segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

A Arte da Guerra em Tropas Estelares - 3 Para a glória da Infantaria Móvel


Por Michel Goya, La Voie de l'Épée, 25 de junho de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de julho de 2019.

Os Regimentos Atômicos

Na segunda metade da década de 1950, o "campo de batalha atômico" era a figura obrigatória da literatura militar americana. A grande inovação técnica do momento é então a "democratização" do átomo graças à miniaturização. Em 1953, aparecem simultaneamente o primeiro motor nuclear (que irá impulsionar o submarino Nautilus dois anos depois) e o primeiro obus atômico, lançado por um obuseiro de 280mm. Para muitos, a munição atômica é o meio para as forças terrestres dos americanas de recuperarem sua superioridade sobre as massas comunistas, como as encontradas na Coréia.  Retrospectivamente, alguns até pensam que se as armas atômicas estivessem disponíveis em assim em grande número em 1950, teria havido menos relutância em usá-las e os americanos teriam necessariamente vencido.

O Manual de Campanha 100-5 de 1954 incorpora armas nucleares como artilharia super pesada na doutrina do Exército. Em 1955, o General Taylor, o novo Chefe do Estado Maior, declara que "um exército sem armas atômicas no campo de batalha do futuro será tão impotente quanto os cavaleiros franceses sob o fogo dos arqueiros ingleses" [1]. Sob sua liderança, uma panóplia total foi montada em apenas dez anos, desde os Honest-Johns (foguetes João Honesto), capazes de enviar uma munição de classe Hiroshima à 48 km até aos foguetes M-28 Davy Crockett lançados a dois quilômetros e até mesmo às Special Atomic Demolition Munition (Munições de Demolição Especial Atômicas) portáteis em uma mochila.

[1] Linn Brian McAllister, The Echo of Battle: The Army's Way of War, Harvard University Press, 2007.

Resta determinar como combater em tal ambiente, sabendo que os soviéticos começam a ter um arsenal similar a partir de 1957. Existe então um rápido consenso de que para preservar os tiros atômicos, precisamos de grandes unidades capazes de conduzir uma batalha muito móvel feita de concentrações e desconcentrações de dispositivos dispersos. As divisões mecanizadas, inteiramente blindadas, atendem a esse critério com a vantagem de serem protegidas da radiação, mas também com essa grande desvantagem para os Estados Unidos, de serem muito pesadas e, portanto, difíceis de projetar  ao longe rapidamente.

Maxwell Taylor propõe outro modelo mais leve e muito claramente inspirado por sua experiência de operações aerotransportadas. Em 1956, ele impôs uma nova divisão, chamada "pentômica", organizada em torno de cinco pequenos regimentos (Battle groups/ grupos de batalha) formados, quando necessário, de um conjunto de várias companhias. Essas unidades leves com 14.000 homens são projetáveis de uma só vez em todo o mundo e suscetíveis de conduzir um combate dinâmico baseado em manobras rápidas e fogos atômicos. Este tipo de combate, testado em tamanho real com munição nuclear real durante o exercício Sage Brush, é, no entanto, muito complexo de gerenciar com os meios da época.

No entanto, estamos convencidos de que os novos meios de transporte aéreo e transmissão não deixarão de resolver o problema. Entre esses meios emergentes, o helicóptero gera muitas esperanças. Em 1956, os Fuzileiros Navais americanos realizaram exercício de helitransporte de uma divisão completa em alto mar, e o Exército considerou o estabelecimento de uma divisão de assalto aéreo, que foi finalmente realizada em 1963.

As divisões de infantaria móvel de Heinlein estão claramente inseridos neste ambiente. Elas não estão organizadas em cinco regimentos como as divisões pentômicas, mas em seis (com três batalhões de quatro companhias de três pelotões). A estrutura é, portanto, pesada (é sempre difícil comandar mais de cinco unidades), mas Heinlein prevê estados-maiores de brigadas ad hoc capazes de encabeçar vários regimentos, inovação estudada em 1959 e adotada com a nova estrutura ROAD (Reorganization Objectives Army Division/ Objetivos de Reorganização das Divisões do Exército) em 1965. Acima de tudo, a versatilidade do soldado da infantaria móvel, blindado, saltitante e sobre-armado, torna possível simplificar consideravelmente as estruturas. Se as armas pesadas são evocadas (mas o que é possível usar mais poderoso do que a munição atômica usada pelos soldados de infantaria?), a divisão de infantaria móvel parece consistir apenas em seus 216 pelotões com mais alguns poucos estados-maiores reduzidas, o que torna possível ter, de uma vez, uma divisão de baixo volume (cerca de 11.000 homens) e um peso muito baixo, ao mesmo tempo que tem uma proporção máxima de combatentes de contato.

