sexta-feira, 27 de março de 2020

A Herança Tática da Primeira Guerra Mundial I: O Combate da Infantaria


Por Frédéric Jordan, Theatrum Belli, 26 de julho de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de julho de 2019.

O estudo das batalhas do primeiro conflito mundial freqüentemente destaca os terríveis ataques mortíferos, o combatente colado no fundo de trincheiras, o choque e o poder do fogo da artilharia que aniquila toda manobra. No entanto, alguns autores mostraram que em 1918, o exército francês tinha se adaptado notavelmente para se reconectar com a guerra do movimento com uma doutrina inter-armas associando soldados de infantaria melhor equipados, com apoio de fogo coordenado, carros de assalto ou uma força aérea dominando o céu. Parece, portanto, interessante observar a herança tática, ou sua percepção, ou mesmo sua interpretação no final da década de 1920. Para isso, pude consultar um livro escrito pelo Major Bouchacourt (que terminará sua carreira como general comandante da 42ª Divisão de Infantaria), em 1927, e publicado pelas Edições Lavauzelle. O autor trata quase exclusivamente da infantaria, no ataque e na defesa e procura teorizar o uso desta arma para os combates futuros se apoiando exclusivamente nas lições da luta da Grande Guerra e sobre os textos dos regulamentos em vigor no momento da redação do seu tratado. Veremos que essa abordagem o conduz, de fato, a mostrar ao mesmo tempo uma boa clarividência sobre certos princípios fundadores (surpresa, ousadia, reservas,...), mas também um pensamento um tanto ossificado nos esquemas propostos especialmente para as missões defensivas, camisas de força que serão encontradas em 1940 durante a campanha da França.


O Ataque

É o tema de um "regulamento de manobra de infantaria" que detalha quatro fases distintas: a aproximação, o contato, o assalto, a conservação do terreno conquistado ou a exploração do sucesso. Esta análise parece judiciosa a princípio, mas é apoiada por um exemplo particular, o ataque dos exércitos aliados em 8 de agosto de 1918 contra forças alemãs exaustas.

O autor descreve então, a título de ilustração, o setor de uma divisão francesa antes do ataque, unidade que dispõe em 1.200 metros de frente de 2 regimentos de infantaria, 2 regimentos de caçadores, 7 grupos de canhões de 75 mm (120 peças), 3 grupos de 155 mm e 4 grupos de 220 mm. Há claramente um poder de fogo que deve permitir a ruptura das defesas inimigas, o que faz o Major Bouchacourt dizer com uma precisão tática real, mas também uma certa certeza de que "ao querer prever tudo em demasiado detalhe, corre-se o risco de não ter suficientemente em conta o imprevisto do combate e de comprometer os executantes muito rapidamente, durante a ação, perante uma perturbação completa das disposições presas de uma maneira muito precisa." De fato, o ataque foi meticulosamente preparado, minuto a minuto (pontos de travessia, rotas, desdobramento, posição de metralhadoras) por trás de uma barragem rolante que a infantaria seguia muito de perto. Segue um estudo detalhado do sistema defensivo alemão com, em ponto culminante, na necessidade de neutralizar os "sinos" ou PP (Widerstandnester), grupos de 6 a 8 homens comandados por um graduado, colocados em buracos organizados à frente da linha de resistência, mas igualmente armados com uma metralhadora leve para segurar no local e atrapalhar o ataque dos assaltantes. A etapa seguinte é descrita como uma irrupção dentro da posição inimiga e sua travessia para a profundidade.

No ataque, após a fase de preparação e de aproximação, é uma questão de invadir a posição inimiga, o momento chave da ação para pegar o adversário de surpresa, desorganizá-lo e finalmente deslocar seu dispositivo. A ação é baseada na surpresa e em potentes meios de artilharia a fim de desenvolver um fogo rolante contínuo, capaz de mascarar (e de proteger) as muitas tropas que executam o ataque. A surpresa é obtida pela instalação de forças no último momento (noite anterior), a ausência de terraplenagem (ou abrigos) ou de tiros de artilharia de regulagem.

O autor ressalta, no entanto, que em 1918 essa manobra foi facilitada pela lassidão alemã, cujas forças deixaram de construir tão bem suas posições defensivas. De fato, as redes de arame farpado estão incompletas, as barragens de fogo à frente das linhas (para quebrar o ímpeto dos ataques), assim como os obstáculos contínuos são insuficientes. No exemplo que mostra o 94ª RI, essa tática é detalhada com as variações relacionadas à situação real na tomada, em particular, da trincheira "Magdeburg". A velocidade de deslocamento (100 metros a cada 3 minutos) e o aperto das unidades possibilitam aproximar-se do inimigo, aninhar-se com ele, antes mesmo que ele possa disparar um tiro de barragem.

As principais ameaças às tropas francesas, no entanto, continuam sendo os ninhos de metralhadoras que devem ser reduzidos, por meio do engajamento da reserva (uma companhia por batalhão), concentrando o apoio ou desbordando os pontos de resistência alemães. Da mesma forma, as lições parecem mostrar que o cruzamento da posição do inimigo deve ser feito em toda a profundidade da frente, a fim de aproveitar as brechas nas defesas descontínuas, para transbordar as ilhotas de resistência e atacá-las pelas costas.

