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quarta-feira, 14 de abril de 2021

DESARMAMENTO E LEGITIMA DEFESA - O direito que as "autoridades" querem nos tirar.


Por Carlos Junior

De tempo em tempos o assunto "armas de fogo" volta a cena nos corredores do poder publico e principalmente na mídia através de jornais tendenciosos como o UOL (Folha de São Paulo) ou na emissora Globo (Globo lixo, para os mais íntimos).

Muito já se falou, desde a época em que o ex presidente (e imbecil) Fernando Henrique Cardoso do PSDB (um dos mais lesivos partidos políticos do Brasil, ao lado do PT e PSOL) começou a se movimentar para retirar um dos direitos mais básicos de um humano, o direito a se defender, através da proibição da venda de armas de fogo para civis, observando e reforçando que são as armas de fogo, as ferramentas mais adequadas para se poder exercer a sua defesa quando se trata do tema "criminalidade". Afinal de contas, aquele cara que chega em você, com uma pistola em punho, e exige que você entregue a ele seu carro, sua moto ou  seu celular, só poderia ser parado por uma pessoa, igualmente armada. Quando se subtrai esse direito do cidadão, o de possuir e mesmo, portar armas de fogo,  o que se tem como resultado é que esse cidadão, que paga impostos (aquele mesmo imposto que é usado para pagar o salario de ministros do STF que perderam a noção que são servidores públicos e não Deuses) se torna vitima de um criminoso que tem arma (sempre teve e sempre terá pois adquire suas armas de forma totalmente sem controle e que, estão totalmente alheios a leis que atingem apenas trabalhadores contribuintes)
Ministra Rosa Weber e o seu comentário completamente ridículo que só poderia ter sido feito por alguém que vive em um mundo paralelo: Entendo que a livre circulação de cidadãos armados, carregando consigo múltiplas armas de fogo, atenta contra os valores da segurança pública e da defesa da paz, criando risco social incompatível com os ideais constitucionalmente consagrados que expressam, por exemplo, o direito titularizado por todos de reunirem-se, em locais abertos e públicos, pacificamente e sem armas.”
Não consigo compreender, mesmo me esforçando muito, onde se encontra lógica de justiça na ideia distorcida que ministros do STF e alguns parlamentares da esquerda enxergam que o cidadão desarmado é mais justo dentro de nossa realidade, do que um cidadão armado. O motivo de eu não conseguir encontrar tal lógica se dá, muito provavelmente, pelo fato de que não há lógica dentro da boa fé nesse interesse em deixar o povo brasileiro sem poder adquirir, dentro de regras controladas, armas de fogo e treinar com elas. O motivo, pode ser muito, mas muito menos nobre do que os alegados pela ministra Rosa Weber (cuja argumentação foi, absolutamente ridícula, até mesmo infantilóide), em sua decisão de suspender alguns dispositivos dos decretos do presidente Jair Bolsonaro.
Novamente o senado, através do Projeto de Decreto Legislativo n° 55, de 2021, de inciativa de uma patótinha de socialistas do PT e do PROS (nunca tinha ouvido falar desse partidinho) mal intencionados, vem a ser foco de votação que visa sustar todos os decretos do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, pessoa vista como inimigo pelos partidos da esquerda que sempre lutaram para deixar as pessoas com menos direitos, mais obrigações e muito maior poder do Estado sobre a vida das pessoas.
Senador Paulo Rocha do Pará, um dos autores da ação para tirar o seu, o meu, o nosso direito a defesa. Advinha de qual partido esse "distinto"  cavalheiro é?
A flexibilização de acesso as armas de fogo não implica que as pessoas vão se armar até os dentes, ou que serão obrigadas a comprarem uma arma. Apenas deixa em aberto a possibilidade de uma pessoa adquirir sua arma para exercer a sua defesa se, e somente se, ela assim o quiser. Nem todo mundo tem os recursos financeiros que parlamentares e membros do judiciário tem de andar com seguranças (sempre armados). O cidadão médio, caso queira se defender, terá que o fazer por seus meios próprios. O Estado não lhe dá segurança contra violência e nem garantia alguma para sua família caso este cidadão venha a falecer em decorrência de um crime onde o Estado não exerceu sua função de o proteger. A manutenção da venda de armas sob critérios já estabelecidos e funcionais, permite o exercício do direito a defesa e o controle do poder publico. Condições esta que não se tem quando tratamos de armas usadas por criminosos que como disse nas linhas acima, sempre estarão armados com armas de fogo.
O vagabundo da foto está com seu CPF cancelado, graças a ação de um policial, que armado, encerrou a carreira desse inimigo de Estado enquanto tentava roubar uma motocicleta em São Paulo.
Em fim, o direito de legitima defesa é um direito que independe de textos normativos e já decorrem dos direitos naturais que qualquer pessoa tem. No Brasil, se o Estado nega esse direito básico tentando suprimir artificialmente algo que todos tem de direito, a injustiça prevalecerá sobre o que é justo, resultado, este, oposto do que se espera do poder publico, principalmente do judiciário e do legislativo.
O direito a defesa é independente de um texto de lei. Todas as pessoas o tem. Suprimir esse direito, é facilitar, ainda mais, a atividade ilícita do ladrão, assassino ou estuprador.






sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

COMENTÁRIO: Por que ler Beaufre hoje?


Por Hervé Pierre, Areion24, 11 de fevereiro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de fevereiro de 2021.

Não tendo sido o inventor de um conceito emblemático, o General Beaufre é antes de tudo um montador, que assume quando escreve a Liddell Hart “tendo tentado [...] racionalizar as várias concepções de estratégia (1). Mas não há nada neutro nesta abordagem que o levou a reconciliar Clausewitz e Liddell Hart. Ao dar-se os meios para aproximar o que se opõe, Beaufre corre o risco de uma releitura que pode levar a uma modificação profunda dos padrões que ele monta.

(1) Carta de Beaufre para Liddell Hart sobre o livro Introdução à Estratégia, 18 de janeiro de 1963, fundos Liddell Hart, LH 1/49/115.

Certamente, para alguns, esta montagem enfraquece os conceitos em uma confusão que permite defender tudo e seu oposto. Para outros, ao contrário, a montagem é um crioulo que reformula conceitos tanto quanto forja novas palavras - como a de "paz-guerra" - e permite pensar as mais diversas situações. Na verdade, a complexidade do mundo no início do século XXI parece provar que este último está certo, como Pierre Hassner atesta em 2015, convidando seus leitores a relerem Beaufre. A complexidade não deve (apenas) ser entendida em seu sentido comum de complicado, mas também naquele, etimológico, de "tecido em conjunto": de múltiplos fatores interdependentes - proliferação, rearmamento, jihad global, saúde, crise econômica e social - em um contexto de enfraquecimento geral dos sistemas regulatórios internacionais tornam o mundo de 2020 certamente mais complexo do que o de 1970.

Sim, Beaufre deve ser relido: sua genialidade é menos em ter inventado conceitos do que em reinventá-los para torná-los compatíveis entre si. Ao articular o existente sem ceder às sereias do momento, conseguiu desenvolver um sistema suficientemente plástico e inclusivo para continuar a ter sentido hoje. Certamente algumas de suas propostas são datadas, até desatualizadas, mas o que poderia parecer totalmente “fora do tópico” no início da década de 1970 pode oferecer chaves de leitura interessantes para pensar o mundo cinquenta anos depois. Insistindo no "valor excepcional desta ferramenta", Christian Malis afirmou ainda que era necessário "recuperar Beaufre de forma criativa (2)". Sem dúvida, é possível agrupar as propostas do estrategista em três categorias principais. Para girar a metáfora médica da qual ele gostava particularmente, o primeiro está relacionado ao diagnóstico, o segundo ao remédio geral e o terceiro é o medicamento que resulta dele, a declinação do sistema de defesa (imunológico) em uma variedade de dosagens.

(2) Entrevista com Christian Malis, 11 de fevereiro de 2016.