O pelotão de infantaria móvel

O peão tático básico é o pelotão de infantaria móvel, dividido em três "terços de pelotão" de dois grupos de combate de oito homens, sendo um total de 53 homens com o comandante de pelotão e o sargento de pelotão. É uma estrutura surpreendentemente arcaica no futurismo ambiente, mais próxima daquela dos pesados pelotões americanas de 1918 (59 homens) que das unidades dos anos 50.

Os numerosos estudos realizados desde 1918 e especialmente após 1945 (Conferência de Infantaria de 1946, Study of the Rifle Unit [Estudo da Unidade de Fuzileiros] ou The Job of Combat Infantryman [O Trabalho da Infantaria de Combate] durante a Guerra da Coréia) concluíram a necessidade de organizar pelotões em três grupos de combate e eventualmente um grupo de apoio (morteiros, metralhadoras). Cada grupo deve necessariamente ser dividido em equipes permanentes de 4 ou 5 para funcionar corretamente. Os grupos do Exército de 1956 incluíam um comandante de grupo e duas esquadras de cinco (um comandante de esquadra, um atirador-metralhador, um granadeiro e três fuzileiros). Aqueles dos Fuzileiros Navais, da sua parte, e como na campanha do Pacífico, são grupos fortes de 13 homens com um sargento e três esquadras de quatro homens.

Com seus seis grupos de oito homens, o pelotão de infantaria móvel seria particularmente pesado para comandar mesmo com (ou talvez por causa de) uma interconexão total. Cada um deles realmente se parece com os da Segunda Guerra Mundial com seu esclarecedor (scout), equipado de maneira mais leve, e seus seis fuzileiros indistintos (em fardamento de Marauders, “Saqueadores”, nomeados em homenagem aos comandos de selva americana engajados na Birmânia em 1944) comandados por um cabo. Os esclarecedores foram abandonados em 1947 no Exército dos EUA, bem como a ideia de controlar tantos homens simultaneamente. Esta foi a fonte de muitas disfunções e grande dificuldade em manobrar neste nível.

No pelotão de infantaria móvel de Heinlein, preso entre os sete homens a serem comandados pelo rádio, e o sargento, até o comandante de pelotão, em outra rede enquanto lidera seu próprio combate, a carga cognitiva dos comandantes de grupo de combate seria particularmente alto e sem dúvida incapacitante. Também deve ser notado que os soldados de Heinlein lutam de maneira isolada, às vezes com vários quilômetros de distância uns dos outros, o que, somado ao efeito do confinamento dos trajes, e de um ambiente particularmente hostil seria particularmente estressante. Esse estresse seria parcialmente compensado pelo sentimento de proteção da armadura, o poder das armas e o contato de áudio, mas seria muito menor do que com a presença de um amigo próximo.

Na realidade, os soldados de infantaria móvel provavelmente seriam agrupados, pelo menos em pares, mesmo que apenas sejam capazes de uma mini-manobra (um apoio enquanto o outro está se deslocando) e, talvez, especialmente proteção mútua. Por exemplo, como se pode imaginar que alguém iria dormir sozinho (mesmo com sono hipnótico forçado) potencialmente no meio de aracnídeos gigantes? Na década de 1950, apenas os comandantes de grupo e pelotão são, na melhor das hipóteses, em ligação via rádio, Heinlein não entende que, mesmo que todos estivessem na mesma rede, ela não permitiria estender a zona de combate da maneira como ele imagina. Existem vários fatores técnicos, táticos e psicológicos que necessariamente levariam forçosamente a agrupamentos.