O Major Bouchacourt recorda, ao longo de seu discurso, que a artilharia, ainda que conquiste a superioridade de fogos, não pode neutralizar todas as peças dos alemães que assim dispõe, em certos compartimentos de terreno, de um conseqüente apoio de fogos. Por outro lado, denigre, com má-fé, a ação dos tanques canadenses que deveriam acompanhar os soldados de infantaria franceses. Ele proclama a grande iniciativa dos quadros do exército francês que permite a exploração. Além disso, ele cite o regulamento provisório de manobra da infantaria que ilustra as escolhas judiciosas constatadas no terreno em 1918 na região de Mézières: “Durante a sua progressão no interior da posição do inimigo, a infantaria deve confiar cada vez mais em si mesma. A iniciativa dos líderes da infantaria assume uma importância capital para a continuação dos eventos. Comandantes de corpo de exército, comandantes de batalhão e até mesmo comandantes de companhia devem demonstrar o espírito de oportunidade, de decisão e de ousadia que por si só torna possível tirar o máximo proveito das circunstâncias favoráveis do combate, circunstâncias que são sempre fugidias e das quais ele deve aproveitar sem demora, sob pena de dar tempo ao inimigo para se recuperar.”

A parte consagrada ao ataque termina com uma síntese das formações básicas de infantaria usadas pelos aliados (armamentos, deslocamentos), por um catálogo completo dos apoios diretos (morteiro Stokes, canhões de 37 mm) e por uma análise dos efeitos de artilharia. Esta é dividida em uma parte dedicada à ação geral (como hoje) para destruir as peças adversárias ou conduzir a preparação de artilharia (parece hoje a “battlefield shaping" [modelagem do campo de batalha]) e da artilharia de acompanhamento (adaptado de acordo com os termos atuais), a fim de reagir aos obstáculos encontrados e observados durante a condução. E o autor conclui com uma nota do General Joffre após a Batalha de Verdun e seu dilúvio de aço. Esta citação diz respeito a esta preparação pelo fogo, que por vezes pode ser improdutiva: “O evento acabou de provar que os defensores vencidos com este poderio estão em posição de, no momento do assalto, ocupar os destroços das trincheiras e deter o inimigo; o que a artilharia percebe no final, é a diminuição dos meios materiais da defesa e seu desgaste moral, não sua destruição.”

A Defesa

Para o exército francês de 1927, é perigoso opor ao apelo (assim como à manobra) à força assim como a considerar que um rompimento local pode permitir o colapso do dispositivo adverso: “Se uma unidade se eleva de uma forma que é muito sensível em relação à sua vizinha, ela cria um flanco descoberto e é rapidamente parada em sua progressão.” Infelizmente para esses teóricos, em 1940, na frente de Sedan, os alemães, por sua vez, demonstrarão que corps francs (infiltradores) ou unidades de engenheiros de assalto (como a do tenente Wackernagel) são capazes de se infiltrar e quebrar uma linha de resistência.

O Major Bouchacourt descreve então dois exemplos do primeira conflito mundial na região de Verdun (Mort Homme) e no Somme (aldeia de Sallisel) a fim de detalhar as disposições defensivas da infantaria para deter um ataque inimigo assim tão poderoso contra ela. Ele considera com certa parcialidade que o colapso das linhas alemãs em 1918 é apenas um contra-exemplo, esquecendo as evoluções tático-operativas implementadas pelos Aliados na época (tanques, combate inter-armas, emprego da aviação).

Para isso, ele se baseia nos textos regulamentares e em suas próprias análises ou lições dos dois combates evocados com uma defesa da posição dita de resistência.
Quando ele expõe as forças envolvidas, notamos, mais uma vez, a superioridade numérica francesa sobre uma primeira posição, 8 batalhões de infantaria, em segundo escalão, 3 batalhões e em reserva, 1 batalhão. Essas unidades valor batalhão estão a 500 metros da frente (vide o diagrama abaixo).

Aqui, à título de exemplo da ocupação, o dispositivo esquemático de um batalhão.

Trata-se de um dispositivo contínuo, não-"furado" em ninhos de resistência com, em particular, trincheiras duplicadas para se prevenir contra tiros indiretos alemães. Quanto aos apoios da divisão, são muito importantes com 4 grupos de artilharia há 2km da frente e isto, para enfrentar o ataque de 3 divisões inimigas. O combate é portanto violento porque a doutrina quer que cada brecha seja fechada pelas reservas para impedir todas as infiltrações. Em Verdun, as perdas sofridas em um dia pela 42ª divisão, cuja ação defensiva é analisada, foram de 1.600 homens fora de combate e 30.000 tiros de canhão foram disparados enquanto que em Sallisel, os alemães disparam 15 obuses 210 mm por minuto. Os tiros de barragem dos canhões de 75 mm são mortíferos para as tropas alemãs, os contra-ataques franceses são limitados a um nível local empregando granadas com o único propósito de restaurar a continuidade da defesa.

Da mesma forma, quando se detecta a possível ofensiva do inimigo, o autor recomenda um ataque preventivo repentino e maciço, bem como bombardeios de inquietação, a fim de fragilizar os preparativos do outro beligerante. Durante a batalha, os defensores devem manter uma linha contínua, organizar-se em conduta, retomar sua profundidade enquanto reconstituem as reservas e preservam as comunicações e o abastecimento. Eles também devem "aproveitar o momento fugidio entre o disparo do fogo de artilharia e a chegada da infantaria inimiga onde é possível lançar seus fogos", que são aqueles fogos diretos dos fuzis-metralhadores, aqueles das metralhadoras de flanco e, finalmente, as barragens de artilharia contra um inimigo exposto e privado de seus apoios durante o contato.

Enfim, o Major Bouchacourt considera que o processo do "freio" (diria-se frenagem hoje em dia) em sucessivos pontos de resistência deve ser proscrito, enquanto é imperativo desenvolver a organização do terreno (arame-farpado principalmente). a camuflagem, os abrigos e as trincheiras.

