Mostrando postagens com marcador Logística. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Logística. Mostrar todas as postagens

domingo, 15 de maio de 2022

VÍDEO: Logística romana no deserto


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 15 de maio de 2022.

O Exército Romano era a superpotência do seu tempo. Como que esse titã mantinha suas tropas hidratadas no ambiente árido do deserto? Neste vídeo, o canal Histórias Romanas traz uma explicação detalhada sobre a logística romana em relação à hidratação dos seus legionários.

Leitura recomendada:

quarta-feira, 4 de maio de 2022

Como o conflito Rússia-Ucrânia pode influenciar o abastecimento alimentar da África

Trigo de inverno sendo colhido nos campos da fazenda coletiva Tersky Konny Zavod no norte do Cáucaso.
(Foto de Anton Podgaiko\TASS via Getty Images)

Por Wandile Sihlobo, The Conversation, 24 de fevereiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 4 de maio de 2022.

"Nenhum homem se qualifica como estadista que ignora inteiramente os problemas do trigo."

As palavras do antigo filósofo grego, Sócrates.

O trigo e outros grãos estão de volta ao centro da geopolítica após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Ambos os países desempenham um papel importante no mercado agrícola global. Os líderes africanos devem prestar atenção.

Há um comércio agrícola significativo entre os países do continente e a Rússia e a Ucrânia. Os países africanos importaram produtos agrícolas da Rússia no valor de US$ 4 bilhões em 2020. Cerca de 90% disso era trigo e 6% era óleo de girassol. Os principais países importadores foram o Egito, que respondeu por quase metade das importações, seguido pelo Sudão, Nigéria, Tanzânia, Argélia, Quênia e África do Sul.

Da mesma forma, a Ucrânia exportou US$ 2,9 bilhões em produtos agrícolas para o continente africano em 2020. Cerca de 48% disso foi trigo, 31% milho e o restante incluiu óleo de girassol, cevada e soja.

A Rússia e a Ucrânia são participantes importantes no mercado global de commodities. A Rússia produz cerca de 10% do trigo global, enquanto a Ucrânia responde por 4%. Combinados, isso é quase o tamanho da produção total de trigo da União Europeia. O trigo é para consumo interno e também para os mercados de exportação. Juntos, os dois países respondem por um quarto das exportações globais de trigo. Em 2020, a Rússia representou 18% e a Ucrânia, 8%.

Ambos os países também são atores notáveis no milho, responsáveis por uma produção combinada de milho de 4%. No entanto, a contribuição da Ucrânia e da Rússia é ainda mais significativa nas exportações, representando 14% das exportações globais de milho em 2020. Ambos os países também estão entre os principais produtores e exportadores de óleo de girassol. Em 2020, as exportações de óleo de girassol da Ucrânia representaram 40% das exportações globais, com a Rússia respondendo por 18% das exportações globais de óleo de girassol.

A ação militar da Rússia causou pânico entre alguns analistas. O medo é que a intensificação do conflito possa interromper o comércio com consequências significativas para a estabilidade alimentar global.

Compartilho essas preocupações, principalmente as consequências de grandes aumentos no preço global de grãos e oleaginosas. Eles estão entre os principais impulsionadores do aumento global dos preços dos alimentos desde 2020. Isso se deve principalmente às condições climáticas secas na América do Sul e na Indonésia, que resultaram em colheitas ruins combinadas com o aumento da demanda na China e na Índia.

A interrupção do comércio, devido à invasão, na importante região produtora do Mar Negro, aumentaria os preços globais das commodities agrícolas – com potenciais efeitos colaterais para os preços globais dos alimentos. Um aumento nos preços das commodities já era evidente apenas alguns dias depois do conflito.

Esta é uma preocupação para o continente africano, que é um importador líquido de trigo e óleo de girassol. Além disso, há preocupações com a seca em algumas regiões do continente. A interrupção dos embarques de commodities aumentaria as preocupações gerais da inflação dos preços dos alimentos em uma região que é importadora de trigo.

O que esperar

A escala do potencial aumento nos preços globais de grãos e oleaginosas dependerá da magnitude da interrupção e do período de tempo em que o comércio será afetado.

Por enquanto, isso pode ser visto como um risco de alta para os preços globais das commodities agrícolas, que já estão elevados. Em janeiro de 2022, o Índice de Preços de Alimentos da FAO teve uma média de 136 pontos de alta de 1% em relação a dezembro de 2021 – a maior desde abril de 2011.

Os óleos vegetais e os produtos lácteos sustentaram principalmente os aumentos.

Nos dias que antecederam a ação da Rússia, houve um aumento nos preços internacionais de várias commodities. Estes incluíram milho (21%), trigo (35%), soja (20%) e óleo de girassol (11%) em comparação com o período correspondente de um ano atrás. Isso é digno de nota, pois os preços de 2021 já estavam elevados.

Do ponto de vista da agricultura africana, o impacto da guerra será sentido no curto prazo através do canal global de preços de commodities agrícolas.

Um aumento nos preços será benéfico para os agricultores. Para os produtores de grãos e oleaginosas, a alta nos preços apresenta uma oportunidade de ganhos financeiros. Isso será particularmente bem-vindo devido aos custos mais altos de fertilizantes que sobrecarregaram as finanças dos agricultores.

O conflito Rússia-Ucrânia também ocorre em um momento em que a seca na América do Sul e a crescente demanda por grãos e oleaginosas na Índia e na China pressionam os preços.

Mas o aumento dos preços das commodities é uma má notícia para os consumidores que já experimentaram aumentos nos preços dos alimentos nos últimos dois anos.

