sábado, 9 de maio de 2020

Revelado: como as forças especiais sauditas capturaram o chefe do Daesh no Iêmen em uma ousada operação de 10 minutos

Dez minutos foram o suficiente para que as forças especiais sauditas capturassem o líder do Daesh no Iêmen, Abu Osama Al-Muhajir, e outros terroristas importantes em 3 de junho, mas levaram semanas para se preparar para a operação bem-sucedida. (Foto fornecida)

Por Mohammed Al-Sulami, Arab News, 27 de julho de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 9 de maio de 2020.

JEDDAH: O ousado ataque que capturou o líder do Daesh no Iêmen foi meticulosamente planejado por quase um mês e executado em uma blitz de 10 minutos no início da manhã em sua casa pelas forças especiais sauditas, disseram fontes de segurança ao Arab News.

Abu Osama Al-Muhajir - conhecido durante a operação como "a captura especial" - foi preso em 3 de junho, junto com o oficial financeiro do grupo terrorista e vários outros combatentes do Daesh. Sua captura foi mantida em segredo por 22 dias, para que os investigadores pudessem concluir as investigações e confirmar suas identidades.

A operação começou, como operações sensíveis de segurança geralmente começam, com inteligência. Fontes informaram que Al-Muhajir estava morando em uma casa na vila iemenita, com outros terroristas, suas esposas e filhos. A casa foi colocada sob vigilância e a presença do Daesh confirmada.

“O comandante da missão foi escolhido, um dos oficiais mais importantes das Forças Especiais de Segurança, que por sua vez escolheu os indivíduos que participariam da missão. Todos tiveram treinamento avançado nesse tipo de operação perigosa”, disse uma fonte ao Arab News.

“Eles elaboraram um plano em três etapas para garantir a veracidade da inteligência, a conclusão da tarefa da maneira mais rápida possível, sem causar danos às pessoas que moram nas proximidades ou expor os membros da força a qualquer dano, e sair do local levando os capturados para uma área segura."

A primeira fase da operação envolveu o monitoramento constante da casa para verificar as idas e vindas das pessoas, e a quantidade e a qualidade das armas que elas provavelmente possuíam, incluindo bombas.

Concluída a etapa de monitoramento, o comandante da missão definiu a operação para as 9h30 da manhã de 3 de junho, o último dia do Ramadã. "O horário foi escolhido por várias razões, principalmente porque durante o Ramadã, as pessoas comem a refeição suhoor antes do amanhecer e voltam a dormir depois, e o horário de sono das pessoas dentro de casa foi cuidadosamente estudado", disse uma fonte.


“O plano operacional foi ajustado com precisão para minimizar os danos colaterais do raide, e prender os terroristas, garantindo a segurança das mulheres e crianças dentro de casa. Aprovação foi dada à execução."

“O comandante da força informou seus colegas sobre o método de ataque e execução e o método de retirada após a execução ou no caso de qualquer emergência."

“Quando chegou a hora, a execução da segunda fase do plano ocorreu, atacando e invadindo a casa exatamente às 9:20 da manhã. A operação não encontrou resistência e as forças especiais prenderam todos os que estavam na casa. Dentro de 10 minutos do ataque, toda a missão estava completa, o que incluía capturar pessoas, confiscar qualquer arma em casa e sair.”

O terceiro estágio foi transportar a “captura preciosa” para uma área segura, longe de qualquer perigo, seja por agentes do Daesh ou outras organizações terroristas, incluindo as milícias houthis apoiadas pelo Irã. Isso também correu perfeitamente conforme planejado.

As forças especiais sauditas são treinadas, por líderes em campo em todo o mundo, em como planejar e executar tarefas sensíveis tais com rapidez, precisão e com segurança. O sucesso dessa operação não surpreendeu o analista político iemenita Abdullah Ismail.

“Ela demonstra as extraordinárias capacidades das forças sauditas em particular e das forças da coalizão árabe em geral, realizando operações delicadas, o resultado do trabalho de inteligência e o sucesso da vigilância, que levou à prisão de uma pessoa em 10 minutos sem causar danos a civis ou às forças participantes”, disse ele ao Arab News.

"Esta operação é um duro golpe para o Daesh, que se tornou ativo até certo ponto após a derrubada do estado iemenita pelo golpe houthi."

Bibliografia recomendada:

Os pontos fracos nas forças armadas do Vietnã

Soldados vietnamitas guardam uma rua em Hanói durante a segunda cúpula Trump-Kim, em fevereiro de 2019. (VnExpress/Giang Huy)

Por Shang-su Wu, The Diplomat, 27 de junho de 2017.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 9 de maio de 2020.

Apesar dos investimentos significativos em defesa, algumas partes negligenciadas das forças armadas do Vietnã são vulneráveis ao ataque chinês.

