.









FOTO: Spetsnaz das SSO na Síria, 16 de maio de 2020.

Chineses no Extremo Oriente russo: uma bomba-relógio geopolítica?

As crianças transportam água de nascente para sua vila nos arredores de Khabarovsk, Rússia. Um fundo de investimento de 100 bilhões de yuans é o mais recente de uma série de esforços para fortalecer os laços ao longo da fronteira da China e da Rússia. (Foto: AFP)

Por Ivan TselichtchevThis Week in Asia, 10 de julho de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de julho de 2020.

O investimento conjunto entre Moscou e Pequim pode ser vantajoso para as duas partes no papel, mas, como mostra a experiência no Extremo Oriente russo, também pode alimentar ressentimentos em relação à presença da China.

Reuniões recentes entre Pequim e Moscou - no Fórum do Cinturão e Rota no mês passado e em uma cúpula de dois dias na Rússia - são as últimas de uma série de esforços para fortalecer os laços sino-russos, especialmente ao longo da fronteira. No entanto, como muitas nações, a Rússia descobriu que trabalhar com a China pode ser uma faca de dois gumes.


As relações sino-russas estão "no melhor momento da história", disse o presidente chinês Xi Jinping à mídia russa que participou da cúpula - palavras que foram apoiadas com o anúncio de um fundo de US$ 10 bilhões para projetos de infraestrutura transfronteiriça.

Mas, apesar de toda a fanfarra que cerca o fundo, o investimento chinês na região está ajudando a alimentar a tensão, aumentando os temores da crescente presença da China no Extremo Oriente russo. Um efeito colateral do investimento de Pequim - um afluxo de migrantes chineses - é freqüentemente percebido pelos moradores como uma expressão da expansão territorial de fato da China. Alguns grupos políticos e meios de comunicação russos aproveitaram essa ansiedade e deliberadamente a sensacionalizaram. Um filme apocalíptico China - um Amigo Mortal (na série “Rússia Enganada”) se tornou um sucesso instantâneo na Internet após seu lançamento em 2015. No filme, somos informados de que a China está se preparando para invadir o Extremo Oriente Russo (EOR) em sua busca pelo domínio global e que os tanques chineses podem chegar ao centro da cidade de Khabarovsk em 30 minutos. A apenas 30km da fronteira chinesa, Khabarovsk é a segunda maior cidade do EOR Rússia, depois de Vladivostok e do centro administrativo da região. Apesar do medo, a escala da migração não é tão grande assim. Segundo o censo da Rússia em 2010, o número de chineses residentes no país era de apenas 29.000, ante 35.000 em 2002 - não mais do que 0,5% da população total do EOR.

Outras estimativas, no entanto, colocam o número de chineses na Rússia entre 300.000 e 500.000.

O presidente chinês Xi Jinping aperta a mão do presidente russo Vladimir Putin durante seu encontro em Astana. Os dois países estão aumentando sua cooperação econômica ao longo da fronteira. (Foto: AFP)

Segundo as estatísticas russas, o número de chineses que entram no país está crescendo, mas também o número que sai. Em 2015, por exemplo, 9.083 portadores de passaporte chinês chegaram, enquanto 9.821 saíram. Em suma, apesar da imigração ilegal chinesa acontecer, não há evidências de uma anexação silenciosa chinesa do EOR.

Mas a questão da presença chinesa no EOR afeta um nervo bruto na Rússia, em grande parte por duas razões. Primeiro, os russos o vêem no contexto da enorme e crescente incongruência econômica e populacional com a China e, segundo, o confronto sino-soviético de três décadas, incluindo confrontos nas fronteiras no final da década de 1960.

Soldados chineses e soviéticos usando fuzis como porretes no confronto de 1969.

A população da China é cerca de 10 vezes a da Rússia. A população do EOR, composto por sete províncias, é de pouco mais de 6 milhões - uma densidade média de menos de uma pessoa por quilômetro quadrado. Além disso, a população dessa região está em declínio devido às baixas taxas de natalidade e à migração para outras regiões da Rússia, onde as condições de vida e trabalho são melhores. Desde 1991, o EOR perdeu cerca de um quarto da sua população.

O produto interno bruto da China é quase 10 vezes o russo e a diferença está aumentando. A economia chinesa cresce quase 7% ao ano, enquanto a Rússia acaba de superar uma recessão e é improvável que cresça mais de 1,5% a 2% nos próximos anos.

