Por Joseph M. Humire, The Hill, 31 de agosto de 2020.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de setembro de 2020.
Em qualquer outro ano, a recente afirmação do presidente colombiano Ivan Duque de que a Venezuela está procurando ativamente adquirir mísseis de médio e longo alcance do Irã, o principal país patrocinador do terrorismo no mundo, seria as principais manchetes nos Estados Unidos.
Mas 2020 não é um ano comum. Além da pandemia, este é um ano de eleições e a maioria dos americanos está preocupada com política. Muitos estão preocupados com as revoltas sociais em curso. Os inimigos da América no exterior, a saber, Irã e Venezuela, estão prestando atenção à dinâmica interna dos EUA e procurando capitalizar numa oportunidade.
Esse momento pode chegar em 18 de outubro, quando o embargo de armas de 13 anos ao Irã está para expirar. A administração Trump antecipou este momento, mas foi negada uma extensão do embargo no Conselho de Segurança das Nações Unidas (United Nations Security Council, CSNU); agora solicitou que o conselho invoque a cláusula “snapback” do acordo nuclear de 2015 com o Irã. A Resolução 2231 do CSNU, um documento separado e independente do acordo político do Plano Global de Ação Conjunto (Joint Comprehensive Plan of Action, JCPOA), não apenas estenderia o embargo de armas, mas também restabeleceria todas as sanções anteriores à República Islâmica.
Enquanto a batalha legal segue no Conselho de Segurança, o Irã está elaborando um desafio estratégico à ameaça de sanções, sinalizando uma potencial transferência de armas para o regime mais brutal do hemisfério ocidental - o de Nicolás Maduro na Venezuela.
O governo de Maduro é responsável pela pior crise humanitária da América Latina na história moderna. Pelo menos 5,2 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014, tornando-se o segundo maior fluxo de refugiados. Muitos estão fugindo da repressão, destacados em relatórios recentes de Direitos Humanos das Nações Unidas, citando mais de 8.000 assassinatos extrajudiciais desde 2018. Mas muitos mais estão fugindo das difíceis condições econômicas; os venezuelanos sofrem com a escassez em massa de alimentos, remédios e até mesmo de combustível, apesar de estarem em algumas das maiores reservas de petróleo do mundo.
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Soldados do Exército da República Islâmica do Irã marchando em frente aos comandantes de mais alto escalão das Forças Armadas da República Islâmica do Irã durante o desfile da Semana da Defesa Sagrada, em 22 de setembro de 2011. |
O Irã usou a crise de combustível na Venezuela como uma oportunidade para testar sua estratégia de resistência a sanções. Em um ato de desafio às sanções americanas, o Irã enviou vôos para a Venezuela pela Mahan Air, bem como navios da IRISL e vários técnicos de sua Companhia Petroquímica Nacional (National Petrochemical Company, NPC). Todas são entidades estatais ou controladas pelo Estado iraniano, sancionadas pelos EUA por atividade de dupla utilização com o exército clerical do Irã, o Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (IRGC).
A presença do IRGC na Venezuela não é nova. Eles vêm construindo uma rede secreta de aquisição e proliferação na Venezuela há pelo menos 15 anos por meio de vários projetos militares opacos com a indústria de defesa da Venezuela, CAVIM. No entanto, 2020 é o ano em que a presença militar do Irã emergiu das sombras em um esforço para legitimar sua pegada na Venezuela. Enviando combustível, alimentos, técnicos e até mesmo abrindo o primeiro supermercado iraniano na capital, Caracas, o Irã tornou visível uma rede antes secreta gerenciada pela Força Quds do IRGC.
O Irã diz que isso é simplesmente apoio a um parceiro necessitado. Na realidade, este é um balão de ensaio para o que virá se o embargo de armas da ONU for levantado.
O Irã testou a resposta da América e a reação da comunidade internacional às violações das sanções claras no verão passado com os embarques de combustível para a Venezuela. O regime de Maduro, ele próprio cada vez mais isolado e sancionado pela comunidade internacional, recebeu este combustível com uma tremenda fanfarra e propaganda. No entanto, isso teve um custo para Teerã, porque os EUA foram capazes de apreender o conteúdo de outros quatro navios-tanque com bandeira liberiana do Irã que tentaram escapar da detecção durante a rota para a Venezuela. Foi a maior apreensão americana de combustível iraniano até hoje, de acordo com o Departamento de Justiça.
Mas o Irã encontrou uma receita para explorar uma brecha na armadura americana ou das sanções internacionais - uma narrativa de vitimização ampliada com apenas uma dose de provocação militar.
Durante a maior parte de 2020, o Irã e a Venezuela vêm construindo uma narrativa de vitimização conjunta, sugerindo que eles sofrem "sanções injustas" e vão resistir juntos contra a "pressão máxima" dos EUA. No entanto, ambos conseguiram usar a pandemia do coronavírus como uma desculpa para reprimir a oposição interna e reprimir os cidadãos, enquanto os dois países se engajam em conversações estratégicas em vez de atender às necessidades de seus povos.
Essa narrativa de vitimização tem o objetivo de enganar a comunidade internacional, deslegitimar o uso de sanções e pintar os Estados Unidos como o agressor.
Se for bem-sucedido, no final de outubro, o Irã provavelmente aumentará as apostas ao tentar enviar mísseis de médio e longo alcance ao regime de Maduro para provocar uma espécie de impasse das sanções entre os Estados Unidos e as Nações Unidas - um movimento que Maduro insinuou quando ele disse que comprar mísseis iranianos é "uma boa idéia". O cálculo é tentar encurralar o presidente Trump e os Estados Unidos.
Se os EUA usassem força militar para interceptar um carregamento de armas iraniano para a Venezuela, aplicando sanções de forma eficaz, isso poderia ser percebido pela comunidade internacional como um ato de guerra. Se o governo Trump não fizesse nada e os mísseis iranianos chegassem a um local a apenas 1.600 milhas da Flórida, isso poderia custar votos ao presidente em um estado decisivo em novembro.
Independentemente disso, o Irã e a Venezuela parecem ter decidido tentar forçar a mão de Trump nesta batalha aparentemente perde-perde, a menos que a comunidade internacional entenda que o desafio do Irã às sanções não é apenas contra os Estados Unidos - é contra a paz e a segurança internacionais.
Joseph Humire é diretor executivo do Centro para uma Sociedade Livre Segura e co-editor de “A Penetração Estratégica do Irã na América Latina” (Iran’s Strategic Penetration of Latin America, Lexington Books, 2014).
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