Pensar a "paz-guerra"

A primeira proposição de Beaufre, formulada em 1939, é ir além das categorias de “paz” e “guerra” para pensar em “paz-guerra”. Porque mesmo quando as condições legais vinculadas a essas categorias são atendidas - "assinar a paz" ou "declarar guerra" - o oficial acredita que suas manifestações estão aquém do tipo ideal que deveriam incorporar. O resultado é uma situação real que é sempre uma mistura, um relativo, um paliativo. Considerando, aliás, que o diagnóstico é por natureza evolutivo, o estrategista considera mais adequado estimar a dosagem da paz e da guerra de forma dinâmica, a de uma variação entre as duas polaridades que tomaria a forma de uma certa aparência de paz-guerra. Não para se livrar da lei - muito pelo contrário, já que esses esquemas são referências para medir a realidade -, mas para aceitar que pode existir na prática um terceiro e que este terceiro se impõe nos fatos como o caso de uso mais frequente. A Guerra Fria é uma de suas formas arquetípicas, e este contexto particular de uma "paz impossível" garantida por uma "guerra improvável" claramente dá substância à sua intuição inicial.

Mas o que era verdade quando as categorias pareciam incapazes de se saturar com os fatos é, sem dúvida, ainda mais verdadeiro hoje, ao constatar que eles desaparecem ou parecem não fazer mais sentido. “Nós travamos guerras nas quais não assinamos a paz”, declarou o General Lecointre em julho de 2019 (3). O que é mais preocupante é, aliás, notar que se a palavra “guerra” saiu do léxico militar onde se dá preferência às de “conflito”, “crise”, “operação” ou “intervenção”, é por outro lado reinvestida em outros campos, às vezes mais inesperados. Já havia florescido a expressão "guerra econômica", tendo surgido uma Escola de Guerra Econômica junto à Escola de Guerra, embora, um sinal dos tempos, esta última tenha sido vergonhosamente rebatizada de "Collège interarmées de défense" (Escola Superior Interarmas de Defesa". O fato de se considerar "em paz", por não ter entrado formalmente em guerra, nada diz, no entanto, sobre o grau de violência ambiente.

(3) "General Lecointre: 'O indicador de sucesso não é o número de jihadistas mortos'", comentários coletados por Nathalie Guibert, Le Monde, 12 de julho de 2019.

A primeira vantagem do método de diagnóstico desenvolvido por André Beaufre é, portanto, obviamente, desenvolver uma cartela de cores. A segunda é pensar em termos de uma meta limitada, não uma meta absoluta. O absoluto, sublinha Clausewitz, leva à subida aos extremos: extremo de violência (guerra de extermínio), extremo de contágio espacial (guerra mundial), extremo de duração (guerra sem fim), extremo de recursos (guerra total). Por definição, o objetivo absoluto é inatingível; a derrota está no fim do caminho com a sensação de negócios inacabados vivida por aqueles que se desligaram do terreno sem ter cumprido sua missão. A contrario, o objetivo limitado é pensado não como o resultado ideal, mas como o melhor resultado possível; isso leva à definição de um certo nível "aceitável" de conflito, abaixo do qual se deve ter a coragem de considerar que o engajamento não se justifica mais ou pode ser reduzido consideravelmente. Nenhuma vitória tática brilhante que significaria a esperada derrota do adversário, mas uma vitória "construída" ao longo do tempo e valorizada na comunicação na medida em que o nível de conflito residual é considerado como correspondendo às expectativas políticas. Pois a última vantagem do raciocínio no espectro aberto pela guerra de paz é política. Claro, a impossibilidade de estar "em paz" pode levar ao temor de uma "guerra" permanente, mas ainda precisamos chegar a um acordo sobre o termo.

Quer nos arrependamos ou não, o termo "guerra" não se limita mais para Beaufre ao confronto sangrento entre dois grupos armados. De modo mais geral, ele também é aquele que qualifica qualquer forma de oposição a uma vontade adversa. O diagnóstico de "paz-guerra" revela um mundo que nunca está completamente em paz. O método de análise que leva a isso pressupõe que existe um espaço de variação entre a guerra e a paz. No entanto, esse espaço é o do político, utilizando para isso todas as alavancas de que dispõe para desafiar a alternativa radical e também ilusória entre a reconciliação e o apocalipse (4).

(4) Christian Malis, Guerre et stratégie au XXIe siècle, Fayard, Paris, 2014, pg. 44.

André Beaufre (à direita) em Washington. Nascido em 1902 e falecido em 1975, deixou uma marca duradoura no pensamento estratégico contemporâneo e foi traduzido várias vezes.

Qual remédio?

A segunda proposição de Beaufre é a resposta a esse diagnóstico. Consiste em aplicar o método de raciocínio estratégico a áreas distintas da área militar para as quais foi originalmente desenvolvido. Pois, na paz-guerra, o emaranhado de problemas pressupõe, ainda mais do que na guerra "quimicamente pura", a adoção de uma estratégia global. Beaufre é um dos primeiros "integracionistas" (5), daqueles que acreditam que diante da complexidade das situações, todas as ferramentas disponíveis devem ser mobilizadas. Ele certamente não é o único, como parece fazer sentido hoje; mas constatar é uma coisa, colocá-lo em prática efetivamente é outra. Pois, para que a abordagem global não permaneça na ordem do desejo ou da declaração de intenções, é necessário que os meios mobilizados se articulem, hierarquizados no tempo e no espaço, e que os efeitos obtidos sejam sujeitos à gestão cuidadosa, desde o nível de tomada de decisão até o nível de execução.

(5) Claude Le Borgne, La guerre est morte… mais on ne le sait pas encore, Grasset, Paris, 1987, pg. 244.

No mais alto nível, isso significa que, longe das posturas ideológicas, o político deve cumprir o seu papel e todo o seu papel: diante das restrições, estabelecer um objetivo limitado e delimitado - “a melhor solução possível” e não a “melhor das soluções” - o que pressupõe escolhas e, portanto, necessariamente, renúncias. No nível intermediário, isso supõe ser capaz de operacionalizar a decisão integrando em uma estrutura interministerial permanente - como um estado-maior ou célula de crise - os especialistas e tomadores de decisão em cada um dos campos. Finalmente, no terreno, é preciso favorecer combinações adaptadas a um certo aspecto de paz-guerra.

Como de costume, os americanos lideraram o caminho na inovação conceitual com a operação multi-domínio (multidomain operation). Pensado inicialmente como uma combinação melhor de armas combinadas e recursos conjuntos, esse modelo também incorpora contribuições não-militares "interagências", como guerra cibernética ou de informação. Além disso, raciocinando em um contexto qualificado como entre paz e guerra, a nova doutrina americana propõe criar ocasionalmente "janelas de vantagem" que se assemelhariam a uma forma de blitzkrieg modernizada. Haveria coordenação, para concentrar esforços que não necessariamente seriam militares. Tendo em vista as surpreendentes semelhanças de vocabulário, a “estratégia total” de Beaufre é, sem dúvida, menos classificada no raio das “abordagens globais”, das quais os últimos vinte anos demonstraram o único valor declaratório, mas deve ser considerada como uma prefiguração do que poderia ser uma variação verdadeiramente operacional. O alinhamento das ações com o objetivo de otimizar os seus efeitos deve ser feito em toda a cadeia de valor, desde a gestão de projetos (dobradiça político-estratégica) à gestão de projetos (dobradiça tático-operacional), passando pela gestão delegada de projetos (dobradiça estratégica-operacional).

A ampliação do espectro de áreas com probabilidade de participar da resolução de um problema tem a consequência, por mais que seja, de ver a estratégia menos como uma disciplina particular do que como uma mudança de opinião. Um exemplo flagrante de extrapolação é, sem dúvida, o uso que o general faz da estratégia em Construindo o Futuro (Bâtir l’avenir) (6). Em essência, o método de raciocínio estratégico está, na verdade, sempre em um leve "desequilíbrio para a frente", pois, se for esclarecido por experiências passadas, tende a traçar um curso que só ganha sentido à luz (retro) de um objetivo a alcançar. Para usar uma imagem cara a André Beaufre, é semelhante à navegação de alto mar, com seu rumo geral que materializa o ponto a ser alcançado e suas adaptações de vela ou leme levando a um ajuste do ponto de aterrissagem. De modo mais geral, despojado de seu traje bélico, o método estratégico assume valor universal e o pensador defende a aculturação daqueles que, encarregados dos negócios públicos, muitas vezes carecem de uma bússola para orientá-los. A estratégia provavelmente proporcionaria a eles uma lógica ou logotipos de escolha, tanto "meta-razão" quanto "meta-linguagem".