Essas certezas extraídas de duas batalhas particulares propõem um pensamento um tanto fechado que parece anunciar os fracassos da campanha de 1940:

É principalmente pelo fogo que a defesa pára um ataque.”

Conforme os meios materiais de ataque se desenvolverão, quando os tanques, por exemplo, e os aviões, entrarão ainda mais na batalha como auxiliares da infantaria,...”

Nós nunca estaremos pessoalmente convencidos de que na próxima guerra não veremos trincheiras novamente. Para que o fogo, na defesa, possa ser lançado quando chegar a hora, será necessário que aqueles que devem fazê-lo não sejam mortos.”

Para concluir, este livro, escrito oito anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, oferece informações valiosas sobre os princípios táticos da guerra, mas também parece cegar os oficiais que extraem casos particulares generalidades perigosas para o futuro.

Frédéric Jordan.
Formado em Saint-Cyr e brevetado da Escola de Guerra, o Tenente-Coronel Frédéric JORDAN serviu em escolas de formação, no estado-maior como em vários teatros de operações e territórios ultramarinos, na ex-Iugoslávia, no Gabão, Djibuti, Guiana, Afeganistão e no cinturão Sahelo-Saariano. Apaixonado pela história militar, dirige um blog especializado desde 2011, “L’écho du champ de bataille” (O eco do campo de batalha) e participou de várias publicações como a revista "Guerres et Batailles” (Guerras e Batalhas) ou os Cadernos do CESAT (Collège d'Enseignement Supérieur de l'Armée de Terre/ Colégio de Educação Superior do Exército). Ele é o autor do livro “L’armée française au Tchad et au Niger, à Madama sur les traces de Leclerc” (O exército francês no Chade e no Níger, em Madama nos passos de Leclerc) pela Éditions Nuvis, que descreve a operação que ele comandou no Chade e no Níger no âmbito da Operação Barkhane, colocando em perspectiva o seu engajamento com a presença militar francesa nesta região desde o século XIX.

quinta-feira, 26 de março de 2020

FOTO: Bandeira nazista capturada em Monte Cassino

Soldados britânicos e sul-africanos exibindo uma bandeira nazista capturada no Monte Cassino, maio de 1944.
(Carl Mydans/ LIFE Magazine)

Estes soldados da Commonwealth, a Comunidade Britânica, posam com uma bandeira nazista capturada enquanto escavadeiras dos Royal Engineers (reais engenheiros) abrem caminho nos escombros da cidade bombardeada de Cassino, na segunda metade de maio de 1944.

Em maio de 1944, a histórica abadia beneditina de Monte Cassino havia sido reduzida a escombros. Como parte da Operação Diadema, a tarefa de capturá-la foi dada ao 2º Corpo Polonês, mas seu ataque na noite de 11/12 de maio falhou. As posições alemãs dentro e ao redor das ruínas no alto da montanha (em cima das quais os soldados estão de pé) eram simplesmente fortes demais. Mais ao sul, no entanto, as tropas francesas conseguiram encontrar um caminho através das montanhas Aurunci em 16 de maio, as quais os alemães acreditavam serem intransitáveis, e agora podiam ver de cima o vale do Liri, por onde a Estrada 6 corria para Roma.

Um segundo ataque dos poloneses ao Monte Cassino, em 17 de maio, fez alguns progressos, dado que o avanço francês levou as tropas alemãs a iniciarem a retirada da Linha Gustav. Na manhã seguinte, a bandeira polonesa foi hasteada sobre as ruínas da abadia. 

A captura do Monte Cassino teve um preço alto. Os Aliados sofreram cerca de 55.000 baixas na campanha de Monte Cassino. Os números de baixas alemãs e italianas são estimados em cerca de 20.000 mortos e feridos. O total de baixas aliadas, abrangendo o período das quatro batalhas de Cassino e a campanha de Anzio, com a subseqüente captura de Roma em 5 de junho de 1944, ultrapassou 105.000. 

Esta imagem foi tirada em Kodachrome colorido original pelo fotógrafo Carl Mydans da revista LIFE.

FOTO: Prisioneiros alemães na Itália

Prisioneiros alemães capturados pelos franceses em Castelforte, na Linha Gustav, na Itália, em maio de 1944.

Estes franceses são do Corpo Expedicionário Francês do General Alphonse Juin, estão guardando prisioneiros alemães capturados no ponto-chave de Castelforte, na Linha Gustav. Os franceses usam um misto de capacetes M1 americanos e M26 Adrian franceses.

O General Mark Clark, comandante do 5º Exército Americano, que no seu livro referiu ao General Juin dizendo que "Nunca houve melhor soldado", assim qualificou a ação francesa:

"Entrementes, as forças francesas, transpondo o [rio] Garigliano, haviam-se deslocado para norte, penetrando o terreno montanhoso que jazia ao sul do rio Liri. Não foi fácil. Como sempre, os veteranos alemães reagiram fortemente e houve luta encarniçada. Os franceses surpreenderam o inimigo e capturaram sem demora áreas-chave como os Montes Faito e Cerasola e as alturas vizinhas de Castelforte. A 1ª Divisão Motorizada [Francesa Livre] ajudou a 2ª Divisão Marroquina a tomar o ponto capital de Monte Girofano e, a seguir, avançou rapidamente para o norte até S. Apollinare e S. Ambrogio. A despeito da renitente resistência inimiga, a 2ª Divisão Marroquina penetrou na Linha Gustav em menos de dois dias de combate.

