domingo, 29 de março de 2020

LIVRO: Forças Terrestres Chinesas

O Exército de Libertação Popular Chinês desde 1949: Forças Terrestres, Benjamin Lai, Osprey Publishing, 2013.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 29 de março de 2020.

O exército chinês (oficialmente Forças Terrestres do Exército de Libertação Popular, doravante PLA) nunca foi conhecido por sua proficiência militar, como já tratado no blog, eles carecem de experiência de combate e operam blindados muito velhos. O autor chinês Benjamin Lai tentou pintar um quadro mais favorável ao PLA, mas terminou com uma obra de valor misto: enquanto as fotos são muito bonitas, a maior parte a cores, o texto é apenas a repetição da propaganda oficial do Partido Comunista Chinês, que unificou a China continental sob o comunismo maoísta em 1949.

O PLA é a definição das forças armadas chinesas seguindo o padrão soviético de usar Exército Vermelho ou Exército Soviético para a totalidade das suas forças armadas. O PLA chinês é constituído de: 

- Força Terrestre do Exército de Libertação do Povo, 
- Marinha do Exército de Libertação do Povo, 
- Força Aérea do Exército de Libertação do Povo, 
- Força de Foguetes do Exército de Libertação do Povo,
- Força de Apoio Estratégico do Exército de Libertação do Povo. 

O livro trata das forças terrestres, incluindo unidades não necessariamente ligadas ao exército (Força Terrestre do PLA), como a Polícia Armada Popular (PAP) e os fuzileiros navais que pertencem à marinha (oficialmente Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Exército de Libertação do Povo, encurtado para Corpo de Fuzileiros Navais do Exército de Libertação do Povo).

Distintivo do Corpo de Fuzileiros Navais do Exército de Libertação do Povo Chinês (中国人民解放军海军陆战队).

A China vem, há muito anos e escaldada da humilhação de 1979, tentando erguer uma força militar moderna, com certa ênfase na diminuição da dependência do número e movendo-se para uma ocidentalização baseada na absorção de equipamentos modernos, especialmente na informatização, e no aumento de unidades de elite: o seu Corpo de Fuzileiros Navais foi reativado em 1979 (trazendo linhagem de 1953), tendo 16 mil homens atualmente, divididos em 2 brigadas de 6 mil homens cada e guarnições com as típicas funções de fuzileiros navais, com previsão de aumento para 20 mil homens em breve; com uma terceira brigada sendo organizada a partir da transferência da 77ª Brigada de Infantaria Motorizada da Força Terrestre do PLA.

Os fuzileiros navais chineses são conhecidos por seus camuflados azuis.


Dado que as próximas guerras da China serão eminentemente navais com ênfase anfíbia contra ilhas no Pacífico, essa decisão faz completo sentido. Mesmo os americanos já estão se adaptando para combater essa nova capacidade anfíbia chinesa. A forma como essa modernização ocorre já é uma história completamente diferente, marcada mais pelos tropeços do que pelos acertos.

A China também se expande para a África e para a América Latina, mas de volta ao livro. 

A avaliação mais precisa do livro The Chinese People's Liberation Army since 1949: Ground Forces foi feita pelo Coronel Dr. R. A. Forczyk. O título dá a entender que as forças navais e aéreas serão tratadas em algum momento, mas sem anúncios até hoje, e talvez pela reação da resenha do coronel na época.

Natal Vermelho: A Incursão ao Aeródromo de Tatsinskaya em 1942.

Robert Forczyk é PhD em Relações Internacionais e Segurança Nacional pela Universidade de Maryland e possui uma sólida experiência na história militar europeia e asiática. Aposentou-se como tenente-coronel das Reservas do Exército americano, tendo servido 18 anos como oficial de blindados nas 2ª e 4ª divisões de infantaria dos EUA, e como oficial de inteligência na 29ª Divisão de Infantaria (Leve). O Dr. Forczyk é atualmente consultor em Washington, DC., e já publicou dezenas de livros, incluindo os dois volumes sobre a guerra blindada germano-soviética de 1941-45, sobre as operações Caso Vermelho (invasão da França), Caso Branco (invasão da Polônia), biografias de Walther Model e Georgy Zhukov, e um dos seus best-sellers Where the Iron Crosses Grow: The Crimea 1941-44 (Onde as Cruzes de Ferro Nascem: A Criméia 1941-44). Nota-se que suas palavras têm peso.

O título é baseado na famosa frase final do filme Cruz de Ferro.

À seguir a tradução da resenha de três estrelas.

Uma Exposição de Cães e Pôneis do PLA 

Por Robert A. Forczyk, 8 de abril de 2013.