Rapidamente também, esses versáteis soldados de infantaria, com exceção dos esclarecedores, provavelmente seriam especializados. Cada um deles carrega várias centenas de quilos de munição e uma multiplicidade de equipamentos. Esta não é, pela primeira vez, um problema de peso, mas, novamente, de carga cognitiva. É realmente difícil para um único soldado de infantaria na pressão do combate e na exigência de decisões rápidas, de combinar efetivamente lança-foguetes, lança-chamas, lança-foguetes, chamas, pílulas-pirotécnicas, baterias Y nas costas, etc, tudo isso enquanto observa tanto o terreno real quanto a tela do seu capacete, tudo com uma rede de rádio em fundo sonoro. Heinlein considera portanto esse problema (com "um monte de quinquilharias, que ele deve vigiar e checar, qualquer inimigo equipado com mais leveza [...] poderá esmagar seu crânio enquanto consulta seus vidreiros" [2] mas ele explora considerando a facilidade de uso do traje de combate, extensão das capacidades humanas. Na realidade, é de fato uma extensão física (e note-se de passagem o reflexo de sempre empilhar no soldado de infantaria o máximo que lhe é possível carregar, mesmo em um traje), mas não cognitiva. Será acrescentado que um traje que comportará 347 pontos para verificação antes do seu uso provavelmente seria uma fonte de estresse adicional no campo de batalha. No romance, eles nunca entram em pane, na realidade, um sistema tão sofisticado, sem dúvida, apresentaria mais problemas com conseqüências sempre irritantes.

[2] Robert A. Heinlein, Étoiles, garde-à-vous! Lido em 1974, p. 123.

A solução habitual é simplificar a tarefa de cada um, especializando-o. Uma pequena esquadra de quatro soldados de infantaria móvel especializados (combate aproximado, apoio indireto, saturação, precisão, etc.) é mais eficaz que quatro versáteis e isolados, à custa de um esforço de coordenação (e, portanto, de um comandante de esquadra que não existe em ST). Eles seriam também mais fortes psicologicamente, a interdependência criando mais laços e obrigações de comportamento do que o combate adjacente e independente.

Em resumo, o pelotão de infantaria móvel descrito por Heinlein não funcionaria bem na realidade. Com estes meios do futuro, os militares dos anos 1950 teriam projetado um pelotão menor com soldados agrupados em pequenas esquadras, de 2 a 4, em três ou quatro grupos. Essas equipes provavelmente teriam sido especializadas, os esclarecedores, cuja utilidade não é muito clara em ST, seriam melhor usados agrupados sob o comando direto do comandante de pelotão, que também formariam uma pequena reserva. Provavelmente também haveria equipes de apoio com armas de saturação (metralhadoras de longa distância) ou de precisão que faltam cruelmente em ST.

Homens esmagados mas incrementados

Todo soldado é uma associação de coisas e idéias, uma soma de habilidades e modos de ver o mundo ou os outros. É necessariamente o processo de uma alquimia complexa que Robert Heinlein descreve em detalhes em um longo desenvolvimento (100 páginas) sobre o período da formação inicial, ocasião em que também evoca certos problemas da sua época.

Juan Rico passa vários meses no Campo de Treinamento Básico Arthur Currie (comandante da Força Expedicionária Canadense na Europa durante a Primeira Guerra Mundial), onde ele encontra a figura obrigatória do Sargento Instrutor (DI - Drill Instructor). O período seguinte é em todos os aspectos semelhante ao experimentado pelos soldados e fuzileiros da época, com um treinamento "tão duro quanto possível" e voluntariamente brutal, verbal e fisicamente.

O principal objetivo do treinamento militar é criar indivíduos capazes de resistir à pressão do combate com a óbvia dificuldade de não ser possível recriar exatamente as condições no treinamento. Um time de futebol pode treinar durante os jogos, uma unidade militar não pode treinar durante combates reais. Portanto, procedemos de maneira empírica, tentando chegar o mais perto possível dessas condições reais pela simulação (pouco presente em ST), ou tentamos criar a pressão psicológica mais forte possível sem matar (ou sem matar muito, há 14 mortes dentre 2.009 recrutas no período de treinamento do recruta Rico).