As próximas quarenta e oito horas na frente francesa foram decisivas. Os Goumiers, manejando destramente a arma branca, esparramaram-se nas montanhas, particularmente à noite, e toda a tropa do General Juin mostrou uma agressividade hora após hora que os alemães não puderam agüentar. Cerasola, San Giorgino, Mt. D'Oro, Ausonia e Esperia foram conquistados num dos mais brilhantes e audaciosos avanços da guerra na Itália, e no dia 16 de maio [de 1944] o Corpo Expedicionário Francês havia jogado seu flanco esquerdo a umas dez milhas para a frente, até Monte Revole, enquanto se verificava um reentrante no resto da linha de contato, para de algum modo ser mantida a ligação com o Oitavo Exército Britânico.

Somente o mais cuidadoso preparo e uma extrema resolução tornaram possível o ataque, mas Juin era desse tipo de combatente. Transporte logístico à base de mulas, peritos em guerra de montanha e homens com energia bastante para realizar marchas noturnas demoradas em terreno traiçoeiro, eis o que foi necessário ao sucesso naquelas escarpas praticamente inexpugnáveis. Os franceses patentearam tudo isso no seu sensacional avanço, que o General-de-Exército Siegfried Westphal, chefe do estado-maior do Kesselring, descreveria depois como uma surpresa completa, tanto em termos de rapidez, quanto em agressividade. Por essa realização, que haveria de constituir a chave do sucesso para a arremetida inteira sobre Roma, serei sempre um admirador agradecido do General Juin e de seu magnífico CEF."

- General Mark Clark, Risco Calculado, 1950 (1970 em português), pg. 360 e 362.

FOTO: Metralhadora no Isonzo

Guarnição de metralhadora italiana na Batalha do Monte Grappa (1917-1918).

FOTO: Somua S 35 na Tunísia

Militares franceses do 1º Esquadrão do 12e RCA reparam um de seus tanques Somua S 35 em seu acampamento no deserto, ao norte de Chott Djerid, em abril de 1943.
(ECPAD)

Por Filipe do A. MonteiroWarfare Blog, 26 de março de 2020.

Homens do 1º Esquadrão do 12e RCA (Régiment de Chasseurs d'Afrique, Regimento de Caçadores Africanos) reparam um de seus tanques Somua S 35 em seu acampamento no deserto, ao norte de Chott Djerid, em abril de 1943.

Eles participam da campanha tunisiana na frente do sudeste argelino (Front du sud-est algérien, FSEA). No final do ano de 1943, o 12e RCA recebeu tanques M4 Sherman e foi incorporado à famosa 2e DB (Division Blindée, Divisão Blindada) do General Leclerc, e participaria da libertação de Paris, em agosto de 1944, e de Estrasburgo, em setembro de 1944. A unidade foi dissolvida na reorganização de 1963.

quarta-feira, 25 de março de 2020

VÍDEO: O 6,5 mm Creedmor


O Warfare Blog já publicou sobre o 6,8mm Creedmor aqui e aqui.

Fuzileiros navais americanos fecharão todas as unidades de tanques e cortarão batalhões de infantaria em grande reforma

Fuzileiros navais dos EUA da Companhia Charlie, 1º Batalhão de Tanques, 1ª Divisão de Fuzileiros Navais, participam de treinamento de tiro real durante o exercício Native Fury 20 nos Emirados Árabes Unidos, em 19 de março de 2020. (Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA/ Sargento Alexis Flores)

Por Gina Harkins, Military.com, 23 de março de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de março de 2020.

Na próxima década, o Corpo de Fuzileiros Navais não operará mais tanques ou terá batalhões policiais. Também terá três unidades de infantaria a menos e eliminará cerca de 7% de sua força total, enquanto o serviço se prepara para um possível confronto com a China.


O Corpo de Fuzileiros Navais está cortando todas as especialidades profissionais militares associadas a batalhões de tanques, unidades policiais e companhias de pontoneiros, anunciou o serviço na segunda-feira. Também está reduzindo o número de batalhões de infantaria de 24 para 21 e cortando esquadrões de aeronaves de decolagem de rotor basculante, de ataque e de transporte pesado.

As mudanças são o resultado de uma ampla revisão e experimentos de jogos de guerra de meses que estabeleceram a força que o serviço precisará até 2030. O General Comandante David Berger dirigiu a revisão, que ele chamou de sua prioridade número 1 como o general mais importante do serviço.


"O desenvolvimento de uma força que incorpore tecnologias emergentes e uma mudança significativa para forçar a estrutura dentro de nossas atuais restrições de recursos exigirá que o Corpo de Fuzileiros Navais diminua e remova os recursos herdados", informou um comunicado à imprensa que anuncia as mudanças.

Em 2030, o Corpo de Fuzileiros Navais cairá para uma força final de 170.000 homens. São cerca de 16.000 "leathernecks" a menos do que hoje.

A economia de custos associada à redução das fileiras pagará um aumento de 300% nas capacidades de artilharia de foguetes, mísseis anti-navio, sistemas não-tripulados e outros equipamentos de alta tecnologia, pois os líderes dizem que os fuzileiros navais precisarão enfrentar ameaças como China ou Rússia.


"O Corpo de Fuzileiros Navais está redesenhando a força de 2030 para a guerra expedicionária naval em espaços ativamente contestados", afirma o anúncio.

As unidades e esquadrões que serão desativados sob o plano incluem:
  • 3º Batalhão, 8º Regimento de Fuzileiros Navais
  • 264º Esquadrão de Rotores Basculantes Médios de Fuzileiros Navais
  • 462º Esquadrão de Helicópteros Pesados de Fuzileiros Navais
  • 469º Esquadrão de Helicópteros de Ataque Leves de Fuzileiros Navais
  • 27º e 37º Grupos de Apoio de Alas de Fuzileiros Navais
  • Companhia de Quartel General do 8º Regimento de Fuzileiros Navais
As outras unidades do 8º Regimento de Fuzileiros Navais - 1/8 e 2/8* - serão absorvidas por outros comandos. O 2º Regimento de Fuzileiros Navais receberá o 1/8, e o 2/8 passará para o 6º Regimento de Fuzileiros Navais.