Independentemente de seus ricos recursos naturais, o EOR continua sendo uma das regiões russas mais problemáticas em termos de infraestrutura, desenvolvimento industrial e condições de vida. A infraestrutura desatualizada da maioria das cidades e vilarejos, especialmente os da área de fronteira, contrasta fortemente com as instalações de última geração construídas em cidades fronteiriças chinesas como Suifenhe ou Heihe.

Questões territoriais

O Tratado de Aigun de 1858 entre o Império Russo e a Dinastia Qing estabeleceu a fronteira sino-russa ao longo do rio Amur, revertendo o anterior Tratado de Nerchinsk de 1689. A Rússia alcançou mais de 600.000km² na margem esquerda do Amur, conhecida como Priamurye, que tinha sido mantida pela China. Com a assinatura da Convenção de Pequim, dois anos depois, ela também adquiriu a vasta área na margem direita do Amur, a leste de seu tributário rio Ussuri (o Ussuri se une ao Amur em Khabarovsk) - ganhando assim controle completo sobre a região de Primorye até Vladivostok.

Um homem chinês vende mercadorias em um mercado na cidade de Vladivostok. Algumas estimativas colocam o número de chineses na Rússia entre 300.000 e 500.000. (Foto: AFP)

Na China, ambos os tratados são vistos como desiguais, redigidos em um momento de fraqueza da China.

Em 1969, quando o confronto entre Pequim e Moscou atingiu o pico, eclodiram confrontos militares na fronteira, aumentando o medo de uma guerra total. Em 1989, as relações bilaterais foram normalizadas. A fronteira foi amplamente finalizada pelo acordo de 1991. O historiador Boris Tkachenko disse que a China ganhou 720 quilômetros quadrados.

Ilha de Zhenbao (Damansky).

Ironicamente, os territórios recebidos incluíram a Ilha de Zhenbao - o cenário do mais amargo confronto militar em 1969. A questão do status territorial das duas pequenas ilhas próximas a Khabarovsk, ao longo da junção dos rios Amur e Ussuri - Yinlong e Heixiazi - ficou para ser resolvida mais tarde. Sob o acordo de 2004, o primeiro e cerca de metade dos últimos foram transferidos para a China. Críticos na Rússia dizem que Moscou fez muitas concessões. Com a assinatura do acordo adicional de fronteira em 2008, oficialmente todas as questões territoriais foram resolvidas. China e Rússia agora são parceiros estratégicos. Mas muitos na China acham que, como o Tratado de Aigun e a Convenção de Pequim eram injustos, a China deveria em algum momento recuperar os territórios que cedeu. 

A dimensão econômica

As atividades econômicas dos chineses no EOR ainda estão em expansão, com a aprovação tácita da Rússia.

Uma das principais atividades chinesas no EOR, e também na Sibéria, é a agricultura. Os agricultores chineses estão cultivando milho, soja, legumes e frutas lá, enquanto muitos estão envolvidos na criação de porcos. Para isso, a Rússia está arrendando terras - centenas de milhares de hectares, geralmente a taxas preferenciais.

Recentemente, foi assinado um novo acordo para arrendar cerca de 150.000 hectares de terras agrícolas na região Trans-Baikal, na Sibéria Oriental, aos chineses por 49 anos, a um preço simbólico de cerca de US$ 5 por hectare. Quase todas as florestas na área perto da fronteira chinesa já haviam sido arrendadas para extração de madeira.

Críticos na Rússia estão dizendo que isso significa uma venda da terra natal a um preço com desconto. Isso é retórica. No entanto, existem questões mais importantes para se preocupar também.

A principal dor de cabeça é o uso excessivo de produtos químicos. Os nitratos nas frutas e legumes cultivados pelos chineses excedem em muito as normas, segundo as autoridades de monitoramento russas. Muitos produtos químicos que eles usam são desconhecidos na Rússia, e não há metodologia para sua análise. Isso representa riscos para a saúde dos consumidores e também para a degradação do solo.

Mais uma surpresa para os russos foram as fazendas de suínos administradas pela China. Os animais crescem em um ritmo "impensável" e em um tamanho "impensável" - aparentemente, devido ao uso intensivo de produtos químicos em suas forragens.