(6) André Beaufre, Bâtir l’avenir, Calmann-Levy, Paris, 1967.

Um sistema aberto, é dinâmico e plástico: dinâmico, pois é animado por círculos iterativos que visam atualizar os dados de entrada e re-estimar a "rota" seguida; plástico, porque tem de adaptar as suas ferramentas - os seus "modelos" - à realidade do mundo tal como acontece, e não o contrário. Portanto, precisa de regras e da capacidade de alterá-las. Tudo isso parece muito útil, mas - dirão alguns - "a arte do general" permanece indissoluvelmente marcada pelo pecado original. Qualificá-lo como "total" aumenta a confusão, pois, além da lamentável referência ao livro de Ludendorff (7), o adjetivo sugere que nada pode ser evitado. No entanto, se nada escapar ao império da estratégia, corre-se o risco de que esta suplante a política pretendida para capturá-la, que as ditaduras sul-americanas, elogiando o general francês, não deixarão de reter do modelo. Sem, entretanto, concluir que a relação de Clausewitz entre guerra e política foi revertida, haveria, portanto, em germe, um viés schmittiano na relação com o Outro.

(7) Erich Ludendorff, La guerre totale, Perrin, Paris, 2010.

O método levaria por construção a percebê-lo mais como adversário do que como parceiro. A observação é ouvida. Mas, para usar a fórmula de Léo Hamon, se a “estratégia é contra a guerra (8), ela é em ambos os sentidos da preposição: tanto “mais perto de” quanto “em oposição a”; tão intimamente ligada ao fato da guerra quanto pode, pelo contrário, circunscrevê-la. Mas Hamon, defendendo esta segunda interpretação, é o exegeta do pensamento de Beaufre: a estratégia é antes de mais nada o que permite evitar a guerra, em particular na era atômica.

(8) Léo Hamon, La stratégie contre la guerre, Grasset, Paris, 1966.

Num mundo "cinzento", onde a paz é tão temporária como imperfeita, tudo deve ser feito para otimizar os interesses do Estado, sem nunca ultrapassar o limiar do irreparável. A manobra em "tempo de paz" é o produto de uma "estratégia de dissuasão" que evita a eclosão de uma guerra total. Caso a dissuasão não tivesse funcionado, a estratégia - que nas próprias palavras de Beaufre passa a ser uma "estratégia de guerra" - é então o que permite defender-se, mas sempre à medida que é necessário, evitando, novamente, o risco de uma ascensão aos extremos. Sob a autoridade política à qual deve permanecer subordinada, a estratégia seria, portanto, em ambos os casos, um logos para encapsular a violência para evitar que ela saia do controle.


Qual dosagem?

Finalmente, a terceira proposta consiste em traduzir o remédio geral em dosagens que possam abranger um amplo espectro de enfermidades. Embora as armas nucleares desempenhem o papel de antibióticos (9), não são as únicas e seu efeito deve ser combinado com outros, como com qualquer coquetel de medicamentos. Beaufre não se interessa apenas por formas de guerra - clássicas e revolucionárias em particular - que parecem totalmente fora do escopo de prioridades no momento em que escrevo, mas considera suas interações tanto quanto suas combinações. O resultado é um modelo cujos recursos permitem responder a configurações de segurança muito mais variadas do que as da década de 1970. Tanto os antagonismos quanto as semelhanças entre os dois extremos do espectro levam, por exemplo, a refletir sobre as correspondências entre guerra "primitiva" e guerra tecnológica.

(9) André Beaufre, Bâtir l’avenir, op. cit., pg. 237.

De certa forma, o segundo exige o primeiro quando a lacuna de poder é muito grande. A guerra de tecno-guerrilha é uma forma de hibridismo que representa um problema para a maioria dos exércitos modernos, pois tende a combinar as vantagens de ambos os extremos, minimizando as desvantagens. De maneira mais geral, Beaufre nos diz, a combinação de guerra regular e guerra irregular não é nenhuma novidade: a guerra "quimicamente pura" é, se não um tipo ideal, pelo menos um caso especial. A realidade parece mais uma cartela colorida de dosagens, entre de um lado o grupo armado que tende a se "regularizar" - a grande guerrilha do Viet-Minh ou os batalhões do Daesh apoiados por armamento pesado - e o outro dos exércitos convencionais que cuidam do contrário ao adotar modos de ação irregulares. A guerra clássica não está tão morta quanto pensava o General Le Borgne (10): ela permanece o camaleão descrito por Clausewitz, cada um dos beligerantes buscando encontrar a vantagem comparativa que lhe permitirá ganhar a ascendência.

(10) Claude Le Borgne, La guerre est morte… mais on ne le sait pas encore, op. cit.

Essa plasticidade das composições é um elemento marcante na obra de Beaufre: assim, ao descrever as forças convencionais francesas, cujo pequeno volume muito provavelmente não permitiria que ocupassem efetivamente o campo de batalha da Europa Central, ele pensa em reforçá-las com unidades "populares", capazes de atuar na retaguarda e nos intervalos. Também planeja equipá-las com armas nucleares táticas, cujo efeito dissuasor seria suficiente para evitar uma grande ofensiva e cujo uso seria uma solução para o dilema vivido por exércitos altamente tecnologizados, mas muito pequenos em tamanho. Por fim, a "crioulização" afeta também a sacrossanta "dissuasão" à francesa, cuja pureza é apresentada como garantia de eficácia pelos mais ortodoxos de seus defensores. Enquanto os últimos - principalmente os galeses - acreditam que a onipotência nuclear francesa desqualifica qualquer forma de agressão (11), Beaufre continua a considerar a ameaça em seu espectro mais amplo.

(11) Pierre Marie Gallois, L’adieu aux armées, Albin Michel, Paris, 1976.

Para enfrentá-lo, ele propõe o que é então semelhante a uma heresia para os inquilinos do dogma: uma dupla ampliação do conceito de dissuasão: ampliação “horizontal” no sentido de que articula a existência da força de ataque francesa à participação num sistema de alianças; alargamento “vertical”, uma vez que a dissuasão nuclear é apoiada pela dissuasão convencional, ela própria transportada pela chamada dissuasão “popular”. No primeiro caso, a conferência de Ottawa em 1974 reconheceu a contribuição francesa para a dissuasão global da OTAN; na segunda, o estudo do nível "popular" levou o estrategista a pensar na resiliência da nação, a propor uma reforma do serviço nacional e a descrever o que poderia ser uma "guarda nacional". A atualidade desde então provou que ele estava certo (Guarda Nacional desde 2015, projeto SNU desde 2017...) até o último discurso sobre a defesa do Presidente da República, em 7 de fevereiro (12), que defende duas inflexões da sacrossanta doutrina de dissuasão: o seu lugar na defesa da Europa e a sua articulação com o nível convencional… Fermez le ban!

(12) Discurso do Presidente da República, Emmanuel Macron, em 7 de fevereiro de 2020 na Academia Militar.

Hervé Pierre, coronel do Exército Francês e co-autor do livro O General Beaufre: Retratos cruzados (Le général Beaufre. Portraits croisés).

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada:


David Galula e a teoria da contra-insurgência: um livro para ler

Pelo General François Chauvancy, Theatrum Belli, 11 de agosto de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de fevereiro de 2021.

Combina a análise do contexto histórico da contra-insurgência, as reflexões sobre a insurgência e a contra-insurgência de ontem e hoje sem descartar a luta contra o islamismo radical, a grave criminalidade que ameaça as democracias pela desestruturação do Estado que ela organiza, enfim a contratação de um oficial francês por assimilação, assunto tão interessante no contexto atual de nossa sociedade.

O apoio dado pelo General americano Petraeus ao conhecimento do pensamento de David Galula está presente em grande parte por meio desta obra (Cf. também minhas postagens de 21 de outubro de 2012, "Os novos centuriões: um documento sobre o General Petraeus" e do 13 Setembro de 2011 “Quais lições militares dez anos após 11 de setembro?”).