O método geral é o da pressão-compensação, que é encontrada em todos os esportes, por exemplo, e que consiste em forçar o indivíduo, ou mesmo esmagá-lo, a provocar em retorno adaptações orgânicas que o farão mais forte. Em um sistema voluntário, onde todos podem desistir do treinamento a qualquer momento, é também uma maneira prática de dispensar automaticamente os "mais fracos" e reter aqueles com maior potencial de crescimento.

É também um método de aculturação (o recruta é despojado de sua vida anterior para formar uma página em branco) e criação de obrigações de comportamento. Uma unidade militar é um entrelaçamento de elos, desde a comunhão de pequenos escalões até o esprit de corps (espírito de corpo), que é uma troca de prestígio (troco um comportamento "honrado" em troca do prestígio que fornece o "Corpo" quando eu visto seu uniforme e seus atributos visíveis). Quanto mais o processo de se tornar um membro do Corpo, que iniciou a formação, é difícil e, finalmente, por outro fenômeno de compensação, o apego ao mesmo Corpo é forte. Essa força de apego também conduz a justificar em troca a manutenção ou até mesmo a amplificação da dureza desse treinamento.

É, portanto, nesse treinamento inicial, que é uma relação entre indivíduos isolados e uma organização formadora, que se cria principalmente o espírito de corpo, os laços de camaradagem virão mais tarde com a integração em células de combate. Nos Estados Unidos, onde os regimentos e divisões são tradicionalmente treinados para mobilização, são as próprias grandes organizações, como o Corpo de Fuzileiros Navais, que se encarregam desse treinamento em campos gigantescos (apenas dois para o Corpo de Fuzileiros Navais conquanto ele represente quase o dobro do exército francês). O apego é, portanto, diretamente ao Corpo, em vez de estruturas intermediárias, como regimentos. Juan Rico se torna visceralmente ligado a seus camaradas de combate e à Infantaria Móvel, que parece ter apenas dois campos no mundo (para classes de idade em potencial de dezenas de milhões de indivíduos). Realmente não se faz questão no romance de divisões, regimentos ou batalhões. Na Europa, na França e ainda mais no Reino Unido, são os regimentos, mais perenes, ou "subdivisões fortes" (Tropas Navais, Legião Estrangeira, Caçadores Alpinos, etc.) que treinam os recrutas e, portanto, também o apego.

Quando Tropas Estelares é publicado, todas essas questões ressoam com os debates de uma sociedade americana que se questiona sobre a violência. Em 8 de abril de 1956, seis recrutas morreram afogados durante um exercício noturno punitivo no campo de Parris Island (Incidente de Ribbon Creek). O caso gera escândalo e dá origem a um protesto contra os métodos usados no treinamento de jovens recrutas do Exército e especialmente dos Fuzileiros Navais. Pode-se observar que, de 1951 até o final de 1956, mais de 100 instrutores do Corpo de Fuzileiros Navais foram submetidos a uma corte marcial por seu comportamento brutal, refletindo tanto a extensão do problema quanto a supervisão da instituição, como de sua incapacidade de controle. No início de 1957, outro DI foi culpado por espancar um recruta com uma barra de aço e de fazê-lo andar com areia dentro da boca.

Uma onda de protestos, especialmente levada à cabo por mães de soldados, se desenvolve, muito rapidamente, contra-atacada por outro movimento conservador, até mesmo reacionário (no sentido de retornar a práticas passadas consideradas melhores) das quais Heinlein faz parte. Os "dias felizes" dos anos 50 não são necessariamente percebidos como tais na época. A sociedade dos trinta gloriosos é próspera, mas carece de ideais, duvida e acredita estar entediada (The Lonely Crowd, A Multidão Solitária, 1950), de David Riesman, ou The Organization Man (O Homem da Organização, 1956), de William Whyte, ou mesmo A Quiet American (O Americano Tranqüilo, 1955, de Graham Greene). O problema é especialmente gritante na juventude americana, onde há um aumento dramático na delinquência juvenil (com uma triplicação do número de jovens encarcerados na década de 1950).

