domingo, 6 de setembro de 2020

"Tanque!!": A presença duradoura dos carros de combate na Ásia

Colocado em serviço na década de 1950, o tanque M41 Walker Bulldog permanece em serviço em vários exércitos da Ásia-Pacífico. Embora atualizados em iniciativas locais, são considerados inadequados para os campos de batalha de hoje. Programas para substituir o M41 estão sendo desenvolvidos na Tailândia (na foto) e em Taiwan.

Por Stephen W. Miller, Asian Military Review,  3 de maio de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de setembro de 2020.

Mobilidade, poder de fogo e proteção. Três qualidades do tanque de batalha principal que estão vendo os exércitos regionais continuarem a modernizar seus estoques.

O tanque é um recurso do campo de batalha de valor único devido à sua combinação única de mobilidade, poder de fogo e proteção. É igualmente capaz de executar operações ofensivas e defensivas com a habilidade de passar de uma para outra literalmente em minutos. O tanque também pode desmoralizar um oponente, semeando confusão e medo, quebrando assim a coesão de suas forças de combate e apoio. Possivelmente possui a maior capacidade de destruir fisicamente um inimigo e seus ativos de qualquer outro sistema de combate terrestre único. No entanto, é sua capacidade de aplicar tiros precisos enquanto se move em velocidade e se reposicionar para atacar ou se defender de locais inesperados à vontade que são seu atributo mais significativo. Em muitos aspectos, o impacto psicológico é a maior contribuição dos tanques.

M41 Walker Bulldog tailandês no golpe militar de 22 de maio de 2014.

É a combinação de mobilidade, poder de fogo e proteção que define o tanque. O impacto desses atributos não é necessariamente dependente até mesmo de alguma combinação "perfeita" dessas características. Na verdade, a história tem mostrado repetidamente que um pequeno número de tanques, mesmo com capacidades menores, dominou os campos de batalha. O sucesso dos tanques levemente blindados e armados do Japão em superar a defesa da Comunidade Britânica da península da Malásia em 1942 é um exemplo disso. O fato é que os atributos dos tanques se multiplicam quando são empregados e devidamente apoiados em terrenos e condições onde ou quando não é previsto. É uma lição tática que os exércitos que operam no Pacífico Asiático parecem ter levado a sério à medida que adquirem não apenas tanques de batalha principais modernos, mas desenvolvem e colocam em campo outros sistemas de arma de fogo direto altamente manobráveis e desdobráveis.

Tanques de manobra

A geração atual de tanques de batalha principais (Main Battle Tank, MBT) tornou-se para algumas forças armadas a combinação ideal de mobilidade, poder de fogo e proteção que não pode ser comprometida. A dificuldade é que este MBT se tornou cada vez mais difícil de mover facilmente em resposta às demandas operacionais. Isso é particularmente verdadeiro em estradas rurais e sobre pontes, mas também em estradas pavimentadas por longas distâncias. Além disso, seu transporte aéreo e marítimo para a realização de operações expedicionárias é limitado. Os MBT modernos como o Leopard 2A6 da Rheinmetall têm um peso de combate de mais de 62 toneladas. Mesmo o MBT Tipo 10 das Forças de Autodefesa Terrestres Japonesas (JGSDF), projetadas especificamente para serem mais leves, chegam a 48 toneladas. Um fator determinante para o peso é o nível de proteção solicitado, uma vez que foram introduzidas tecnologias que permitem que até mesmo canhões de 120 mm sejam montados em veículos mais leves. Vários exércitos do Pacífico Asiático optaram por maior capacidade de manobra e capacidade expedicionária, aceitando proteção passiva reduzida.

Veículo de Combate de Manobra Tipo 16 - Japão

O Veículo de Combate de Manobra da Força de Autodefesa Terrestre Japonesa oferece uma capacidade de apoiar operações de reação rápida contra intrusões com um canhão de 105mm altamente móvel, facilmente desdobrável e letal. Seu peso mais leve permite fácil transporte aéreo e marítimo, enquanto seu desenho com rodas permite viagens de longa distância nas estradas. (Crédito: JGSDF)

A JGSDF, reconhecendo uma lacuna de capacidade em sua estratégia de defesa avançada, desenvolveu um veículo de combate de apoio de fogo direto altamente móvel. O Veículo de Combate de Manobra (Maneuver Combat Vehicle, MCV) ou Tipo 16 estreou em 2013. Produzido pelas Indústrias Pesadas Mitsubishi, o veículo de 26 toneladas com tração nas oito rodas monta um canhão raiado de 105 mm. A torre tem controles de fogo equivalentes ao MBT mais recente, incluindo a visão panorâmica independente do caçador-matador do comandante que permite a detecção do alvo em movimento e passando o engajamento para o atirador. Seu trem de rodagem permite movimentos autônomos em estradas de longa distância a velocidades de até 100 km/h. Além disso, o MCV pode ser transportado na aeronave de carga tática Kawasaki C-2, permitindo o desdobramento até mesmo em ilhas remotas. Apesar do seu peso moderado, sua blindagem modular resiste à penetração de projéteis de 35 mm e 40 mm na área frontal e projéteis de 14,5 mm ao redor. Os primeiros MCV foram colocados em serviço em 2016 com planos para cerca de 300 e a possibilidade de substituir alguns MBT mais antigos.

Clouded Leopard (Yunpao) CM-32 - Taiwan


A família Clouded Leopard (Leopardo-Nebuloso), da República da China (Taiwan), de veículos de combate blindados 8x8 desenvolvidos no país, inclui uma variante de canhão móvel com um canhão raiado de 105 mm. Esta versão foi exibida em vários shows de defesa. Ele foi considerado um substituto adequado para a frota de tanques leves Walker Bulldog do Exército. Embora localmente atualizado no padrão M41D com mira térmica, novos controles de incêndio e um motor a diesel Detroit 8V-71T, os M41 são considerados marginalmente capazes, na melhor das hipóteses. Supostamente 400 ainda estão em uso operacional. A produção da versão de infantaria CM-32 deveria começar em 2010, mas notícias locais relataram atrasos que certamente impactariam em qualquer compromisso futuro com o "canhão variante".