*Nota do Tradutor: Lê-se 1/8 como 1º Batalhão do 8º Regimento, e 2º Batalhão do 8º Regimento.


As baterias de canhões de artilharia cairão de 21 hoje para cinco. As companhias de veículos anfíbios cairão de seis para quatro.

O 367º Esquadrão de Helicópteros de Ataque Leves de Fuzileiros Navais, baseado no Havaí, que voa com aeronaves AH-1Z e UH-1Y, também será desativado e realocado para Camp Pendleton, Califórnia, segundo o comunicado.

AH-1Z Viper.

UH-1Y Venom.

E planos para reativar o 5º Batalhão, 10º Regimento de Fuzileiros Navais, bem como uma unidade de sistema de artilharia de precisão também estão sendo descartados. As baterias atribuídas a essa unidade serão realinhadas sob o 10º Regimento de Fuzileiros Navais, de acordo com o comunicado.

"O futuro da Força de Fuzileiros da Esquadra (Fleet Marine Force, FMF) exige uma transformação de uma força herdada em uma força modernizada com novas capacidades orgânicas", acrescenta. "O FMF em 2030 permitirá que a Marinha e o Corpo de Fuzileiros Navais restaurem a iniciativa estratégica e definam o futuro dos conflitos marítimos capitalizando novas capacidades para impedir conflitos e dominar dentro da zona de combate das armas do inimigo".

As unidades de infantaria existentes ficarão menores e mais leves, de acordo com o plano, "para apoiar a guerra expedicionária naval e construídas para facilitar distribuições e Operações de Base Avançada Expedicionária (Expeditionary Advanced Base Operations)".

Fuzileiros navais da Companhia Charlie, Equipe de Desembarque do Batalhão, 1º Batalhão, 4º Regimento de Fuzileiros Navais, correm em direção a posições de segurança durante um exercício de tiro real, como parte das operações simuladas de Operações de Base Avançada Expedicionária da 31ª Unidade Expedicionária de Fuzileiros Navais, Camp Schwab, Okinawa, Japão, 13 de março de 2019 (Sargento de Pontaria TT Parish/ Corpo de Fuzileiros Navais)

O Corpo de Fuzileiros Navais também criará três regimentos costeiros que são organizados, treinados e equipados para lidar com as missões de negação e controle do mar. O comunicado à imprensa descreve as novas unidades como uma "postura do Pacífico". As unidades expedicionárias de fuzileiros navais, que são enviadas para navios da Marinha, aumentarão esses novos regimentos, acrescenta o comunicado.

Além de mais sistemas não-tripulados e capacidade de tiro de longo alcance, o Corpo de Fuzileiros Navais também quer um novo navio de guerra anfíbio leve e investirá em gerenciamento de assinaturas, guerra eletrônica e outros sistemas que permitirão que os fuzileiros navais operem a partir de "locais minimamente desenvolvidos".


Berger considerou a escalada da China no Mar da China Meridional e na região Ásia-Pacífico um divisor de águas para a Marinha e o Corpo de Fuzileiros Navais. Ele pressionou por uma integração mais estreita entre os serviços marítimos, à medida que a luta muda dos grupos insurgentes no Oriente Médio e para novas ameaças no mar.

Autoridades fuzileiros navais dizem que continuarão avaliando e realizando jogos de guerra o projeto da força do serviço.

"Nossas iniciativas de projeto da força são projetadas para criar e manter uma vantagem competitiva contra adversários incansáveis e em constante mudança", afirma o comunicado.

Leituras recomendadas:










Por que Moçambique está terceirizando a contra-insurgência para a Rússia


Por Andrew McGregor, The Jamestown Foundation, 29 de outubro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 24 de março de 2020.

O relacionamento histórico

Uma nova ofensiva do governo na província de Cabo Delgado, no norte de Moçambique, é a mais recente tentativa de eliminar insurgentes islâmicos sombrios em uma região cujas reservas de energia inexploradas podem reverter os infortúnios econômicos do país e os danos infligidos por décadas de guerra civil e repetidas insurgências (Agência de Informação de Moçambique, 21 de outubro). Sem sucesso nesses esforços nos últimos dois anos, agora há relatos de que Moçambique recorreu à Rússia para obter ajuda militar (ver EDM, 15 de outubro). Mas por que a Rússia, e o que Moscou esperaria em troca?

Avião de transporte russo Antonov 124 em Nacala, Moçambique, em setembro de 2019.

A chegada do explorador português Vasco da Gama em 1498 iniciou uma colonização secular de um vasto trato do sudeste da África que passou a ser conhecido como Moçambique. A resistência moderna aos portugueses começou com a formação da Frente Nacional de Libertação de Moçambique (FRELIMO) em 1962. O primeiro ataque da FRELIMO a um posto português ocorreu em Cabo Delgado em 1964. As facções marxista-leninistas pró-soviéticas consolidaram seu controle da FRELIMO no final dos anos 60, como uma onda de mortes e assassinatos misteriosos, eliminou os líderes nacionalistas. Isso permitiu o surgimento do linha-dura marxista-leninista Samora Machel como comandante militar da FRELIMO.

Um soldado moçambicano em uma cidade no norte de Moçambique afetada pela insurgência em andamento.