O conflito Rússia-Ucrânia significa que a pressão sobre os preços persistirá. Os dois países são os principais contribuintes para o fornecimento global de grãos. O impacto sobre os preços da evolução que afeta a sua produção não pode ser subestimado.

Alguns países do continente, como a África do Sul, se beneficiam com a exportação de frutas para a Rússia. Em 2020, a Rússia respondeu por 7% das exportações cítricas da África do Sul em termos de valor. E respondeu por 12% das exportações de maçãs e peras da África do Sul no mesmo ano – o segundo maior mercado do país.

Mas do ponto de vista da África, as importações agrícolas da Rússia e da Ucrânia do continente são marginais – com média de apenas US$ 1,6 bilhão nos últimos três anos. Os produtos dominantes são frutas, tabaco, café e bebidas em ambos os países.

Efeitos de ondulação

Todos os atores agrícolas estão atentos aos desenvolvimentos na região do Mar Negro. O impacto será sentido em outras regiões, como Oriente Médio e Ásia, que também importam um volume substancial de grãos e oleaginosas da Ucrânia e da Rússia. Eles também serão diretamente afetados pela interrupção do comércio.

Ainda há muito que não se sabe sobre os desafios geopolíticos que estão por vir. Mas para os países africanos há motivos para preocupação dada a sua dependência das importações de grãos. No curto prazo, os países provavelmente verão o impacto por meio de um aumento nos preços, em vez de uma escassez real das commodities. Outros países exportadores de trigo, como Canadá, Austrália e EUA, devem se beneficiar de qualquer potencial aumento de demanda no curto prazo.

Em última análise, o objetivo deve ser desescalar o conflito. A Rússia e a Ucrânia estão profundamente inseridas nos mercados agrícolas e alimentares do mundo. Isso não se dá apenas por meio de suprimentos, mas também por meio de insumos agrícolas, como petróleo e fertilizantes.

segunda-feira, 18 de abril de 2022

Por que o declínio industrial tem sido tão gritante no Brasil


Análise da The Economist: The Americas, 5 de março de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de abril de 2022.

Cinturão de ferrugem da América do Sul: Nenhum outro país viu a manufatura como parcela do PIB desaparecer tão rapidamente.

O povo de São Bernardo do Campo, uma cidade próxima a São Paulo, é chamado de batateiros, ou plantadores de batata. No entanto, eles são mais conhecidos pela manufatura. Quase um século atrás, eles faziam móveis. Na década de 1950, eles começaram a fabricar carros. Logo a área que inclui a cidade, conhecida como ABC pelas iniciais de suas maiores cidades, tornou-se a maior zona industrial da América Latina. Um trabalhador de lá, Luiz Inácio Lula da Silva, chegou ao topo do sindicato dos metalúrgicos e, eventualmente, ao topo da política brasileira.


Mas quando a Urban Systems, uma consultoria, elegeu a cidade como o melhor lugar do Brasil para fazer negócios na indústria no ano passado, muita gente se surpreendeu. Em 2013, o ABC tinha 190.000 empregos formais na indústria (que inclui tanto a indústria quanto a transformação). Em 2019, tinha 140.000, ou quase um terço a menos. Placas empoeiradas de “vende-se” marcam algumas das 127 áreas industriais ociosas que Gisele Yamauchi, pesquisadora local, contabilizou em São Bernardo. Em 2019, a Ford, montadora americana, disse que estava deixando São Bernardo depois de quase um século no Brasil. Em 2021, o setor industrial formal da cidade se manteve estável, com quase tantos empregos criados quanto perdidos. Mas a mudança para os serviços é clara.

De fato, São Bernardo faz parte de uma tendência mais ampla no país. Na década de 1980, a manufatura atingiu o pico de 34% do PIB do Brasil. Em 2020 foi de apenas 11% (veja gráfico).


Em outros países, também, a importância relativa da manufatura diminuiu. À medida que as fábricas se tornam mais eficientes, são necessárias menos pessoas para fabricar cada widget, e o emprego na manufatura tende a cair mesmo com o aumento da produção. Mas o que é notável no Brasil é que o crescimento da produção também foi medíocre. Entre 1980 e 2017, o valor agregado da manufatura no Brasil em termos reais cresceu apenas 24%, em comparação com 69% na vizinha Argentina e 204% no mundo.

As indústrias de base científica do Brasil também perderam sua participação no PIB mais rapidamente do que o esperado. Na década de 1980, o Brasil produzia 55% dos insumos farmacêuticos que utilizava. Em 2020, isso caiu para 5%. Quando a pandemia da Covid-19 criou uma enorme demanda por vacinas, o Brasil foi pego de surpresa. A falta de materiais atrasou o lançamento da vacina.

À medida que o comércio global se liberalizou depois de 1990, o Brasil abriu o que havia sido uma economia ferozmente protegida. Mas apenas um pouco. Continuou protegendo grande parte de sua indústria doméstica da concorrência estrangeira, diz Fabiano Colbano, do Banco Mundial. Sucessivos governos se concentraram em alimentar a demanda doméstica, em vez de aumentar a produtividade. As empresas falharam em integrar muito nas cadeias de suprimentos globais. As tarifas foram mantidas altas e os regulamentos incômodos.


O prefeito de São Bernardo tentou tornar a cidade um lugar mais fácil para fazer negócios. Durante a pandemia, ele cortou a burocracia, baixou impostos e construiu mais estradas. Ele garantiu promessas de investimento em logística e outros aspectos da fabricação, no valor de US$ 1,75 bilhão para 2021 e 2022 (o orçamento da cidade para 2022 é de US$ 1,2 bilhão). Mas em outras partes do Brasil, a Covid-19 acelerou a queda da indústria.