Carros de combate M41A3 disparanda na praia de Xiaojinmen, em Taiwan, 20 de fevereiro de 2020.

Tanques leves

Os tanques leves têm os atributos dos MBT, mas comprometem os níveis de proteção da blindagem para reduzir o peso de combate. Esse peso mais baixo é mais adequado para a capacidade mais baixa das pontes rurais, portanto, tanques leves serviram em muitos exércitos do Pacífico Asiático. Introduzido nas décadas de 1960 e 70, exércitos incluindo aqueles das Filipinas, Tailândia, Taiwan e Indonésia mantêm tanques leves, embora atualizados com controles de fogo aprimorados e, em alguns casos, canhão principal maior. O AMX-13 da GIAT (agora Nexter), por exemplo, continua em uso na Indonésia com um novo controle de fogo e blindagem adicional instalada localmente pela PT PINDAD.

ZTQ – PLA

O Exército de Libertação Popular da China desenvolveu e introduziu o ZTQ, um tanque otimizado para operações nas regiões montanhosas do oeste do país. Entende-se que o desenvolvedor NORINCO também preparou uma versão para exportação que ainda não foi vendida. (Crédito: Guancha)

Já em 2011, surgiram relatos de um novo tanque do Exército de Libertação do Povo (PLA) da China. Este novo tanque parecia destinado ao uso nas regiões montanhosas do oeste e mais tarde foi identificado como o ZTQ, um tanque equipado com canhão de 105 mm com um carregador automático e com um peso de 33 toneladas. A sua exibição pública pelo desenvolvedor NORINCO, no Centro de Exposições de Pequim em 2016, confirmou alguns dos seus detalhes, bem como a oferta de uma versão de exportação, o VT-5. Ele supostamente usa blindagem composta e pode adicionar blindagem reativa explosiva. O PLA é relatado como tendo 300 unidades em serviço.

Tanque de Peso Médio Moderno (MMWT) - Indonésia

Uma colaboração entre a FNSS da Turquia e a PT PINDAD da Indonésia levou ao desenvolvimento do Tanque Moderno de Peso Médio (MMWT), que está sendo considerado para possível produção doméstica na Indonésia para equipar um segundo regimento de tanques. (Crédito Quwa / FNSS)

Essa classe de peso parece ser um compromisso feito por outros exércitos também. Desde 2015, a PT PINDAD da Indonésia tem buscado um desenvolvimento conjunto do seu novo Tanque de Peso Médio Moderno (Modern Medium Weight Tank, MMWT) com o FNSS da Turquia. Chamado de Kaplan MT (Turquia) ou Harimau Hitam / Tigre Negro (Indonésia), foi exibido pela primeira vez em novembro de 2016 na Indo Defense expo. O veículo de 35 toneladas foi mostrado com uma torre CMI Cockerill 3105 com canhão de baixo recuo de 105 mm equipado com um carregador automático. Fontes da FNSS indicam que o MMWT usa blindagem modular que pode fornecer proteção ao STANAG 4569 Nível 4 (perfuração blindada de 14,5 mm e estilhaços de 155 mm). Possui também estabilização, mira térmica e mira panorâmica comandante caçador-matador. Dois protótipos existem atualmente, enquanto as autoridades indonésias sugeriram planos futuros para até 200 unidades, que provavelmente substituirão os AMX-13.

Poder de Fogo Protegido Móvel (MPF) - EUA

Nos Estados Unidos, é o programa Poder de Fogo Protegido Móvel (Mobile Protected Firepower, MPF) que recebe atenção máxima. O MPF foi definido anteriormente pelo Coronel William Nuckols, diretor da Divisão de Requisitos Embarcados da AMR "como um veículo de poder de fogo direto protegido e rastreado que fornecerá suporte para as Equipes de Combate de Brigada de Infantaria (Infantry Brigade Combat TeamIBCT) em operações de entrada forçada ou antecipada". Deve ser capaz de ser prontamente desdobrado, principalmente por aeronaves de transporte. O programa viu o esforço do Exército para envolver mais de perto a indústria no início do desenvolvimento do programa, o que ele espera que incentive a inovação, reduza o risco e permita um cronograma acelerado. David Dopp, o líder do projeto do MPF afirmou. "Tivemos um envolvimento constante e positivo da indústria, incluindo sessões individuais com a indústria e a liderança do Exército". Como resultado, a indústria engajada investiu seus próprios fundos de Pesquisa e Desenvolvimento Independente (Independent Research and Development, IRAD) para aprimorar seus projetos potenciais a um nível de prontidão consistente com o cronograma previsto.

Um desenvolvimento e aquisição acelerados foram lançados pelo Exército dos EUA para um sistema de Poder de Fogo Protegido Móvel (MPF) que apoiará as Equipes de Combate de Brigada de Infantaria. A General Dynamic Land Systems mostrou seu conceito Griffin usando o chassis Ajax e um canhão leve de 120 mm.

Uma Solicitação de Propostas (Request for Proposals, RFP) foi lançada pelo Comando de Contratação do Exército em 27 de novembro de 2017. Dois contratos de Desenvolvimento de Fabricação de Engenharia (Engineering Manufacturing Development, EMD) serão concedidos no final de 2018 (primeiro trimestre do ano fiscal de 2019). Existem três concorrentes atualmente previstos como General Dynamics Land Systems, BAE Systems e SAIC. Espera-se que a BAE se baseie no projeto do Sistema de Armas Blindadas M8 (Armoured Gun System, AGS) que o Sr. Deepak Bazar Diretor do Programa de Veículos de Combate da BAE sugeriu "ter sido originalmente desenvolvido para atender aos requisitos de lançamento aéreo do Exército e LAPES (Low Altitude Parachute Extraction System/ Sistema de Extração de Pára-quedas de Baixa Altitude). Embora seja um requisito objetivo do MPF, consideramos isso altamente desejável e alcançável”. A General Dynamics mostrou um conceito usando um canhão tanque de peso leve de 120 mm no chassis do veículo de reconhecimento Ajax. A SAIC está liderando uma equipe que integrará o chassis do Veículo de Combate Blindado ST-Kinetics de última geração de Cingapura e o sistema de canhão / torre 3105 da CMI Cockerill.