Um tanque Tipo 59 norte-vietnamita capturado pelas tropas do ARVN sul-vietnamitas em Hai Lang, na Província de Quang Tri, em 4 de julho de 1972; agora em exibição no Royal Australian Armoured Corps Tank Museum, em Puckapunyal, na Austrália. (Wikimedia Commons/ Bukvoed)

Nas últimas duas décadas, Hanói concentrou seus recursos limitados para fortalecer algumas de suas capacidades aéreas e marítimas, mas o restante do equipamento militar do Vietnã está se movendo em direção à obsolescência devido à falta de renovação. Apesar da falta de uma definição universal, a obsolescência militar pode ser vista de duas perspectivas: absoluta e relativa. O primeiro refere-se à prontidão operacional, e o segundo significa uma comparação de capacidades entre um estado e seu inimigo em potencial. No caso do Vietnã, a perspectiva relativa é mais saliente devido à abrangente modernização militar da China. Embora os novos caças, submarinos e fragatas de Hanói não sejam inferiores aos seus homólogos chineses, outras capacidades vietnamitas seriam vulnerabilidades disponíveis para Pequim explorar. Caça-minas, veículos blindados e artilharia são três exemplos principais.

Caça-minas

A Marinha do Exército Popular do Vietnã (VPAN) possui quatro tipos de embarcações caça-minas: Projeto 266, Projeto 1258, Projeto 1258, Projeto 1265 e Projeto T-361; todos são legados soviéticos da Guerra Fria com tecnologia antiga contra-minas, pequena capacidade e curta durabilidade. A longa costa do Vietnã e o grande território marítimo sobrecarregam esses caça-minas. Dado que a Marinha do Exército de Libertação do Povo Chinês (PLAN) está preparada para criar um bloqueio colocando minas marítimas, o VPAN pode não conseguir manter suas linhas de comunicação marítimas (sea lines of communicationSLOC) abertas com sua capacidade limitada de caça-minas.

Além dos seis submarinos, Hanói carece de meios eficazes de retaliar com a mesma tática para interromper as SLOC da China. Obviamente, o VAPN pode atacar as embarcações e aeronaves de superfície do PLAN enquanto instala minas marítimas no mar, mas combater as minas marítimas colocadas pelos submarinos é um desafio diferente, graças à limitada capacidade anti-submarina de Hanói. Quando as opções de negação e punição não estão disponíveis, o Vietnã precisa tomar uma decisão difícil entre suportar o impacto, ceder ou escalar o conflito; todas são desagradáveis.

Veículos blindados

Na era da Guerra Fria, o Vietnã recebeu muitos sistemas terrestres da União Soviética em considerável qualidade e quantidade. Porém, mais de um quarto de século desde o final da ajuda militar, esses ativos gradualmente se tornaram obsoletos diante da contínua modernização militar da China.

Blindados T-55 vietnamitas. (Dai Viet)

Atualmente, os tanques de batalha principais (main battle tanks, MBT) do Vietnã são todos legados da linha de frente da Guerra Fria, T-54/55, T-62 e Tipo 59. Por outro lado, o PLA modernizou suas unidades MBT com modelos Tipo 88, Tipo 96 e Tipo 99, uma ou mais gerações à frente daqueles do VPA, refletindo maior poder de fogo, mobilidade e proteção. Embora Hanói tenha introduzido tecnologias israelenses para atualizar seus MBT T-55, a lacuna de geração não foi totalmente superada. Em outras palavras, uma batalha de blindados entre China e Vietnã favoreceria o primeiro.

T-54/55M3 modernizado por Israel. (Indo-Pacific News)

Trata-se de uma atualização muito econômica que melhora significativamente o desempenho do tanque com sensores de visão noturna, disparo preciso em movimento e melhor estabilização da torre. (Indo-Pacific News)

Como os MBT geralmente são a ponta de lança da ofensiva, essa lacuna tecnológica determinaria a situação estratégica nas fronteiras sino-vietnamitas. Embora os mísseis antitanque tenham se mostrado promissores em vários casos, os mísseis do VPA - os 9M14M e 9M111 - também são legados da Guerra Fria, o que significa que seus danos à nova blindagem dos MBT chineses podem ser incertos. Além disso, o VPA possui armas antitanque autopropulsadas e rebocadas, principalmente modelos da Segunda Guerra Mundial, e não se deve ter grandes expectativas por seu desempenho.

Artilharia

Tendo se beneficiado de projetos e tecnologias posteriores, os sistemas de artilharia chineses, especialmente armas auto-propulsadas e sistemas de foguetes múltiplos (multi-launch rocket systemsMLRS), têm alcance superior aos dos seus congêneres vietnamitas. Os intervalos mais longos não apenas fornecem à artilharia do PLA mais flexibilidade que aquela do VPA, mas também reduzem a oportunidade de retaliação deste último. Embora Hanói tenha foguetes e mísseis de artilharia com alcance maior, como o israelense EXTRA e o russo R-17 (Scud), aplicá-los convidaria uma retaliação mais forte dos maiores arsenais de munições de reserva de Pequim. Se a artilharia do VPA for suprimida pela do PLA, as unidades de linha de frente da primeira, incluindo os MBT, estariam em uma condição operacional ainda pior.