O autor, Driss Ghali, marroquino, com muitos diplomas franceses, residente no Brasil - o que é uma pena porque não poderá apresentar suas reflexões diante de nossos tomadores de decisão militares e políticos - traz uma visão sintética da contra-insurgência percebida tanto por David Galula como também pela ligação que o autor estabelece entre a Guerra da Argélia e os conflitos contemporâneos. Lutar contra uma rebelião ou insurreição tornou-se o destino comum dos combates militares de nossas democracias ocidentais ontem na Ásia, hoje no Oriente Médio e na África.

Publicado pela Éditions Complicités em maio de 2019, este livro analisa o pensamento de David Galula, um esquecido teórico militar francês e então (um tanto) destacado por nossos conflitos contemporâneos, primeiro no Afeganistão e pelo general americano Petraeus.

Reflexões sobre o desenvolvimento do pensamento militar e sua disseminação

O autor nos leva a uma viagem pela história recente da França, com uma visão equilibrada das estratégias de cada um, a meu ver e valorizando com razão a assimilação que tanto trouxe à França. Esta obra fascinante revela a vida pouco conhecida de um judeu nascido na Tunísia em 1919, que se tornou francês por sua família em 1924, um oficial de Saint-Cyr em 1938 que não negou a França em 1941 apesar dela tê-lo rejeitado* (mas pelo Exército que o reintegrou em 1943), atípico, com uma rica carreira operacional.

*Nota do Tradutor: Galula graduou-se na École spéciale militaire de Saint-Cyr com a promoção número 126 de 1939-1940. Em 1941, foi expulso da oficialidade francesa, de acordo com o Estatuto dos Judeus do Estado de Vichy. Depois de viver como civil no Norte da África, ingressou no I Corpo do Exército de Libertação e serviu durante a libertação da França, sendo ferido durante a invasão da ilha de Elba em junho de 1944.

Este jovem oficial, por um tempo um espião a serviço da França quando foi removido do Exército, foi designado para o adido militar francês em Pequim de 1945 a 1947. Ele aprendeu mandarim lá (embora nunca tenha aprendido árabe), e foi feito prisioneiro pelos comunistas chineses. Lá ele descobriu a teoria da guerra revolucionária de Mao. Não será menos ferozmente anticomunista. Após uma breve estada na Europa, foi nomeado adido militar em Hong Kong de 1949 a 1956, antes de se juntar voluntariamente à Argélia em 1956 para comandar uma companhia do 45º Batalhão de Infantaria Colonial.

Seus escritos não apareceram até que ele ingressou na vida civil nos Estados Unidos e por seu encontro com Henry Kissinger em 1964. No entanto, notemos, como para outros antes e depois dele, as reflexões que saem da estrutura tradicional não fazem escola a menos sejam apoiadas ao longo do tempo por uma autoridade que impõe o desenvolvimento desse pensamento. Afinal, o General Poirier, na época tenente-coronel, não poderia contribuir para o desenvolvimento da estratégia de dissuasão nuclear se não fosse por que De Gaulle o protegia da alta hierarquia militar. O desenvolvimento de um pensamento original está sujeito à permanência desse apoio e isso é cada vez menos o caso, dado o relativamente pouco tempo gasto no cargo, particularmente com oficiais militares.

Além disso, como Driss Ghali nos lembra, a burocracia, ou seja, o funcionamento hierárquico, é hostil a qualquer inovação que possa perturbar seu funcionamento lubrificado e bem estabelecido e, portanto, ao seu questionamento, primeiro intelectual, depois tecnológico e organizacional. O exército nisso não é diferente de outras organizações. Só a derrota pode forçá-lo a mudar.

D. Galula conseguiu, no entanto, interessar parcialmente os seus líderes, comunicando os seus pensamentos. Mas ainda hoje é possível a um capitão ou comandante enviar um briefing sobre um problema, diretamente a um chefe do Estado-Maior das Forças Armadas ou a um chefe do Estado-Maior do Exército? Fora da hierarquia? Não tenho certeza a princípio porque a humildade inerente a ser um oficial é um lembrete de que o conhecimento geralmente é adquirido pelo posto. No entanto, Galula finalmente teve a sorte de ser empregado fora da hierarquia e acima do nível normal de responsabilidade do seu posto. Então, a irritação potencial de elementos da cadeia hierárquica, sempre existirá. Resta a publicação de livros ou artigos em revistas especializadas, mas é eficaz? Apenas o "zumbido" pode chamar a atenção do leitor hoje!

As reflexões suscitadas por este trabalho

De que adianta uma insurgência senão a retirada, por propaganda e terror, de todo apoio a um governo legal, tornando-o ilegítimo e indefensável? Quando nem a população, nem a administração, incluindo sua polícia, não querem mais proteger as instituições, o Estado desmorona. Não é isso que ameaça a França hoje, é claro, com diferentes "insurgentes" e com vários objetivos, incluindo extrema esquerda, extrema direita, islâmicos, irmãos muçulmanos, até coletes amarelos...

Além disso, falta um termo para qualificar os inimigos da República para não colocá-los em uma denominação que os valorize. A noção de "rebelde contra a República" poderia ser de seu interesse. Obriga-nos a definir o que a comunidade nacional pode ou não aceitar em nome da sua necessária coesão. Um "rebelde" é, por definição, oposto à autoridade que deve ser claramente estabelecida e afirmada. “Um rebelde contra a República” é aquele que se opõe ao nosso sistema político, às nossas instituições, à nossa sociedade, senão à nossa cultura, às nossas tradições, à nossa história. Neste caso, o cursor do que é aceitável em uma democracia se desloca para mais rigor e autoridade do que para liberdades sem contrapartida, causando caos, nosso enfraquecimento, e a falta de proteção dos cidadãos em muitas áreas.

Os conflitos de ontem e de hoje evocados com equilíbrio neste livro levam naturalmente a algumas conclusões. Em relação ao conflito argelino que o exército francês venceu (Mas o que fazer com uma vitória militar se não conseguirmos concluir a paz? Problema ainda não resolvido), entendo melhor a atitude anti-francesa da FLN no poder hoje. A FLN perdeu sua guerra militar e seu exército, no cerne do poder, não pode admitir esse estado de coisas. 50 anos depois, é óbvio o fracasso político de um governo que capitalizou essa farsa de uma vitória inglória. Na verdade, o reconhecimento de qualquer arrependimento francês significaria o de uma vitória militar da FLN que nunca aconteceu e que "legitimaria" o papel de predadores destes "combatentes pela independência".

O território nacional já não está imune à ação de movimentos que visam a desestabilização do Estado, possivelmente por ações armadas e terroristas, sejam esses movimentos com fins políticos como os extremistas essencialmente de esquerda, os mais determinados e experientes, com fins religiosos com o Islã político dos irmãos muçulmanos dando a ilusão de perseguir objetivos diferentes do islamismo radical do Daesh ou da Al-Qaeda, possivelmente para fins criminosos ou mafiosos. O exemplo da América do Sul, seja no Brasil ou no México, deve nos fazer refletir sobre esse peso do crime. Proteger e capacitar os cidadãos a viverem da maneira mais decente possível continua sendo uma missão fundamental que D. Galula e seus sucessores, para quem a compreendeu, nos ensinam (Cf. Minha postagem de 27 de abril de 2014, “Os comandos aéreos e a contra-insurgência na Argélia” e o papel de cerca de 750 SAS* que ajudaram o desenvolvimento da Argélia rural e de mais de um milhão de argelinos). Quando a administração é deficiente, os militares podem cumprir parte dessa função.

*NT: As sections administratives spécialisées (SAS) foram unidades militares francesas responsáveis por "pacificar" setores, promovendo a "Argélia Francesa" durante a Guerra da Argélia, servindo de assistência educacional, social e médica às populações rurais muçulmanas para conquistá-las ideologicamente para a causa da França.

No entanto, pertencer a uma causa é sem dúvida a parte mais importante da guerra de contra-insurgência. Não é o meio mais importante, mas sim homens motivados que farão a diferença. A guerra de informação está no centro das ações de contra-insurgência ontem e hoje. O que conta em particular é essa história comum que faz as pessoas concordarem, mas também combate os equívocos. De acordo com a mídia dominante e o discurso político, qualquer opinião é respeitável em nome dos valores democráticos. O tempo de escolha, entretanto, é agora necessário para um forte compromisso pelo menos dentro do Estado. Isso deve ser eficaz e inspirar confiança nos cidadãos. Todo mundo tem seu lugar. No entanto, os últimos acontecimentos na França mostraram uma desconfiança crescente e agressiva contra o Estado e dúvidas no seio das administrações.