O boom das commodities ajudou a criar um superávit comercial recorde para o Brasil. Mas isso mascara um déficit de US$ 53 bilhões (ou 3,3% do PIB) em bens manufaturados. De fato, a dependência de commodities, cujas exportações no Brasil equivalem a 8% do PIB, normalmente tende a acelerar o declínio da manufatura ao fortalecer a moeda local, o que torna as importações mais baratas. A China há muito prefere comprar commodities brutas e processá-las em casa. Em 2009, a China importou produtos alimentícios primários do Brasil no valor de US$ 7 bilhões, em comparação com produtos alimentícios processados no valor de quase US$ 600 milhões. Em 2019, os números foram de US$ 23 bilhões e US$ 5 bilhões, respectivamente.

O Brasil não precisa necessariamente de um grande setor industrial para prosperar. Em São Bernardo, os chãos das fábricas foram transformados em shopping centers e muitos moradores encontraram empregos como operadores de telemarketing. Alguns economistas argumentam que o declínio da manufatura deu ao Brasil uma oportunidade de aproveitar seus pontos fortes na agricultura e no petróleo.

No entanto, outros sentem que esse otimismo é equivocado. “O Brasil é o pior exemplo de desindustrialização prematura do mundo”, argumenta Rafael Cagnin, do IEDI, uma associação do setor. Os trabalhadores mudaram para empregos de serviços de baixa qualificação, em vez de empregos de alta tecnologia e qualificados. Em média, sua produtividade e renda caíram, diz ele. Em São Bernardo, os maiores salários de todos os trabalhadores com carteira assinada permanecem na indústria automobilística. Os salários médios reais em São Bernardo têm diminuído a cada ano desde 2017, inclusive nele.


Uma crise econômica entre 2014 e 2016 deu um choque tão grande no Brasil que qualquer tentativa de separar os efeitos da política industrial é difícil. Mesmo antes da Covid-19, o desemprego estava em seu nível mais alto em 50 anos, segundo o Banco Mundial.

O declínio industrial pode ter consequências políticas. Nos Estados Unidos, a perda de empregos na indústria do Centro-Oeste pode ter levado alguns eleitores a votarem em Donald Trump em 2016. No Brasil, as eleições de 2018 foram dominadas pela corrupção e as consequências da recessão, mas um estudo de dois pesquisadores brasileiros descobriu que as áreas mais afetadas pela liberalização do comércio na década de 1990 eram as mais propensas a votar em Jair Bolsonaro, o presidente populista. Ele até ganhou no antigo reduto de Lula em São Bernardo.

A próxima eleição presidencial, em outubro, pode ser crucial para a indústria. Bolsonaro não fez do estímulo à indústria uma prioridade, embora no final de fevereiro tenha prometido um corte de impostos para produtos industriais. Lula, que provavelmente concorrerá contra ele, disse que, embora as commodities sejam importantes, o Brasil precisa “ser forte na indústria, na ciência e na tecnologia”. Os próximos meses provavelmente envolverão uma corrida para conquistar os corações e votos de lugares como São Bernardo.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Logística:
Fundamentos, práticas e integração.
Marco Aurélio Dias.


Leitura recomendada:



sábado, 24 de abril de 2021

A busca global de terras raras do Japão traz lições para os EUA e a Europa


Por Mary Hui, Quartz, 23 de abril de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 24 de abril de 2021.

Em 2010, o governo japonês teve um grito de alerta: Pequim cortou abruptamente todas as exportações de terras raras para o Japão por causa de uma disputa com uma traineira de pesca. Tóquio era quase totalmente dependente da China para os metais essenciais, e o embargo expôs essa vulnerabilidade aguda.

O lado positivo desse incidente, que fez com que os preços globais das terras raras disparassem antes de despencarem com o estouro da bolha especulativa, foi que isto forçou o Japão a repensar sua política de matérias-primas críticas. Uma década depois, ele reduziu significativamente sua dependência da China para terras raras e continua a diversificar sua cadeia de suprimentos investindo em projetos em todo o mundo. Seu modelo pode ter lições para os EUA, que querem desesperadamente quebrar o monopólio das terras raras da China. As terras raras são um grupo de 17 metais essenciais na fabricação de produtos de alta tecnologia.

“O Japão experimentou o que os EUA enfrentam agora: um conflito político com a China, no qual a China parece estar disposta a explorar seu domínio no mercado [de terras raras]”, escreveu Marc Schmid, que pesquisa terras raras na Universidade Martin Luther Halle- Wittenberg. “Os EUA parecem estar em uma posição vulnerável semelhante à do Japão há cerca de uma década”.

A Tabela Periódica: Metais de terras raras.

Uma busca global liderada pelo Estado

No centro da estratégia de aquisição de terras raras do Japão está a Japan Oil, Gas and Metals National Corporation, ou Jogmec, uma empresa estatal governada pelo ministério da economia, comércio e indústria. Embora a Jogmec tenha sido criada em 2004 por meio da fusão de duas décadas de entidades de mineração de petróleo e metais, foi somente após o embargo da China que ela voltou sua atenção para as terras raras, disse Nabeel Mancheri, secretário-geral da Associação da Indústria de Terras Raras com sede em Bruxelas: “O foco partiu da crise de 2010”.

Uma das frentes-chave da estratégia da Jogmec era diversificar os suprimentos do Japão. Isso significava investir e fazer parceria com empresas de terras raras em todo o mundo, começando logo após o embargo chinês, incluindo resgatar Lynas da Austrália do colapso, a fim de construir um portfólio mais amplo de fornecedores. Também apóia esforços para reciclar terras raras, bem como pesquisas para desenvolver substitutos de terras raras. Essa estratégia foi amplamente bem-sucedida: o Japão cortou o fornecimento de terras raras da China de mais de 90% das importações para 58% em uma década, de acordo com dados da Comtrade da ONU. O objetivo é reduzir esse valor para menos de 50% até 2025.