A demarcação das fronteiras terrestres através de tratados bilaterais entre Hanói e Pequim nos anos 90 removeu uma causa comum de conflito armado: disputas territoriais. A China não gostaria de criar uma impressão negativa através de uma invasão terrestre. No entanto, a capacidade militar inferior do VPA em defesa terrestre ainda apresenta um meio eficaz para o PLA exercer pressão estratégica. Exercícios, desdobramentos avançados, e até mesmo trocas de tiros em pequena escala enviariam mensagens adicionais da China. Apesar dos custos políticos mais altos para Pequim, Hanói não está distante da fronteira. O terreno montanhoso entre o Delta do Rio Vermelho e as fronteiras ajudaria o VPA a resistir a uma invasão ao norte, mas não faz nada para deter foguetes e mísseis de artilharia, sem mencionar raides aéreos. Assim, a China tem um espectro de opções de operação em terra para usar contra o Vietnã.

Soldado vietnamita em cima de um Tipo 59 chinês destruído, Batalha de Cao Bang, 3 de julho de 1979. O desmoralizado exército chinês executou várias atrocidades contra a população civil vietnamita após a batalha.

Esses recursos podem ser aprimorados muito com investimentos suficientes, mas a alocação do orçamento de defesa seria um dilema para Hanói. Por um lado, mesmo com a ênfase atual na defesa aérea e na negação do mar, essas capacidades não atingiram um estágio equivalente vis-à-vis aos congêneres chineses. A transferência de recursos para outras áreas pode atrapalhar os projetos existentes. Por outro lado, as vulnerabilidades estratégicas mencionadas acima serão piores para o envelhecimento, sem investimentos consideráveis.

Aumentar o orçamento pode resolver o dilema, mas é provável que crie um problema maior no equilíbrio entre defesa e outras necessidades. Construir aliados para encobrir as insuficiências nas capacidades militares de Hanói seria outra opção, mas iria contra a atual política externa do Vietnã. A hostilidade em relação à China pode ser forte demais para manter a política de restrição de Hanói em relação a Pequim. Além disso, mesmo uma aliança pode não dar ao Vietnã o apoio necessário. Como não há solução fácil, os planejadores de defesa vietnamitas ficarão obcecados com os desafios decorrentes da obsolescência militar no futuro próximo.

Shang-su Wu é pesquisador do Programa de Estudos Militares da Escola de Estudos Internacionais S. Rajaratnam (Rajaratnam School of International Studies, RSIS), Universidade Tecnológica de Nanyang.

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GALERIA: Retirada da Islândia do Afeganistão

Brynja Oskarsdottir, a representante islandesa em Cabul.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de maio de 2020.

Brynja Oskarsdottir, a representante nacional da Islândia de mais alta hierarquia no Afeganistão, observa sua bandeira ser retirada no QG Resolute Support em Cabul, no Afeganistão, em 22 de junho de 2019. 

Ela levou a bandeira da Islândia consigo, sendo a última cidadã do seu país a deixar o Afeganistão.

Brynja Oskarsdottir serviu como oficial de comunicações estratégicas no Afeganistão de agosto de 2018 a julho de 2019.

Brynja Oskarsdottir era uma especialista civil destacada pelo governo islandês para trabalhar junto às forças armadas da OTAN no Afeganistão. Sua principal responsabilidade era criar mensagens estratégicas para a missão da OTAN e fornecer apoio às forças armadas e à polícia afegãs no desenvolvimento de mensagens estratégicas. Com esse objetivo, ela analisava o ambiente de informações sobre assuntos relacionados ao terrorismo e conflito, geopolítica e política internacional no Afeganistão e nas regiões muçulmanas e do Oriente Médio.

Ela trabalhou em associação próxima com especialistas Asia Foundation e da RAND Corporation, apoiando o Ministério da Defesa e a Comissão Eleitoral Independente afegãos, envolvendo o UNAMA, PNUD, USAID e as principais embaixadas em Cabul. Ela participou do desenvolvimento, redação e entrega de mensagens estratégicas e auxílio aos órgãos governamentais afegãos sobre questões de combate ao terrorismo, eleições, política e defesa.


As defesas da Islândia consistem na Guarda Costeira da Islândia, que patrulha as águas da Islândia e monitora seu espaço aéreo, e outros serviços tais como as Unidades de Segurança Nacional e Forças Especiais do Comissário Nacional. A Islândia é o único país da OTAN sem um exército permanente.

Homens da ICRU no Afeganistão. Eles estão equipados com material norueguês, desde o uniforme ao armamento e colete CV-1.

A Islândia também possui a Unidade de Resposta à Crise da Islândia (Icelandic Crisis Response UnitICRU) ou Íslenska Friðargæslan, é uma unidade paramilitar islandesa sob a responsabilidade do Ministério das Relações Exteriores com uma lista de capacidade de até 200 pessoas, das quais cerca de 30 estão ativas a qualquer momento. Ela é uma força expedicionária de manutenção da paz guarnecida por pessoal dos outros serviços da Islândia, armados ou não, incluindo a Polícia Nacional, a Guarda Costeira, os Serviços de Emergência e do sistema de saúde. Devido à natureza militar da maioria das atribuições da ICRU, todos os seus membros recebem treinamento básico de combate de infantaria. Esse treinamento costuma ser realizado pelo exército norueguês, mas a Guarda Costeira e as forças especiais também são designadas para treinar a ICRU.