No entanto, pensar na contra-insurgência e seus modos de ação não significa abandonar as forças armadas de alta intensidade. O inimigo convencional ainda existe, certamente não em nossas fronteiras, mas futuros engajamentos como parte de uma coalizão contra as novas potências mundiais devem ser considerados. Além disso, o combate de alta intensidade força a reflexão e o desenvolvimento de novos equipamentos, para administrar a complexidade do mundo moderno ao contrário da contra-insurgência que é uma guerra entre populações, com uma abordagem intercultural, social, econômica e informacional. A alta tecnologia proporcionada pelos armamentos convencionais permite a destruição do inimigo inclusive na contra-insurgência certamente dando a imagem do uso de um martelo para esmagar uma mosca, portanto a um custo significativo, mas com baixas perdas para nós.

Para concluir

Por fim, seja em território nacional ou no exterior, “proteger a população” garante a vitória sobre qualquer rebelião ou eventual insurreição contra a República, ameaças hoje representadas por desvios populistas ou extremistas, políticos ou religiosos. Para Galula, ontem como hoje, “Protegemos primeiro, seduzimos depois”. Não se trata de conquistar corações e mentes primeiro, mas criar as condições para que isso seja possível. Isso começa naturalmente com uma afirmação real da autoridade do Estado e de seus representantes.

O General François Chauvancy é Saint-cyrien, brevetado pela Escola de Guerra, doutor em ciências da informação e da comunicação (CELSA), titular do terceiro ciclo de relações internacionais pela faculdade de Direito de Sceaux, General (2S) François CHAUVANCY serviu no Exército nas unidades blindadas das tropas navais. Ele deixou o serviço ativo em 2014. Ele é um especialista em questões de doutrina sobre o emprego de forças, em funções relacionadas ao treinamento de exércitos estrangeiros, contra-insurgência e operações de informação. Nessa qualidade, foi o responsável nacional da França para a OTAN nos grupos de trabalho em comunicação estratégica, operações de informação e operações psicológicas de 2005 a 2012.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular: Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.

Leitura recomendada:

Quais as lições militares para o pós-guerra de 1870 e hoje?14 de dezembro de 2020.

Com Fuzil e Bibliografia: General Mattis sobre a leitura profissional6 de outubro de 2018.

Operação Haboob: E se a França tivesse engajado-se no Iraque em 2003?13 de agosto de 2020.

COMENTÁRIO: Quando se está no deserto...29 de agosto de 2020.

A Arte da Guerra em Duna17 de setembro de 2020.

Guerras e terrorismo: não se deve errar o alvo22 de novembro de 2020.

Dez milhões de dólares por miliciano: A crise do modelo ocidental de guerra limitada de alta tecnologia23 de julho de 2020.

Armas vietnamitas para a Argélia14 de dezembro de 2020.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

COMENTÁRIO: O treinamento militar do Irã de acordo com um iraniano

Por Justen Charters, Coffee or Die, 1º de março de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de fevereiro de 2021.

Nota do autor: A República Islâmica do Irã não tem relações diplomáticas com os Estados Unidos. No Irã, a mídia e a internet são monitoradas de perto pelo governo. No entanto, é impossível monitorar todo mundo. E às vezes, apesar do tremendo risco envolvido, um iraniano está ansioso para compartilhar sua história e revidar a propaganda generalizada que o governo do Irã usa para controlar seu povo.

A vasta base militar ficava nos arredores de uma pequena cidade. O solo estava quase congelado. Não havia uma única árvore ou vegetação à vista. Edifícios de concreto compunham o complexo onde Farhad (pseudônimo) receberia seus dois meses de treinamento militar obrigatório. Ele usava um uniforme marrom claro e verde escuro, um cinto e um par de botas de combate de fabricação ruim.

Primeiro, Farhad marchou por um tempo. Depois disso, sua foto foi tirada, junto com os outros recrutas. Ele então foi levado ao seu alojamento e beliche. Embora muitos campos de treinamento no Irã não permitam deixar a base, ele tinha permissão para voltar para casa todo fim de semana.

“Os soldados precisam de comida. A comida deles era uma merda - arroz com pedacinhos de carne - e isso ajudava a diminuir as despesas”, disse.

A comida pode ter sido ruim, mas permanecer ligado à família foi um dos benefícios. Ele e os outros podiam ligar para casa a qualquer hora depois das cinco da tarde, usando as cabines telefônicas instaladas no terreno da base.

Quanto ao treinamento que recebeu, Farhad chamou de “piada”, principalmente a parte de tiro.

A arma que ele recebeu - um fuzil Heckler & Koch G3 - existe desde 1959. Se ele fizesse parte do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC, ou Sepâh), teria recebido um AK-47. De acordo com Farhad, você sai da base uma vez e atira uma dúzia de balas. Seus resultados são escritos em um cartão de pontuação e, em seguida, ele está de volta à ficar marchando. “Você marcha muito”, lembrou.

"Eles não estão tentando formar soldados. Eles querem uma força de trabalho."

Soldados iranianos em um quartel de treinamento básico. Captura de tela do vídeo postado no Youtube por Persian_boy.

Farhad descreveu ainda mais o que aprendeu sobre armas: “Não muito. Alcance efetivo. Alcance de fogo total. Calibre. Cadência de tiro. Peso. Quantas balas eles levam. Como descarregar. Como mirar. Como verificar uma arma com segurança. Como limpar sua arma. Como transportá-la. Quantas maneiras existem para carregá-la. Diferentes tipos de armas nas forças armadas. Coisas assim."

Além disso, ele não recebeu nenhum treinamento de combate desarmado ou treinamento médico. “Eles não estão tentando formar soldados. Eles querem uma força de trabalho ”, disse Farhad.

Mais do que realmente treinar em combate ou tática, a República Islâmica do Irã está interessada em criar soldados submissos à sua ideologia religiosa. Farhad disse que a doutrinação religiosa era uma parte importante da sua experiência de treinamento, mas ele e muitos outros não levavam os sermões a sério. Na verdade, eles questionariam e zombariam da palestra do mulá sempre que tivessem a chance.

“Os mulás realmente ficaram frustrados conosco”, disse Farhad. “Ninguém se importava com eles e zombava deles quando podia e ria e discutia com eles e apontava buracos em seus argumentos o tempo todo.”

Quando questionado se isso resultou em punições para ele ou qualquer outra pessoa envolvida, Farhad disse que não. “Não tivemos problemas. Quase todo mundo estava fazendo isso.”

Mesmo os graduados (sargentos) na base não seguiam as regras escritas que o regiam.

Em uma noite de serviço, Farhad sentiu um cheiro estranho. Havia um lugarzinho fora do refeitório que estava quase totalmente bloqueado e, quando ele olhou para fora, viu dois sargentos fumando. Não demorou muito para descobrir que estavam fumando maconha, o que é um crime para um soldado do exército iraniano. Ele investigou mais pela manhã, encontrando restos de dezenas de charutos de maconha no chão.

Soldados iranianos marchando. Captura de tela do vídeo postado no Youtube por Persian_boy.

As botas de Farhad e o frio gélido deram-lhe os maiores problemas, no entanto. Além das bolhas nos pés por causa das marchas, ele também teve uma infecção para tratar. E apesar do frio que fazia, as forças armadas não forneciam roupas quentes o suficiente para seus recrutas. Durante um serviço de guarda particularmente frio, ele e os outros do detalhe de serviço dividiram um único poncho, cada um usando-o por alguns minutos para se aquecer.

Quando o treinamento foi concluído, houve uma cerimônia em que todos se vestiram melhor, mas, ao contrário da graduação do treinamento básico nos Estados Unidos, a família e os amigos não foram autorizados a comparecer. Que ele se lembre, apenas um recruta não conseguiu completar o treinamento.

Farhad então passou dois anos no exército iraniano, o que apenas solidificou a impressão negativa que ele já tinha.

“É um sistema tão ruim, não confiável e quebrado”, disse ele. “Sempre que vejo esses sites falando sobre o poderio militar do Irã, dou risada. Eles não têm ideia do que estão falando.”