Como a mudança global para veículos elétricos e energia renovável deve impulsionar um aumento na demanda de terras raras, o Japão deve aumentar ainda mais o financiamento para a exploração e mineração de terras raras, de acordo com o jornal de economia Nikkei. Uma consideração é levantar o limite atual de 50% no financiamento do Estado para projetos de exploração de recursos, o que poderia aliviar a carga financeira do setor privado em projetos de mineração inerentemente arriscados.

A dependência do Japão das terras raras da China.

Especialistas da indústria dizem que o exemplo do Japão ilustra a importância do investimento dirigido pelo Estado no setor de terras raras. Por meio do Jogmec, o Japão poderia direcionar fundos governamentais substanciais para apoiar diferentes projetos de mineração e garantir os direitos a uma certa quantidade de terras raras no que é conhecido como acordos de offtake (Contrato de Compra Mínima Garantida). Freqüentemente, isso significa que o Japão é capaz de bloquear uma quantidade específica de importações de terras raras durante um período de tempo designado. Isso também estabiliza o volume e o preço dos suprimentos, o que é importante para a sustentabilidade dos fabricantes descendo a cadeia que usam materiais de terras raras para produzir baterias e ímãs que vão para coisas como veículos elétricos e turbinas eólicas.

Por exemplo, a Jogmec e a principal empresa de comércio japonesa Sojitz investiram US$ 250 milhões na Lynas em 2011 em troca de um suprimento constante de terras raras. Os termos do empréstimo foram reestruturados em 2016 para evitar que a doente Lynas quebrasse, e reestruturados novamente em 2019 para garantir que o Japão receba "abastecimento prioritário" de suas terras raras até 2038.

Em outro lugar, a Jogmec recentemente aprofundou seu investimento em uma joint venture com a Namíbia Critical Metals, sediada no Canadá, no projeto de mineração de terras raras Lofdal, na Namíbia. A Jogmec já investiu milhões para financiar a exploração e o desenvolvimento de Lofdal e pode despejar (em pdf) outros US$ 10 milhões. O projeto Lofdal tem um significado especial porque é rico em terras raras pesadas.

Terras raras “leves” e “pesadas” referem-se ao seu número atômico. Lynas está mais focada no primeiro, enquanto a China atualmente domina o fornecimento global do último. O ímã permanente de terras raras mais amplamente usado, neodímio-ferro-boro ou NdFeB, usa o neodímio e paseodímio de terras raras leves. Adicionar uma terra rara pesada como disprósio e às vezes térbio torna o ímã mais estável em temperatura e adequado para uso em turbinas eólicas offshore, onde os custos de manutenção são altos.

Uma razão pela qual os EUA e a Europa não têm sido tão ativos no fornecimento de apoio estatal significativo ao setor de terras raras é que esses governos simplesmente não estão preparados para a tarefa, disse Kotaro Shimizu, analista-chefe da Mitsubishi UFJ Research and Consulting. Embora o US Geological Survey trabalhe em questões de terras raras, é fundamentalmente uma organização de pesquisa e não tem uma função de financiamento, disse ele. Da mesma forma, a Comissão Européia tem um conselho de inovação, mas também está centrado na pesquisa e não no financiamento.

Por enquanto, o financiamento federal americano mais recente para projetos de terras raras veio do departamento de defesa. Enquanto isso, um corpo modelado com base no Jogmec foi realmente proposto pela Comissão Européia em 2015, embora a idéia ainda não tenha tomado forma.

Lições do Japão para os EUA e Europa

Enquanto os EUA e a Europa buscam proteger suas cadeias de abastecimento de terras raras e limitar a dependência da China, o modelo do Japão pode oferecer alguma orientação.

Uma diferença importante é que, embora o Japão seja escasso em recursos minerais, os Estados Unidos e a Europa têm reservas consideráveis de terras raras. O problema, no caso dos EUA, é que eles cederam suas capacidades de mineração e processamento para a China nas últimas décadas e agora devem reconstruir a indústria em um momento em que a China já está profundamente enraizada nas cadeias globais de abastecimento de terras raras.

“O Japão e a Austrália definitivamente lideraram o caminho em termos de como o governo dos EUA deve abordar [garantir o fornecimento de terras raras]”, mas “não é necessariamente um trabalho de cortar e colar” para Washington em termos de emulação de políticas específicas, disse Pini Althaus, CEO da USA Rare Earth, que está desenvolvendo uma mina no Texas e estabelecendo uma unidade de processamento doméstico no Colorado. Espera ir a público em uma listagem de Nova York este ano.

Reserva de terras raras por país.

Por exemplo, os EUA poderiam usar a legislação federal existente para aumentar seu estoque de defesa nacional de terras raras, comprometendo-se a comprar terras raras de produtores domésticos durante um certo número de anos e dentro de uma certa faixa de preço, explicou Dan McGroarty, membro do conselho consultivo dos EUA Rare Earth.

Isso seria, na verdade, um acordo de venda muito parecido com os da Jogmec com vários produtores de terras raras. E o governo americano, ao se comprometer a comprar de um determinado produtor doméstico, enviaria um forte sinal aos mercados de capitais, disse McGroarty. Isso também evitaria “escolher vencedores e perdedores”, o que implicaria em subvenções federais diretas a empresas específicas, possivelmente às custas de afastar o capital privado de outras empresas.