Oficiais islandeses do ICRU conversando com um oficial britânico como parte da ISAF no Afeganistão.

Criada na década de 1990 para participar de operações e projetos de manutenção da paz, inclusive no apoio às operações de manutenção da paz da OTAN, teve posteriormente esse papel evoluindo para o fornecimento de um fórum apropriado para a mobilização de pessoal em outras organizações, como nas missões de campo da OSCE, bem como com nas operações da ONU, bem como em apoio a organizações como a UNIFEM, UNRWA e UNICEF. Sob a bandeira da OTAN, a ICRU serviu na ex-Iugoslávia, Kosovo e Afeganistão. Alguns dos seus membros foram feridos em um atentado suicida em Cabul, em 2004.

Soldado islandês da ICRU no Afeganistão.
O seu fuzil é o AG-3, a versão norueguesa do HK G3
.

A ICRU foi pesadamente atacada pelas muitas organizações islandesas de esquerda, como o partido Social-Democrata, o partido Socialista e os ecologistas "Left-Green", levando à decisão de que os elementos da ICRU deveriam estar sempre desarmados e sem os uniformes às menos que estritamente necessário. Além disso, forçaram a decisão que os seus membros devem ter nível universitário. Essas decisões, na prática, desmobilizaram a ICRU. 

As justificativas foram a necessidade do pacifismo por parte da Islândia e que os gastos "militares" cortariam fundos para o desenvolvimento de bem-estar social.

Leitura recomendada:

Como a guerra boa se tornou ruim24 de fevereiro de 2020.


LIVRO: Lawrence da Arábia em Guerra


Por Dr. Rob Johnson, The American, 2 de abril de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 9 de abril de 2020.

Lawrence da Arábia: Lenda ou Gênio?

A maioria já ouviu falar de "Lawrence da Arábia" como um filme vencedor do Oscar ou, talvez, mais recentemente, como o personagem durão que luta contra os turcos otomanos no jogo do Xbox, Battlefield One. Um oficial militar americano em uma conferência há alguns anos em Kentucky me disse: "Eu não fazia ideia de que esse cara era real; Quero dizer, é apenas uma lenda, certo?"


Não é por acaso que vemos Thomas Edward Lawrence dessa maneira. Ele era um jovem e exótico tenente britânico que aconselhou insurgentes árabes sobre como combater o exército regular otomano nos desertos da Arábia. Ele era um dos dezenas de oficiais encarregados dessa missão, lutando bem atrás das linhas inimigas. Foi o precursor das Forças de Operações Especiais. Mas os raides de dinamite de Lawrence às ferrovias turcas chamaram a atenção de Lowell Thomas, um empresário americano da indústria do entretenimento.

Lowell Thomas foi para o Oriente Médio durante a guerra, tirando fotos e imagens em movimento do Exército Imperial Britânico do General Sir Edmund Allenby em 1918. Apesar das péssimas condições para as filmagens, ele poderia pelo menos fazer uso da luz constante e do drama da guerra. Cenário bíblico de sua história. Ele passou alguns dias entre o contingente árabe que trabalhou no flanco direito de Allenby, nas profundezas do deserto e descobriu Lawrence em Aqaba (Jordânia). Após a guerra, Lowell Thomas fez um show visual espetacular de son et lumière, suas dramáticas palestras ilustradas com fotos e clipes de filmes. Logo ficou claro para ele que a primeira parte, no exército de Allenby, era uma história dramática, mas familiar. No entanto, a segunda parte, Lawrence e seus árabes, teve um apelo de estrela.

Lawrence da Arábia em Guerra: A campanha no deserto 1916-18, Rob Johnson.

Viajando pelo mundo ocidental, os shows de Lowell Thomas atraíram milhares. A representação de Lawrence em suas vestes brancas esvoaçantes, travando sua guerra pessoal, atraiu uma audiência que queria escapismo e heroísmo em tempos sombrios. A noção de que um indivíduo poderia mudar o destino era um tema poderoso. Foi a mesma idéia que capturou a imaginação de David Lean, o cineasta britânico que produziu o sucesso de público Lawrence da Arábia em 1962.

O verdadeiro Lawrence era um indivíduo tímido, desajeitado, dotado intelectualmente e "motivado" pessoalmente. Existem muitas biografias ótimas desse homem enigmático, e uma "Sociedade de T.E. Lawrence" dedicada, que examina todos os aspectos de sua vida e obra. Mas sua experiência militar teve um apelo maior aos soldados e fuzileiros navais modernos. Simplificando, Lawrence é considerado o avô da guerra de guerrilhas que forneceu um modelo bem-sucedido de como derrotar um exército regular.