Bibliografia recomendada:

Os Iranianos.
Samy Adghirni.

Leitura recomendada:

Irã envia a maior frota de petroleiros de todos os tempos para a Venezuela15 de dezembro de 2020.

Poderia haver uma reinicialização da Guerra Fria na América Latina?4 de janeiro de 2020.

O papel da América Latina em armar o Irã16 de setembro de 2020.

A Venezuela está comprando petróleo iraniano com aviões cheios de ouro, 8 de novembro de 2020.

O desafio estratégico do Irã e da Venezuela com as sanções13 de setembro de 2020.

As Forças de Defesa de Israel fazem uma abordagem ampla ao lidar com a ameaça iraniana16 de dezembro de 2020.

Com a série de espiões "Teerã", os israelenses alcançam um inimigo1º de outubro de 2020.

GALERIA: A Uzi iraniana3 de março de 2020.

A influência iraniana na América Latina, 15 de setembro de 2020.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Fechar o Grupo de Guerra Assimétrica e a Equipe Vermelha é a "direção errada", diz general de três estrelas aposentado

O Major do Exército Tommy Broome, com o Asymmetric Warfare Group, fornece segurança de um posto de observação com vista para o bazar Kholbesat, na província de Khowst, Afeganistão, em março de 2011. (Tenente-Coronel Sonise Lumbaca/ US Army)

Por Kyle Rempfer, Army Times, 4 de novembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de dezembro de 2020.

A decisão do Exército de fechar alguns dos principais programas de inovação associados às guerras do Afeganistão e do Iraque é imprudente, de acordo com o tenente-general aposentado David W. Barno, que liderou as forças da coalizão no Afeganistão de 2003 a 2005. Unidades como o Fort Meade com base no Grupo de Guerra Assimétrica (Asymmetric Warfare Group), composto por soldados experientes e com a tarefa de despachar novas táticas e equipamentos para os campos de batalha, "precisa ser fortalecido" e "receber mais autoridade, porque foi comprovado seu sucesso", disse Barno na segunda-feira na Associação do Exército dos EUA.

Estruturas burocráticas maiores no Exército acharão difícil, senão impossível, entregar essas soluções criativas, de acordo com Barno, que visitou o Grupo de Guerra Assimétrica enquanto pesquisava seu livro, “Adaptation under Fire: How Militaries Change in Wartime” (Adaptação sob Fogo: Como forças armadas mudam em tempo de guerra).

“[O Exército] desativando o Grupo de Guerra Assimétrica... A Força de Equipagem Rápida (Rapid Equipping Force) isso vai trazer consequências", disse Barno. "A Equipe Vermelho em Fort Leavenworth foi notificado de que será encerrada. Esses são movimentos na direção errada. Você precisa ter aqueles pioneiros quebrando o gelo… Retirá-los do sistema não tornará o sistema mais ágil. Acho que terá o efeito oposto."

Força de Equipagem Rápida, com sede em Fort Belvoir, encontrou maneiras de usar produtos comerciais para atender às necessidades urgentes em todo o mundo. E a Equipe Vermelha, também conhecida como Universidade de Estudos Militares e Culturais Estrangeiros (University of Foreign Military and Cultural Studies), foi encarregada de ensinar maneiras para os líderes do Exército evitarem o "pensamento de grupo" e ver dilemas por meio de múltiplas perspectivas, às vezes encontrando problemas que eles não sabiam que existiam. Os fechamentos são baixas da mudança do Exército da contra-insurgência para uma guerra em grande escala contra inimigos quase na mesma estatura.

“Essas organizações existiram porque as estruturas regulares não faziam o que precisavam em circunstâncias extraordinariamente difíceis”, disse Nora Bensahel, uma estudiosa de política de defesa que foi coautora de “Adaptation under Fire”.

“Estamos ambos muito desapontados, embora talvez não surpresos, que quando essas circunstâncias mudam e os orçamentos ficam mais apertados, eles estarão no bloco de desbastamento, porque existem para contornar o sistema regular", acrescentou ela.

O livro de Barno e Bensahel trata de como forças armadas podem se preparar para guerras futuras sem saber plenamente como serão esses conflitos. No momento, o Departamento de Defesa está priorizando a compra de sistemas de armas e o desenvolvimento de uma doutrina projetada em torno de um conflito potencial com um adversário como a Rússia ou a China. Mesmo que o Pentágono tenha um histórico pobre de prever como serão as guerras futuras, Barno e Bensahel argumentaram na segunda-feira que o mais importante é mudar uma vez que a guerra futura comece e rapidamente abandonar estratégias e tecnologias que estão falhando.

“Acreditamos que existe agora, o que caracterizamos em nosso livro, uma lacuna de adaptabilidade, e essa lacuna está crescendo”, disse Barno. Vários fatores-chave tornam essa lacuna muito maior hoje: incerteza estratégica ao redor do globo, com os Estados Unidos agora enfrentando uma ordem mundial multipolar; novos domínios da guerra, incluindo o ciberespaço e o espaço sideral; e um período de mudanças rápidas em toda a sociedade. “Demorou 38 anos, por exemplo, para que o rádio atingisse 50 milhões de pessoas em todo o mundo. O Facebook fez isso em um ano”, disse Barno. “Isso também está afetando a mudança tecnológica militar. Estamos vendo grandes avanços em armamentos e capacidades e no papel da Internet... de maneiras que não tínhamos experimentado antes na guerra.”

O sargento-mor Raymond Hendrick, à esquerda, conselheiro do Asymmetric Warfare Group, explica os detalhes do raio de explosão do sistema de carga de linha portátil durante um exercício de treinamento fora da Base Operacional Forward Zangabad, Afeganistão, em outubro de 2013. (Cabo Alex Flynn/ US Army)

Problemas de adaptabilidade podem aumentar durante este período de mudança exponencial. E existem inúmeras causas de preocupação quando se trata da capacidade de adaptação das forças armadas americanas, de acordo com Bensahel. A liderança pode ser avessa ao risco e muitas vezes há uma quantidade excessiva de doutrina que é difícil de revisar, disse ela. Também há "tensão estrutural" entre os comandos combatentes, que priorizam as necessidades das tropas de hoje, e as forças armadas, que estão treinando e se equipando para uma guerra futura, acrescentou Bensahel.

O livro apresenta soluções para esses problemas, incluindo a aversão ao risco entre os líderes seniores, que Bensahel disse que deveria ser combatida adicionando tarefas de redação mais intensas e dramatização de papéis nas escolas superiores de guerra "para dar às pessoas prática na adaptação rápida a situações imprevistas". As forças-tarefa de batalhão e as equipes de combate de brigada tendem a ser bem treinadas por meio das rotações do centro de treinamento de combate, mas os principais exercícios das unidades não testam os líderes da mesma forma, de acordo com Barno. Executar um exercício até o "ponto de falha, então ele desliga o sistema e dá [aos líderes seniores], por exemplo, desafios em um adversário que eles não esperavam... nós não fazemos isso tão bem quanto fazemos em o nível tático", disse Barno.

Embora os oficiais no nível tático sejam, realisticamente, os mesmos que acabam em cargos de chefia mais tarde em suas carreiras, suas prioridades mudam assim que eles entram em cargos de chefia em uma burocracia, de acordo com Bensahel. “As pessoas nos níveis mais altos do serviço investiam muito em seus programas de registro, não queriam admitir que havia problemas com eles e faziam tudo o que podiam para evitar que alternativas fossem exploradas”, disse Bensahel. “Muitas vezes, o que a adaptabilidade nos níveis mais elevados requer é pegar seu manual e tudo o que você aprendeu em sua experiência e jogá-lo fora ou pelo menos questionar as suposições básicas que podem ter existido durante toda a sua carreira, incontestáveis", acrescentou Bensahel.

Kyle Rempfer é repórter da equipe do Military Times, com foco no Exército dos EUA. Ele serviu um alistamento como CCT e JTAC de Táticas Especiais da Força Aérea.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.
Alessandro Visacro.

Leitura recomendada:

Em 19 anos de guerra contra o terror, o sobrecarregado AFSOC está em uma encruzilhada21 de setembro de 2020.