Os especialistas também alertam que as minas de terras raras representam apenas a parte a montante da cadeia de abastecimento preocupada em extrair os minérios do solo. Processar esses minérios em metais de terras raras de alta pureza e, em seguida, usá-los para fabricar ímãs e baterias é igualmente crucial.

“Cem novas minas podem ser abertas ao redor do mundo com generoso apoio público, mas sem investir em processamento e fabricação de valor agregado, o resto do mundo continuará a depender da China para terras raras refinadas e tecnologias de manufatura de terras raras”, disse Julie Klinger, professora assistente de geografia na Universidade de Delaware.

Deixando de lado os detalhes das políticas de aquisição de terras raras, há uma conclusão importante do sucesso relativo do Japão, disse Mancheri da Rare Earth Industry Association: “É que agora, para ter sua própria cadeia de valor, o apoio do governo é necessário. O mercado não pode trazer de volta a indústria que você perdeu.”

Mary Hui é uma repórter que mora em Hong Kong, onde cobre geopolítica, tecnologia e negócios. Anteriormente, ela trabalhou como jornalista freelancer, cobrindo questões políticas, socioeconômicas, culturais e urbanas.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

domingo, 21 de fevereiro de 2021

PINTURA: A Via Sacra de Verdun

"La Voie Sacrée".
(Musée de l'Armée - Invalides)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 21 de fevereiro de 2021.

No dia 21 de fevereiro de 1916, a artilharia alemã abriu fogo contra as fortificações de Verdun, iniciando a batalha mais longa e uma das mais sangrentas da Primeira Guerra Mundial. Durando 9 meses, 3 semanas e 6 dias, o duelo titânico de resistência entre ambos os combatentes terminaria em 18 de dezembro de 1916 com a vitória francesa, seu exército não recuando de Verdun e nem sendo sangrado branco ou destruído.

A sua estratégia de rotação de tropas, apoiadas pelo fluxo ininterrupto de caminhões de abastecimento de homens e material pela Voie Sacrée (Via Sacra) garantiram a vitória.

Mapa do Teatro de Operações.

Os bombardeamentos massivos, seguidos de ataques e contra-ataques pela posse do complexo de fortalezas custaram cerca de 800 mil baixas em ambos os lados, com estimativas de 336.000–355.000 baixas alemãs (cerca de 143 mil mortos) e 379,000–400,000 baixas francesas (163,000 mortos e 216,000 feridos). O épico de Verdun representou a determinação francesa e o microcosmo da destruição e morticínio industrial da Primeira Guerra Mundial.

Verdun: On ne passe pas


Bibliografia recomendada:

The Fortifications of Verdun 1874-1917.
Clayton Donnel e Brian Delf.

Leitura recomendada:

domingo, 8 de novembro de 2020

GALERIA: O T-72 polonês em direção à Lituânia

Tanques T-72 poloneses sendo transportados por via férrea para a Lituânia em 28 de outubro de 2020.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de novembro de 2020.

De 28 de outubro até 6 de novembro, as tropas do 21BSP (21 Brygada Strzelców Podhalańskich/ 21ª Brigada de Fuzileiros Podhale) treinaram como parte da segunda fase do exercício Brilliant Jump 20, um exercício organizado pelo Comando de Operações Conjuntas da OTAN em Brunssum, na Lituânia.

O exercício Brilliant Jump 20 testou a logística da OTAN e sua capacidade de responder e movimentar a Força-Tarefa Conjunta de Prontidão Muito Alta (Very High Readiness Joint Task Force, VJTF) rapidamente em caso de crise. A Matriz do Corpo Multinacional Nordeste (HQ MNC NE) era responsável por realizar a Recepção, Colocação e Movimento Adiante (Reception, Staging and Onward MovementRSOM) das unidades que chegavam.

O planejamento do exercício, que entrou em sua fase final em 28 de outubro, teve início em meados de 2019. Realizado sob a égide do Comando da Força Conjunta Aliada Brunssum, o exercício Brilliant Jump foi projetado para demonstrar a prontidão e mobilidade da VJTF. Foram enviados para a Lituânia 2.500 soldados e 600 veículos usando recursos aéreos, terrestres e marítimos enviados da República Tcheca, Polônia e Espanha. 

O modal ferroviário é o melhor sistema de transporte terrestre que existe. Isto é particularmente verdadeiro em relação ao transporte de blindados.

O exercício Brilliant Jump 20 consiste em duas partes: uma fase marítima conduzida de 28 de setembro a 2 de outubro na costa do Reino Unido; seguida por uma fase de desdobramento terrestre de 28 de outubro a 6 de novembro na Lituânia.

"Nossos exercícios aproveitam as oportunidades para a OTAN e as nações aliadas aprimorarem suas habilidades de combate, concentrando-se em capacidades de ponta", disse o Vice-Almirante Keith Blount, comandante do Comando Marítimo da OTAN. "O exercício Brilliant Jump 20 mostra que continuamos preparados para operações em paz , crise e conflito e que estamos sempre prontos para desdobrar nossas forças onde for necessário, de forma rápida e eficaz.”

Transferir milhares de soldados de um lugar para outro é uma tarefa imensa e complicada. "Todo o processo RSOM é subdividido em várias atividades", indica o Ten-Cel Rene Srock da Divisão MNC NE J4. A coordenação de todos os esforços foi assegurada pelas Unidades de Integração de Forças da OTAN localizadas na Polônia e na Lituânia. Eles forneceram a ligação para seus respectivos ambientes militares e civis. Desta forma, o Comando RSOM em Szczecin teve a tão necessária Consciência Situacional para focar o apoio das Nações Receptoras Anfitriãs (Host Receiving Nations), ajustar os Planos de Movimento e apoiar a segurança para as diferentes fases e locais do RSOM.