Em 1972, a FRELIMO estava sendo abastecida com armas de Moscou e Pequim. Isso permitiu que Lisboa justificasse sua campanha contra os guerrilheiros, insistindo que eles eram controlados pela União Soviética. O marxismo era, de muitas maneiras, inadequado para Moçambique; a educação das populações nativas nunca foi um ponto forte do colonialismo português e, com o trabalho mais qualificado sendo realizado pelos colonizadores portugueses, simplesmente não havia classe operária a mobilizar*. Assim, o novo estado socialista que emergiu com independência em 1975 foi deixado aberto à oposição armada antimarxista da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), apoiada pelos estados ferozmente anticomunistas da Rodésia e da África do Sul. O fraco desempenho da FRELIMO contra a RENAMO mais tarde levou a uma grande intervenção militar do marxista Zimbábue (antiga Rodésia) para salvar o regime da FRELIMO.

*Nota do Tradutor: Já nos anos 60 os moçambicanos eram treinados pelos chineses maoístas que pregavam a mobilização dos camponeses como o elemento principal revolucionário, e baseavam sua estratégia na guerra de mobilização popular, a mesma instrução que a FRELIMO passava para o ZANLA operando na antiga Rodésia.

Estátua de Vasco da Gama na praça em frente ao antigo Palácio dos Capitães-Generais, na Ilha de Moçambique, uma pequena ilha de coral na entrada da Baía de Mossuril, na costa de Nampula.

A partida por atacado dos portugueses após a independência deixou a FRELIMO desesperada por assistência externa. A independência também trouxe uma mudança importante na abordagem militar da FRELIMO. Já não travando uma guerra de guerrilha, a FRELIMO precisava de armas pesadas, sistemas de defesa aérea e treinamento em táticas convencionais para evitar incursões dos militares rodesianos e sul-africanos. Incapaz de obter esse apoio da República Popular da China, o partido procurou fontes soviéticas, cubanas e da Alemanha Oriental, com milhares de conselheiros militares chegando para treinar o exército moçambicano e fornecer segurança ao presidente. As armas soviéticas, incluindo 24 caças a jato MiG 17 da época da Guerra da Coréia, pilotados por cubanos, tendiam a ser material soviético ultrapassado, para grande decepção dos líderes da FRELIMO. Isso encorajou um ceticismo persistente na liderança da FRELIMO em relação à profundidade do compromisso soviético com um Moçambique socialista.

Desembarque de um dos três helicópteros russos em Nacala, em setembro de 2019.

Em março de 1977, Machel assinou um Tratado de Amizade de 20 anos com a União Soviética. Como parte de sua luta da Guerra Fria com o Ocidente, os soviéticos encaravam Moçambique como um ativo estratégico importante, com portos de água quente e fácil acesso ao litoral leste da África e ao Oceano Índico. No entanto, a FRELIMO trabalhou duro para evitar cortar todos os laços com o Ocidente. Como explicou um dos principais membros da FRELIMO (marxista de linha-dura Marcelino dos Santos): “Não lutamos por quinze anos para nos libertar para nos tornar o peão de mais uma potência estrangeira” (Allen Isaacman e Barbara Isaacman, Moçambique: Do Colonialismo à Revolução, 1900-1982, Hampshire, Inglaterra, 1983, p. 171).

Fidel Castro e Samora Machel se encontram em 1980.
Fidel era chamado de herói do pan-africanismo socialista.

Em 1980, Moçambique abriu uma embaixada em Moscou, apenas a segunda embaixada de Moçambique em um país não-africano (Lisboa sendo a primeira). No mesmo ano, Machel decretou que todos os oficiais da FRELIMO deviam ser comunistas. Após um ousado ataque sul-africano a uma base do Congresso Nacional Africano nos arredores de Maputo, em janeiro de 1981, os navios de guerra soviéticos chegaram aos portos moçambicanos de Maputo e Beira com um aviso de represálias por novos ataques (CSM, 24 de fevereiro de 1981). No entanto, Moçambique permaneceu cauteloso em se comprometer com o apoio total aos objetivos da política externa soviética. A pressão soviética para estabelecer uma nova base naval no arquipélago de Bazaruto, em Moçambique, foi firmemente rejeitada.

Foto emblemática da intervenção cubana na África: soldados cubanos e angolanos na Batalha de Cuito Cuanavale, 1988.

Em meados da década de 1980, as relações com Cuba estavam em declínio e as intenções soviéticas eram vistas com maior suspeita, em parte devido às intrigas soviéticas em Angola (outra ex-colônia portuguesa) e à morte de Machel em uma aeronave Tupolov pilotada pelos soviéticos em outubro de 1986 (CSIS Africa Notes, 28 de dezembro de 1987). Enfrentando pressões financeiras em outros lugares, os soviéticos começaram a se afastar de seu caro compromisso com a FRELIMO, mesmo quando o Reino Unido e os Estados Unidos entraram com apoio militar e econômico na guerra contra a RENAMO.


Tripulação cubana na Batalha de Cuito Cuanavale, em 1988; a maior batalha de tanques na África após a Segunda Guerra Mundial.

Atualmente liderada por Ossufo Momade, a RENAMO encerrou sua longa insurgência assinando um Acordo de Paz e Reconciliação Nacional em Maputo em agosto de 2019 (Clubofmozambique.com, 21 de agosto de 2019), embora o movimento ainda não tenha renunciado a todas as armas, conforme exigido no acordo. Embora isso tenha trazido uma pausa bem-vinda à aparentemente interminável guerra interna de Moçambique, uma nova e mais misteriosa insurgência estava surgindo no norte do país simultaneamente com a descoberta de enormes depósitos de gás natural na região pouco conhecida.