Para este movimento conservador, não somente o treinamento militar, se ele deve ser supervisionado, não deve ser suavizado, como também todo o sistema educacional americano do qual é concebido como uma parte integral. As cartas das mães na revista Life (então um grande espaço de debates) são seguidas por uma infinidade de respostas e artigos, especialmente de veteranos (então muito numerosos) que denunciam os "bebês chorões" que a sociedade envia agora aos campos de treinamento. A contra-ofensiva sobre o tema do paternalismo necessário mas justo é exercida em todas as áreas, com romancistas simpatizantes como Heinlein, mas também no cinema, com Jack Webb incorporando o sargento Jim Moore em The DI (O Sargento Instrutor, 1957) sucedendo Richard Widmark, em Take The High Ground! (“Tome o Terreno Elevado!”, traduzido como “Dá-me a Tua Mão” no Brasil), em 1953. Em 1954, o Corpo de Fuzileiros Navais iniciou estágios para adolescentes (os “Devil Pups”, "Filhotes do Diabo", com um logotipo projetado pela Companhia Disney) em Camp Pendleton, na Califórnia.

Na atmosfera paranoica do final dos anos 1950, apogeu da ameaça comunista, insidiosa pela subversão ou aterrorizante pelos novos mísseis intercontinentais e pela explosão da gigantesca Tsar Bomba (1961), as forças armadas não são mais contestadas, mas encorajadas a permanecer como o receptáculo de valores fortes e o caldeirão da formação da juventude. Os métodos de treinamento são até endurecidos nesse período. Heinlein pode assim, de uma vez só, tanto contestar a ideia de uma moratória nos testes nucleares no seio de um movimento político que ele cria com sua esposa quanto enaltecer o retorno da virilidade na educação dos jovens como no treinamento militar.

Deve-se notar que enquanto o serviço militar voluntário descrito por Heinlein é aberto a todos (uma lei de 1947 proíbe qualquer forma de segregação nas forças armadas americanas), as mulheres estão totalmente ausentes da Infantaria Móvel, o que não pode ser justificado por uma diferença nas habilidades físicas, já que os trajes de combate as anulam completamente. Deve-se notar, no entanto, que, julgadas excelentes pilotos, há no entanto muitas na Marinha, incluindo os mais altos postos de comando, o que devem ter horrorizado a Força Aérea e especialmente a Marinha da época.

Iron men

A transformação do homem em soldado não é completa até que seja associada aos equipamentos. Aqueles de Tropas Estelares são particularmente espetaculares e contribuíram para o sucesso do livro, assim como sua influência. Cada soldado da infantaria móvel é de fato um homem consideravelmente incrementado por um traje de combate de uma tonelada e seus instrumentos associados, à maneira do super-herói Homem de Ferro que aparece três anos depois.

A ideia está em sintonia com os tempos. Em 1951, o Tenente-Coronel Robert Riggs escreveu um livro sobre as hordas de combate chinesas, onde ele estava expressando tanto o choque da chegada à Coréia de chineses, numerosos, rústicos e fanáticos, quanto a ideia de que era então possível conquistá-los no futuro apenas "se mantivermos a superioridade técnica em todos os campos experimentais, especialmente no aperfeiçoamento do soldado de infantaria, o instrumento supremo da guerra". Em 1956, na revista Army (no artigo “Soldado do Exército do Futuro”,  Soldier of the Future Army) e especialmente em 1958 no romance War 1974 (Guerra 1974), ele explicou com mais detalhes como ele viu a guerra futura entre esses soldados americanos modernizados e as "hordas vermelhas".

A futura guerra (década de 1970) de Riggs é feita de tiros atômicos e enxames de infantaria partindo de plataformas gigantescas (aviões, navios e submarinos) de propulsão nuclear. Na zona de combate, os aviões são considerados muito vulneráveis às defesas antiaéreas e especialmente menos úteis que os mísseis. Saindo então das incursões de bombardeiros, dando lugar à Força de Assalto em 3-D.

Esta força consiste em divisões voadoras, cada uma composta por 5 regimentos de 1500 Big Helmeted Men (“Homens com Capacetes Grandes”, Heinlein descreverá os soldados da infantaria móvel como "gorilas hidrocéfalos") em armaduras. Eles são precedidos por unidades de reconhecimento colocadas à frente dos mísseis balísticos que se abrem acima do objetivo, lançando esses Warhead Warriors (Guerreiros com Ogivas) de pára-quedas plásticos. Os soldados de infantaria de Riggs não voam com sua própria roupa, mas são usados ou acompanhados por uma variedade de equipamentos, desde helicópteros nucleares Hércules gigantes (capacidade de 30 toneladas) até jipes voadores, passando para tanques do ar e drones de reconhecimento.