Folheando o Exército de Libertação do Povo Chinês desde 1949: Forças Terrestres de Benjamin Lai, uma adição recente à série Elite da Osprey, fica claro que a China tem alguns uniformes e equipamentos muito atraentes. Obviamente, o autor não menciona que a única grande ação de combate bem-sucedida conduzida pelo PLA nos últimos trinta anos foi assassinar cerca de 3.000 dos seus compatriotas na Praça da Paz Celestial em junho de 1989 (referido aqui como um "episódio"). Essa é o problema básico deste volume: excelentes fotos, resumo completo da organização e do equipamento do PLA, mas acompanhado por uma sutil higienização da história. O autor menciona que o PLA esmagou a revolta tibetana, mas a atribui a uma trama da CIA - a idéia de que os tibetanos não querem fazer parte da China não é mencionada. Esse volume serve para destacar o progresso que o PLA fez na modernização de suas forças terrestres e não quer olhar para nada que o prejudique essa visão - como o fato do PLA ter muito menos experiência em combate do que qualquer outro grande exército do mundo. Muitos brinquedos, nenhuma experiência. Todo o problema da missão também é convenientemente ignorado (se é estritamente defensiva, por que todos esses paraquedistas, fuzileiros navais, tanques, mísseis, etc?). O autor também não discute a doutrina do PLA, embora isso fosse mais relevante do que todo o espaço que ele dedicou à Polícia Armada Popular (PAP). No geral, este é um volume interessante, mas deixa um leve sabor de propaganda.

"1º de outubro de 1949: Soldados do PLA marcham durante a primeira parada do Dia Nacional na Praça da Paz Celestial, em Pequim. Eles usam capacetes de aço japoneses capturados, e estão armados com fuzis-metralhadores tchecos ZB vz 26; nessa época o PLA tinha um arsenal heterogêneo de armas japonesas e daquelas tomadas do KMT chinês, incluindo armas portáteis tchecas, americanos e mesmo algumas britânicas. Note que estão estão marchando em uma cadência convencional - o 'passo do ganso' de estilo soviético ainda não havia sido adotado. (China Magazine)"

O volume começa com uma discussão sobre a origem do PLA - como a "ala armada do Partido Comunista Chinês" - e passa dez páginas resumindo suas principais atividades desde 1949. Ele fornece apenas dois parágrafos curtos sobre a Guerra da Coréia, o que não é muito considerando que esta foi a maior operação do PLA desde que foi criada, a Guerra de Fronteira Indo-Chinesa de 1962 recebe duas sentenças, embora essa tenha sido a única vitória clara alcançada pelo PLA sobre um adversário estrangeiro e demonstrou a adaptabilidade tática da China. Em contraste, o autor dá mais cobertura às curtas escaramuças sino-soviéticas em 1969 do que à Guerra da Coréia. Ele gasta cerca de 1 ½ páginas na Guerra Sino-Vietnamita de 1979, mas tenta colocá-la sob uma luz positiva (sem mencionar que a China atacou o Vietnã em apoio ao seu aliado genocida, Pol Pot). A maioria dos relatos sugere que uma força vietnamita muito menor surrou os invasores do PLA e que foi a China que "aprendeu uma lição". Quando ele chega a 1989, o autor se refere à Praça da Paz Celestial como uma "controversa operação de segurança interna" - ah, é verdade, é censurada na China, onde o autor reside. Também não há menção de que boa parte do PLA é desdobrado para invadir Taiwan, caso necessário.

Uniforme, distintivos e divisas do exército chinês.

Toda publicação da Osprey vem acompanhada de ilustrações de alta qualidade.


Na próxima seção, o autor discute a organização de nível superior do PLA e, em seguida, mergulha nas estruturas táticas até o batalhão, a companhia e o grupo de combate. Fiquei realmente surpreso com quantos cozinheiros existem um batalhão de infantaria do PLA - pelo menos 25. Ele então discute as principais armas de combate, incluindo blindados, aviação, tropas de forças especiais, paraquedistas e de mísseis. A maioria das fotos no volume é colorida e muito agradável, mas muitas das tropas parecem posadas. As legendas do autor indicam que muitas foram capturadas durante eventos militares em casas abertas e até as cenas "táticas" parecem encenadas. Olhando para os uniformes, o olho de um soldado pode notar que todos os uniformes e equipamentos parecem novos em folha - sem desgaste. Um grupo de combate de infantaria que se move ao lado de um IFV está terrivelmente amontoado - parece um 'ataque de onda humana' - e, apesar de seus novos capacetes e uniformes camuflados, eles estão usando sapatos de borracha e meias brancas dos anos 50. Uma patrulha de infantaria é mostrada com todos os membros da patrulha com os cadarços das botas desamarrados - eles tiveram que pedir as botas emprestadas para a foto? Adoro os tanques ZTZ-99 com jantes brancas nas rodas - que com certeza os tornam mais fáceis de detectar! No exército dos EUA, quando você vê todos os equipamentos polidos como aqui, é reconhecível como uma "Dog and Pony Show" (Exposição de Cães e Pôneis, "pra inglês ver") de para impressionar os visitantes e os ignorantes militares. As discussões das tropas das forças especiais e paraquedistas beira ao cômico, dando a impressão de que essas unidades são todas altamente capazes e equivalentes às melhores unidades ocidentais quando, na verdade, o PLA não tem saltos paraquedistas em combate a seu crédito e os saltos de tempos de paz são poucos e preciosos.