Tanques de Batalha Principais

Leopard 2 - Indonésia e Cingapura

Nos últimos anos, houve uma série de iniciativas dos exércitos do Pacífico Asiático para introduzir os MBT mais avançados. Isso é em parte o resultado dos MBT de última geração que se tornaram disponíveis a preços atraentes do excedente criado por várias reorganizações dos exércitos da OTAN. A Rheinmetall Defense ofereceu com sucesso atualizações e melhorias personalizadas para o MBT Leopard 2 tanto para o Exército Indonésio (Tentara Nasional Indonésia Angkatan Darat, TNI-AD) quanto para as Forças Armadas de Cingapura (SAF). Oliver Hoffman, porta-voz da Rheinmetall, verificou sobre o AMR que “o programa de modernização inclui o Leopard 2A4+ e o Leopard 2RI (no caso da República da Indonésia) ou Leopard 2SG (para Cingapura). As melhorias abrangem o sistema de controle de temperatura, proteção balística aprimorada, conversão de um mecanismo de torre hidráulico para elétrico, uma unidade de energia auxiliar e a instalação de câmeras traseiras. Além disso, a Rheinmetall está aprimorando o canhão de alma lisa de 120mm no RI com um kit de programação que permitirá disparar a nova munição multifuncional DM11 programável da Rheinmetall”.

A Rheinmetall Defense fechou contratos com a Indonésia e Cingapura, fornecendo os MBT Leopard 2 que são modernizados e personalizados para a região. O trabalho está sendo compartilhado com empresas locais nos dois países. Aqui está um Leopard 2RI (República da Indonésia) no campo de tiro. (Crédito: Rheinmetall)

O TNI-AD encomendou 103 exemplares do Leopard 2RI e recebeu mais da metade deles. Um trabalho substancial está sendo realizado pela empresa estatal indonésia PT PINDAD e pelo Depósito de Material Bélico do TNI-AD. O contrato do MBT de Cingapura está sendo conduzido com a Singapore Technologies (ST), cuja subsidiária STELOP está fornecendo a Visão Panorâmica de Arquitetura Aberta do Comandante (Commander’s Open Architecture Panoramic Sight, COAPS). O COAPS parece estar sendo construído sob licença da Elbit Systems e foi visto pela primeira vez no Leopard SR em maio no Army Open House 2017. Cingapura está recebendo 66 carros Leopard SR.

VT-4 - Tailândia

A busca do Exército Real Tailandês (RTA) por um novo MBT sofreu várias reviravoltas. Sua intenção original era adquirir 49 unidades do Oplot T-84T fabricadas pela Fábrica Malyslev da Ucrânia. No entanto, o contrato de 2011 no valor de US$ 241 milhões sofreu atrasos repetidos, perdendo a entrega de 2014. Esta foi uma grande preocupação, pois o RTA teve a necessidade imediata de começar a substituir seus 200 tanques leves M41, antigos de 1957. Em 2017, apenas 25 carros T-84 foram recebidos. Isso levou o RTA, no início de 2016, a olhar para outras opções de MBT. Com o embargo de armas dos Estados Unidos em vigor e o governo da China buscando ativamente melhorar os laços com a Tailândia, não foi uma surpresa ver a NORINCO dar um passo à frente com o seu MBT VT-4 a um preço atraente com um cronograma de entrega inicial agressivo. Autoridades tailandesas afirmaram que o preço da NORICO é um terço das ofertas ocidentais.

O MBT VT-4 da NORINCO (mostrado) foi comprado pelo Exército Real Tailandês após a entrega repetidamente atrasada dos Oplot T-84T previamente encomendados da Ucrânia. O VT-4 é derivado do ZTZ-99A da NORINCO. (Crédito: NORINCO)

O VT-4 foi desenvolvido especificamente pela NORINCO para exportação e é considerado um meio-irmão menor do Tipo 99A do PLA. Ele estreou em 2014 no Dia dos Blindados da NORINCO. O sistema de 52 toneladas monta um canhão de alma lisa de 125 mm de diâmetro capaz de disparar mísseis guiados anti-blindados, de alto explosivo e disparados pelo canhão. Como é típico dos projetos derivados do T-72, o VT-4 usa um carregador automático de carrossel que permite uma tripulação de apenas três pessoas. O negócio de US$ 150 milhões assinado em abril de 2016 viu 28 carros VT-4 entregues até outubro de 2017. Em abril de 2017, o RTA encomendou mais 10 veículos por US$ 58 milhões. Este é o primeiro serviço do VT-4. As autoridades tailandesas sugeriram que há discussões em andamento para uma possível transferência de tecnologia de armas da China e estabelecimento da produção na Tailândia, embora áreas de colaboração ou detalhes não tenham sido fornecidos.

T-90S – Vietnã

O Vietnã recebeu seus primeiros MBT T-90S da Rússia como o primeiro estágio de um programa para colocar até 200 tanques para substituir os antigos T55.

O Vietnã, preocupado com a idade da sua frota de tanques de batalha principais, em meados de 2016 contratou a UralVagonZavod (UVZ) da Rússia para fornecer 64 tanques de batalha T-90S de terceira geração. A primeira entrega foi supostamente enviada em novembro de 2017. O exército precisa de cerca de 200 MBT. O T-90S tem o canhão de alma lisa de 125mm e o auto-carregador. É semelhante em capacidades aos T-90 em serviço com o exército da Rússia e foi amplamente exportado.

K2 Black Panther – República da Coréia

Grupo de tanques K2 Black Panther da ROK.