O problema é que, na Primeira Guerra Mundial, ele dependia da intervenção de forças aéreas e terrestres muito maiores, lideradas pelo General Allenby. Lowell Thomas tinha razão em apresentar as realizações dos regulares britânicos e das forças árabes juntas: era uma guerra híbrida, não uma guerra de guerrilha. O modelo era análogo ao esmagamento liderado pelos EUA do Taliban em 2001 ou à derrota do regime de Saddam no Iraque em 2003, em vez das insurgências que se seguiram.

Portanto, Lawrence é útil para quem deseja estudar conflitos armados e operações híbridas, e são suas idéias que merecem maior reconhecimento, mas há um aviso: elas também precisam de contexto.

Lawrence aceitando a rendição de tropas turcas na tomada do Porto de Aqaba em 6 de julho de 1917; uma das grandes vitórias da guerra no deserto. Ilustração de Peter Dennis para o livro Campaign 202: The Arab Revolt 1916-18 de David Murphy.

Lawrence acreditava que a guerra não era uma atividade inteiramente aleatória e caótica, pois havia sistemas ou princípios que poderiam ser aplicados. Ele admitiu a importância de fundamentar a teoria militar quando era tão inexperiente e não tinha a "intuição" de oficiais veteranos. Apesar de fazer uso de uma grande variedade de textos clássicos, medievais e modernos sobre a guerra, Lawrence acreditava que havia "passos" lineares comuns e uma abordagem sequencial necessária para estratégia e operações.

A ênfase militar tradicional era concentrar a força máxima contra o elemento mais forte do inimigo, provocar uma batalha decisiva e concluir as operações no menor tempo possível, a fim de evitar o esgotamento de recursos limitados. Lawrence colocou essa idéia de cabeça para baixo. Ele minimizou os aspectos "algébricos" da força física, números e equipamentos, em favor da pressão sobre as necessidades "bionômicas" (comida, água, descanso) do inimigo e maior estresse sobre os elementos "diatéticos" ou "hecásticos"*, que é o cognitivo e o psicológico. Lawrence tentou usar o espaço e o tempo a seu favor, tornar seus parceiros árabes evasivos usando a profundidade do deserto e, finalmente, deixar o soldado otomano com medo do seu ambiente.

*Nota do Tradutor: hecástico (geografia, clima, ferrovias etc), bionômico (gasto e usura, vida e morte, humanidade), diatético (psicologia, predisposição ou tendência mental).


Lawrence usou a ameaça de ataques irregulares árabes nas linhas de logística para criar um flanco cada vez maior contra os otomanos. Se os comandantes otomanos sentissem que suas linhas de comunicação poderiam ser cortadas, seriam compelidos a enviar um número cada vez maior de homens para protegê-las. Se os árabes pudessem permanecer ocultos e atacar em pontos nessa linha elástica, Lawrence acreditava que poderia fixar os otomanos e absorver sua maior massa em defesa inerte.

As observações de Lawrence sobre o efeito psicológico das operações de guerrilha então se desenvolveram. Ele escreveu: "em cada [tática e estratégia] encontrei os mesmos elementos, um algébrico, um biológico e um terceiro psicológico. O primeiro parecia uma ciência pura, sujeita às leis da matemática, sem humanidade". Esse elemento tratava do tempo, espaço, condições fixas, topografia, ferrovias e munições. Lawrence calculou que os otomanos não poderiam defender os 140.000 quilômetros quadrados da Arábia se as forças árabes fossem: algo invulnerável, intangível, sem frente ou retaguarda, flutuando como um gás". Ele supôs que: "nós [as forças árabes] poderíamos ser um vapor, soprando onde listamos. Nossos reinos estavam na mente de cada homem, e como não queríamos que nada material vivesse, talvez não oferecêssemos nada material à matança". Ele observou que, na guerra de guerrilha: "nossa guerra [era] uma guerra de destacamentos: devemos conter o inimigo pelas silenciosas ameaças de um vasto deserto desconhecido, não nos revelando sobre o momento do ataque."

A base medieval de Lawrence no deserto, onde ele planejou a "guerra de destacamento". (Foto cedida pela Biblioteca do Congresso)

A guerra de destacamento, a mobilização dos povos e a ênfase em dar o exemplo como meio de educar uma população, tudo isso foi aproveitado pelos praticantes das guerras revolucionárias subseqüentes. Os fundamentos de Lawrence da guerra de guerrilha foram copiados, emulados e adaptados desde então, com graus variados de sucesso.

A maior freqüência de insurgências e conflitos de guerrilha no século XX deu longevidade às idéias de Lawrence. As opiniões de Lawrence sobre insurgência e parceria com forças locais foram especialmente influentes nas campanhas dos Estados Unidos no Iraque e Afeganistão após 2001. No Exército dos Estados Unidos, não se podia escapar das referências aos "27 Artigos" de Lawrence: seu conselho para trabalhar com forças indígenas. Houve ênfase no 15º Artigo, que dizia: "Não tente fazer muito com as próprias mãos. Melhor que os árabes façam de maneira tolerável do que você fazê-lo perfeitamente. É a guerra deles, e você deve ajudá-los, não vencê-la por eles". A conseqüência infeliz desse mantra é que ele pode ter criado uma relutância em agir decisivamente, liderar ou dirigir quando apropriado. O problema com todos os códigos doutrinários é que eles podem ser aplicados dogmaticamente, e não como orientação. As idéias de Lawrence são invocadas em momentos que parecem muito distantes de seu contexto. Ele estava ciente de que as forças locais podem não ser confiáveis ou seguirem suas próprias agendas. Como axiomas na guerra derivados de outros pensadores do passado, eles não podem ser aplicados sem pensar.