"O maior desafio é mover as forças de acordo com os regulamentos de tempo de paz entre o tráfego civil normal. Todos os movimentos devem ser meticulosamente coordenados em tempo hábil", disse COL Miroslav Heger, Chefe RSOM MNC NE.

Independentemente de onde o RSOM é conduzido, os principais provedores de serviços são as Nações Receptoras Anfitriãs com suas capacidades militares e civis. Portanto, a execução bem-sucedida do processo RSOM é uma boa ilustração da coesão, interoperabilidade e prontidão da OTAN para reagir rapidamente em uma emergência.

Os T-72 poloneses estão sendo modernizados atualmente com visão noturna e térmica passiva, e sistemas de comunicação digital. Uma boa direção antes de substituí-los por MBTs modernos.

Os trens fornecem a maior capacidade de carga em todos os modais terrestres.

Este ano, o núcleo da "ponta de lança" da OTAN foi formado pela 21ª Brigada de Fuzileiros Podhale polonesa, com as unidades terrestres participantes incluindo um quartel-general de brigada, um batalhão de ponta-de-lança, forças especiais e o quartel-general da força-tarefa QBN da Polônia, um batalhão mecanizado da República Tcheca, uma companhia mecanizada da Lituânia e um batalhão de infantaria da Espanha.

Após a conclusão do Brilliant Jump 20, as unidades VJTF participarão do exercício liderado pela Lituânia, Iron Wolf (Lobo de Ferro), antes de serem transferidas de volta para suas bases.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

quarta-feira, 1 de julho de 2020

“O Brasil não tem planejamento em infraestrutura de transporte”, afirma professor da FDC


Por Rosalvo Streit, Agência CNT de Notícias, 2 de julho de 2014.

Rodovias e ferrovias em estado precário, mal conservadas. Aeroportos com pequena capacidade para transporte de cargas, além de terminais portuários ineficientes e operando com excesso de burocracia. Segundo o coordenador do Núcleo de Logística, Supply Chain e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, este é, infelizmente, o atual cenário dos setores de infraestrutura e transporte no país, atualmente.

Em entrevista à Agência CNT de Notícias, Resende comenta os principais problemas que dificultam o desenvolvimento do transporte no Brasil. Apresenta dados e mostra como o governo brasileiro investe pouco na área e peca pela falta de planejamento dos projetos. A situação, destaca, é contrária aos procedimentos adotados em potências como a China.

Quais os principais problemas que o Brasil enfrenta na área de infraestrutura?

Começando pelas rodovias, há um problema que é a alta dependência deste modal. O Brasil tem quase 1 milhão e 700 mil km de rodovias, envolvendo as esferas federal, municipal e estadual, e menos de 14% são asfaltadas. A administração está nas mãos do poder público, que faz poucos investimentos. A maioria das cargas é transportada pelo modal rodoviário, o que provoca um grande desgaste nas estradas e reduz a qualidade delas.

Em relação às ferrovias, a questão fundamental é a baixa densidade ferroviária ou a ausência de corredores ferroviários. Existe um vazio ferroviário no Brasil, principalmente nas fronteiras agrícolas do Centro-Oeste, Norte e Nordeste. A participação das ferrovias em nossa matriz de transporte deveria ser, no mínimo, de 38%. Outra questão é o fato de a maioria dos trilhos transportarem minério de ferro. É preciso transportar cargas com maior valor agregado.


E como está a situação dos portos e aeroportos?

Nos portos, encontramos um nível de ineficiência muito grande. O porto brasileiro é ineficiente, quando comparado com referências mundiais, como Cingapura e Roterdã, na Holanda, por exemplo. Nossos portos são ineficientes por falta de investimentos históricos. Além da falta de modernização, existe a influência política, que é muito grande, e a questão da burocracia. Esses três elementos se associam à concentração portuária, ou seja, poucos portos com muito volume movimentado, como Santos (SP) e Paranaguá (PR).

Nos aeroportos, o transporte de cargas é quase inexistente. Ele representa menos de 1% da matriz de transporte do Brasil, com grande concentração nos terminais de Guarulhos (SP) e Viracopos (SP). Temos uma baixíssima qualidade nos serviços. De um modo geral, os quatro modais precisam de muito investimento.

O Brasil está investindo menos que o esperado em infraestrutura?

Países emergentes e desenvolvidos chegam a investir até 8% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em logística de transportes. O Brasil jamais passou dos 2%, mesmo nos períodos de pico. A média dos últimos 30 anos é de apenas 0,8% do PIB. Isso coloca o Brasil na última posição entre os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Se fôssemos considerar os investimentos necessários para os próximos dez anos, o Brasil deveria investir, segundo os nossos levantamentos, US$ 80 bilhões por ano, durante dez anos. Mas se pegarmos a média da última década, o valor total não chega a US$ 200 bilhões. Significa que o Brasil investiu menos de 25% que o necessário.


Isso quer dizer que os investimentos não estão acompanhando o crescimento da economia...

Não, não estão. O resultado dessa falta de investimentos é a queda de competitividade. O Brasil é um país cada vez menos competitivo, tanto no cenário global, como no nacional. Isso significa que o brasileiro está pagando mais caro pelo que consome.

A China, por exemplo, investe um percentual maior do PIB em infraestrutura, existe mais planejamento...

O Brasil não tem planejamento em infraestrutura de transporte e, na China, existe um conceito que poderia ser adotado aqui – a elaboração do projeto executivo antes da licitação. Essa mudança resolveria uma das nossas grandes mazelas ligadas à corrupção. O Brasil é o país dos aditivos, ninguém quer saber o detalhamento do projeto. Os brasileiros entram às cegas na concorrência ou licitação e, depois, quando vão desenvolver o projeto executivo, enfrentam dificuldades e precisam ficar aditivando os orçamentos.