Em desenvolvimento desde 1995, o MBT K2 Black Panther do Exército da República da Coréia (ROK) começou a ser colocado em serviço em 2014. Um projeto totalmente local, ele é considerado um dos melhores MBT atualmente. Seu canhão de alma lisa L/55 de 120 mm desenvolvido pela Hyundai Wia usa um carregador automático capaz de 10 tiros por minuto. O controle de fogo inclui uma visão panorâmica, radar e capacidade de engajar aeronaves em baixa altitude. Ele também dispara a Munição de Ataque Superior Inteligente Coreana (Korean Smart Top-Attack Munition, KSTAM), uma munição descartável com alcance de 8 km. A Unidade de Suspensão no Braço (In-arm Suspension Unit, ISU) permite que o tanque ajuste sua altura e “ajoelhe-se". Os planos são de desdobrar 320 carros K2, enquanto uma série de melhorias já estão sendo desenvolvidas, incluindo proteção ativa e blindagem reativa.

Tanques K2 Black Panther disparando na linha de tiro.

Necessidades Futuras

O nível de atividade na introdução de capacidades modernas de tanques nos exércitos do Pacífico Asiático não tem precedentes. Os programas de MBT exigirão vários anos para serem concluídos e para preencherem o número de veículos necessários. Nesse ponto, o tanque de "manobra" terá demonstrado mais claramente suas habilidades. Isso poderia ser considerado uma solução para alguns desses exércitos para complementar esses MBT.

Bibliografia recomendada:

Leitura recomendada:

Tanked Up: Carros de combate principais na Ásia, 12 de agosto de 2020.

GALERIA: Caça-Tanques Japoneses em ação1º de julho de 2020.

GALERIA: Tanques M41A3 de Taiwan em tiro de exercício20 de fevereiro de 2020.

GALERIA: Manobra blindada nas Montanhas Celestiais11 de abril de 2020.

GALERIA: Operação de limpeza com blindados em Tu Vu25 de abril de 2020.

FOTO: Puxando hora no topo do mundo12 de fevereiro de 2020.

As forças armadas da Rússia sob Gerasimov, o homem sem doutrina

 

Por Michael Kofman, Russian Military Analysis, 2 de abril de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de setembro de 2020.

Valery Gerasimov, chefe do Estado-Maior russo, completa 65 anos este ano e deve permanecer no cargo enquanto Sergei Shoigu for ministro da Defesa. Gerasimov se destaca na era atual de reforma e modernização militar russa, embora ambos os processos tenham sido iniciados por seu predecessor, Nikolai Makarov. Durante seu mandato, as forças armadas russas também foram sangradas em dois conflitos, Ucrânia e Síria, com as lições aprendidas posteriormente integradas em exercícios em casa. Gerasimov é mais o representante do oficialismo militar russo do que o autor de qualquer um de seus princípios doutrinários fundamentais, mas sob ele as forças armadas russas passaram por melhorias notáveis em capacidade, mobilidade, prontidão, estrutura de força e experiência de combate.

Ironicamente, das coisas que Gerasimov fez para deixar uma marca nas forças armadas russas, ele é exclusivamente famoso por algo que nunca escreveu e que não existe - a saber, a "Doutrina Gerasimov". Em 2014, uma crença errônea de proporções quase míticas emergiu na imprensa ocidental de alguns observadores da Rússia; centrou-se na ideia de que, em fevereiro de 2013, Gerasimov escreveu um artigo que traçava o plano militar russo para ações na Ucrânia e na guerra com o Ocidente.

Fuzileiros navais russos na Ucrânia.

A “Doutrina Gerasimov” foi um nome inteligente cunhado por Mark Galeotti em seu blog, embora ele nunca tenha pretendido que fosse interpretado literalmente como Gerasimov tendo uma doutrina. Em 2018, Galeotti publicou um mea culpa rejeitando qualquer noção de que Gerasimov tivesse uma doutrina, dada a extensão em que esse termo "adquiriu uma destrutiva vida própria". Infelizmente, como uma criatura em um filme de terror, ele escapou, ficando mais forte, correndo descontrolado nos círculos políticos e militares e forçando anos de esforços entre os analistas russos para batê-lo em submissão. Esse esforço provou ser uma tarefa de Sísifo; teorias inteiras subsequentemente surgiram proclamando uma “teoria do caos” russa de guerra política contra o Ocidente, com base na crença errônea de que o Chefe do Estado-Maior Russo está em posição de ditar a estratégia política russa em primeiro lugar.

A estratégia militar e o planejamento do nível operacional no conflito apóiam a estratégia definida pela liderança política, mas não são a mesma coisa. A estratégia em um conflito particular é muito diferente da estratégia política em geral. As forças armadas são uma parte interessada, oferecendo insumos para a estratégia política russa, mas não as determinam. Os votos decisivos estão no Kremlin. A escrita militar é bastante útil para a reflexão do pensamento entre a liderança política, mas o que os militares planejam fazer doutrinariamente, ou o que os debates fazem, não é necessariamente representativo dos desígnios políticos. É função dos militares planejarem todos os tipos de contingências improváveis e, no final do dia, é uma solução cara em uma busca burocrática de problemas que poderia ajudar a resolver.

A anexação da Criméia pela Rússia em março de 2014 levou a uma corrida por informações sobre as forças armadas russas, seu pensamento militar e sua doutrina. No início, isso gerou termos caprichosos e interpretações malformadas. Ao longo dos anos, a “Doutrina Gerasimov” tornou-se um tanto uma piada profissional entre os analistas militares russos, que a vêem como um teste de tornassol que separa aqueles com experiência genuína do campo cada vez maior de autoproclamados especialistas em informação russa ou guerra política.

O rosto relaxado de Gerasimov.

Esse infame artigo de 2013, intitulado Value of Science in Prediction (O Valor da Ciência na Previsão), foi derivado do discurso anual de Gerasimov na Academia Militar de Ciências, sem dúvida reunido por alguns oficiais em um artigo com um gráfico. Gerasimov expôs os sentimentos gerais do pensamento militar russo sobre como os EUA conduzem a guerra política por meio de "revoluções coloridas", eventualmente apoiadas pelo emprego de armas de alta precisão, com muitas das observações derivadas da Primavera Árabe.

