quarta-feira, 19 de agosto de 2020

COMENTÁRIO: Possibilidades de uma futura Guerra Sino-Russa

Por Gilberto Villahermosa, Counter-Factual Magazine, 4 de agosto de 2018

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de agosto de 2020.

[Nota: As opiniões expressas nesse artigo pertencem apenas ao seu autor, não representando necessariamente a opinião do Warfare Blog.]

No início dos anos 1980, a força terrestre soviética chegava a quase 5 milhões, com mais de 180 divisões estacionadas na Europa Oriental, na URSS e na Mongólia, junto com 85.000 lutando no Afeganistão. Essas divisões tinham em serviço 50.000 tanques e 20.000 peças de artilharia. Mais de 5.200 helicópteros e 3.500 bombardeiros táticos e caças soviéticos e do Pacto de Varsóvia os apoiavam.

Os soviéticos também aumentavam constantemente seu estoque de ogivas nucleares, com cerca de 250 lançadores SS-20 IRBM móveis em campanha, cada um carregando três ogivas. Seu arsenal ICBM contava com 7.000 ogivas em 1.398 lançadores, 950 SLBM, 156 bombardeiros de longo alcance e outros 150 bombardeiros Backfire com capacidade nuclear.

Tudo isso foi apoiado por 135 grandes usinas industriais com mais de 40 milhões de metros quadrados de área útil, todas elas produzindo mais de 150 tipos diferentes de sistemas de armas para as forças armadas soviéticas e para exportação para países clientes e países em desenvolvimento.

Hoje, a força terrestre russa conta com menos de 800.000 homens em serviço ativo (comparado a uma força autorizada de um milhão) com outros 2 milhões nas reservas. A força terrestre está organizada em cinco Comandos Estratégicos Conjuntos (Norte, Oeste, Centro, Sul e Leste) e inclui várias formações divisionais e cerca de 85 brigadas separadas. Elas estão equipadas com 2.800 tanques modernos (modelos T-14, T-90, T-80, T-72) com outros 17.000 modelos mais antigos na reserva. Existem 4.220 veículos de combate de infantaria modernos (BMP-3, BMP-2, BMP-1) com outros 8.500 de reserva e mais de 2.000 peças de artilharia.

Entre 2012 e 2017, as forças armadas receberam mais de 30.000 entregas de armas e equipamentos novos ou modernizados, incluindo mais de 50 navios de guerra, 1.300 aeronaves, 4.700 tanques e outros veículos blindados de combate. Em comparação, nos cinco anos anteriores a 2012, elas receberam apenas dois navios de guerra, 151 aeronaves e 217 tanques.

De acordo com o Ministério da Defesa russo, no entanto, apenas cerca de metade das armas das forças armadas russas são consideradas totalmente "modernas". Além disso, os gastos militares foram recentemente cortados por um regime que luta para enfrentar as despesas econômicas.

Hoje, com um PIB de cerca de US$ 3,3 trilhões, o poder econômico russo não cresceu significativamente desde o colapso da URSS, há mais de 25 anos. Em comparação, o PIB americano cresceu para cerca de US$ 15 trilhões. Economicamente, a Rússia está atrás não apenas dos EUA e da China, mas também da Índia e do Japão. E enquanto essas quatro principais economias estão crescendo, a da Rússia está se contraindo. Embora Moscou tenha se protegido contra os efeitos das sanções ocidentais, investindo pesadamente em ouro e eliminando a dívida dos EUA, o fracasso em diversificar e modernizar a economia e os baixos preços da energia continuarão a prejudicar os esforços para aumentar a riqueza.

A Rússia será, portanto, cada vez mais incapaz de pagar a tecnologia militar que deseja e precisa. Além disso, a indústria de defesa russa, que precisa urgentemente de uma reforma, só é capaz de produzir armamentos antigos com melhorias graduais. Como resultado, muitas das armas avançadas promovidas pelo Kremlin provavelmente nunca verão a luz do dia.

Spetsnaz russos em Palmira, na Síria, em 2017.

Portanto, é improvável que a Rússia escolha uma briga com os EUA ou a OTAN. Em vez disso, limitar-se-á a estender sua influência em seus países vizinhos próximos (ex-estados soviéticos) e em qualquer outro lugar (especialmente no Oriente Médio) a baixo custo. No entanto, isso não significa que as chances de envolvimento russo em uma guerra sejam inexistentes.

Na verdade, as mudanças são boas: a Rússia e a China travarão uma guerra uma contra a outra nas próximas duas décadas. Essa guerra provavelmente será travada pela Sibéria, com a ação principal centrada em torno do Lago Baikal. O Partido Comunista Chinês nunca aceitou oficialmente a propriedade russa daquela região, rica em petróleo, gás natural e minerais, e que pertencia à China imperial. Além disso, há agora mais de um milhão de trabalhadores chineses na Sibéria.

19º Destacamento Spetsnaz "Ermak" da Guarda Nacional russa com seus colegas chineses da unidade "Lieying" da Polícia Militar chinesa, 2019. (Foto de Alexandr Kryazhev)

Embora as chances também sejam mínimas, Pequim arranjará uma briga com Moscou. A China está preparada para entrar rapidamente na Sibéria se uma oportunidade surgir. Apesar das proclamações de amizade de ambos os lados, bastaria uma faísca. Por exemplo, motins raciais anti-chineses por russos cada vez mais xenófobos da Sibéria poderiam fornecer a justificativa necessária para Pequim justificar a invasão.

Como outro exemplo, com 70% da água da China poluída e 30% totalmente tóxica, eles precisam desesperadamente de água potável. Na verdade, Pequim já começou a deslocar milhões de chineses para o oeste em direção a fontes de água potável. O Lago Baikal, no sul da Sibéria, com mais de 20% da água doce do mundo e 40% da Rússia, poderia fornecer um alívio considerável para a China nesse sentido. Uma vez que Pequim não pode mover o lago para a China, ela poderia na verdade decidir mover a China para o lago.

Dos dois países, os chineses são os que mais investem em pessoal, modernização de armas e treinamento. Embora não tenha experiência de combate, o Exército chinês de hoje é a força mais profissional e moderna, e tem níveis mais baixos de incompetência, criminalidade e corrupção prevalentes nas forças armadas russas.

Durante este século, enquanto a liderança chinesa estava alimentando suas forças armadas, Putin primeiro escolheu se concentrar na construção de suas forças de segurança interna para proteger sua posição contra qualquer possível levante do povo russo ou de suas próprias forças armadas. Ignorando as forças armadas durante grande parte de suas quase duas décadas no poder, foi apenas nos últimos anos que ele se interessou seriamente por isso. Esse interesse chegou tarde, em um momento em que a economia russa está em declínio.

A Rússia pode, portanto, ser forçada a lutar contra a China com um exército mal-guarnecido, mal-equipado e usando praticamente o mesmo equipamento que desdobrou contra a OTAN na década de 1980. Hoje, o soldado russo médio carece de armadura corporal de última geração, equipamento de visão noturna e comunicações seguras comuns a outros exércitos modernos. Por essas razões, os chineses provavelmente levariam a melhor sobre os russos em uma guerra curta. Além disso, ao contrário do passado, quando a Rússia possuía considerável superioridade contra seus oponentes invasores em mão-de-obra e força industrial, eles não têm essa superioridade contra os chineses hoje.

A questão seria: Moscou usaria armas nucleares para derrotar uma invasão chinesa? Isso é improvável, porque a China também possui uma capacidade nuclear significativa, com 280 ogivas, que podem ser lançadas por mísseis balísticos e bombardeiros.

Bibliografia recomendada:


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