Em 2009, a China e a Rússia lançaram um programa de cooperação a longo prazo nas regiões fronteiriças. Isso inclui 205 projetos principais: 94 no lado russo e 111 no lado chinês. Estes últimos, no entanto, estão praticamente paralisados, pois os colegas russos não fornecem financiamento suficiente para implementá-los.

Os construtores trabalham no canteiro de obras da ponte rodoviária de Heihe-Blagoveshchensk, na fronteira da China e da Rússia. A ponte rodoviária de 19,9km se estende de Heihe, uma cidade fronteiriça na província de Heilongjiang, no nordeste da China, até a cidade russa de Blagoveshchensk. A ponte rodoviária está programada para abrir em outubro de 2019. (Foto: Xinhua)

Por outro lado, os projetos iniciados na Rússia pelos chineses estão extraindo minérios metálicos e outros recursos naturais, produzindo cimento e modernizando instalações alfandegárias e de controle de fronteiras.

Ao implementar projetos de cooperação, o lado chinês, em primeiro lugar, procura enviar um grande número de trabalhadores. Mais frequentemente, parece ser uma condição prévia para o lançamento de tais projetos.

Em 2014, a Rússia promulgou a lei de Territórios de Desenvolvimento Acelerado (TDA) - zonas econômicas especiais que fornecem benefícios fiscais e outros benefícios substanciais, incluindo taxas reduzidas de extração mineral. Não são necessárias permissões para a contratação de trabalhadores estrangeiros.

Os territórios são estabelecidos inicialmente por 70 anos, mas o prazo pode ser estendido. Eles são gerenciados não pelas administrações locais, mas pelos comitês e empresas de gestão designados pelo governo. Terrenos ou imóveis podem ser confiscados de cidadãos russos a pedido da empresa administradora.

Inicialmente, o TDA será criado apenas no EOR, a partir das províncias de Khabarovsk e Primorye. Os chineses serão os principais atores e beneficiários.

A China pode transferir mais grandes empresas para o EOR, de projetos de construção à construção naval e telecomunicações. O lado russo está disposto a aceitá-los, desde que cumpram os padrões ambientais.

Tudo isso obviamente prepara o terreno para um envolvimento mais profundo dos chineses na economia do EOR e, aparentemente, para o aumento do número de residentes chineses. No entanto, seu número não aumentará dramaticamente. Fatores econômicos, limitando a presença da China, também estão em ação.

Convidados visualizam o modelo de mesa de areia de uma usina de calor e energia na província de Yaroslavl, na Rússia. Uma usina combinada de calor e energia a vapor e gás, construída por uma joint venture China-Rússia, foi oficialmente noticiada online. (Foto: Xinhua)

Primeiro, a China possui vastas áreas subdesenvolvidas, especialmente no oeste, com uma densidade populacional esparsa comparável ao EOR. Para Pequim, o desenvolvimento dessas áreas parece ser uma prioridade.

Segundo, a atratividade da Rússia como destino de emprego está diminuindo, pois os salários na China estão crescendo mais rapidamente e já podem ter excedido os níveis russos.

Terceiro, a economia da Rússia passou por uma recessão e são esperadas taxas de crescimento muito baixas. O entusiasmo dos investidores chineses não está aumentando. Eles têm muitos outros destinos de investimento estrangeiro atraentes ao redor do mundo para escolher.

Diagnóstico e perspectivas

19º Destacamento Spetsnaz "Ermak" da Guarda Nacional russa com seus colegas chineses da unidade "Lieying" da Polícia Militar chinesa, no Distrito de Toguchinsky, Oblast de Novosiribirsk, em 2019. (Foto de Alexandr Kryazhev)

A escala da presença chinesa no EOR ainda é comparativamente pequena. Nos próximos anos, é provável que cresça - não dramaticamente, mas a um ritmo moderado.

Os interesses econômicos de ambos os lados são complementares, não conflitantes. O EOR precisa de recursos trabalhistas, dinheiro e tecnologias chineses. A China precisa das terras, recursos naturais e mercados do EOR. Isso promoverá laços econômicos mais fortes, e este é um jogo de soma positiva.

Dito isto, existe o risco de que esses elos mais fortes também possam suscitar ansiedades e tensões, especialmente do lado russo, e amplificar sentimentos nacionalistas e xenófobos. Para enfrentar esse desafio, os dois governos precisam priorizar adequadamente suas agendas econômicas, neutralizando o impacto potencialmente negativo na opinião pública.