Esse artigo representava a interpretação militar russa (ou, mais corretamente, má interpretação) da abordagem dos EUA para conduzir mudanças de regime, combinada com um argumento burocrático projetado para vincular o orçamento das forças armadas russas, consumindo trilhões de rublos a cada ano, a um desafio externo definido em grande parte como político.

Em suma, era uma pia de cozinha (onde todas as possibilidades foram consideradas) das contribuições mais importantes para o pensamento militar russo na época, resumindo as tendências emergentes nos conflitos modernos: as guerras não são reconhecidas ou declaradas quando começam, as medidas assimétricas e não-militares cresceram em relação às forças armadas tradicionais, o papel da guerra de informação e formações irregulares ou proxies (terceirizados) cresceram em proeminência, embora as capacidades convencionais de ponta igualmente tenham colorido o pensamento militar russo, especialmente o emprego em massa de armas guiadas de precisão contra a infraestrutura crítica de um país. Antes do comentário de Galeotti, o artigo de Gerasimov de fevereiro de 2013 foi completamente ignorado e, ironicamente, o mesmo aconteceu com os artigos ou discursos subsequentes que resumem a evolução do pensamento militar russo desde 2013.

Posto defensivo dos mercenários Wagner na Síria.

Essa linha de pensamento sobre o caráter do conflito moderno apenas congelou ainda mais sob Gerasimov no que as forças armadas russas passaram a chamar de “Novo Tipo de Guerra”. Este termo representa a visão russa de como os instrumentos não-militares podem afetar o ambiente de informação de um país, a estabilidade política interna ou a economia, mas são coordenados com capacidades militares convencionais que infligem danos estratégicos, como armas guiadas de precisão de longo alcance e ataque aeroespacial em massa. No ano passado, Gerasimov reafirmou essa crença, alegando que os EUA têm uma estratégia de "cavalo de tróia" que integra guerra política e guerra de informação para mobilizar o potencial de protesto da população, combinado com ataques de precisão contra infraestrutura crítica.

Dada a quase completa ausência de "dissuasão pela negação" no pensamento estratégico russo, a doutrina evoluiu em torno do que Gerasimov chamou de "defesa ativa". Este é um conjunto de medidas preventivas não-militares e militares, abordagens de gestão de dissuasão e escalada com base na imposição de custos. As forças armadas russas têm como objetivo neutralizar preventivamente uma ameaça emergente ou dissuadir, mostrando capacidade e disposição para infligir consequências inaceitáveis ao adversário em potencial. Como disse Gerasimov, “agindo rapidamente, devemos prevenir nosso adversário com medidas preventivas, identificar suas vulnerabilidades em tempo hábil e criar a ameaça de que danos inaceitáveis serão infligidos”. Na prática, isso inclui uma gama de danos calibrados, desde ataques convencionais simples e agrupados contra a infraestrutura econômica ou militar, até o emprego em massa de armas guiadas de precisão, seguido por armas nucleares não-estratégicas e, nos limiares extremos, guerra nuclear.

Melhor reflexão do pensamento militar sobre a preferência entre medidas não-militares e militares.

Muito se tem falado sobre o pensamento militar russo sobre a guerra política ou de informação, mas Gerasimov sempre deixou claro que o impulso da estratégia militar é a guerra convencional e nuclear. O uso do poder militar continua sendo decisivo. O confronto em outras esferas, onde as medidas não-militares dominam, é conduzido por outras "estratégias" e organizações com seus próprios recursos. Os militares se vêem coordenando os dois tipos de medidas, em vez de supervisionar as várias linhas de esforço não-militares.

A resposta militar russa pode ser vista na criação de grupos de combate inter-serviços em cada direção estratégica, com prontidão relativamente alta, e sua capacidade de se mover através da massa de terra russa até o ponto de conflito, conforme testado nas Manobras Estratégicas Vostok 2018. Mobilidade, prontidão e capacidade de diferentes serviços trabalharem juntos aumentaram em ênfase sob o mandato de Gerasimov, junto com as tentativas de engendrar flexibilidade no nível tático, ou o que Gerasimov chamou de capacidade dos comandantes de apresentarem “soluções não-padronizadas". As forças armadas russas também começaram a articular conceitos para futuras operações expedicionárias, chamadas de “ações limitadas”, e institucionalizando a experiência na Síria.

Tropas russas durante os exercícios militares Vostok-2018 (Leste-2018) no campo de treinamento de Tsugol, não muito longe das fronteiras com a China e a Mongólia na Sibéria, em 13 de setembro de 2018.

As forças armadas da Rússia continuam a investir em capacidades e conceitos operacionais para conduzir uma guerra sem contato, capaz de se engajar com armamentos isolados, com base em inteligência e reconhecimento em tempo real. O último Programa de Armamento do Estado 2018-2027 enfatiza a qualidade e a quantidade de armas guiadas de precisão, além de tecnologias habilitadoras para o reconhecimento de ataques e circuitos de reconstituição. Muito tem sido falado sobre o discurso sobre os meios não-militares, quando na prática as forças armadas russas compraram uma quantidade enorme de poder militar convencional e gastaram consideravelmente na modernização nuclear. Desde 2011, pode-se contar com cerca de 500 aeronaves táticas, mais de 600 helicópteros, para mais de 16 regimentos S-400, juntamente com inúmeros sistemas de defesa aérea para as forças terrestres, 13 brigadas Iskander, milhares de veículos blindados, mísseis balísticos e submarinos nucleares polivalentes , ou seja, a lista é extensa. Na verdade, cerca de 50% do considerável orçamento de defesa da Rússia é gasto na aquisição de armas, modernização e P&D.

Apesar dos avanços nas forças armadas russas, a dissuasão doutrinária pela defesa ainda é vista como um custo proibitivo, pouco atraente em comparação com abordagens que limitam ativamente os danos à pátria ou às forças armadas. Conseqüentemente, capacidades-chave, como armas guiadas de precisão de longo alcance, foram integradas em operações estratégicas no período inicial da guerra que são tão ofensivas quanto defensivas por natureza. Gerasimov serviu durante um período crítico entre a doutrina militar de 2014 e um futuro próximo, onde alguns dos desenvolvimentos doutrinários mais relevantes na estratégia militar russa foram na aplicação de força limitada para fins de gerenciamento de escalada e término da guerra.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:




COMENTÁRIO: As Forças Especiais ainda são especiais?

