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Tabela 2. Organizações de promoção da língua e cultura em todo o mundo (2019). Fonte da tabela: Baseado em infográfico do site do Instituto Confúcio. Tradução: Nashidil Rouiaï. Adaptação: Jean-Benoît Bouron. Atualizado: 13 de maio de 2019. |
1.2. As operações de manutenção da paz
A par do desenvolvimento, pelas autoridades chinesas, da atratividade da China através da multiplicação de infra-estruturas e programas de promoção da língua e da cultura, o governo estabeleceu uma linha estratégica centrada na influência internacional. Isso assume a forma de um aumento gradual em seu envolvimento em operações de manutenção da paz e uma busca por visibilidade dentro das organizações internacionais. Esta estratégia “é para o benefício de importantes interesses reputacionais e geoestratégicos” (Struye de Swielande, 2009, p. 11). Embora até hoje seja o maior contribuinte de tropas para os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e o sexto maior contribuinte financeiro para operações de manutenção da paz, tem como alvo, geograficamente, o continente africano.
Nos últimos anos, a China participou em doze operações de manutenção da paz, incluindo no Sudão (UNMIS), Saara Ocidental (MINURSO), Costa do Marfim (UNOCI), Etiópia-Eritréia (UNMEE), na Libéria (UNMIL), na República Democrática do Congo (MONUC, figura 1) e, desde 2013, no Mali (MINUSMA). O ano de 2015 marca o auge do envolvimento da China em dez operações na África, mobilizando 2.838 soldados. Entende-se que esta estratégia visa principalmente consolidar e aumentar a presença e influência chinesa na África.
Este “realismo” político não é apenas importante do ponto de vista dos interesses geoeconômicos da China na África[1], mas ela também tem um interesse particularmente pronunciado em termos de imagem. Organizar seu exército em operações de manutenção da paz permite que o governo chinês o torne um ator diplomático. O Exército Popular de Libertação (nome oficial do exército chinês), do qual o mundo preserva as imagens da repressão da Praça Tiananmen em 4 de junho de 1989, torna-se uma ferramenta para transformar a imagem da China: de poder autoritário àquele de país responsável, ator essencial na manutenção da paz[2]. Deve-se notar que este esforço para transformar as representações do exército é regularmente minado - com cada tensão renovada no Mar da China Meridional em particular.
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Figura 1. Presença chinesa nas forças da ONU na República Democrática do Congo. Cerimônia de entrega da medalha do 19º contingente de mantenedores da paz chineses com base em Bukavu, Kivu do Sul (República Democrática do Congo), na presença do chefe da MONUSCO e do embaixador chinês na RDC. (Foto MONUSCO / Alain Likota) |
1.3. Organizações regionais e internacionais
A estatura geopolítica da China no cenário internacional também se reflete em seu maior envolvimento em várias organizações regionais e internacionais. O recurso a essas organizações permite-lhe reequilibrar o sistema em fóruns que conferem poder formal. Ele atua como uma força de consenso. Essa via de consenso aparece em particular no Conselho de Segurança, onde a China sempre fez uso limitado do veto (10 vetos entre 1946 e março de 2018), ao contrário dos Estados Unidos (80 vetos no mesmo período) ou da Rússia (105 vetos).
É desde o final da década de 1990, sob o impulso do tandem Jiang Zemin-Zhu Rongji, que a China vem acentuando seu papel e sua presença nos diversos organismos internacionais e regionais para se tornar um ator que conta do ponto de vista geopolítico. Em 2001, a integração da República Popular na Organização Mundial do Comércio (OMC) confirma essa orientação. Hoje, ela participa de muitos fóruns internacionais, incluindo a Associação para Cooperação Econômica para a Ásia-Pacífico (APEC), o Diálogo Ásia-Europa (ASEM), a Associação de Nações do Sudeste Asiático mais três - Japão, China, Coreia do Sul (ASEAN+3) e a Organização de Cooperação de Xangai (SCO) (figura 2). A isso pode ser adicionado o lançamento no outono de 2014 do Banco Asiático de Desenvolvimento para Infraestrutura (AIBI).
Essa nova estrutura financeira, posta em prática pela própria China, tem um impacto geopolítico e geoestratégico de primeira ordem, pois redesenha a ordem financeira global a seu favor. Por fim, por meio do projeto “Novas Rotas da Seda”, a China está implementando um programa extraordinário que abrange mais de 68 países com 4,4 bilhões de habitantes e que representam cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta (figura 3). Apelidado de "projeto do século" por Xi Jinping, o programa OBOR, para "One Belt, One Road" ("Um Cinturão, Uma Rota"), visa criar uma nova geração de entrepostos comerciais transnacionais.
De fato, para além dos riscos econômicos, energéticos e políticos, a importância simbólica do projeto suplanta sua utilidade comercial (na Ásia Central, estimam-se perdas da ordem de 20 a 40% em relação ao investimento inicial chinês e esse percentual chega a 80% para o Paquistão). Para a República Popular, trata-se sobretudo de aumentar a sua influência nos países que são os seus mercados de exportação, impor a sua visão da globalização face à retórica protecionista da administração Trump e desenvolver o seu soft power visando a Eurásia. Por meio de todos esses exemplos, podemos entender como a República Popular da China usa as ferramentas tradicionais do hard power para estabelecer seu soft power em diferentes escalas.