Um século de propaganda do poder aéreo acaba de ser 'explodido' por um think tank da Força Aérea, 21 de setembro de 2020.

A Estratégia fracassada dos Estados Unidos no Oriente Médio: Perdendo o Iraque e o Golfo3 de setembro de 2020.

Interferência política, incoerência estratégica e a escalada de Lyndon Johnson no Vietnã21 de agosto de 2020.

Dez milhões de dólares por miliciano: A crise do modelo ocidental de guerra limitada de alta tecnologia23 de julho de 2020.

Repensando a estrutura e o papel das forças aeroterrestres da Rússia13 de julho de 2020.

Sim, a China estaria disposta a travar outra Guerra da Coréia caso necessário21 de junho de 2020.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

COMENTÁRIO: Uma cultura de apatia e desonestidade dentro do Exército Britânico


Por James Burton, Wavellroom, 9 de dezembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 10 de dezembro de 2020.

[Nota: As opiniões expressas nesse artigo pertencem ao seu autor e não representam, necessariamente, as opiniões do Warfare Blog.]

Escrevo este artigo de opinião a partir de uma posição de fortuna - tenho sorte de estar em um emprego onde trabalho e lidero cerca de cem jovens soldados do Exército Britânico. Esta oportunidade é empolgante e fascinante, no entanto, estou perfeitamente ciente de que faço parte de um sistema que está falhando. Vou passar dois anos pedindo a eles que treinem e potencialmente entrem em guerra com equipamentos que, na melhor das hipóteses, foram adquiridos antes de eu nascer e, na pior das hipóteses, foram adquiridos antes do nascimento de meus pais. Embora isso represente uma manifestação física de uma questão mais ampla, o Exército Britânico se tornou uma organização na qual a atividade, limitada por slogans de adesivos de pára-choque, tem primazia sobre os resultados e efeitos que, por sua vez, gerou uma "lacuna entre dizer e fazer" que está paralisando sua eficácia.

Este artigo tentará explicar por que o Exército Britânico tem uma "lacuna entre dizer e fazer". Por que, quando nossa alta liderança diz que algo é importante, isso é enfrentado por uma incapacidade de cumprir? A lacuna "lacuna entre dizer e fazer" é claramente evidente em como adquirimos "coisas", mas talvez seja mais importante na forma como tratamos nosso povo - ambos serão explorados.


A linguagem do absurdo

Em muitos aspectos, é surpreendente que 53% da população do Reino Unido acredite que o Exército Britânico é "inovador" e "líder mundial", mas talvez nem tanto quando um número tão elevado declara desinteresse por questões militares.[1] No entanto, essa narrativa de ser líder mundial e inovador não é ajudada pela linguagem de mudança do Exército, a qual se tornou cada vez mais impenetrável.[2] O impacto dessa linguagem desconcertante é composto por "presentismo militar" e uma cultura que parece cada vez mais modista em seu tom.[3] Tudo não pode ser adaptativo, inovador, transformador e modernizado... e isso antes de entrarmos nas mudanças de jogo, pivôs inteligentes e tiros para a Lua, ou os conceitos abstratos de vantagem da informação, manobra de informação e guerra de protótipos. Esses chavões de mudança se tornaram uma seleção suspensa nos discursos de nossas altas lideranças, com quase todas as comunicações internas e externas polvilhadas com essa linguagem sem sentido. [4]

[1] YouGov British Army Reputation Tracker Wave8 e MOD e pesquisas de reputação das Forças Armadas entre 2015-2020. Acessado em 15 de julho de 2020.
[2] O Major General Copinger-Symes demonstrando o que acontece quando a linguagem militar encontra a mídia social (link), não obstante, o discurso completo levantou alguns pontos úteis para o projeto de transformação da Defense Digital. (Transcrição completa aqui)
[3] Paul Barnes, ‘NEOPHILIA, PRESENTISM, AND THEIR DELETERIOUS CONSEQUENCES FOR WESTERN MILITARY STRATEGY’ maio de 2020, link.
[4] A robótica do Exército recebeu um aumento de £ 66 milhões, Gov.UK, 5 de março de 2019, link.

Por que isso é um problema? Porque estamos perdendo, e em alguns casos perdemos, a capacidade de comunicar nossa mensagem aos nossos senhores políticos, ao público a quem servimos e à nossa própria equipe. Precisamos ser claros sobre os problemas e ameaças e, se não tivermos credibilidade nessas mensagens, não devemos nos surpreender quando o público-chave simplesmente não entende. Essa linguagem impenetrável é uma barreira, não apenas para a compreensão, mas também para o debate - como podemos esperar que as pessoas discutam, critiquem e desenvolvam essas abordagens se elas nunca são claramente articuladas por aqueles que as defendem, ou entendidas por aqueles que precisam implementá-las? A linguagem do absurdo se tornou nossa cultura e parece que o Exército Britânico atingiu o "pico da besteira",[5] um momento em que a narrativa supera os resultados eficazes. A maior besteira para o Exército é um amálgama de conceitos mal definidos, em que os limites da pós-verdade e das notícias falsas são tão aplicáveis ​​à nossa narrativa quanto à negação russa de atividade. Como um relatório de 2015 sobre a cultura do Exército dos EUA descobriu, "o engano que ocorre na profissão das armas é encorajado" e o Exército Britânico não é diferente.[6]

[5] Evan Davis, ‘Post Truth’, pg. xv.
[6] Wong, Leonard, and Stephen J. Gerras. Relatório. Strategic Studies Institute, US Army War College, 2015 (link). Acessado em 24 de outubro de 2020.

Desonestidade intelectual

O Exército Britânico tem sido fortemente criticado por sua aquisição de veículos blindados. A recente audiência do Comitê de Defesa Selecionada (Defence Select Committee) sobre esta questão foi esclarecedora.[7] Embora seja difícil escapar da "idade crescente e obsolescência" de muitos tipos de equipamentos centrais - observando que estamos passando do status clássico para antigo para alguns recursos - o comitê tentou entenda o porquê.[8] Por que é que, com um orçamento de tanto, recebemos tão pouco?[9] A audiência do comitê não foi esclarecedora por causa das respostas oferecidas, mais ainda por causa da preponderância de linguagem evasiva para se infiltrar em respostas deliberadamente ofuscadas. Era quase como se ninguém fosse o responsável e ninguém tivesse tomado a decisão de assumir o problema de que tanto falamos.

[7] O Comitê de Defesa examina projetos de veículos blindados do Exército Britânico, Parlamento do Reino Unido, 15 de outubro de 2020, link.
[8] Ibid.
[9] Gastos militares do Reino Unido/Orçamento de defesa 1960-2020, Macrotrends, link.

O inquérito Chilcott 2016, que avaliou a decisão do Reino Unido de intervir no Iraque, dirigiu críticas significativas ao Exército Britânico pela decisão de continuar usando Snatch Land Rovers 20 anos atrás em face de uma "ameaça clara e crescente de dispositivos explosivos improvisados".[10] Tinha sido lento, e continua a ser, em compreender as lições e agir de acordo com elas. Lições do conflito na Ucrânia e do recente conflito do Nagorno-Karabakh demonstram que a proliferação de sensores e sistemas de armas interligados, guiados por um sistema de comando bem integrado, reduziu a capacidade de sobrevivência de pessoas e veículos no campo de batalha moderno. A eficácia dessas combinações, filmadas e editadas em clipes de mídia social, demonstrou uma humilhação pública das Forças Armadas da Armênia em tempo real ou quase em tempo real. De forma alarmante, a Armênia, operando perto de seus limites, tem lutado e às vezes foi totalmente derrotada. As táticas, técnicas e procedimentos do Exército Britânico podem ter corrido de alguma forma para corrigir esses problemas, no entanto, seu equipamento envelhecido e obsoleto, juntamente com os indivíduos que os tripulam, estariam em risco significativo. O que é mais preocupante é que as potenciais lições que estão sendo discutidas do conflito do Nagorno-Karabakh deste ano não são novas - elas foram identificadas em 2014 na Ucrânia, usadas em todo o Oriente Médio repetidamente desde então e, agora tendo sido aprimoradas, são mais eficazes do que nunca.

[10] Ben Farmer, ‘Chilcot: MoD and Army too slow on Snatch Land Rovers’, The Daily Telegraph, 17 de junho de 2016, link.