Por Robert Fry, The Article, 31 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de setembro de 2020.

[Nota: As opiniões expressas neste artigo pertencem apenas ao seu autor, não representando, necessariamente, àquelas do Warfare Blog.]

As Forças Especiais foram os garotos-propaganda das Guerras de 11 de setembro. Dos incansáveis raides noturnos conduzidos por todo o Iraque e Afeganistão à audaciosa operação para matar Osama bin Laden, eles capturaram a imaginação do público e entraram na iconografia da época. A natureza ambígua, episódica e insidiosa da contra-insurgência jogou com todas as suas forças e, enquanto as lentas e desajeitadas forças convencionais se limitavam a manter o anel militar, as ágeis e agressivas Forças Especiais levaram a luta até o inimigo.

Mas isso foi naquela época - agora enfrentamos o retorno ao possível conflito interestatal e as grandes estratégias de batalhão que o apóiam, onde a unidade de manobra não é uma patrulha de oito homens das Forças Especiais, mas um exército de tanques ou um grupo-tarefa de porta-aviões. A natureza da guerra também está mudando, com a sofisticação técnica destacada do ciberespaço e do engajamento autônomo substituindo a violência física intensa e próxima da luta das Forças Especiais. Além disso, o status de ícone tem um preço moral? O que David Stirling, o fundador do SAS, pensaria de Celebrity Who Dares Wins? Ele poderia concluir que, em algum lugar ao longo do caminho, a arrogância comprometeu a alma de sua criação?


Primeiro, algum contexto. As unidades militares que têm uma qualidade definidora, que são preservadas para fins diferentes da batalha convencional e são comandadas apenas do nível mais alto, existem desde o início da própria guerra, como atestam os Escudos de Prata de Alexandre ou o Batalhão Sagrado de Tebas. Ainda assim, eles raramente sobrevivem às circunstâncias de sua criação conforme os regimes mudam, os exércitos voltam à ortodoxia e as forças de elite podem assumir uma aparência perigosamente pretoriana. Uma das conquistas marcantes das Forças Especiais Britânicas, criadas na Segunda Guerra Mundial, é quebrar esse ciclo e, por meio de um processo de adaptação constante, manter a relevância.

Nenhum inventário militar de um déspota está completo sem um elemento das Forças Especiais, mas, desde 1945, o soldado das Forças Especiais tem sido uma vocação particularmente britânica. Muito disso deriva de um legado histórico que nunca contou com os exércitos conscritos criados pelo sistema europeu continental de lévee en masse. Nem, exceto in extremis, buscamos os vastos campos de batalha preferidos por Frederico, Napoleão, Suvorov ou Moltke. Em vez disso, contamos com a geografia insular, uma marinha forte e um exército voluntário que aprimorou suas habilidades de pequenas unidades no policiamento das fronteiras do império. De fato, Stirling e os outros que criaram o SAS em 1941 foram, de muitas maneiras, os descendentes espirituais dos oficiais do distrito colonial como Francis Younghusband, James Abbott, os irmãos Lawrence e John Nicholson, que desempenharam seus papéis especiais no Grande Jogo* na Ásia Central.

Uma patrulha fortemente armada do Destacamento "L" do SAS em seus jipes armados com metralhadoras, acabando de voltar de uma patrulha de três meses. As tripulações dos jipes estão todas usando coberturas de estilo árabe, copiado do Long Range Desert Group.

*Nota do Tradutor: "O Grande Jogo" foi um confronto político e diplomático que existiu durante a maior parte do século XIX entre o Reino Unido e o Império Russo, sobre o Afeganistão e territórios vizinhos na Ásia Central e do Sul. Também teve consequências diretas na Pérsia e na Índia. A Grã-Bretanha temia que a Rússia invadisse a Índia para aumentar o vasto império que a Rússia estava construindo na Ásia. Como resultado, havia uma profunda atmosfera de desconfiança e o boato de guerra entre os dois impérios. Chamado na Rússia de "Dança das Sombras".

Em seu início, o SAS baseou-se em duas tradições distintas. O primeiro foi o soldado romântico, melhor exemplificado por Stirling, membro do extenso clã Lovat que fugiu de Cambridge para se tornar um artista em Paris e depois treinou para uma tentativa de escalar o Everest antes de encontrar sua verdadeira vocação na guerra. Ainda hoje, essa tradição é melhor capturada nas palavras de James Elroy Flecker inscritas na torre do relógio memorial na base da unidade nos arredores de Hereford:

Nós somos os peregrinos, mestre; nós devemos ir
Sempre um pouco mais longe; pode ser
Além daquela última montanha azul coberta de neve
Do outro lado daquele mar furioso ou cintilante

A segunda tradição é a capacidade de violência proposital e discriminatória, melhor exemplificada por Paddy Mayne, um jogador de rúgbi dos Irish and British Lions (Leões Irlandeses e Britânicos) e, vencedor de quatro Distinguished Service Orders (Ordens de Serviço Distinto) e polemicamente negado a Victoria Cross, um homem de humor imprevisível e força física sobrenatural que destruiu 47 aeronaves alemãs em uma única sessão durante a guerra do deserto.

As duas tradições em combinação criaram uma capacidade para o desagrado elegante que perdura até os dias de hoje.

As unidades centrais das Forças Especiais - na Grã-Bretanha, o Special Air Service, o Special Boat Service e o Special Reconnaissance Regiment - são compostas de homens e mulheres que sobrevivem a um processo de seleção darwiniano e somam centenas de ex-alunos bem-sucedidos a qualquer momento. Eles tendem a ser mais solitários e reflexivos do que seus colegas militares convencionais em um mundo que depende mais do individual do que do coletivo. A Grã-Bretanha produz aproximadamente o mesmo número de soldados das Forças Especiais a cada ano que as faculdades de Oxbridge produzem double firsts*.