Mas aqui está a maior contribuição de Lawrence para o pensamento e a prática militares. Ele defendeu a compreensão da guerra através de intenso estudo e condenou a adesão servil às regras. Ele foi obrigado a adaptar sua própria teoria quando confrontado com a dura realidade da guerra. Ele acreditava em suposições desafiadoras e fez uso de uma ampla variedade de casos históricos para procurar a solução ideal. Ele alertou contra afirmações simplificadas e confiantes com base em alguns casos selecionados, alegando que suas próprias idéias eram o resultado de um "trabalho intelectual duro", fermentado por experiências igualmente duras. Lawrence era mais do que uma lenda celulóide: ele defendia o pensamento, o aprendizado e a adaptação. Este é um bom conselho em qualquer crise.

O Dr. Rob Johnson é o autor de Lawrence of Arabia on War (Lawrence da Arábia em Guerra, Oxford: Osprey, 2020) e o Diretor do Centro da Mudança de Caráter da Guerra (Changing Character of War Centre, CCW) da Universidade de Oxford.

Lawrence of Arabia on War oferece uma avaliação em ritmo acelerado de T. E. Lawrence e das operações militares britânicas no Oriente Próximo, revisando narrativas convencionais para contar a história completa dessa figura influente. É também um estudo da guerra e a maneira pela qual Lawrence avaliou o que estava mudando, o que era distinto, e o que era único na guerra de guerrilha no deserto. Colocando Lawrence em seu contexto histórico, o Dr. Rob Johnson examina o acordo de paz em que participou e descreve as maneiras pelas quais seu legado informou e inspirou àqueles que fazem parcerias e orientam forças locais hoje.

Bibliografia recomendada:

Lawrence da Arábia, da coleção Guerreiros.

Guerra Irregular, do operador de forças especiais Alessandro Visacro.

Lawrence of Arabia, da Osprey Publishing.

Os Sete Pilares da Sabedoria, do próprio T.E. Lawrence. Leitura obrigatória nas forças especiais.

Leitura recomendada:



sexta-feira, 8 de maio de 2020

Dissuasão à sombra do dragão: a modernização militar do Vietnã

Oficiais militares vietnamitas a bordo do USS Carl Vinson, 2018. (Getty Images)

Por Wu Shang-Su, The Interpreter, 30 de março de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de maio de 2020.

O Vietnã há muito tempo procura calibrar sua postura de defesa nas sombras da competição de grandes potências.

Em 5 de março, o USS Carl Vinson telefonou para Danang, no centro do Vietnã. Foi a primeira vez desde a Guerra (a Guerra do Vietnã para os americanos e a Guerra dos EUA para os vietnamitas) que um porta-aviões dos EUA ancorou em águas vietnamitas - por convite desta vez - para uma visita oficial.

A visita ao Carl Vinson nos lembra que, comparado aos esforços seculares do Vietnã para equilibrar-se contra o poder chinês, seu antagonismo com os Estados Unidos teve duração relativamente curta. E o desejo de Hanói de poder dissuasor para gerenciar sua incerteza estratégica envolve novos amigos e velhos inimigos.

Dois desafios

A definição da postura militar do Vietnã há muito tempo é conduzida nas sombras das superpotências. Nos últimos 30 anos, enfrentou dois grandes desafios: o colapso da União Soviética e o crescente poder militar da China. Embora esses dois desenvolvimentos tenham ocorrido durante diferentes gerações de liderança vietnamita, ambos se destacam no planejamento de defesa de Hanói.

Demonstração de engenheiros de assalto (đặc công) vietnamitas.
Reminiscente da Guerra Fria.

Como a maioria dos países comunistas durante a Guerra Fria, o Vietnã recebeu grandes transferências de ajuda militar soviética. Devido ao ambiente geoestratégico do Vietnã, pontuado pela Guerra Sino-Vietnamita de 1979, Moscou optou por se concentrar no fortalecimento da força terrestre do Vietnã. Apesar dos pedidos vietnamitas, a marinha estava relativamente marginalizada - nenhum submarino foi transferido para Hanói da União Soviética.

Após o término da ajuda soviética em 1992, a economia do Vietnã sofreu uma dolorosa transformação sob a política de Doi Moi, e a manutenção dos ativos existentes se tornou um fardo pesado. Graças à conquista da reforma econômica, os recursos para a modernização tornaram-se disponíveis em meados dos anos 90. A distribuição de recursos viria a ser determinada por outro fator externo - a China.