Contra-capa.

Nas seções finais, o autor discute recrutamento e uniformes. Ele sugere que o PLA esteja se movendo para uma força profissional, mas adicionar de 600 a 1.000 graduados por ano para um exército desse tamanho é uma gota num balde. Ele afirma que os sargentos podem se casar, mas que suas esposas só podem visitá-lo uma vez por ano - isso parece mais uma prisão do que um exército profissional. Apesar de suas afetações ocidentais modernas, o PLA ainda é majoritariamente uma força conscrita dominada pelo partido e pode ter armas do século XXI, mas ainda está usando uma abordagem dos anos 50 para seus soldados. Espero que o autor faça volumes nas forças naval e aérea, mas os leitores devem estar cientes de que essa é uma cobertura muito lustrosa, sem qualquer tentativa de uma avaliação equilibrada.


Yak:
A anexação do Tibete não foi muito diferente da invasão de um país como a Polônia. Este livro implica que a resistência à anexação tibetana era apenas uma trama americana, que se encaixa na narrativa de propaganda do governo da China de que o Tibete "sempre foi parte da China"; portanto, caso ela invadisse o Tibete, de alguma forma já o possuía. Dado o fato de que a liderança da China se opõe à noção de governo representativo, parece improvável que tudo isso seja apenas uma pequena nota de rodapé na orgulhosa marcha para a democratização.

R. A Forczyk:
Também é importante observar que tipicamente regimes que usaram força brutal em larga escala contra seu próprio povo, ou pessoas que consideram seu próprio povo, também não têm problemas em usar o mesmo tipo de força letal contra forasteiros. A história do Partido Comunista Chinês (PCC) - que administra o PLA - é de uso irrestrito da violência, conforme necessário. 

Ao contrário dos soviéticos, os chineses não têm ambições globais de espalhar sua forma de tirania, mas a defenderão contra todas as ameaças - incluindo qualquer cheiro de mudança democrática.

Yak:
Concordo plenamente. Fingir que a moralidade pode ser higienizada das atrocidades da história humana moderna não é um caminho que devemos seguir. Infelizmente, muitas pessoas que estudam a China geralmente ficam um pouco insensíveis aos problemas do seu regime autoritário, e convenientemente obscurecem ou ignoram problemas em nome de apontar para outro alguém que era supostamente pior. Os pecados das forças armadas americanas não são necessariamente melhores ou piores, mas pelo menos esse assunto está aberto à discussão. Na China, as forças armadas nunca fizeram nada errado e isso não pode ser questionado.

Chimonsho (Benjamin Lai?):
Suponho que esta resenha avalie o livro do PLA com precisão. Dito isto, definitivamente há espaço para uma gama mais ampla de pontos de vista entre os autores do Osprey, que Lai fornece (e observa em seu próprio comentário). Muitos livros da Osprey omitem grande parte do contexto político mais amplo, portanto este é bastante representativo a esse respeito, embora por razões diferentes.

Quanto à comparação do Holocausto oferecida pelo Sr. Forzyck, é um assassino de discussões confiáveis; como comparar significativamente o mal absoluto com outros fenômenos? A Praça da Paz Celestial foi um ultraje, mas muito menos destrutiva do que o Holocausto e, de fato, em grande parte um assunto interno. Acredito que isso será visto como um obstáculo na longa e rochosa estrada da China para um governo totalmente representativo. O Holocausto, no entanto, foi um divisor de águas na história judaica, européia e mundial. Maçãs e laranjas, além do recurso compartilhado à brutalidade.

R. A Forczyk:
Sr. Lai, 

Os problemas com este volume não são de espaço, mas de viés analítico. Não estou tentando atacar a China, que tem interesses legítimos de segurança, mas você precisa aprender a chamar as coisas pelo seu próprio nome se quiser escrever uma história militar equilibrada.

Quando você se refere ao massacre da Praça da Paz Celestial como uma "operação controversa de segurança interna", dá um tiro no pé, pelo menos no que diz respeito ao público ocidental. Seria semelhante a um autor alemão moderno que referindo-se ao Holocausto como uma "operação controversa de segurança interna".

Nota do Autor: Com tudo isto dito e representado, é recomendada a leitura do livro. As fotos são excelentes e a explicação da estrutura militar do PLA são muito boas e "valem o ingresso"; porém, o leitor deve estar atento e ler a narrativa de Benjamin Lai com um grão de sal, atento à repetição da propaganda do Partido Comunista Chinês.

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