Essa é uma prática brasileira que precisa acabar. Na China, os projetos não são executados antes que se conheçam as suas dificuldades ou variáveis técnicas.

A Iniciativa do Cinturão e Rota da China


Existe algum outro exemplo que mostre como os chineses são mais eficientes nesse sentido?

Podemos traçar uma comparação com as ferrovias. Os chineses, do pré-projeto ao início da operação de um sistema sobre trilhos, gastam 60% do tempo planejando e 40% realizando a obra. No Brasil, apenas 20% do prazo é dedicado ao planejamento e os 80% restantes são para a execução do projeto. Os brasileiros não planejam, vivem de surpresa. Os chineses evitam enfrentar estes problemas no decorrer do empreendimento.

O Programa de Investimentos em Logística (PIL) do governo federal é um avanço para melhorar o setor de infraestrutura no país?

Sim. Antigamente, existia um pensamento no Brasil de que o orçamento público seria suficiente para arcar com as demandas de infraestrutura e logística do país. Isso foi um erro histórico. O Plano de Logística traz o investidor privado para o papel de ator principal nesse novo movimento. A gente só espera que o governo não decepcione os investidores, quebrando contratos ou mudando regras a todo o tempo. O governo precisa entender que o investidor estrangeiro joga com regras sólidas de mercado, sinais de instabilidade não vão trazer investimentos privados para o país.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Logística:
Fundamentos, práticas e integração.
Marco Aurélio Dias.

Leitura recomendada:





terça-feira, 2 de junho de 2020

Guerra de Taiwan: danos econômicos e psicológicos globais

Primeira Guerra Mundial: incursão de Gothas alemães sobre Paris, em 16 de junho de 1918. (Maurice-Louis Branger e Roger-Viollet/AFP)

Por Grant Newsham, Asia Times, 16 de janeiro de 2020.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 2 de junho de 2020.

Pense nos impérios que governaram a maior parte do mundo em 1914 e seu declínio em escombros até o final de 1918.

[Esta é a segunda parte de uma trilogia. Parte 1. Parte 3.]

Além do número de mortos e danos físicos a Taiwan e as prováveis baixas surpreendentes de todos os lados, os efeitos econômicos e financeiros globais de uma guerra por Taiwan serão imensos e duradouros.

Não é exagero sugerir que o mundo será irreconhecível depois: pense nos poderosos impérios que governaram a maior parte do mundo em 1914, e seu declínio em escombros até o final de 1918.

A China está tão profundamente integrada à economia mundial - dada a sua posição como centro de manufatura e exportador como parte das cadeias de suprimentos globais e como um grande consumidor das commodities brutas de muitas nações - que sérias interrupções na atividade econômica global são inevitáveis.


Logo após o início do tiroteio, haverá um caos econômico em todo o mundo, pelo menos no mesmo nível do colapso financeiro de 2008; provavelmente muito pior, uma vez que surge de uma guerra envolvendo grandes potências - por definição, mais perigosa e assustadora do que um evento causado por Wall Streeters e outros simplesmente procurando esfolar o público inocente pelo maior tempo possível.

Os mercados de ações vão despencar - e continuar afundando. A atividade econômica em todo o mundo desacelerará imediatamente, abalada à medida que as cadeias de suprimentos são cortadas e a demanda e a atividade comercial diminuem. A interrupção do comércio na China por si só será prejudicial o suficiente, mas isso terá um efeito de bola de neve.

Tudo o que Taiwan produz - semicondutores, em particular - estará fora do mercado. As estimativas variam, de Taiwan produzindo 30% dos semicondutores do mundo - a quase metade de toda a produção terceirizada de chips e 90% dos chips mais avançados. Os terremotos periódicos de Taiwan causam perturbações suficientes para a produção de semicondutores. Mas recuperar-se dos danos causados pelo terremoto é uma coisa: recuperar-se da destruição e interrupção de tempo de guerra é outra completamente diferente.


Além dos semicondutores, os produtos produzidos por empresas taiwanesas na RPC para exportação para o exterior - o iPhone é um exemplo óbvio - não irão a lugar algum.

Os embarques de tudo para e de Taiwan - e mais importante para e da China - diminuirão rapidamente. As empresas de transporte marítimo e aéreo não estarão dispostas a entrar em uma zona de guerra e as taxas de seguro dispararão. Espera-se que as sanções financeiras e comerciais dos EUA (e até mesmo operações militares) interditem ou reduzam o "comércio da China" em todo o mundo.

E espera que a RPC faça seus próprios esforços para interromper o transporte nos EUA e em países parceiros. O Japão, em particular, dependente de rotas marítimas abertas para importação e exportação, sentirá uma dor imediata - muito além da experimentada após o terremoto e o tsunami de março de 2011.

Mesmo aqueles países que negligenciaram muitas das ações flagrantes de Pequim ao longo dos anos em troca de dinheiro chinês, incluindo a União Européia, sentirão os efeitos. Essa dor pode ser galvanizada contra a RPC - por princípio, vergonha, medo ou a percepção de que o dinheiro do Cinturão e Rota da China não se materializará.

A China surrada

Os problemas são óbvios para empresas estrangeiras dependentes de vendas, fabricação e componentes na China. Mas os problemas são ainda maiores para a RPC, que depende de importações de commodities - incluindo alimentos e petróleo - e de exportações e investimentos estrangeiros diretos que geram moeda que conversível, o que o yuan chinês não é.