A Rússia terá que acomodar, passo a passo, cada vez mais chineses, proporcionando um ambiente confortável de trabalho e de vida, fazendo com que eles cumpram suas regras e, ao mesmo tempo, explicando aos residentes do EOR que seus medos são exagerados.

A interação com os chineses será produtiva apenas se mais russos optarem por viver e trabalhar no EOR, atraídos pela infraestrutura aprimorada e pelas novas indústrias. Caso contrário, como o presidente Vladimir Putin colocou, a maioria da população da Rússia falará chinês, japonês ou coreano... mas antes de tudo chinês, sem dúvida. A questão dos chineses no EOR é definitivamente gerenciável, mas apenas se a Rússia conseguir atrair mais russos para a região. Caso contrário, a crescente presença chinesa pode se tornar uma bomba geopolítica.

Ivan Tselichtchev é professor e reitor da Universidade de Administração de Niigata no Japão e autor de China Versus Ocidente: O deslocamento de poder global no século XXI.

Bibliografia recomendada:

China versus Ocidente:
O deslocamento do poder global no século XXI.
Ivan Tselichtchev.

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quinta-feira, 9 de julho de 2020

Chineses buscam assistência brasileira com treinamento na selva


Por Tim Mahon, Defense News, 9 de agosto de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 9 de agosto de 2020.

Em julho, o Coronel Alcimar Marques de Araújo Martins, comandante do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), indicou que a China havia recentemente providenciado o envio de um grupo de oficiais e graduados para treinamento no CIGS, mas cancelaram sua participação em favor de uma abordagem alternativa.

"Eles agora nos pediram para fornecer um número de treinadores e nossa experiência em treinamento de guerra na selva para ajudá-los a desenvolver seu próprio programa na China", disse ele. Não havia indicação quanto ao imediatismo de tal cooperação ou ao número de treinadores que provavelmente seriam enviados.

Aluno chinês (direita) no Estágio Internacional de Operações na Selva (EIOS) do CIGS, 12 de setembro-14 de outubro de 2016.

Embora não esteja claro por que os chineses estão expandindo suas operações de treinamento na selva, o país tem longas fronteiras cobertas de selva com vários vizinhos.

O CIGS, comemorando seu 50º aniversário em 2015, treinou quase 6.000 oficiais e graduados ao longo dos anos, dos quais quase 500 foram de países estrangeiros. Embora a grande maioria desses estudantes estrangeiros venha dos vizinhos latino-americanos do Brasil, houve cerca de 27 participantes dos EUA e mais de 100 da Europa, principalmente da França. Até agora, apenas um participante veio da Ásia.

O modus operandi do CIGS é "treinar os treinadores", em cursos limitados em 100 a 120 alunos até três vezes por ano. O curso de 10 semanas (oito semanas para o curso dos oficiais superiores) ensina uma ampla variedade de técnicas de guerra na selva, que vão desde sobrevivência e forrageamento até navegação, disciplinas de fogo e movimento, técnicas de ataque fluvial e procedimentos de higiene na selva.

Depois de se formarem no curso, oficiais e graduados retornam às suas unidades para realizar treinamento para suas próprias tropas.

Estágio Internacional de Operações na Selva (EIOS) do CIGS, 12 de setembro-14 de outubro de 2016.
Participaram deste EIOS o Canadá, Estados Unidos da América, China, Japão, Bolívia, Polônia, Espanha, Alemanha, Reino Unido, Índia, Sri Lanka, Nigéria, Guiana, Vietnã e Portugal.

No Exército Brasileiro, os soldados do Comando Militar da Amazônia (CMA) fornecem pelotões de fronteira especiais, que são destacados em locais de fronteira para turnês de até um ano, onde oferecem não apenas segurança, mas também assistência social e educacional para comunidades remotas.

Portanto, o CIGS dá grande importância ao treinamento médico e ao diagnóstico e tratamento de uma ampla variedade de doenças e enfermidades exclusivas do ambiente de selva.

Esses pelotões são fundamentais para a estratégia de presença e dissuasão na área de mais de 5 milhões de quilômetros quadrados da bacia amazônica que constitui a área de responsabilidade do CMA.