Tenente Milagros Katrina Soto (centro) e outras integrantes do Regimento Feminino de Artilharia Anti-Aérea do exército cubano em Angola.

A maioria da minoria muçulmana de Moçambique vive em Cabo Delgado, especialmente entre o povo Makua e a cultura suaíli da costa. O sufismo moderado, ao invés do salafismo radical, é a linha dominante do culto islâmico. Os portugueses fizeram do catolicismo romano a religião oficial da colônia, mas, durante a guerra de independência (1964–1974), Portugal se acomodou mais ao Islã para impedir que os muçulmanos se alinhassem aos rebeldes seculares. O estado marxista pós-independência era menos complacente - Machel sempre usava seus sapatos ao entrar em uma mesquita e certa vez informou a uma reunião de muçulmanos que "Deus é um porco" (Allen Isaacman e Barbara Isaacman, Moçambique: Do Colonialismo à Revolução, 1900–1982 , Hampshire, Inglaterra, 1983, p. 50). Os muçulmanos foram cada vez mais tratados como cidadãos de segunda classe, e a Frente anti-FRELIMO Cabo Delgado lançou uma insurgência de curta duração e de baixa intensidade logo após a independência.

Ilustração "Comerciantes de escravos vingando suas perdas", de 1874, mostrando comerciantes de escravos árabes-suaílis e seus cativos africano no rio Rovuma, em Moçambique. O comerciante está matando um escravo não agüentava mais andar.

A tranquila pobreza de Cabo Delgado foi interrompida pela descoberta offshore de vastos campos de gás natural pela empresa de energia norte-americana Anadarko em 2010. Outras explorações revelaram o que poderia ser a terceira maior reserva de gás natural do mundo (Eia.gov, maio de 2018). A riqueza recém-descoberta atraiu novos insurgentes, e um grupo anteriormente desconhecido que se dizia islâmico lançou seu primeiro ataque a civis na região em outubro de 2017, matando 40 pessoas (Daily Maverick, 27 de outubro de 2017).

Esse novo grupo terrorista se autodenominava Ahlu Sunna wa'l-Jama'a (ASJ, também conhecido como Ansar al-Sunna), embora seja popularmente conhecido como "al-Shabaab", apesar de não ter aparente ligação com o movimento islâmico somali de mesmo nome. Desde então, o grupo realizou várias atrocidades contra a população civil. Em um caso recente, a responsabilidade foi assumida pela organização do Estado Islâmico (Sábado, 29 de setembro de 2019).

Empréstimos ocultos e bases navais
(4 de novembro de 2019, tradução em 25 de março de 2020)

Petroleiro entrando no porto de Nacala, Moçambique.

No coração do relacionamento revigorado de Moçambique com Moscou (ver EDM, 29 de outubro), está um escândalo financeiro que quase arruinou o país. Especificamente, elementos corruptos do governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE, agência de inteligência de Moçambique) secretamente conseguiram US$ 2 bilhões em empréstimos de bancos comerciais estrangeiros para três empresas estatais empresas sem aprovação parlamentar em 2013-2014. Garantidos pelo governo, foram concedidos empréstimos do Banco VTB e do Credit Suisse da Rússia para o EMATUM, Proindicus e o Mozambique Asset Management (Gestão de Ativos do Moçambique, MAM). O escândalo minou severamente o crescimento da moeda e do PIB de Moçambique, bem como resultou na imposição de novas condições estritas a mais assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial. Também desencorajou novos investimentos estrangeiros, enquanto Maputo lutava para encontrar até US$ 2 bilhões para financiar sua participação no desenvolvimento de reservas do LNG em Cabo Delgado (Macauhub.com.mo, 18 de outubro). O VTB Bank de Moscou está exigindo o pagamento de seu empréstimo (mais de US$ 500 milhões) até o final do ano (Clubofmozambique.com, 9 de setembro de 2019).

Erik Prince, atual chefe do Frontier Resource Group, Lancaster Six Group e fundador da antiga Blackwater.

Como as forças de segurança do estado de Moçambique - as Forças de Defesa e Segurança (FDS) - provaram ser incapazes de lidar com os terroristas de armas leves no norte, Maputo começou a procurar alternativas militares. Inicialmente, a empresa de segurança privada Lancaster Six Group (L6G) de Erik Prince, sediada em Dubai, estava em concorrência com a empresa militar privada Wagner (PMC) da Rússia e a International Special Tasks, Training, Equipment and Protection International (STTEP) do sul-africano Eeben Barlow por contratos de segurança em Cabo Delgado, com Prince prometendo eliminar os terroristas em três meses em troca de uma parcela das receitas de petróleo e gás natural (Issafrica.org, 20 de novembro de 2018; Macauhub.com.mo, 18 de outubro de 2019). Prince também indicou estar interessado em formar parcerias ou fazer investimentos nas três empresas estatais envolvidas no escândalo de empréstimos ocultos em negócios que devem levar a operações de segurança marítima na bacia do Rovuma, rica em gás (Deutsche Welle - Português Para África, 4 de junho de 2019).

Sergei Lavrov e o presidente moçambicano, Filipe Nyusi, apertam as mãos durante uma reunião em Maputo, em 7 de março de 2018.