Uma vez no solo, o soldado é protegido por uma armadura de plástico, um capacete de aço-plástico (ou titânio em Guerra de 1974), uma máscara de gás e uma capa de chuva de plástico. Graças à miniaturização, ele dispõe de um rádio (o primeiro capacete com áudio auricular é experimentado em 1956), sensores infravermelhos ("será o golpe de misericórdia para os guerrilheiros comunistas na selva") e um radar de bolso. Além de um fuzil de assalto leve e de longo alcance, ele tem uma bazuca em miniatura e uma pá para cavar rapidamente uma toca de proteção. Há também uma variedade de metralhadoras, morteiros e especialmente lançadores de foguetes com uma ampla gama de projéteis guiados. Em repouso, o soldado do futuro (que tem um lugar em sua armadura para colocar um maço de cigarros) pode se alimentar graças à sua ração de comprimidos escondidos em uma bota.

O engenheiro Heinlein serviu durante a Segunda Guerra Mundial (com Isaac Asimov e Sprague de Camp) nos serviços técnicos da Marinha dos EUA [3], onde trabalhou nos uniformes e materiais usados pela Aviação Naval. Ele conhece todos os projetos individuais de vôo da época, como o helicóptero individual Hiller VZ-1 Pawnee (1955) ou o jipe-disco Avro VZ-9 (1959) e ele certamente leu Riggs, já que as semelhanças são numerosos.

[3] Naval Aircraft Factory Engineering Division e Naval Aviation Experimental Station.

Todas essas idéias são projeções consideradas realistas. No ano de 2000, publicado pelo Instituto Hudson em 1967, o uso generalizado de motores e explosivos nucleares, mas também máquinas leves de decolagem vertical, o aprendizado hipnótico, bases lunares, hibernação, o sono controlado são considerados altamente prováveis antes do final do século. Heinlein aproveitou esse borbulhar de idéias, incluindo o que realmente foi alcançado como os meios de comunicações portáteis de longo alcance. Ele também desenhou, com os Talentos Especiais, a moda nascente dos poderes paranormais ou, mais exatamente, percepções extra-sensoriais.

Sua contribuição mais interessante e inovadora é a armadura (power armor) de Juan Rico e seus companheiros, tanto o traje de combate que Riggs descreve quanto o exoesqueleto operando de acordo com os princípios da jovem ciência cibernética (especialmente o amplificador de feedback). O primeiro verdadeiro exoesqueleto motorizado moderno, o HARDIMAN, apareceu nos laboratórios da General Electric em 1965, muito provavelmente sob a influência do romance de Heinlein. Foi um fracasso, no entanto, e o protótipo foi abandonado alguns anos mais tarde antes de ser usado como inspiração para o Caterpillar P-5000 Work Loader, usado por Ripley, no filme Aliens de James Cameron em 1983 (assim como muitas outras coisas de Tropas Estelares).

Para imaginar sua armadura, Heinlein certamente se inspirou nas histórias da ópera espacial de seu amigo Edward Elmer Smith (em particular os trajes espaciais dos heróis do ciclo de Lensmen publicados de 1934 a 1950) e talvez o personagem de Creakyfoot onde o herói está dentro de um robô em Campeão Robô da ER James em 1953. Em todo caso, Heinlein é quem descreve mais claramente o conceito e quem terá de longe a maior influência.

Pela versatilidade que ela permite, a armadura de combate permite finalmente que o herói comum tenha acesso ao extraordinário, mesmo que ele não ganhe a guerra sozinho

(Continua)

Michel Goya, tenente-coronel e editor do Centro de Doutrina de Emprego de Forças (Exército), é responsável por fornecer feedback das operações francesas e estrangeiras na região da Ásia/Oriente Médio. Ele é o autor de La Chair et l'Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução tática do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Este livro foi traduzido como A Invenção da Guerra Moderna pela Bibliex. Goya também foi o autor do livro Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail (traduzido no Brasil como Sob Fogo: A morte como hipótese de trabalho).

Bibliografia recomendada:

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