Nos anos 90, as relações bilaterais anteriormente hostis entre Hanói e Pequim melhoraram após o estabelecimento de suas fronteiras terrestres e marítimas no Golfo do Tonquim. Mas enquanto as relações políticas esquentavam, o Exército Popular de Libertação da China estava se modernizando rapidamente, deixando seu colega vietnamita inferior e desatualizado.


As reivindicações territoriais marítimas contestadas são a causa mais provável de conflito sino-vietnamita. Atualmente, Hanói concentra seus recursos na modernização das capacidades navais e aéreas. Este é o caso há uma década. Entre 2008 e 2012, o Vietnã concluiu importantes acordos de armas de submarinos, fragatas e caças, entre outros ativos, da Rússia, Canadá, Holanda, Estados Unidos e Japão. Mas o aventureirismo de Pequim no Mar da China Meridional (Mar do Leste para o Vietnã) no final dos anos 2000 foi claramente um fator no renovado foco de Hanói na estratégia marítima e no aumento do investimento em sua marinha e força aérea.

Um dilema

Após a aquisição desses sofisticados ativos marítimos e aéreos, a posição do Vietnã no Mar da China Meridional em relação à China fica menos vulnerável do que antes. Mas a abordagem desigual da modernização pode, no entanto, representar um dilema em Hanói: o Vietnã deve continuar concentrando investimentos em sua marinha e força aérea, ou investindo em seu exército?

Os ativos do exército vietnamita são uma cápsula do tempo da Guerra Fria, tendo sido negligenciados devido à baixa possibilidade de guerra terrestre. Uma invasão terrestre chinesa não pode ser totalmente descartada, mas é difícil imaginar a China quebrando tratados de fronteira assinados e arriscando uma resposta de outras potências na Ásia.

Hanói ainda mantém um sistema de defesa territorial em camadas composto por tropas regulares, guardas de fronteira e milícias. No entanto, sem uma renovação substancial, a crescente inferioridade do exército vietnamita em comparação com sua contraparte chinesa seria um grande risco estratégico para o Vietnã assumir. Pequim pode expor as vulnerabilidades vietnamitas e a falta de preparação por meio de desdobramentos e exercícios próximos à fronteira, sem precisar iniciar conflitos abertos. A modernização do Exército Popular do Vietnã traria algum efeito dissuasor.


O poder naval e aéreo do Vietnã pode não ser suficiente para as contingências do Mar do Leste / Mar da China Meridional. Hanói carece de recursos para competir diretamente com o Comando Chinês do Teatro do Sul. E o destacamento militar de Pequim em suas ilhas artificiais recém-construídas aumenta a pressão sobre a posição estratégica de Hanói.

Mas as ambições geoestratégicas de Pequim não permitem uma concentração de forças, então Hanói trabalhou para fortalecer as relações com Nova Délhi, Tóquio e Washington. O exemplo mais divulgado disso foi o levantamento do embargo americano pelo presidente Barack Obama à venda de armas letais ao Vietnã em 2016. E em novembro de 2017, o Vietnã assinou uma Parceria Estratégica com a Austrália. Se essas relações de não-aliança terão o efeito dissuasivo desejado é incerto, e os interesses do Vietnã no Mar da China Meridional são complicados pela relutância do presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, em combater o aventureirismo chinês.

[Nota do Tradutor: Recentemente, o Vietnã desafiou a China exigindo uma investigação internacional sobre o coronavírus e sobre a agressão chinesa nas águas territoriais do Mar da China Meridional. Hanói foi seguido pela Indonésia e Taiwan. Os pequenos Davis estão enfrentando o Golias valentão.] 


Apesar do impressionante crescimento econômico nas últimas três décadas, os tomadores de decisão vietnamitas carecem de recursos para satisfazer a modernização militar terrestre e marítima, e os projetos de infraestrutura doméstica extremamente necessários também competem por financiamento.

Melhorar as relações Vietnã-EUA apresentaria mais alternativas para substituir o legado soviético das forças armadas do Vietnã, particularmente na vigilância marítima, mas não ajudará a diminuir os encargos financeiros do Vietnã.

A postura de defesa do Vietnã enfrenta um futuro difícil, com a história pesando muito sobre os tomadores de decisão. Com evidências crescentes da intensificação da concorrência EUA-China, a política de defesa do Vietnã será novamente feita sob o escrutínio das superpotências concorrentes.

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terça-feira, 5 de maio de 2020

FOTO: Raul Langlois, conselheiro militar no Paraguai

Oficiais paraguaios da arma de Artilharia junto ao Tenente-Coronel Raul Langlois, o conselheiro da artilharia da Missão Militar Francesa no Paraguai, Segunda Bateria do Grupo de Artilharia de Montanha Nº 1, Exército Paraguaio, Assunção, em 1929.

Langlois foi o mais entusiástico do uso do morteiro Stokes Brandt 81mm, que prestou valioso serviço ao Paraguai na Guerra do Chaco. A Missão Militar Francesa atuou no Paraguai de 1926 a 1930, mas Langlois permaneceu no país por mais tempo.