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Figura 3. As Novas Rotas da Seda. Fonte principal: Baseado em um mapa de Dennis Wong no The Slovenia Times. Geoconfluências, 2018. |
2. Os becos sem saída do soft power "tradicional" chinês
Embora o lugar da China nas relações de poder geoestratégicas e na governança econômica mundial tenha se afirmado amplamente desde o início dos anos 2000, essa estratégia se mostrou insuficiente para estabelecer a legitimidade do poder chinês aos olhos da opinião pública. Isso foi notado durante os protestos contra a política da China em relação aos tibetanos em 2008 nas principais metrópoles internacionais, pouco antes da abertura das Olimpíadas de Pequim.
A passagem da chama olímpica foi vista como uma humilhação e uma afronta à China. "Este é o naufrágio da ideia chinesa de soft power", explicou Renaud de Spens, ex-diplomata postado na China e sinologista (de Spens citado por Le Belzic, 2012). Muitos intelectuais e políticos chineses perceberam então que a China ainda era assustadora e que tinha um sério déficit de imagem. “A opinião pública descobriu que seu país era odiado por todo o mundo, mas não entendia o porquê. Para o regime, esta é uma verdadeira crise de comunicação”(ibid.). A partir deste evento, as estratégias de comunicação chinesas foram transformadas e a mídia foi amplamente patrocinada pelo governo.
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Figura 4. Demonstrações pró-tibetanas durante a passagem da chama olímpica em Paris em 2008. Detenção de um homem pela polícia francesa durante manifestação denunciando a ocupação chinesa do Tibete, por ocasião da passagem da chama olímpica em Paris em 7 de abril de 2008. (Foto de Christophe Marcheux) |
Para reforçar a importância do discurso chinês no exterior e promover a imagem da China no cenário internacional, a doutrina de qiao shili (桥 势力) tomou forma. Definido por Fu Ying, embaixador chinês na Grã-Bretanha de 2007 a 2009, como “comunicar cedo, comunicar muito, comunicar de forma inteligível” (Fu citado por Bandurski, 2009), coloca a imagem e o fortalecimento de sua mídia e peso diplomático sobre o cenário internacional. Nesse contexto, o governo decidiu investir pesado em uma vasta ofensiva de charme. Para o governo, a promoção da imagem da China passa por vários canais, nomeadamente o de informação. Por meio da mídia, as autoridades chinesas desejam melhorar a imagem do país e fortalecer seu peso midiático e diplomático no cenário internacional.
2.1. Uma estratégia cara
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Figura 5. A sede da Agência de Notícias Xinhua em Pequim. (Foto: Snowyowls, 15 de maio de 2005) |
Para fazer isso, o regime supostamente destinou cerca de US$ 6,6 bilhões no final dos anos 2000 para a expansão no exterior de suas principais organizações de mídia (Barr, 2010, p. 513). Se nenhum número oficial fosse divulgado pelas autoridades de Pequim, na televisão CCTV de 2010, a agência de notícias Xinhua e o Diário do Povo (People's Daily) teriam, por sua vez, arrecadado mais de três bilhões de dólares para aumentar a influência da China. No mundo, bem como para melhorar a imagem da China na opinião pública internacional (Jiao, 2010).
Em 2009, uma edição em inglês, incluindo uma versão online do Global Times, editada pelo Diário do Povo oficial, foi lançada. No mesmo ano, foi a vez do surgimento de uma emissora de notícias 24 horas (CNC) e de um canal nacional de televisão pela Internet (CNTV). Ao mesmo tempo, a Rádio China Internacional (CRI) transmite, em quarenta e três idiomas, quase 300 horas de programas diários em todo o mundo. Ao mesmo tempo, a agência de notícias Xinhua decidiu aumentar seus escritórios - que já somavam 117 - para fornecer serviços em oito idiomas (em janeiro de 2018, havia 180 escritórios da Xinhua estabelecidos no exterior e 32 escritórios locais).
2.2. Uma estratégia ineficaz ou mesmo contraproducente
Mas o risco que o governo chinês assume ao financiar e apoiar a esfera da mídia de maneira tão aberta e massiva é mudar todo o seu poder brando (soft power) para um caminho puramente propagandista. Embora a atração dependa em grande parte da forma como a imagem ou mensagem é transmitida, também decorre da credibilidade da mensagem transmitida.
A diferença entre soft power e propaganda está, portanto, na imparcialidade da divulgação de informações. Quando a suspeita pesa sobre a credibilidade de uma mensagem, o soft power é enfraquecido. Quando a suspeita paira sobre sua imparcialidade, a sombra da propaganda ressurge.
Hoje, a multiplicidade de mídias e meios de comunicação, principalmente dentro das redes digitais, transforma estruturalmente a relação entre os Estados e a opinião pública. Internamente, eles enfraquecem o controle das nações. As críticas, sejam de fora ou de dentro, por meio das mídias sociais ou blogs, estão crescendo. (veja o quadro abaixo).