Portanto, além da conta do açougueiro dos combates, a economia chinesa será prejudicada. A guerra comercial atual entre EUA e RPC pode resultar em reduções comerciais; mas se a RPC atacar Taiwan militarmente, o comércio global da China vai quase parar. O projeto do Cinturão e Rota da RPC e seu Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura ficarão em espera por muito, muito tempo - provavelmente, permanentemente.


As empresas chinesas que podem produzir sem componentes e tecnologia dos EUA produzirão produtos que ninguém comprará. As empresas dependentes de componentes, materiais e mercados estrangeiros pararão - e rapidamente.

Ironicamente, de acordo com os esforços de Xi Jinping para reviver a reputação de Mao Zedong, um ataque a Taiwan pode levar a China de volta à economia agrária da era Mao.

Cortada do sistema do dólar americano, a China se encontrará buscando moeda conversível. Pesquisadores e estudantes chineses serão enviados para casa dos EUA e de outros países; joint ventures* interrompidas; investimentos estrangeiros, reduzidos.

*Nota do Tradutor: Uma joint venture é uma entidade comercial criada por duas ou mais partes, geralmente caracterizada por propriedade compartilhada, retornos e riscos compartilhados, e governança compartilhada.

As empresas de Pequim terão negócios com "potências econômicas" como Coréia do Norte, Mianmar, Camboja e Rússia. Até os russos provavelmente farão barganhas difíceis caso sintam que a China está com problemas.


De fato, a resposta da Rússia a uma luta por Taiwan pode ocorrer de duas maneiras; ela pode oferecer apoio e assistência diretos à RPC e talvez fazer uma ação diversionária contra os Estados Bálticos ou manter a OTAN e os EUA ocupados. Ou pode fazer declarações pró-Pequim, mas se afastar e derramar lágrimas de crocodilo enquanto observa China e EUA se enfrentando.

Recuperação da guerra


Após a ruptura causada por uma luta por Taiwan, levará algum tempo para as economias ocidentais se endireitarem - à medida que o mercado da China e a manufatura chinesa desaparecem e o Ocidente e outros produtores reconfiguram as cadeias de suprimentos. É uma incógnita, mas uma estimativa conservadora seria de cinco a 10 anos.

Especula-se se os EUA e aliados do mundo livre têm melhores perspectivas de recuperação do que a RPC. Vale lembrar que eles estavam bem até o final dos anos 90, quando a economia da RPC decolou - impulsionada pelo investimento e pela tecnologia ocidentais e pelos mercados abertos dos EUA e ocidentais. A "ascensão" da China foi auxiliada e incentivada pela classe de CEOs dos Estados Unidos, que mudou as empresas para a China para buscar mão-de-obra barata ou até mesmo vender suas empresas para ganhar dinheiro rapidamente.


Mercados livres e empreendimentos livres não são nada caso não sejam adaptáveis, mas isso leva tempo. Uma vez que as nações livres se reúnem, o resultado pode ser uma "comunidade" de nações livres isoladas da RPC. É o suficiente para a globalização sem fronteiras e o "mundo plano" de Thomas Friedman. Mas essa não seria a primeira vez que a civilização teria que se limpar da poeira depois de se defender de um inimigo perigoso.

Cicatrizes psicológicas


Além dos efeitos militares e econômicos de uma guerra por Taiwan, há um dano psicológico - independentemente do resultado - para as sociedades ocidentais e pró-ocidentais que pensaram ter "evoluído além" desse tipo de guerra. Tais coisas só aconteceram com gerações anteriores, menos esclarecidas, ou apenas em países "menos civilizados"; não, nesta época, a uma "democracia do primeiro mundo" como Taiwan.

Assim como a carnificina da Primeira Guerra Mundial atordoou as sociedades européias e lançou as bases para outra guerra global 20 anos depois, uma luta decorrente de Taiwan pode similarmente moldar o futuro em maneiras que dificilmente se imagina. A única avaliação certa do futuro é que não será agradável.


Por exemplo, uma década de estagnação econômica global à medida que os reajustes do mundo livre podem facilmente causar distúrbios sociais - e permitir que políticos extremistas (com esquerdistas e direitistas não sendo muito diferentes) se apoderem como Lênin e Hitler após a Primeira Guerra Mundial. As consequências serão imprevisíveis e ocorrerão também nos países do “primeiro mundo”. Isso já aconteceu antes.

Grant Newsham é um oficial fuzileiro naval americano reformado. Ele foi o primeiro oficial de ligação do USMC junto à Força de Autodefesa do Japão e passou muitos anos na Ásia. Ele conduziu pesquisas em Taipei em 2019 como bolsista do Ministério de Relações Exteriores de Taiwan. Seu tópico de pesquisa abrangeu a melhoria da defesa de Taiwan, ajudando as Forças Armadas de Taiwan a romperem 40 anos de isolamento. Ele escreveu originalmente este artigo para o Journal of Political Risk, onde foi publicado em 1º de novembro de 2019.

Bibliografia recomendada:





Leitura recomendada:

A guerra no Estreito de Taiwan não é impensável2 de junho de 2020.

Os EUA precisam de uma estratégia melhor para competir com a China - caso contrário o conflito militar será inevitável5 de fevereiro de 2020.

O coronavírus pode ser o fim da China como centro global de fabricação10 de março de 2020.

O mesmo de sempre: o oportunismo pandêmico da China em sua periferia20 de abril de 2020.

GALERIA: Tanques M41A3 de Taiwan em tiro de exercício20 de fevereiro de 2020.

Viva Laos Vegas - O Sudeste Asiático está germinando enclaves chineses13 de maio de 2020.