Espaldão paraguaio de morteiro Stokes Brandt 81mm durante a Guerra do Chaco.

Os Bandeirantes Paulistas

Retrato de Domingos Jorge Velho, óleo sobre tela de Benedito Calixto, 1903. 

Dr. Pedro Puntoni,
Nova História Militar Brasileira.

Segundo um papel anônimo, de 1690, a experiência havia demonstrado, até então, que nem a infantaria "nem ainda as ordenanças" haviam sido "capazes para debelar estes inimigos nas incultas brenhas e inacessíveis rochedos e montes do sertão"; só a gente de São Paulo é capaz de debelar este gentio, por ser o comum exercício penetrarem os sertões"[47]. A razão disto era a forma como os tapuias [índios bravios] faziam guerra nos matos, o que exigia uma tática e uma tecnologia especiais. Gregório Varela de Berredo Pereira, autor de um "breve compêndio" sobre o governo pernambucano de Câmara Coutinho (1689-90), tinha para si "que se este inimigo [os bárbaros] fizera forma de batalha, depressa [seria] desbaratado". Mas, como explicava, tal não era o caso, porque se tratava de nações "fora de todo o uso militar", isto é, da forma européia moderna de guerra, "porque as suas avançadas são de súbito, dando urros que fazem tremer a terra para meterem terror e espanto e logo se espalham e [se] metem detrás das árvores, fazendo momos como bugios, que sucede às vezes meterem-lhes duas e três armas e rara vez se acerta o tiro pelo jeito que fazem com o corpo"[48].

Outro papel anônimo, de 1691, também argüia que as "grandes expedições de infantaria paga, e da ordenança, com grandes despesas da Fazenda real e contribuições dos moradores" vinham resultando sem efeito "não por falta de disposição dos cabos, nem do valor nos soldados, mas, repare-se nesta circunstância, pela eleição do meio só". Isto porque, segundo o autor deste papel, seria "necessário para a conquista destes gentios" adaptar-se ao seu "modo de peleja", que era "fora do da arte militar", pois,

"Eles [vão] nus, descalços, ligeiros como o vento, só com arco e flechas, entre matos, e arvoredos fechados, os nossos soldados embaraçados com espadas, carregados com mosquetes, e espingardas e mochilas com seu sustento, ainda que assistem o inimigo não o podem seguir, nem prosseguir a guerra: eles acometem de noite por assaltos nossas povoações, casas, igrejas, lançando fogo aos ingovernos, matando gente e roubando os bens móveis que podem carregar, e conduzindo os gados, e criações e quando acudimos o dano está feito. E eles [andam] escondidos entre os matos onde os nossos soldados não podem seguir com a mesma segurança, instância e diuturnidade por [estarem] carregados de ferro e mochilas, em que carregam o seu sustento que não pode ser mais que para quatro ou seis dias [enquanto que] os bárbaros [têm seu sustento] nas mesmas frutas agrestes das árvores, como pássaros, nas raízes que conhecem e nas mesmas imundices de cactos, cobras, e caças de quaisquer animais e aves." [49]

Tipos de bandeirantes paulistas.

Ora, segundo ainda este autor, teria sido exatamente por isso que a "Divina Providência" criou na província de São Paulo "os homens com um ânimo intrépido, que se inclinou a dominar este miserável gentio". Semelhantes aos inimigos silvícolas, pois viviam "sempre em seu seguimento", acabaram por "ter por regalo a comida de caças, mel silvestre, frutas, e raízes de ervas, e de algumas árvores salutíferas e gostosas de que toda a América abunda". É nos "ares do sertão" que suas vidas se fazem "gostosas", sendo que "muitos deles nascem, e envelhecem", nos matos: "estes são os que pois servem para a conquista e castigo destes bárbaros, com quem se sustenta, e vivem quase das mesmas coisas, e a quem o gentio só teme e respeita". [50] Era exatamente o que explicava, 10 anos antes, o autor de um outro papel que sugeria o uso dos paulistas para a defesa da colônia do Sacramento: "porque são homens capazes para penetrar todos os sertões por onde andam continuamente, sem mais sustento que coisas do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de vários paus, e não lhes é molesto andarem pelos sertões anos [a fio] pelo hábito que têm feito àquela vida". [51]

- Dr. Pedro Puntoni, Nova História Militar Brasileira, Capítulo 1 A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansão da fronteira da América portuguesa (1550-1700), Paulistas e os "ares do sertão", pg. 59-61, 2004.

Nova História Militar Brasileira.

Notas:

[47] Sobre o gentio que se rebelou nas capitanias do Ceará, Rio Grande e Paraíba, c. 1690 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XII 4 52).

[48] Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr. governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho... Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 51, n. 267, 1979.

[49] Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos tapuias, 1691 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl. 162).

[50] Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl. 162.

[51] Informação anônima do Brasil, década de 1680 (BNP, códice 30, fl. 209). Para um retrato desses "bandeirantes" em ação, ver também Hemming (1978:238-253).

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