*NT: Um diploma de honra por ser o primeiro da classe em duas disciplinas.

Esse tipo de taxa de sucesso é notavelmente consistente internacionalmente e na América, por exemplo, a mesma proporção da população geral e militar mostra aptidão para o emprego nas Forças Especiais. A gênese das Forças Especiais dos EUA é, porém, bastante diferente da experiência britânica. O estilo americano na guerra sempre foi perseguido em escala industrial, até que, isto é, a amarga derrota do Vietnã, as demandas do campo de batalha não convencional e a presença de proselitismo de Charlie Beckwith combinaram para inaugurar uma nova abordagem.

Charlie Beckwith, o fundador da Força Delta.
As asas do lado esquerdo são britânicas.

Beckwith foi um daqueles indivíduos vívidos, muitas vezes imperfeitos, que às vezes adicionam cor à história das Forças Especiais. Ele completou uma postagem de intercâmbio com o SAS e voltou para a América convencido da necessidade de um equivalente americano. Ele permaneceu como uma voz solitária, evangelizadora, à margem do debate estratégico nacional, até que o surgimento do terrorismo internacional exigiu uma resposta militar especializada. Tendo formado a Delta Force, ele a liderou na Operação Eagle Claw, a tentativa frustrada de resgatar reféns americanos em Teerã. Sua carreira não sobreviveu ao desastre, mas Chargin' Charlie permanece uma presença espiritual na base Delta de Fort Bragg, Carolina do Norte. Em 11 de setembro, as Forças Especiais dos Estados Unidos provavelmente não eram capazes do nível de sofisticação operacional exigido para o ataque a Bin Laden. Na época em que o ataque foi realizado em maio de 2011 e após um processo de reinvenção dinâmica que é emblematicamente americano, provavelmente apenas as Forças Especiais dos EUA eram capazes de realizar a operação.

Portanto, a tradição das Forças Especiais anglo-americanas têm raízes profundas e talvez isso seja parte de um problema crescente. A cultura reverencia a resistência física, a exclusividade do processo de seleção e as habilidades táticas que acompanham a batalha de contato, o que é inteiramente apropriado quando o negócio da época é o desgaste implacável de grupos terroristas como o ISIS. Mas quando a ênfase muda para operações de influência conduzidas pelo Estado que serão conduzidas tanto nos reinos virtuais e cognitivos do conflito quanto no físico, é uma reverência que parece exagerada e corre o risco de encontrar velhas soluções para novos problemas. Se a habilidade preeminente das Forças Especiais tem sido a adaptação, ela está agora ameaçada pelo conservadorismo que vem com o sucesso e a auto-estima institucional?

As Forças Especiais sempre tiveram um lugar para os "esquisitos e desajustados" de Dominic Cummings e o observador casual não precisa olhar além do profundamente excêntrico Orde Wingate - fundador dos Chindits - como evidência. Mas a escala, o foco e o sucesso das Forças Especiais nas Guerras de 11 de setembro levaram a uma homogeneidade crescente. Publicações de código aberto do Comando de Operações Especiais dos Estados Unidos identificam um operador típico como um “atleta pensante” com oito anos de serviço militar, muitos dos quais foram gastos em uma sucessão de cursos táticos avançados. O soldado que emerge desse perfil é formidavelmente equipado para uma gama estreita de operações cinéticas, mas o foco intenso do processo pode ter impedido a curiosidade mais ampla que a guerra futura pode exigir. A exigência pode ser mais do pensamento e menos do atleta; mais Alan Turing e menos Paddy Mayne, afinal, quem teve o impacto mais significativo na Segunda Guerra Mundial: Bletchley Park ou o SAS?

Decodificadores, sob Alan Turing, trabalhando com o código alemão Enigma em Bletchley Park.

Depois, há os problemas de limpeza caseira. Se apenas um número limitado de operadores das Forças Especiais pode ser retirado de uma determinada população militar, o que acontece quando os exércitos encolhem? Em particular, quando as Forças Especiais são desproporcionalmente recrutadas de unidades militares com seus próprios processos de seleção rigorosos - como os Royal Marines - o que acontece quando essas organizações se tornam castradas? Talvez as Forças Especiais precisem pescar em um lago civil mais amplo, mas isso comprometeria o padrão ouro da seleção. Especulou-se que isso poderia ser negociado pela substituição do rigor físico pela seleção por algoritmo ou inteligência artificial, embora ainda não haja nenhuma sugestão de que Gavin Williamson* possa liderar o processo.

*NT: Secretário da Educação britânico.

Finalmente, e se você perdeu a conta do número de SEALs dos EUA que afirmam ter matado Osama bin Laden, o número de jogos de computador homicidas com Forças Especiais no título e o número de ex-operadores que agora ganham a vida nas mídias popular e sociais ao negociarem com sua celebridade militar, você pode se perguntar se todo o conceito das Forças Especiais está em processo de desvalorização. Esses exemplos têm pouca semelhança com os Peregrinos de Flecker ou com a tradição romântica do soldado e eles, mais do que qualquer outra coisa, podem ser o que impede as Forças Especiais de serem especiais.

Bibliografia recomendada:





Leitura recomendada:

Essas aquisições e atualizações podem dar à Força Aérea da Grécia uma vantagem formidável sobre a Turquia

Exemplo de um caça a jato multifuncional francês Dassault Rafale. A Grécia pode buscar adquirir esses caças em um futuro próximo.
(Clemens Vasters via Wikimedia Commons)

Por Paul IddonAerospace & Defense, 3 de setembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de setembro de 2020.

Os objetivos da Grécia de adquirir novos caças e atualizar sua força aérea existente podem fazer com que a Força Aérea Helênica (HAF) alcance uma vantagem qualitativa formidável sobre seu rival turco no final da década de 2020.

A Grécia e a Turquia estão atualmente presas em um impasse cada vez mais tenso e perigoso no Mar Egeu e no Mediterrâneo Oriental sobre os direitos de perfuração de hidrocarbonetos e a delimitação de suas fronteiras marítimas.