"Atualmente, temos 24 desses pelotões, mas nosso programa de transformação exige que esse número aumente para 52 e também adicionaremos uma quinta Brigada de Infantaria de Selva à nossa organização", disse o Major Antoine de Souza Cruz, da equipe do CMA em Manaus.


Em outras partes da estrutura de treinamento do Exército, há também uma estreita cooperação com nações estrangeiras. Dentro da Brigada de Infantaria Paraquedista, sediada em Vila Militar, nos subúrbios do Rio de Janeiro, a Companhia de Precursores Paraquedistas já possui programas de treinamento com nações vizinhas e ainda mais longe, de acordo com o segundo em comando da companhia, o Capitão Gedeel Machado Brito Valin.

"O curso Precursor aqui se tornou uma referência para a América do Sul. Hoje temos um capitão preparando e conduzindo o primeiro curso Precursor para a Força Aérea do Paraguai e no próximo ano continuaremos com este programa e também iniciaremos uma cooperação de natureza semelhante na Argentina e Peru", disse ele.

Não é apenas na América do Sul que a experiência brasileira nessa área é entendida e apreciada, disse Gedeel.

"Após uma visita ao Curso de Precursores brasileiro, o Exército Canadense nos convidou a enviar um instrutor ao Centro de Guerra das Forças Canadenses para participar como instrutor estrangeiro no Curso Canadense de Precursores. Também tivemos um instrutor canadense conosco no ano passado e este ano marcará o segundo de nossa cooperação conjunta", afirmou.

Soldado canadense do Royal 22e Régiment "Vandoos" (R22eR) em treinamento do Centre d'entraînement en forêt équatoriale (CEFE), na Guiana Francesa.

Como parte de sua melhoria contínua das instalações de treinamento e da implementação de soluções de treinamento mais integradas, o Exército Brasileiro instituiu recentemente um sistema de simulação construtivo que visa proporcionar um ambiente de treinamento sofisticado para comandantes e estados-maiores de nível divisional.

Conhecido como COMBATER, o sistema de simulação é baseado no SWORD, a principal solução de jogos de guerra baseada em inteligência artificial desenvolvida pelo MASA Group, Paris. O SWORD foi adaptado para o cliente levar em consideração aspectos exclusivos da doutrina tática do Exército Brasileiro, além de abordar mais diretamente os requisitos de treinamento em desenvolvimento.

Em julho, no Comando Militar do Sul, comandantes e estado-maior da 3ª Divisão - uma das maiores do Exército - participaram do Operação Liberdade Azul, um exercício de quatro brigadas em nível divisional que esticou com sucesso o COMBATER até seus limites.

Militares brasileiros usando o sistema MASA SWORD/COMBATER.

O exercício usou todas as 128 licenças que a MASA forneceu em seu contrato inicial e coordenou a equipe do estado-maior da divisão e suas unidades componentes com elementos dessas unidades que treinaram "ao vivo" no campo.

As forças opostas fornecidas de dentro da divisão também foram atendidas na simulação.

"Exercícios como esse, apoiados pelas instalações que o COMBATER nos disponibiliza, são uma oportunidade ideal para crescermos. Adoramos cometer novos erros e aprender com eles", disse o General José Carlos Cardoso, comandante da 3ª Divisão. "E é importante fazê-lo. Como nosso chefe de gabinete do Exército disse sobre o processo de transformação em que estamos envolvidos no momento, o objetivo da transformação é mudar idéias".

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FOTO: Canadenses na Amazônia16 de fevereiro de 2020.




GALERIA: Salto paraquedista dos fuzileiros navais chineses


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de julho de 2020.

Exercício de paraquedismo de uma brigada de fuzileiros navais do PLA, ocorrido em 8 de dezembro de 2015. Composto por duas brigadas e vários batalhões independentes com uma força total de aproximadamente 12.000 militares, os fuzileiros navais chineses são uma arma de combate da marinha chinesa. 

Militares do reconhecimento anfíbio e operações especiais dos fuzileiros navais treinam em várias formas de paraquedismo, saltando de aviões ou helicópteros. Este é um conhecimento relativamente novo no PLA, com a doutrina chinesa ainda tateando os procedimentos adequados.










Bibliografia recomendada:

China's Incomplete Military Transformation:
Assessing the Weaknesses of the People's Liberation Army (PLA).

Leitura recomendada: