sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

As forças de tanques da Rússia tiveram um despertar muito rude na Síria


Por Sébastien Roblin, The National Interest, 13 de dezembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de fevereiro de 2020.

Talvez o T-90 devesse ter ficado fora do deserto.

Ponto-Chave: Os mísseis TOW usados pelos rebeldes sírios fizeram buracos nos tanques da Rússia.

Os conflitos interconectados que assolam o Oriente Médio hoje representam uma terrível catástrofe humana, com conseqüências globais em espiral. Um de seus efeitos menores foi esvaziar a reputação dos principais tanques de batalha ocidentais, considerados erroneamente como invulneráveis na imaginação popular.

M1 Abrams iraquiano destruído pelos peshmerga curdos, 2017.

Os tanques M1 Abrams iraquianos não apenas falharam em impedir a captura de Mosul em 2014, mas foram capturados e se voltaram contra seus proprietários. No Iêmen, numerosos M1 sauditas foram nocauteados pelos rebeldes houthis. A Turquia, que perdeu vários M60 Patton e os atualizados tanques M60T Sabra para combatentes curdos e do ISIS, acabou desdobrando seus temíveis tanques Leopard 2A4 de fabricação alemã. O ISIS destruiu de oito a dez deles em questão de dias.

Leopard 2A turco destruído pelos peshmerga curdos, 2016.

Embora esses tanques pudessem se beneficiar de atualizações defensivas específicas em alguns casos, a verdadeira lição a ser tirada era menos sobre deficiências técnicas e mais sobre treinamento de tripulação, moral competente e emprego tático sólido, mais do que blindagens "invulneráveis". Afinal, mesmo os tanques principais de batalha mais fortemente blindados são significativamente menos bem protegidos contra ataques nas blindagens laterais, traseiras ou superiores - e rebeldes com anos de experiência em combate aprenderam como emboscar tanques de batalha principais desdobrados de maneira imprudente, principalmente usando mísseis anti-carro de longo alcance a quilômetros de distância.

Uma exceção à mancha geral de reputação tem sido o tanque T-90A da Rússia, 550 dos quais servem como o melhor tanque principal de batalha da Rússia até que os T-14 Armata entrem em pleno serviço. O T-90 foi concebido nos anos 90 como uma mistura modernizada do chassis do anterior T-72 otimizado para produção em massa e da torre de alta qualidade do T-80 (mas operacionalmente mal-sucedido). Mantendo um perfil baixo e uma tripulação de três homens (o canhão de carregamento automático 2A46M do tanque toma o lugar de um municiador humano), o T-90A de 50 toneladas é significativamente mais leve que o M1A2 e o Leopard 2 de 70 toneladas.

Quando Moscou interveio na Síria em 2015 em nome do regime sitiado de Bashar al-Assad, também transferiu cerca de trinta T-90As para o Exército Árabe Sírio (SAA), além de atualizar os T-62M e T-72. As forças armadas sírias poderiam usar desesperadamente essa infusão de blindados, pois haviam perdido mais de dois mil veículos blindados nos anos anteriores - especialmente depois que os rebeldes sírios começaram a receber mísseis TOW-2A americanos em 2014. Os T-90 foram espalhados entre a 4ª Divisão Blindada , a Brigada Águias do Deserto (composta por veteranos aposentados do SAA liderados por senhores da guerra pró-Assad) e Força Tigre, uma unidade de elite do SAA do tamanho de um batalhão especializada em operações ofensivas.


Em fevereiro de 2016, rebeldes sírios filmaram um vídeo de um míssil TOW sendo filo-guiado em direção a um tanque T-90 no nordeste de Alepo. Em um clarão ofuscante, o míssil detona. No entanto, quando a fumaça diminuiu, ficou evidente que a blindagem reativa a explosões Kontakt-5 do tanque detonara a ogiva de carga oca do míssil TOW antes do impacto, minimizando o dano. (Esse fato talvez não tenha sido apreciado pelo artilheiro do tanque, que na versão completa do vídeo saiu de uma escotilha já aberta e fugiu a pé.) No entanto, o vídeo se tornou viral.

Enquanto o T-90A ainda é superado pelos tanques principais de batalha ocidentais, ele possui vários sistemas defensivos, particularmente os versáteis mísseis anti-tanque que (todos, exceto alguns) os tanques Abrams e Leopard 2 não têm - e os mísseis anti-tanque destruíram muito mais veículos blindados nas últimas décadas do que os canhões dos tanques.

Se você olhar de frente para um T-90A, poderá notar os assustadores "olhos" na torre - um método confiável para distingui-lo dos T-72 modernizados de aparência semelhante. Na verdade, são ofuscadores infravermelhos projetados para interferir sistemas de mira laser em mísseis, e brilham com uma cor vermelha assustadora quando ativos. Os ofuscadores são apenas um componente do sistema de proteção ativa Shtora-1 do T-90, que também pode descarregar granadas de fumaça que liberam uma nuvem de aerossol que obscurece o infravermelho. O Shtora é integrado a um receptor de aviso a laser de 360 graus que aciona automaticamente as contra-medidas se o tanque for pintado por um laser inimigo - e pode até apontar a arma do tanque para a origem do ataque. A segunda linha de defesa do T-90A vem na forma de placas da blindagem reativa explosiva Kontakt-5, que foi projetada para detonar antes do impacto de um míssil, a fim de interromper o jato derretido de sua ogiva de carga oca e projetar metal adicional em seu caminho.

Ofuscadores infra-vermelhos Shtora-1.

A blindagem reativa do T-90 e o sistema de proteção ativa Shtora provaram-se uma contra-medida segura contra os mísseis guiados anti-tanque de longo alcance (anti-tank guided missile, ATGM)?

Em uma palavra, não - mas você apenas saberia disso caso seguisse muitos vídeos menos divulgados que descrevem a destruição ou captura de carros T-90 por forças rebeldes e governamentais.

ATGM Konkurs na Síria.

Jakub Janovský se dedicou a documentar e preservar as perdas registradas de blindados na Guerra Civil Síria por vários anos e recentemente divulgou um vasto arquivo de mais de 143 gigabytes de imagens de combate do conflito, que vão de atrocidades perpetradas por vários grupos a centenas de ataques de ATGM.

De acordo com Janovský, dos trinta carros transferidos para o Exército Árabe Sírio, ele sabe que cinco ou seis T-90A foram nocauteados em 2016 e 2017, principalmente por mísseis TOW-2A guiados filo-guiados. (Alguns dos tanques nocauteados, para esclarecer, podem ser recuperados com reparos pesados.) Outros quatro podem ter sido atingidos, mas não é possível determinar seu status após o ataque. Obviamente, pode haver perdas adicionais que não foram documentadas e há casos em que o tipo de tanque envolvido não pôde ser confirmado visualmente.

T-90 do Exército Árabe Sírio (SAA).

Além disso, os rebeldes da HTS (Organização para a Libertação do Levante) capturaram dois T-90 e os usaram em ação, enquanto um terceiro foi capturado pelo ISIS em novembro de 2017. Em junho de 2016, os rebeldes da Frente do Sham (Frente do Levante) eliminaram um T-90 com um TOW-2. As filmagens de drones feitas depois mostram a fumaça subindo da escotilha da torre e revelam os ofuscadores Shtora do T-90. Outro vídeo gravado em 14 de junho de 2016, em Alepo, mostra um T-90 fazendo uma curva fechada e correndo para se esconder atrás de um prédio - possivelmente ciente de um míssil TOW que está chegando. No entanto, o T-90 é atingido em sua blindagem lateral ou traseira. O tanque explode, espalhando detritos no ar, mas continua se movendo atrás da cobertura.

Outro T-90A foi atingido por um Konkurs feito na Rússia (semelhante ao TOW) ou o míssil AT-14 Kornet, mais poderoso, guiado a laser, perto de Khanassar, na Síria, ferindo o artilheiro. A equipe acabou abandonando o veículo quando um incêndio se espalhou do reparo da metralhadora para o veículo, onde começou a detonar as granadas de 125 milímetros no carregador automático de estilo carrossel. A colocação de munição no meio do tanque ao lado da tripulação, em vez de um compartimento de armazenagem separado como no M1, há muito tempo é uma vulnerabilidade dos projetos de tanques russos.

Equipamentos modernos do T-90 em evidência.

Enquanto isso, os rebeldes mantinham dois T-90 em uma fábrica de tijolos abandonada na província de Idlib. Em abril de 2017, um dos T-90A rebeldes, reforçado com sacos de areia em sua blindagem, aparentemente entrou em um frenesi ajudando as forças rebeldes a recuperarem a cidade de Maarden, segundo a mídia russa. Mais tarde, um dos T-90A foi recapturado pelo governo e o outro foi nocauteado - supostamente, por um tanque T-72 usando um sabot cinético na blindagem lateral.

Em outubro, o ISIS capturou um T-90A da 4ª Divisão Blindada perto de al-Mayadeen, no leste da Síria, quando se aventurou sozinho em uma tempestade de areia. Então, em 16 de novembro de 2017, o ISIS emboscou uma coluna blindada da Força Tigre e aparentemente explodiu uma torre do T-90A do seu chassis e deixou-a apodrecer de cabeça para baixo no deserto. A tripulação teria sido morta. No entanto, a mídia pró-Assad afirma que este foi o T-90 capturado anteriormente pelo ISIS, considerado inoperável e depois destruído para fins de propaganda.

T-90 do SAA capturado por militantes da Tahrir al-Sham (Organização pela Libertação do Levante), 2017. 

Isso não quer dizer que os sistemas defensivos do T-90 nunca funcionaram. Em um incidente notável registrado em 28 de julho de 2016, um tanque T-90 próximo às fazendas Mallah de Alepo foi atingido por um míssil TOW, mas emergiu aparentemente ileso da nuvem de poeira graças à sua blindagem reativa. Enquanto o veículo afastava-se freneticamente, a equipe do TOW o atingiu com um segundo míssil - o qual ele aparentemente sobreviveu apesar de sofrer danos.

Janovský diz que não tem conhecimento de carros T-90 tendo sido perdidos por armas de curto alcance, "uma vez que o regime raramente usava os T-90 em combate aproximado, especialmente após a captura de dois carros." O T-90 foi de fato "relativamente bem-sucedido" na opinião de Janovský, apesar das perdas devido ao "excesso de confiança e pouca coordenação com a infantaria, que tem sido um problema de longo prazo do SAA".

Visores térmicos Catherine FC da Thales.

Segundo Janovský, o recurso mais útil do T-90 provou ser seus sistemas ópticos e computador de controle de tiro superiores, comparado aos tanques russos anteriores. “Os T-90 tiveram bom desempenho quando tiveram a oportunidade de disparar contra rebeldes a longa distância ou à noite, quando os sistemas ópticos e o computador de controle de tiro modernos provaram ser uma grande vantagem.” De fato, o modelo T-90A começou a receber visores térmicos Catherine FC de fabricação francesa em meados dos anos 2000.


É claro que um pequeno número de T-90 não teria um grande impacto em uma guerra civil que se arrastava há anos. No entanto, Janovský ainda vê lições a serem tiradas da situação. "O regime também teve sorte de que os rebeldes nunca conseguiram nenhum ATGM moderno que tenha modo de ataque por cima - o qual mataria confiavelmente o T-90". Exemplos de armas de ataque por cima incluem o míssil Javelin e o TOW-2B.

Demonstração de um ATGM Javelin atacando a torre de um T-72 por cima.

“Na minha opinião, o principal problema do T-90 (e da maioria dos outros tanques modernos) é a completa falta de um Sistema de Proteção Ativa (um que atire nos mísseis), idealmente com uma cobertura de 360 graus, mas 270 graus deve ser o mínimo. Isso não significa apenas que ele é vulnerável a ser incapacitado por rojões baratos em combate urbano, mas também por mísseis anti-tanque guiados disparados de um ângulo inesperado. Quando você considera o alcance dos ATGMs atuais [tipicamente duas a cinco milhas], será bastante comum que você tenha uma oportunidade de tiro lateral contra um tanque inimigo atacante a partir de posições em frente ao local de ataque.”

T-90 em base russa na Síria.

De fato, a Rússia planeja atualizar seus T-90A - atualmente menos avançados que os T-90MS em serviço com o exército indiano - para uma variante do T-90M com novos sistemas de proteção ativa de ataque-duro [quando ataca fisicamente a ameaça], blindagem reativa atualizada e um canhão 2A82 mais poderoso. Por fim, as perdas na Síria mostram que qualquer tanque - seja T-90, M-1 ou Leopard 2 - é vulnerável em um campo de batalha no qual ATGMs de longo alcance proliferaram. Sistemas de proteção ativa e sistemas de aviso de mísseis são vitais para atenuar esse perigo - mas também o emprego tático cuidadoso, equipes treinadas com competência e cooperação aprimorada com a infantaria para minimizar a exposição a ataques de longo alcance, repelir emboscadas e fornecer olhos extras para possíveis ameaças.

Sébastien Roblin é mestre em Resolução de Conflitos pela Universidade de Georgetown e atuou como instrutor universitário do Corpo de Paz na China. Ele também trabalhou em educação, edição e reassentamento de refugiados na França e nos Estados Unidos. Atualmente, ele escreve sobre segurança e história militar para o site War Is Boring. Esta peça foi originalmente publicada em 2018 e está sendo republicada devido ao interesse do leitor.

Bibliografia recomendada:

TANKS:
100 Years of Evolution,
Richard Ogorkiewicz.

T-80 Standard Tank: The Soviet Army's Last Armored Champion,
Steven Zaloga.

Leitura recomendada:


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