Challenger II desembarcando em Camp Lejeune, NC de um LCU MK10 durante o exercício Aurora 2004.

Nossas plataformas atuais, nem as que entrarão em serviço na próxima década, irão alterar esse dilema de sobrevivência de uma maneira completa. Vender este desafio para meus soldados não é um desafio de liderança, é um desafio moral. O Dr. Jack Watling educadamente sugere que "há uma tendência para os soldados ocidentais rejeitarem o que pode ser aprendido com esses incidentes".[11] Eu iria mais longe e sugeriria que há um nível substancial de arrogância nesta organização, que ignora os fatos com uma presunção de que a competência tática superará a proficiência técnica. Esta é uma suposição perigosa.[12]

[11] Jack Watling, 'The Key to Armenia's Tank Loss: The Sensors, Not the Shooters', RUSI Defense Systems, link.
[12] Ibid.

Como observou recentemente o Prof. Peter Roberts do RUSI (Royal United Services Institute), é raro encontrar alguém na linha de negócios de compras que não esteja "se esforçando para tentar fazer tudo funcionar". Então, onde está dando errado?[13] Desonestidade intelectual do problema é central. A Defesa, e o Exército em particular, prefeririam lançar outra iniciativa para tentar contornar esse processo, em vez de tentar reformar o processo de aquisições e desenvolvê-lo. Seja o Fundo de Transformação da Defesa (Defense Transformation Fund),[14] ou o Fundo de Inovação da Defesa (Defense Innovation Fund),[15] A defesa tem demência nos negócios, ignorando ou esquecendo os problemas reais e tentando estabelecer ainda mais iniciativas que tentam fazer as coisas "de maneira diferente" com pouco ou nenhum foco no núcleo problema. As iniciativas acima, complementadas por atividades admiráveis, como o Experimento de Combate do Exército (Army Warfighting Experiment) ou o financiamento de Inovação e Experimentação do Comandante de Campo do Exército (Commander Field Army’s Innovation & Experimentation) geram atividade, mas não resolvem o problema central sobre como adquirimos "coisas" de maneira oportuna e eficaz. Temos uma cultura em que preferimos arriscar a vida de nossos soldados do que tomar decisões difíceis na aquisição, evitando desafiar o processo e os procedimentos que envolvem essas questões. Há uma percepção de que ninguém tem a capacidade de decidir - com aprovações, comitês, programas e governança de projetos - as responsabilidades são ainda mais ofuscadas, sufocando qualquer oportunidade de adaptação no ritmo ou responsabilização das pessoas. As opções são avaliadas quanto ao risco de fazer algo, ignorando o fato de que o risco de não fazer nada muitas vezes é igualmente significativo. Não é apenas que essa "aversão ao risco está nos exaurindo", mas também alterando nossa capacidade de tomar decisões, gerando uma cultura em que fazer a coisa mais fácil, em vez de fazer a coisa certa, é tão frequentemente escolhida.[16]

[13] Western Way of War: Bad Procurement: A Peculiarly Western Issue? Uma conversa entre o Prof Peter Roberts e o Prof John Louth, podcasts do RUSI, terça-feira, 22 de outubro de 2020, link.
[14] Mobilising, Modernising & Transforming Defence, um relatório sobre o Programa de Modernização da Defesa, link.
[15] Advantage through Innovation The Defence Innovation Initiative, link.
[16] Digital Disruption: Discurso do Major General Copinger-Syme na Conferência Inaugural do Comando Estratégico do Reino Unido no RUSI, link.

Prédio do Quartel-General do Exército Britânico em Londres.

Há uma ironia no fato de que as governanças comercial e outras usadas para garantir valor para o dinheiro dos contribuintes impulsiona tais incentivos perversos que vêem o processo como rei. Por que o Quartel-General do Exército é tão grande? Em parte porque muitas vezes o pessoal do processo é priorizado em relação ao pessoal dos cargos que oferecem qualquer oportunidade real de promover mudanças significativas. Este é um desafio de liderança, mas é marcado por uma cultura que nunca apoiou e aparentemente nunca apoiará pensadores disruptivos ou aqueles com um dom para cumprir. O programa CASTLE tem aspirações louváveis e procura identificar como desenvolvemos e empregamos o nosso pessoal corretamente, tanto para maximizar o seu potencial como para resolver os problemas acima mencionados. Precisamos ser melhores em nossos empregos e o ciclo interminável de empregar amadores talentosos evidentemente não é mais adequado. Ironicamente, mesmo o Programa CASTLE, com apoio direto do topo e em seu terceiro ano, ainda está lutando para implementar algo significativo, e certamente nada que possa diminuir a indecisão crônica no centro de como o Exército Britânico gasta seu dinheiro.

A lacuna entre dizer e fazer

É um clichê dizer que nosso ativo mais importante é nosso pessoal.[17] Um cínico diria que um general não pode falar com um tanque, portanto, é claro que dirá que o "soldado britânico é o melhor equipamento que temos", no entanto, é claro que temos uma "lacuna entre dizer e fazer"... quando as ações não correspondem às palavras, o que por sua vez 'corrói a confiança e a credibilidade' em todos os níveis.[18] O anúncio de 2018 de que as mulheres poderiam se juntar a todas as armas do Exército Britânico foi uma mensagem muito direta e clara de que não apenas apreciamos a igualdade, mas entendemos que as mulheres tornam nossas forças de combate "mais eficazes".[19] Com isso em mente, parece estranho que as mulheres no Exército Britânico ainda não tenham uniforme adequado para elas.[20] O impacto real de fazer as mulheres usarem roupas masculinas pode ser discutível, o "e daí" de não ter um colete de armadura corporal que sirva os corpos das mulheres não. Isso demonstra diretamente que não nos importamos o suficiente. Se nós, como organização, acreditamos nessa mensagem, por que ela não é sustentada por dinheiro e ação? Mensagens claras como esta foram enfrentadas por inação e uma clara incapacidade de entrega e são, portanto, um indicador chave de que o Exército Britânico tem um problema cultural. Isso pode, deveria e deve ser tratado por meio de ações diretas de liderança.

Soldados britânicas com armadura corporal para o biotipo masculino.

[17] In Front, The British Army Newsletter, Vol 3, link.
[18] Mary Foster ‘Relationship Matter. Don’t be a turkey’, outubro de 2020. War Room, US Army War College.
[19] General Patrick Sanders, Comandante do Exército de Campo (Field Army) em 2018.
[20] Kate,’Let’s talk about sex’, 13 de setembro de 2020, link.

Conclusões

O mundo interconectado permite que nosso soldado mais jovem, até nossos generais mais antigos, a oportunidade de se comunicarem com um público cada vez maior, em uma variedade de plataformas. Central para a comunicação é a linguagem - ela deve ser clara, concisa e, o mais importante, devemos entendê-la nós mesmos. Temos um problema cultural em que não estamos dispostos a abordar e enfrentar os problemas reais - esse é o verdadeiro desafio de liderança da nossa geração. Devemos ter clareza sobre os desafios que enfrentamos e nossos planos para enfrentá-los - esses desafios e planos devem ser concisos e devem ser compreendidos. Um foco implacável sobre esses desafios deve ocorrer - eles não podem ser redefinidos, reorientados ou reescritos no capricho de nossos processos ou, como tantas vezes é o caso, de nossos ciclos de postagem. Foi-nos oferecida uma verdadeira "oportunidade de ouro" para realizar uma mudança significativa com o último aumento do anúncio de financiamento, mas devemos nos responsabilizar e a única maneira de fazer isso é parar de confundir a atividade com obter resultados e efeitos adequados.[21] Habilidades relevantes, em todas as áreas críticas de Pessoas, Processos e Tecnologia, serão a chave para o caminho à frente.[22] Resolver este desafio exigirá uma direção compreensível e firme, e até que essa linguagem absurda pare é muito difícil ver como essa cultura de apatia e a desonestidade dentro do Exército Britânico jamais mudará.

[21] Boris Johnson's historic spending increase is a golden opportunity for UK defence, The Telegraph, link.
[22] The British Army’s CIO on the Internet of Things, “Buzzword Bingo”, and True Digital Transformation, link.

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Garands a Serviço do Rei, 18 de abril de 2020.