Em 20 de agosto, a Rússia perdôou 95% da dívida de Moçambique com a Federação Russa durante um fórum de negócios russo-moçambicano. Embora o fórum tenha incentivado o crescimento contínuo do comércio bilateral, alguns empresários moçambicanos expressaram preocupação com as conseqüências de lidar com a Rússia, enquanto esta permanece sob sanções ocidentais pela anexação da Criméia (Agência de Informação de Moçambique, 22 de agosto de 2019). O presidente moçambicano, Filipe Nyusi, também incentivou o Gazprombank da Rússia (especializado em financiar projetos de petróleo e gás) a ajudar a investir em projetos de gás natural líquido (LNG) na Bacia do Rovuma (Agência de Informação de Moçambique, 22 de agosto de 2019). A Rosneft, uma empresa pública de energia russa, possui três blocos de exploração licenciados em Moçambique e está buscando mais.

Prince e Barlow perderam na competição de segurança; no final de setembro de 2019, surgiram relatos de russos armados, possivelmente da PMC Wagner, chegando nas cidades do norte de Nacala e Nampula (ambos na província de Nampula, imediatamente ao sul de Cabo Delgado), supostamente acompanhados por drones e helicópteros (ver EDM, 15 de outubro de 2019) Os relatórios seguiram a admissão do Ministro de Relações Exteriores e Cooperação de Moçambique de que a Rússia estava fornecendo equipamento militar para uso em Cabo Delgado (Noticias ao Minuto, 5 de outubro de 2019). Outro relatório sugeria que os homens eram regulares russos, 160 em número, que pretendiam criar uma base de inteligência militar móvel (GRU) e uma base naval russa permanente (Observador, 28 de setembro de 2019). A embaixada russa em Maputo negou a presença de militares russos em Moçambique (Sapo 24, 3 de outubro de 2019).

Os presidentes de Moçambique e da Rússia, Filipe Nyusi e Vladimir Putin, em Moscou, em 22 de agosto de 2019.

O embaixador da Rússia na África do Sul, Ilya Rogachev, defendeu recentemente o uso de PMCs russos na África, alegando que os críticos vêem a Rússia "através de olhos coloniais", negligenciando a percepção de Moscou dos estados africanos como "parceiros iguais e não inferiores". Rogachev acrescentou que “as empresas militares privadas não são necessariamente ruins. Acho que depende dos objetivos atribuídos a essas empresas” (Daily Maverick, 17 de outubro de 2019).

Embora Cabo Delgado esteja profundamente empobrecido, o crime organizado realiza operações lucrativas por lá, tráfico de heroína, madeira, animais selvagens e rubis (Globalinitiative.net, outubro de 2018; Enact Africa, 2 de julho de 2018). Por enquanto, ainda não está claro se os ataques terroristas na região estão mais intimamente ligados aos islamitas radicais do norte ou ao crime organizado usando o islamismo como disfarce. A intenção poderia ser criar insegurança suficiente para atrasar o desenvolvimento de um setor legítimo que pudesse ameaçar suas operações. Foi sugerido em outro lugar que a insurgência foi projetada para facilitar a entrada de empresas militares privadas na região e permitir a exploração dos recursos energéticos locais (Deutsche Welle - Português Para África, 13 de junho de 2018). Jornalistas locais que tentam investigar a violência enfrentaram intimidação, detenção e até tortura das forças de segurança do governo (Mg.co.za, 25 de abril de 2019).

Bandeira de Moçambique, o fuzil AK-47 cruzado com a enxada à frente do livro mostra a luta armada do campesinato sob o socialismo.

Moscou e Maputo assinaram um acordo simplificando a entrada de navios russos nos portos de Moçambique e um memorando sobre cooperação militar naval, em 4 de abril de 2019. O ministro da Defesa de Moçambique, Athanasio Salvador Mtumuke, observou que “nossa bandeira nacional representa o fuzil Kalashnikov, que simboliza as relações profundas entre nossos países na área militar...” (Sputnik Brasil, 5 de abril de 2018).

Alexander Surikov, embaixador de Moscou em Moçambique, enfatizou a disponibilidade das empresas de energia russas para desenvolverem reservas de gás natural no norte de Moçambique, acrescentando: “Nós fornecemos assistência [militar] a elas sem ameaçar seus vizinhos e sem sacudir o sabre, apenas fazemos o que nossos parceiros em Moçambique pedem” (TASS, 25 de outubro de 2019).

Moscou, sem dúvida, tem olhos no porto de Nacala, o porto mais profundo da África Austral, que fica a cerca de 320 quilômetros ao sul da Bacia do Rovuma. A cidade moçambicana de Palma, perto da fronteira com a Tanzânia, está programada para ser o principal porto da indústria LNG de Rovuma, mas é improvável que sirva a um objetivo duplo como base naval russa. Palma sofreu ataques dos insurgentes. Além disso, manifestações locais pedindo a interrupção do desenvolvimento relacionado à LNG até que a segurança seja estabelecida foram dispersadas por tiros da polícia (Agência de Informação de Moçambique, 14 de janeiro de 2019). O vizinho mais poderoso de Moçambique, a África do Sul, realizará exercícios navais conjuntos pela primeira vez com as marinhas da Rússia e da China em novembro.

A fragata chinesa Weifang na Cidade do Cabo, África do Sul, para as manobras conjuntas entre a África do Sul, a China e a Rússia, novembro de 2019.

Além do apoio militar, o governo da FRELIMO está buscando fortes aliados ao combater a insatisfação interna com a fraude eleitoral, o crime crescente, o terrorismo emergente, os desafios políticos internos e a corrupção desenfreada. Embora a Rússia possa se oferecer como solução para alguns desses problemas, a questão é se Maputo pode superar sua reticência tradicional de se envolver de todo o coração com as ambições regionais de Moscou. A pressão financeira e a atração de riquezas energéticas podem ser suficientes para permitir à Rússia estabelecer sua tão procurada base naval em Moçambique.


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