Em meio a essas tensões, Atenas está em negociações com sua aliada França sobre futuros negócios de armas que podem incluir a aquisição de formidáveis jatos franceses Dassault Rafale de 4,5 geração. A posse grega de tais jatos pode representar um desafio significativo para os jatos turcos sobre o Mar Egeu e o Mediterrâneo.

“Estamos em negociações com a França, e não apenas com a França, a fim de aumentar o potencial de defesa de nosso país”, disse um funcionário grego à Reuters no início de setembro, acrescentando que essas negociações incluem “a compra de aeronaves”.

A mídia grega afirmou anteriormente que os dois países já haviam fechado um acordo para a venda de 18 jatos Rafale, embora isso não seja confirmado e pareça bastante duvidoso por enquanto.

A HAL já opera uma pequena frota de Mirage 2000-5 de fabricação francesa.

É importante notar que esta não é a primeira vez neste ano em que a Grécia mostrou interesse em atualizar substancialmente sua força aérea com jatos mais modernos.

Um F-16C Block 52+ da Força Aérea Helênica em demonstração sobrevoando Tessalônica pelo Capitão Giorgos Papadakis durante o desfile militar em 28 de outubro de 2018, o "Dia do Oxi" que comemora a rejeição da Grécia ao ultimato feito pelo ditador italiano Benito Mussolini em 1940.
(Foto de Nicolas Economou / NurPhoto via Getty Images)

O ministro da Defesa grego, Nikos Panagiotopoulos, disse em janeiro, após uma visita do primeiro-ministro do país Kyriakos Mitsotakis a Washington, que a Grécia planeja adquirir pelo menos 24 caças F-35 Lightning II furtivos de quinta geração dos Estados Unidos por US$ 3 bilhões.

Panagiotopoulos espera que o longo processo de aquisição comece após 2024. O ministro da defesa foi mais longe e disse que a aquisição de caças F-35 pela Grécia ajudaria a obter "superioridade aérea sobre a Turquia" em um futuro não muito distante. Ele foi repetido pelo jornalista turco Haluk Özdalga, que chegou a dizer que os os F-35 da HAL poderiam permitir que a Grécia transformasse o Egeu em um “lago grego”.

Além disso, disse Özdalga, os F-35 gregos significariam "os equilíbrios podem ser virados de cabeça para baixo no Mediterrâneo Oriental e no Oriente Médio, incluindo o Chipre". Atenas também está em processo de atualização do estoque existente de sua força aérea.

A Grécia tem pouco mais de 150 caças F-16, enquanto a Turquia tem 245. Em dezembro, Panagiotopoulos disse que 84 caças F-16 da HAL serão atualizados para o mais moderno padrão Viper até 2027 como parte de um acordo de US$ 1,5 bilhão com a fabricante Lockheed Martin.

Concluir essa atualização sem dúvida daria a essa grande parte da frota de F-16 da Grécia uma vantagem qualitativa sobre sua contraparte turca quantitativamente superior, que opera as variantes Block 30, 40 e 50 daquele caça icônico.

De acordo com a Lockheed Martin, após a conclusão deste programa de atualização, “Os caças F-16V da HAF serão os F-16 mais avançados da Europa”. A Grécia também assinou contratos com empresas aeroespaciais francesas para atualizar sua frota menor de Mirage 2000-5 durante o mesmo período. O valor dos contratos é estimado em € 260 milhões (aproximadamente US$ 300 milhões). Tudo isso ocorre em um momento em que a Turquia está enfrentando problemas para adquirir novas aeronaves e atualizar sua frota existente.

Os Estados Unidos suspenderam a Turquia do programa F-35 Joint Strike Fighter por causa da sua aquisição de sistemas avançados de mísseis de defesa anti-aérea S-400 russos, em 2019. A Turquia provavelmente não receberá o jato a menos que remova completamente os S-400 do seu território, o que provavelmente não acontecerá. Além disso, é improvável que a Turquia consiga concluir seu caça stealth (furtivo) TAI TF-X de quinta geração até 2030 nem adquirir caças de quinta geração de outros países, como a Rússia, no mesmo período.

Um avião F-16 pertencente às Forças Aéreas Turcas é visto no céu durante o tour de imprensa do treinamento OTAN Tiger Meet 2015 no 3º Comando da Base Principal de Jatos de Konya, em Konya, na Turquia, em 12 de maio de 2015. França, Itália, OTAN, Polônia , Suíça, Holanda e as forças armadas turcas participaram do tour de imprensa do exercício OTAN Tiger Meet 2015. As Forças Aéreas Turcas participaram do exercício com seus dezesseis aviões F-16.
(Foto: Orhan Akkanat / Agência Anadolu / Imagens Getty)

A Turquia pode até achar que terá dificuldade em adquirir caças de 4,5 geração para servir como caças provisórios até que possa finalmente colocar em serviço jatos de quinta geração. E, além de tudo isso, Ancara pode muito bem descobrir que terá dificuldade para atualizar sua frota existente de caças.

Foi recentemente revelado que o Congresso bloqueou secretamente negócios de armas para a Turquia desde 2018, supostamente incluindo um contrato para a Lockheed Martin para atualizar estruturalmente 35 dos antigos caças F-16 Block 30 da Turquia para prolongar sua vida operacional. Durante o mesmo período, a Turquia começou a estocar peças sobressalentes para seus caças F-16 com medo de enfrentar uma série de sanções dos EUA por sua compra do S-400.

Consequentemente, podemos ver uma situação se desdobrar em que a Turquia acha cada vez mais difícil manter sua grande frota de caças de quarta geração, enquanto a Grécia, em contraste, atualiza e aprimora sua frota com sucesso e obtém caças mais sofisticados.

Nesse cenário, o poder aéreo turco ficaria significativamente aquém do de seu vizinho grego e Ancara pode achar cada vez mais difícil contestar militarmente suas várias disputas marítimas com Atenas.

Bibliografia recomendada:

On Spartan Wings:
The Royal Hellenic Air Force in World War Two,
John Carr.

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